1 O MERCADO DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL NO INTERIOR DE ALAGOAS E O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Rosa Prédes* Sarah Bernardo Pereira** RESUMO O trabalho é parte da pesquisa sobre o “Mercado de Trabalho do Serviço Social na Sociedade Contemporânea” e analisa a inserção do Serviço Social em instituições dos municípios do interior do Estado de Alagoas, situando-o no processo de descentralização das políticas sociais no Brasil. Palavras-chave: Serviço Social Descentralização, Municipalização, Políticas Públicas, ABSTRACT The text is part of the research project “Work’s Market of the Social Work" and analyses the professional practice in municipal institutions, linked to the descentralization of the social policies. Keywords: Social Work, social policies, descentralization. 1 INTRODUÇÃO Desde as primeiras sistematizações dos dados da pesquisa sobre o mercado de trabalho do Serviço Social em Alagoas1 vem-se se constatando o crescimento de instituições empregadoras de assistentes sociais cuja abrangência é municipal. Dos levantamentos realizados no cadastro dos Profissionais inscritos no Conselho Regional de Serviço Social (CRESS 16°Região/Alagoas), notou-se um progressivo crescimento de assistentes sociais que se vinculam às instituições públicas municipais: 26,33% em 2001, 28,83% em 2002 e 37,44% em 2003. Assim, colocou-se o desafio de aprofundar essa tendência de municipalização do espaço sócio-ocupacional da profissão, exatamente no período histórico de expansão do processo de descentralização das políticas sociais no Brasil. Com isso, incorporou-se à pesquisa sobre o mercado de trabalho do Serviço Social as suas particularidades nos municípios do interior do Estado2. Partindo do pressuposto de que a análise do Serviço Social exige uma remissão direta aos processos sócio-econômicos mais amplos e às relações entre Estado e * Assistente Social, Profª Drª do Departamento de Serviço Social da UFAL Graduanda em Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas e Bolsista do PIBIC/UFAL/CNPq 1 Pesquisa iniciada em 2000, pelo grupo de pesquisa coordenado pela Profª Drª Rosa Prédes; sendo uma parceria entre o Departamento de Serviço Social da UFAL e o CRESS 16ºRegião, com a participação de profissionais e alunos de Serviço Social. 2 Esse estudo foi viabilizado pelo financiamento da FAPEAL (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas) ao projeto de pesquisa O Mercado de Trabalho do Serviço Social na Sociedade Contemporânea: Investigação da Realidade no Estado de Alagoas, ao qual está vinculado o Plano de Trabalho da Bolsista do PIBIC/CNPq/UFAL, cuja realização está permitindo a sistematização dos dados aqui apresentados. ** São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 2 sociedade, o estudo das particularidades do mercado de trabalho do Serviço Social nos municípios do interior, contempla uma investigação sobre o processo de descentralização das políticas sociais e as suas interferências na constituição do espaço sócio-ocupacional do Serviço Social. A profissão é aqui entendida como própria ao desenvolvimento capitalista, inserida em intervenções sociais que se organizam a partir do reconhecimento da existência da questão social e de suas repercussões, estas são expressões da desigualdade produzida pela forma de produção desta sociedade, na qual se contrapõem o capital e o trabalho, nas suas diversas relações econômicas e político-ideológicas. Assim, apesar da aparência de mera atividade, de um mero conjunto de providências e encaminhamentos, a atuação do assistente social é marcada e marca diversos processos sociais participantes da produção e da reprodução das relações sociais. Ou seja, a efetivação das ações profissionais – nas suas dimensões técnica, ética e teórica - tem conseqüências reais na realidade que produz a necessidade de sua intervenção profissional, a qual só pode ser compreendida se vista como parte de iniciativas mais amplas de enfrentamento da questão social, mediada por políticas sociais e por instituições. Nesse trabalho apresentamos alguns resultados da pesquisa em instituições do interior do Estado que possuem pelo menos um assistente social contratado. O acesso a essa realidade se deu através de dois tipos de fonte de dados: os relatórios de visitas de fiscalização realizadas pela agente fiscal do CRESS 16°Região a 75 (setenta e cinco) instituições e os formulários de registro das visitas dos pesquisadores do grupo de pesquisa a 26 (vinte e seis) instituições3. Assim, a sistematização dos dados – relativos a uma amostra de instituições visitadas no período 2001 a 2003 – foi realizada através de indicadores que identificam o perfil institucional, a inserção do Serviço Social e o trabalho dos assistentes sociais. 