QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NA AGROINDÚSTRIA: TECENDO A EDUCAÇÃO DO TRABALHADOR Vera Lucia Martiniak Universidade Estadual de Ponta Grossa-UEPG Em meados do século XIX, vivia-se sob o avanço do capitalismo industrial europeu embasado nas idéias do liberalismo. No Brasil, especialmente nas terras de Minas Gerais, o café se tornou o produto predominante na economia do país. O modo de produção no Brasilcolônia era fundamentado na exploração e produção de gêneros tropicais, tais como: açúcar, tabaco, metais preciosos, madeiras etc, para exportação, e o processo baseava-se no envio dos produtos para a metrópole, para distribuição e comercialização. O colono e o escravo em nenhum momento desenvolveram uma estrutura interna capaz de mobilizar e acumular capitais. Portanto, a colônia esteve à margem do surgimento do sistema capitalista, participando como coadjuvante na formação dessa nova economia. A colônia apenas fornecia os produtos e não compartilhava dos aspectos sociais e econômicos do sistema capitalista. Conforme Mello (1998, p. 39), a economia colonial pode ser definida como: altamente especializada e complementar à economia metropolitana. Esta complementaridade se traduz num determinado padrão de comércio: exportam-se produtos coloniais e se importam produtos manufaturados e, no caso de economias fundadas na escravidão negra, escravos. Por outro lado, a articulação economia metropolitana-economia colonial a isto não se resume, porque este padrão de comércio se efetiva através do monopólio de comércio exercido pela burguesia comercial metropolitana. Prado Júnior (2000, p. 123), em sua obra Formação do Brasil Contemporâneo, sintetiza as características fundamentais da economia colonial brasileira como: “de um lado, esta organização da produção e do trabalho, e a concentração da riqueza que dela resulta; do outro, a sua orientação, voltada para o exterior e simples fornecedora do comércio internacional”. Por conseguinte, durante o Império, predominou a economia baseada na agricultura e no trabalho escravo, porém, essa situação alterou-se a partir da segunda metade do século XIX. Segundo Azevedo (1996, p. 185) a abolição devastara e arruinara a grande propriedade, onde senhores e fazendeiros tinham montado, com o trabalho servil, as suas vastas culturas: (...). A estrutura social e econômica, porém, permanecia quase a mesma, baseada ainda na monocultura latifundiária que retardou a divisão da grande propriedade e, portanto, a democratização da terra, expandindo-se novamente em São Paulo que pôde conservar a sua aristocracia territorial graças às correntes de imigração e ao capital estrangeiro. O processo de abolição, que se deu de forma progressiva, através de vários mecanismos e leis, como a proibição do tráfego negreiro, a Lei do Ventre Livre e, finalmente, a substituição do trabalho servil pelo trabalho livre, foi o golpe decisivo para a proclamação da República. Analisando esse período, Fernando de Azevedo acrescenta ainda que, com a “diferenciação e complicação crescente das sociedades urbanas, fragmentadas já em grande número de grupos; a marcha progressiva das idéias liberais e a própria centralização que, não se opondo à complicação social, longe de lhe ser contrária, preparava à democracia, já vinham alargando caminho ao curso da corrente republicana”(AZEVEDO, 1996, p. 184). Assim, a sociedade brasileira foi gradativamente sofrendo modificações na sua estrutura política e econômica. O setor econômico, a lavoura do café tornou-se uma nova fonte de riqueza, despertando atenção e investimentos dos órgãos públicos. Essa política de valorização do café representou uma saída para a crise da economia colonial, além de reafirmar a concentração dos lucros nas mãos da camada senhorial, também chamada de “burguesia agrárioexportadora”. O sucesso da cafeicultura brasileira deveu-se a dois fatores: um de ordem externa, traduzido no crescimento do consumo no mercado europeu; e outro interno, em que as terras férteis do interior paulista propiciaram sua expansão. O desenvolvimento da economia cafeeira foi possível também devido à construção de estradas de ferro – financiadas pelo capital mercantil nacional e pelo capital financeiro inglês - que diminuiu os custos dos transportes e melhorou a qualidade do café. Assim, a união do capital cafeeiro com o capital estrangeiro determinou o avanço do capitalismo no Brasil. A presença do capital cafeeiro e a do capital estrangeiro, que consubstanciavam as formas específicas da dominação imperialista no Brasil da época e ainda as relações específicas que essas formas expressavam, determinaram as contradições particulares do avanço do capitalismo no Brasil, rumo à constituição de uma ordem econômico-social capitalista plenamente configurada. (XAVIER, 1990, p. 28) Entretanto, a