- Academia Brasileira de Neurocirurgia

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Case Report
Granulomatous lesion mimicking intracranial meningioma:
Erdheim-Chester Disease case report
Lesão granulomatosa intracraniana mimetizando meningioma: Relato de um caso
da doença de Erdheim-Chester
Roger Neves Mathias1
Paulo Henrique Pires Aguiar2,4
Marcio Francisco Lehmann5
Marcos Vinicius Calfat Maldaun3,4
ABSTRACT
Erdheim-Chester disease (ECD) is a rare non-Langerhans cells histiocytosis witch affects multiple organs with variable clinical
presentation. It has a challenging diagnosis most often done after extesnsive investigation. There are no pathognomonic
radiological or histological patterns, that is why the diagnosis is based on clinical suspect when all findings areput together and
the immunohistochemistry differentiates from others histiocytosis.
The central nervous system involvement is even more rare and the presentation may vary from nodular lesion, white matter
infiltration, to expansive mass effect tumors that may need surgical intervention.
In this article we present a case report of ECD and discuss diagnostic and terapeutic options.
Keywords: Erdheim-Chester Disease, Histiocytosis, Cerebral Pseudomeningioma
RESUMO
A doença de Erdheim-Chester (DEC) é uma rara histiocitose de células não-Langerhans com acometimento multi-sistêmico
e apresentação variada. O diagnóstico clínico é desafiador e na maioria das vezes feito em diferentes tempos. Não há padrão
radiológico ou histológico patognomônico, por isso a somatória de achados clínicos, radiológicos e histológicos é fundamental
para a suspeita diagnóstica e a imunohistoquímica diferencia de outras variantes de histiocitoses.
O envolvimento do sistema nervoso é ainda mais raro e pode variar desde lesões nodulares, infiltrações de fibras brancas até
lesões com efeito de massa expressivas que necessitam tratamento cirúrgico.
Apresentamos nesse artigo um relato de caso da DEC e considerações diagnósticas e terapêuticas da doença.
Palavras Chave: Doença de Erdheim-Chester, Histiocitose, Pseudomeningioma cerebral
I ntrodução
Inicialmente descrita em 1930, a doença de Erdheim-Chester
(DEC) é uma rara histiocitose de células não-Langerhans
que tipicamente afeta pacientes que estão ao redor da quinta
década de vida, com predomínio do sexo masculino9,10. A
doença caracteriza-se por infiltrado inflamatório crônico,
rico em células “esponjosas” multinucleares gigantes com
padrão imunohistoquímico positivo para CD68 (marcador de
histiocitose), porém negativos para marcadores de células de
Langerhans (CD1a e S100)12.
A infiltração pode ocorrer em praticamente todos os tecidos,
sendo que os mais comumente afetados são: ossos, pele, pulmão,
retroperitônio e sistema nervoso central. O diagnóstico clínico
é desafiador e geralmente realizado em partes, somando-se
dados da investigação. Os sintomas iniciais, pela sua gama de
apresentação, são geralmente vagos e dependentes do sítio mais
acometido. Dor óssea, mais comum nos membros inferiores,
pela infiltração dos ossos longos; hipertensão e insuficiência
renal pós renal por fibrose retroperitoneal; diabetes insipidus
e hipogonadismos, pela acometimento do eixo hipotálamohipofisário; ataxia e síndrome cerebelar devido à lesão dos
pedúnculos cerebelares, déficits motores pela infiltração da
cápsula interna ou lesão nodular com efeito de massa; baixa
Residente de Neurocirurgia HC- FCM-UNICAMP
Professor Assistente de Neurocirurgia da Irmandade Santa Casa de Londrina
3
Neurocirurgião do Hospital Estadual de Sumaré
4
Neurocirurgião do Hospital Sírio Libanês e do Instituto de Oncologia do Hospital Santa Paula
5
Professor da Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Estadual de Londrina
1
2
Received Oct 27, 2013. Accepted Dec 20, 2013
Mathias RN, Aguiar PHP, Lehmann MF, Maldaun MVC. - Granulomatous lesion mimicking intracranial meningioma: Erdheim-Chester Disease case report
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acuidade visual e exoftalmia com acometimento das órbitas e
vias ópticas, insuficiência respiratória pela fibrose pulmonar
e cardiomiopatia hipertrófica; lesões cutâneas; sintomas
constitucionais, entre outros
O curso clínico da doença também é variável podendo ser
indolente e autolimitado ou rapidamente progressivo e fatal.