2 DESCENTRALIZAÇÃO / MUNICIPALIZAÇÃO E O MERCADO DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL NO INTERIOR Nos últimos quinze anos o processo de descentralização das políticas públicas tem alterado a dinâmica de prestação dos serviços sociais, pelas instituições estatais. Como as políticas sociais perfazem a base concreta sobre a qual se efetiva a atuação dos profissionais de Serviço Social, tal processo aparece na sua configuração atual. Das 3 Nessas visitas – tanto de fiscalização quanto da pesquisa – foi entrevistado pelo menos um assistente social, nos casos em que havia mais de um profissional, as respostas de ambos foram registradas no mesmo formulário. Portanto, os resultados aqui apresentados foram contabilizados por instituição. Os formulários da pesquisa de campo constavam dos mesmos indicadores que compõe a visita de fiscalização, excluindo-se aqueles exclusivos do processo de fiscalização. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 3 instituições do interior visitadas, 90,32% têm abrangência municipal e somente 6,45% são estaduais; nenhuma é federal. Assim, ainda que nem todas as instituições municipais tenham a presença do Serviço Social, o mercado de trabalho profissional está bastante marcado por essas mudanças, o que merece maior atenção por parte dos pesquisadores. Fala-se muito hoje em descentralizar e municipalizar ações de cunho federal para instâncias estaduais e municipais, afirmando-se serem essas instâncias, principalmente a municipal, as mais próximas da população e por isso é que podem chegar mais próximo das respostas sociais de que a população necessita. Assim, Estados e, principalmente, municípios passaram a responder por ações que antes eram tidas como responsabilidades do Governo Federal. Em meio a essas responsabilidades pretende-se que principalmente os municípios encontrem formas de se auto-sustentar e de procurar formas de enfrentamento de suas realidades sociais, ao invés de ficar apenas esperando repasses e programas federais e estaduais. Este processo tem se dado com muitos problemas, pois pesquisas recentes mostram que a maioria dos municípios brasileiros possui problemas gravíssimos, de várias ordens: desemprego, educação, saúde, finanças, pobreza absoluta, etc, levando muitas pessoas a irem embora para os grandes centros em busca de melhores condições de vida. Muitos municípios brasileiros, especialmente no Nordeste, encontram-se em situações de pobreza e, muitas vezes, acomodados, esperando apenas repasses e ações de cunho federal, nas diversas áreas do social como habitação, trabalho, assistência, desenvolvimento, etc, que muitas vezes não abrange toda a população do município e suas reais necessidades. Quando se estimula a descentralização/ municipalização pretende-se encontrar um novo caminho, através dos municípios de reorganizar o enfrentamento do quadro de desigualdades e pobreza no país, enfocando a descentralização tributária, administrativa e de benefícios, através da implementação de medidas e de projetos de investimento e desenvolvimento capazes de trazer crescimento para o município e proporcionar o atendimento das necessidades básicas e o bem estar de suas populações. Nesse debate, coloca-se com muita força a necessidade do desenvolvimento local, através de ações nas áreas de saúde, educação, meio ambiente, entre outros, enfatizando principalmente a informação e a criação de grupos cooperativos dentro da sociedade local. Nessa realidade, pode-se perceber que várias das demandas colocadas pelas intervenções sociais dos municípios, pelas novas modalidades de gestão municipal, pelo desenvolvimento de políticas locais e pela prestação de serviços sociais envolvem a necessidade e a possibilidade de atuação profissional do assistente social. A pesquisa sobre o mercado de trabalho do Serviço Social no interior do Estado de Alagoas vem analisando diversos indicadores que permitem delinear os contornos e as São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 4 particularidades do processo de interiorização do espaço sócio-ocupacional da profissão. Nesse trabalho destacam-se alguns dos principais resultados encontrados até o momento, a partir da sistematização dos dados relativos ao período 2001-2003, de uma amostra de 96 instituições localizadas nos municípios da região Agreste e Zona da Mata. Também no interior prevalece a Saúde como a principal área