rápida expansão da economia cafeeira desencadeou um sério problema: a escassez de mão-de-obra. Para contornar as dificuldades encontradas, o governo iniciou uma campanha de atração de imigrantes estrangeiros para trabalhar nas lavouras de café. Com a substituição do trabalho escravo pela mão-de-obra estrangeira, a cafeicultura teve um crescimento acelerado, como também foi um fator que contribuiu para o fim da escravidão. A lavoura cafeeira influenciou diversos setores da sociedade brasileira e a própria industrialização desenvolveu-se em virtude do crescimento dessa cultura. Nas primeiras décadas do século XX, o crescimento da produção cafeeira é reforçado por uma política governamental bastante favorável aos interesses do setor, a qual garante crédito, formação de estoques e intervenções no câmbio para compensar eventuais baixas dos preços internacionais. Essas medidas tiveram um reflexo positivo, pois mantiveram o crescimento da cafeicultura, possibilitando aos fazendeiros investir parte de suas rendas em atividades comerciais e industriais, e dinamizaram assim a economia urbana. Em contrapartida, no final da década de 20, a produção interna cresce muito mais do que a demanda externa. O Brasil, na condição de país periférico do capitalismo internacional, sofreu influência cultural e absorveu as ideologias difundidas nas sociedades hegemônicas. Assim, os princípios da doutrina liberal consolidaram-se com a Proclamação da República, que se fundava nos princípios da individualidade, da liberdade, da igualdade e da democracia. Neste contexto histórico, na qual se insere essa pesquisa, procurou considerar as transformações que marcaram a sociedade brasileira. Considerando o papel central atribuído ao trabalho em nossa sociedade, torna-se relevante discutir as diferentes interpretações sobre o fenômeno no mundo do trabalho. As mudanças nas formas de produzir e de organizar o trabalho surgem como estratégias pelas quais o capitalismo procurar superar a crise de acumulação. Por processo de qualificação do trabalhador, considera-se não apenas a educação ofertada na rede escolar oficial, mas inclui todos os processos e procedimentos que as empresas agroindustriais empregam para adequar sua força de trabalho às necessidades de maior produtividade, exigidas pelos novos padrões de competitividade do mercado nacional e internacional. A agroindústria é um dos segmentos mais importante da economia e representa atualmente quase um terço da produção do país. Até o século XIX, a dinâmica econômica no país era realizada essencialmente pela sucessão de ciclos de exploração dos produtos primários, no que já se incluía o processamento da cana-de-açúcar. O Brasil caracterizou-se, desde as suas origens, como um país onde a organização social baseava-se na agricultura. Na fase colonial, as relações sociais constituíam-se por senhores, representando a família patriarcal, os agregados que mantinham uma relação de dependência com senhor da casa- grande e os escravos. Era em torno da família patriarcal que se organizavam as instituições sociais e políticas, fazendo do Estado a extensão dos seus interesses. A atividade econômica que se estabeleceu no Brasil colonial se insere no processo de transição do feudalismo para o capitalismo, sob o domínio do capital mercantil, que proporcionou a geração de um excedente que contribuiu para a formação do capital necessário ao pleno florescimento do modo de produção capitalista na Europa. Acrescente-se, ainda, que o comércio de escravos que se estabeleceu a partir da escravidão nas colônias também se constituiu como outra fonte de acumulação de capital. A acumulação de capital se deu devido a fatores como a substituição da mão-de-obra escrava pela mão-de-obra livre e a legislação limitando o acesso à terra, que passaram a desempenhar um papel essencial, ou seja, estabeleceram a compra como única forma legítima de adquirir terras públicas, e na medida em que a invasão dessas terras recebia severas punições, forçou o colono a permanecer ligado à grande lavoura. A substituição da mão-de-obra escrava pela mão-de-obra livre não representou, de imediato, uma mudança no papel desempenhado pela economia brasileira no cenário mundial. O Brasil continuou como uma economia primário-exportadora, pois a atividade econômica era principalmente extrativa e agrícola e a produção destinava-se ao mercado externo. Por outro lado, os habitantes da colônia dependiam, quase que completamente, de importações para obter os bens que consumiam. Somente a partir do final do século XIX começaram a surgir, no Brasil, as primeiras indústrias, dedicadas principalmente à produção têxtil e alimentícia. Com a transição de uma organização social de base escravocrata para uma organização de produção de forças de trabalho semilivre ou livre, começaram