Vacinólogos e anti-vacinólogos - Sociedade Brasileira de Pediatria

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Vacinólogos e anti-vacinólogos
Reinaldo de Menezes Martins
Membro da Academia Brasileira de Pediatria
Consultor Científico de Bio-Manguinhos/Fiocruz
Ë uma constante na natureza e na vida social que todo movimento provoque um
movimento contrário, o que pode incomodar, e mesmo ser prejudicial em alguns
momentos, mas a síntese e os frutos dessa dialética superam os inconvenientes.
O medo e a hostilidade acompanham a história das vacinas, desde a vacina
antivariólica até os dias de hoje. A vacina antivariólica causava muitos eventos
adversos, inclusive porque o seu método de produção era artesanal e sem controles
adequados. Mas, à medida que ficou claro para as pessoas que era uma forma eficaz
de evitar a varíola, doença gravíssima, a sua aceitação foi se ampliando e se impondo.
Até hoje a única forma eficaz de mostrar o valor das vacinas e responder aos críticos é
pela demonstração de que seus benefícios superam os seus riscos. Foi com essa vacina
artesanal, proveniente do vírus da varíola animal, com eventos adversos graves e
raros, e imunidade transitória, que se conseguiu erradicar a varíola do mundo.
Todas as vacinas (e medicamentos) têm eventos adversos associados. A utilização ou
não de uma vacina na rotina dos serviços de saúde pública depende de uma avaliação
criteriosa dos seus riscos e benefícios.
Para que essa avaliação seja válida, é preciso utilizar metodologia científica. As
pesquisas que levam ao registro da vacina precisam obedecer às regras de boas
práticas de laboratório, boas práticas de produção e boas práticas clínicas, controladas
por comissões de ética independentes e pela agência reguladora nacional (Anvisa).
Mesmo após a aprovação da vacina, a avaliação continua sob a forma de estudos de
pós-comercialização, pois os ensaios clínicos, por mais completos que sejam, envolvem
número limitado de participantes. Assim aconteceu com a primeira vacina de
rotavírus, que ao ser usada em larga escala associou-se a aumento de casos de
invaginação intestinal, tendo sido suspensa. As vacinas de rotavírus atuais são eficazes
e seguras.
Os eventos adversos também precisam ser investigados adequadamente para que se
possa avaliar se são ou não causados pela vacina. Em alguns casos essa relação causal
fica clara, mas em muitos outros é impossível estabelecer a causalidade, a não ser
comparando a frequência do evento adverso entre vacinados e não vacinados.
À medida que as doenças foram desaparecendo ou se tornando raras pelas vacinações
(por exemplo, varíola, poliomielite, sarampo, rubéola, difteria, tétano), foi diminuindo
a tolerância pelos eventos adversos. Isto tem obrigado os produtores a investirem em
vacinas cada vez mais purificadas e seguras, o que, ao lado de benefícios, tem
contribuído para preços mais elevados. Além disso, essa purificação, paradoxalmente,
pode diminuir a eficácia das vacinas, o que obriga a utilização de produtos
imunoestimulantes (adjuvantes) ou o emprego de técnicas de engenharia genética,
por exemplo, as vacinas de hepatite B e papilomavírus (HPV), que simulam a forma de
vírus (“vírus-like particles”, VLPs).
No Brasil, os fatores que têm afetado mais as coberturas vacinais são notícias sobre
eventos adversos, divulgados de forma alarmista (principalmente no caso da vacina
HPV), o trabalho da mãe fora de casa (sobretudo para as coberturas vacinais acima de
um ano de idade) e a falta eventual de vacina, em anos recentes. Também é difícil
obter boas coberturas vacinais em adolescentes e adultos. O Ministério da Saúde
precisa ter uma articulação oficial (e não informal, em esforços isolados) com o
Ministério da Educação para promover a saúde nas escolas, inclusive vacinação. Um
outro problema sério é a falta de homogeneidade nas coberturas, principalmente nas
áreas rurais e de difícil acesso. Um exemplo recente é a epidemia de febre amarela no
interior de Minas Gerais, área com recomendação de vacina, atingindo adolescentes e
adultos, embora a cobertura vacinal em crianças fosse boa.
É preciso tomar cuidado para não polemizar com os grupos anti-vacina, pois isso acaba
por conferir credibilidade a acusações absurdas. O esclarecimento público é essencial,
e principalmente os meios de comunicação de massa, os profissionais de saúde e de
educação precisam estar bem informados, de forma transparente.
O caso da vacina de febre amarela, atualmente, é o mais espinhoso. Sabemos que há
eventos adversos graves e raros associados ao seu uso, e as pessoas precisam estar
informadas de que, apesar disso, não há outra maneira prática de evitar a doença,
extremamente grave, a não ser a vacinação. Há evidências indicando que as causas são
de natureza genética, pois não foram detectados problemas de qualidade da vacina de
todos os produtores nem mutações no vírus vacinal. Vamos iniciar agora em BioManguinhos/Fiocruz um estudo para tentar descobrir as causas genéticas destes
eventos adversos graves, em parceria com o Ministério da Saúde e a Universidade
Rockefeller, e quem sabe, encontrar um modo de evitá-los.
Além disso, novas vacinas contra febre amarela estão em desenvolvimento, utilizando
novas tecnologias, mas não sabemos ainda quando ficarão prontas.
É assim, neste processo de construção coletiva, entre sucessos, percalços e críticas,
que os programas de vacinação vêm se fortalecendo e se aperfeiçoando em todo o
mundo. Não há intervenção médica de melhor relação custo-benefício do que as
vacinações, e o programa de imunizações do Brasil é justo motivo de orgulho, pelos
imensos benefícios que tem gerado, sem qualquer restrição de acesso a ricos ou
pobres.
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