de atuação do Serviço Social (53,77% das instituições), seguida da Assistência Social (24,53%) e da Educação (4,72%). Com índices menores também se encontram as áreas de Habitação, Criança e Adolescente, Trabalho, Política Urbana, Justiça e Meio Ambiente, o que expressa uma tendência à diversificação das políticas sociais no interior, embora prevaleçam as políticas mais consolidadas – Saúde e Assistência Social. A pesquisa também demonstra que o mercado de trabalho no interior é significativamente composto por instituições de natureza pública (92,55%), reafirmando o Estado é o maior empregador de profissionais de Serviço Social. Essa tendência de expansão do mercado de trabalho do Serviço Social no interior é um processo recente, pois em 40,74% das instituições os profissionais dessa categoria foram incorporados na década de 90 e em 37,04% a partir de 2000. Isto reforça a análise de que este processo é parte da descentralização das políticas sociais para o âmbito municipal. Tal expansão de instituições empregadoras de assistentes sociais não tem sido acompanhada pela ampliação de postos de trabalho, pois em 88,37% delas só existe um (01) assistente social em seu quadro de funcionários, o que remete a uma possível sobrecarga de trabalho para os profissionais de cada instituição. Além disso, os vínculos empregatícios são precarizados, já que a prestação de serviço e o cargo comissionado são os tipos mais presentes (37,5% e 31,25%, respectivamente). Somente em 12,5% das instituições encontrou-se o vínculo efetivo, derivado de concurso público. Vale ressaltar que é grande a necessidade de ampliação do quadro de assistentes sociais nos municípios do interior do estado (em 57,63% das instituições, sendo que em 63,33% delas necessita-se de mais um (01) profissional e em 26,67% de mais dois (02) profissionais). A precarização do vínculo empregatício é reforçada pela remuneração recebida pelos assistentes sociais: 59,77% das instituições remuneram os profissionais com salários na faixa de 3 a 6 salários mínimos (SM), 20,69% com até 3 SM e somente 17,24% com salários na faixa de 6 a 9 SM. Sobre a carga horária semanal de trabalho, ainda que prevaleçam as 40 horas (em 41,54% das instituições), a pesquisa encontrou cargas horárias parciais - 20 horas (em 38,46%), 30 horas (em 9,23%), 24 horas (em 3,08%) e menos de 20 horas (em 3,08%) – possibilitando, e até mesmo obrigando os profissionais a estabelecerem vínculos empregatícios com mais de uma instituição (em 42,31% das instituições os assistentes sociais possuem dois (02) vínculos empregatícios). Isto coloca algumas São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 5 questões no tocante ao trabalho desenvolvido pelos assistentes sociais, especialmente na construção de ações consistentes, planejadas e com possibilidade de continuidade. Dada a necessidade de avançar na análise sobre o trabalho desenvolvido pelos assistentes sociais nos municípios do interior, ressaltam-se alguns indicadores , especialmente as atribuições profissionais, com o seguinte resultado: Encaminhar providências à população (em 13,21%); Orientação a indivíduos e grupos para identificação e utilização de recursos sociais na defesa de seus usuários (em 9,06%); Coordenação de planos, programas e projetos (em 8,29%); Elaboração de planos, programas e projetos (em 6,99%), e mais 41 outras atribuições diferenciadas. Tomando-se apenas essas mais incidentes, pode-se perceber que há uma combinação de encaminhamento de providências, orientação parta o uso de recursos sociais e a coordenação e elaboração de projetos. Tais resultados colocam desafios de análise quando se acrescenta o dado de que em 76,84% das instituições os assistentes sociais não possuem plano de intervenção. Assim, pode-se levantar a hipótese de que a combinação de cargas horárias parciais, de duplo vínculo e de ausência de planejamento pode estar reforçando uma tendência de burocratização da atuação do assistente social, que sem uma permanência prolongada junto aos usuários, consegue, no máximo, realizar atividades de enfrentamento dos problemas imediatos, sem possibilidade de práticas mais contínuas. Chama a atenção, por exemplo, os baixos índices para atribuições que implicam em continuidades, que demandam um trabalho mais de longo prazo: Acompanhamento social a grupos (em 4,14%), Mobilização de comunidade (em 1,29%), Orientação social a grupos (em 1,29%), Capacitação de usuários (0,51%). Ademais, dentre os projetos executados pelos assistentes sociais no interior, é muito comum a presença apenas dos projetos definidos no nível