a surgir em vários locais do Brasil núcleos de pequenas propriedades agrícolas de base familiar. E ainda, no governo imperial, surgiram os núcleos de colonização estrangeira, principalmente no sul do país, para atender interesses de governantes preocupados em suprir a demanda de mão-de-obra para as grandes fazendas. Nos fins do século XIX até meados do século XX, ocorreu o processo de industrialização e a crescente migração interna, provocando a ocupação dos espaços demográficos “vazios”. No Estado do Paraná, embora sua ocupação viesse ocorrendo desde o período colonial, foi a partir do início do século XX que ocorreram sucessivas ondas de povoamento, que cessariam na década de 60, quando todo o território do estado estava povoado. Essas ondas de povoamento podem ser caracterizadas segundo três correntes migratórias: uma formada por imigrantes estrangeiros que ocuparam o litoral em direção aos Campos Gerais, outra formada por paulistas, mineiros e nordestinos, que ocuparam o norte em direção ao centro, e a terceira, oriunda do Sul do Brasil, formada por colonos gaúchos e catarinense que ingressaram no Paraná a partir do Sudoeste e Oeste do estado. A história da ocupação do solo brasileiro através da grande propriedade, que advém do período colonial, não se realiza da mesma forma e com a mesma intensidade em todas os períodos históricos e em todas as regiões do Brasil. No Sul, particularmente, os pequenos empreendimentos agrícolas, ou a pequena propriedade familiar, a partir de 1824, marcaram a formação da sociedade através das chamadas colônias agrícolas ou pequenos estabelecimentos familiares. É preciso assinalar, porém, que mesmo nas regiões onde predominou a agricultura dos grandes domínios, como no Nordeste, seu estabelecimento não se deu de forma pacífica. (BRANDENBURG, 1999, p. 91-92) Desse modo, a colonização e a ocupação da região Sul, particularmente do Paraná, se diferenciou do restante do país. Os diferentes movimentos migratórios formaram uma civilização constituída pela diversidade étnica e cultural. Atualmente, a produção da agroindústria no Estado do Paraná baseia-se na produção de frango, suínos, bovinos, milho, aqüicultura, mandioca, soja e leite. Como esta pesquisa se desenvolve no âmbito da história da educação, tem o compromisso de abordar as transformações dos processos pedagógicos a que estão submetidos os trabalhadores da agroindústria, na escola e nas relações sociais e produtivas. Parte-se para investigar como se deu a formação profissional do trabalhador da agroindústria e as mudanças estruturais do capitalismo monopolista, procurando analisar as suas continuidades, rupturas e contradições. Responder essas inquietações sobre a qualificação do trabalhador implica num esforço teórico que articule o contexto econômicosocial-político no movimento regional, nacional e internacional procurando produzir uma história da educação crítica. Diante dessa questão norteadora analisa-se a trajetória da educação brasileira e os dispositivos pedagógicos (treinamento/cursos) oferecidos pela empresa voltados para a construção de um trabalhador tecnicamente mais eficiente. Esta questão problematizadora tem aparecido sistematicamente nos discursos oficiais, porém mais especificamente a formação do trabalhador da agroindústria não foi cotejada ainda pelas pesquisas educacionais. Esse fato deve-se também ás políticas educacionais que tem tratado dessa problemática de maneira descontextualizada, desmerecendo a importância do trabalho e o seu real significado para o homem. Em se tratando do tema trabalho/educação, parte-se da especificidade de que o trabalho “é indispensável à existência do homem – quaisquer que sejam as formas de sociedade – é necessidade natural e terna de efetivar o intercambio material entre o homem e a natureza, e portanto, de manter a vida humana”(MARX, 1982, p. 50) que o que distingue os seres humanos dos animais é que estes produzem seus meios de vida, condicionados por sua organização corpórea e associados em agrupamentos. Os indivíduos humanos são tais como manifestam sua vida. O que são coincide com sua produção, tanto com o que produzem quanto com o modo como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção. Na obra “O Capital”, Marx oferece um minucioso estudo sobre os processos de trabalho implementados pelo capital, que vai desde a cooperação simples à grande indústria, mas também pistas para a compreensão dos elementos constituintes do movimento do capital. O autor entende que a divisão do trabalho no interior da sociedade capitalista é mediada pela compra e venda de mercadorias de diferentes ramos de trabalho, enquanto que a divisão manufatureira é mediada pela venda de diferentes forças de trabalho ao mesmo capitalista. O referencial teórico-metodológico fornecido pelo materialismo histórico dialético como forma de entender uma realidade em movimento, com todas as suas leis que assim a apresentam, entre o mundo do trabalho e educação. Serão utilizados documentos, fontes primárias e secundárias referentes ao estudo nos arquivos públicos do Estado do Paraná, bem como os acervos particulares. QUESTÕES METODOLÓGICAS Considerando o contexto escolhido e os objetivos expostos anteriormente, nesta investigação a abordagem se deu por via da pesquisa qualitativa, com utilização da pesquisa bibliográfica e, concomitantemente, do uso combinado das fontes primárias. Nessa perspectiva, compreendendo a importância das fontes primárias, procurou-se manter a fidedignidade da linguagem do período estudado. Por conseguinte, a construção do texto teve como base de análise fontes documentais e bibliográficas. A utilização de documentos como decretos, códigos, relatórios tiveram como critério apresentar as indicações legais e políticas do Estado. Já as fontes bibliográficas foram utilizadas para construir a base de entendimento e análise das fontes primárias, que abordam e descrevem as questões ao redor das quais desenvolvessem as relações do mundo do trabalho e a educação. Ao articular-se as relações do mundo do trabalho e a educação ao contexto econômico, político e social, buscou-se produzir uma História da Educação crítica, capaz de propor um melhor entendimento da importância e da riqueza do processo acumulado ao longo do período histórico estudado, fornecendo subsídios adequados para a compreensão do tema. Nessa perspectiva, o eixo teórico-metodológico, elemento principal, será expresso por meio da ciência da História, na “medida em que é examinado o todo; desempenha, portanto, uma função dupla, a única capaz de fazer dele efetivamente um fato histórico: de um lado, definir a si mesmo, e de outro, definir o todo; ser ao mesmo tempo produtor produto; ser revelador e ao mesmo tempo decifrar a si mesmo; conquistar o próprio significado autêntico e ao mesmo tempo conferir um sentido a algo mais” (KOSIK, 1995, p. 49). Com relação à coleta de dados, foram utilizados os documentos existentes no Arquivo Público do Paraná (Curitiba), Bibliotecas da Universidade Estadual de Campinas: Faculdade de Educação, Biblioteca Central e Departamento de Obras Raras, Biblioteca da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Biblioteca Pública de Ponta Grossa, Casa da Memória-PR e Museu Campos Gerais. Merece destaque o potencial contido nessas fontes, assim como a importância dos dados que se revelam para o pesquisador, os quais possibilitaram que informações anteriormente imersas viessem à tona, permitindo captar fragmentos da história, bem como da história regional e nacional. Nessa perspectiva, revela-se o papel do historiador, pois, enquanto pesquisador necessita estar preparado para articular as informações coletadas e assim reconstruir, sob o seu olhar, a história da instituição e dos seus atores, conforme as fontes que foram descritas anteriormente. Logo, a utilização das fontes primárias permitiu o deslocamento do olhar do pesquisador para a amplitude de informações que contribuíram para a análise e compreensão da temática abordada. O trabalho com essas fontes possibilitou reescrever a História da Educação dos Campos Gerais, tendo como questão norteadora as relações do mundo do trabalho e a educação, uma vez que, inseridas em determinados contextos, elas propiciaram a captação de novos significados, desvelando aspectos pertinentes à temática proposta. Assim, este estudo passa pela vinculação do passado e do presente, no sentido de organização da práxis social, concebendo os homens “envolvidos no seu processo de desenvolvimento real em determinadas condições” (MARX, 1998, p. 20). Isso significa pensar que estamos diante de uma realidade histórica em constante movimento e que o resultado desse movimento e decorrentes intercâmbios transformaram as realidades, mas “não é a consciência que determina a vida mas a vida que determina a consciência”(MARX, 1998, p. 20). Dessa maneira, estamos considerando que a realidade não existe desvinculada de seus pressupostos reais dentro de um contexto concreto, em condições materiais determinadas. Nesse sentido, nossa reflexão científica se apresenta dentro de um processo ativo do conhecimento, no qual a “história deixa de ser uma coleção de fatos mortos, como para os empiristas ainda abstratos, ou uma ação imaginária de sujeitos imaginários, como para os idealistas” (MARX, 1998, p. 20). REFERENCIAS BRANDENBURG, A. Agricultura familiar, ONGs e desenvolvimento sustentável. Curitiba: UFPR, 1999. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. 2º ed. São Paulo: Nova Cultual, 1985.(Os economistas.)Livro primeiro, volume I. _________.O Capital I. 3.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988.