federal, o que também ocupa o assistente social com todas as providências burocráticas para o recebimento de recursos e para a prestação de contas. Vale ressaltar, ainda, que as problemáticas geradoras de demandas para a atuação do assistente social no interior estão mais próximas da vida da população, o que põe ao profissional uma necessidade de conhecimento da realidade, de envolvimento com a população, com as suas organizações. Dentre os usuários do Serviço Social, a pesquisa identificou uma grande variedade de situações específicas - Crianças, Idosos, Adolescentes, Famílias, Gestantes, Portadores de Deficiência Específica, Condutor Infrator, Trabalhadores rurais, Mulheres, Funcionários, Estudante, Portadores de Deficiência Mental, Dependentes Químicos, Doadores de Sangue, Gestores de Políticas Sociais, Adultos, Entidades Assistenciais, Aposentados/ Pensionistas/ Beneficiários, Portadores de Deficiência Física – assim como aparece a população nas suas expressões mais gerais: População em geral (em 15,22%), População excluída (em 10,14%), População específica de uma área (em 4,35%). São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 6 Um resultado significativo a ser destacado é o envolvimento dos assistentes sociais em conselhos de direitos, pois em 58,33% das instituições os profissionais de Serviço Social estão inseridos em conselhos, embora 38,44% não tenha essa atuação. Dos que participam de conselhos, prevalecem os conselhos municipais (CM) correspondentes às principais áreas de atuação no interior: CM de Assistência Social (em 40,28%), CM de Saúde (em 33,33%) e CM de Criança e Adolescente (em 5,55%) e o Conselho do PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (em 4,17%). Nesses conselhos os assistentes sociais assumem a representação do governo (em 24,79%) e a representação dos profissionais (em 33,87%). A capacitação profissional é algo constante entre esses profissionais apesar de muitas vezes estarem distanciados da capital: em 81,91% das insituições os profissionais participaram de algum curso nos últimos tempos. O curso de atualização e os de capacitação são os mais procurados (43,3% e 27,83%, respectivamente). Os cursos tratam sobre o próprio Serviço Social (em 54,33%) ou sobre a área de trabalho (em 35,44%). Finalmente, destacamos que a vinculação dos assistentes sociais do interior às entidades organizativas ainda é muito baixa (somente em 17,70%), o que coloca uma grande questão sobre a conscientização política e sobre o exercício político desse profissional, tão importante para a sua identidade como trabalhador e para a sua competência política. 3 CONCLUSÃO Nessa primeira aproximação com a realidade do mercado de trabalho do Serviço Social no interior de Alagoas, já podemos afirmar que se trata de um processo de interiorização que não está concluído, haja vista a insuficiência de profissionais para o atendimento das diversas demandas. Para analisarmos esse processo não podemos nos descolar do processo de descentralização e de municipalização das políticas públicas, que nos últimos quinze anos tem transferido para a esfera municipal muitas das responsabilidades vinculadas às políticas sociais, mas não sem conflitos e tensões, o que rebate na atuação do assistente social. Diante dos aspectos levantados nesse trabalho sobre a inserção do Serviço Social nas políticas sociais descentralizadas para a esfera municipal, concluímos apontando a constatação de que tais mudanças já estão incorporadas ao espaço sócio-ocupacional, ao exercício profissional dos assistentes sociais. Cabe, então, uma reflexão crítica sobre essa realidade e o desenvolvimento de estratégias profissionais que, ainda que considerem os limites do processo de descentralização, possa potencializar ações e objetivos profissionais São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 7 mais amplos e, de fato, comprometidos com o interesse da maioria da população que vive nos municípios do interior. REFERÊNCIAS CUNHA, Rosani Evangelista. Organização e gestão das políticas sociais: o financiamento de políticas sociais no Brasil. In: CAPACITAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL. Módulo 3, 2000. Brasília: Unb, 2000. IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo, Cortez, 2003. PRÉDES, Rosa (org). Mercado de Trabalho do Serviço Social: Fiscalização e exercício profissional. Maceió: EDUFAL, 2002. STEIN, Rosa Helena. Organização e gestão das políticas sociais no Brasil: Implementação de Políticas Sociais e descentralização político administrativa. 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