Quando há lesão neurológica associada, o que ocorre em menos
de 50% dos casos14, ela geralmente é sintomática conforme já
descrito acima.
A investigação deve ser focada nos métodos de imagens e
anatomopatológicos para o diagnóstico.
Figura 1. Ressonância magnética abdominal em cortes coronal e axial
mostrando extensa fibrose retroperitoneal.
O objetivo desse artigo é relatar um caso de DEH em paciente
neurologicamente intacto e discutir sobre modalidades
diagnósticas e terapêuticas.
R elato de caso
Homem, 62 anos, com diagnóstico prévio de fribrose
retroperitoneal (Figura 1) sem etiologia definida e sem
comprometimento da função renal, em acompanhamento.
Apresentou queda da própria altura com trauma crânio
encefálico. Levado ao serviço de emergência onde na
admissão o exame neurológico era normal (não havia inclusive
déficit motor ou ataxia), porém como mantinha cefaléia uma
tomografia computadorizada (TC) de crânio foi solicitada a
qual evidenciou lesão cerebral volumosa occipital (Figura 2),
porém sem sinais de comprometimentos traumáticos agudos.
Figura 2. Tomografias computadorizadas da admissão com e sem contraste sem
evidência de comprometimento traumático, porém com imagem inter-hemisférica
occipital com íntima relação com a tórcula.
Submetido então a estudo de ressonância nuclear magnética
(RNM) e angioressonância que mostraram massa parafalcina
com extensão póstero-inferior até o seio reto e tórcula com
captação de contraste, sem edema peri-lesional, compatível
com meningioma (Figura 3). O PET-CT mostrou tratar-se de
lesão hipermetabólica (Figura 4).
O paciente foi então submetido à crâniotomia, material foi
obtido para diagnóstico histológico e em seguida a lesão foi
completamente ressecada.
O diagnóstico anátomo-patológico foi de histiocitose de
células não-Langerhans compatível com DEC. Tratado com
interferon-alfa, com remissão completa até o momento.
Figura 3. RNM com imagem interhemisférica occipital homogênea e limites
precisos, captante no T1 com contraste. No T2 mostra-se com hipossinal podendo
denotar hipercelularidade e pouca hidratação. AngioRNM com discreta falha de
enchimento do seio transverso .
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semelhante à ”tempestade de citocinas” na histiocitose de
células Langerhans, recrutam os histiócitos, ativando a cascata
inflamatória que irá causar às lesões da DEH3-6.
Achados Clínicos e Neurológicos
Figure 4. PET-CT: Lesão hipermetabólica sugestiva de meningioma.
Homens de meia-idade são afetados com maior frequência pela
DEC, sendo que a infiltração em distintos órgãos causará as
manifestações clínicas. Cavalli e colaboradores publicaram
recentemente dados de uma coorte italiana sobre os sinais
e sintomas iniciais que levaram os pacientes com DEC a
procurar assistência médica7. Os mais frequentes são: Dor
esquelética (26%), neurológico – exoftalmia, nistágmo, ataxia,
convulsão, radiculopatia, cefaleia - (23%), diabetes insipidus
(22%), sintomas constitucionais – febre, perda de peso –
(20%), acometimento retroperitoneal – insuficiência renal,
hipertensão renovascular, hidronefrose – 14%, pulmonar –
dispneia – (12%), cutâneo – xantomas, xantelasmas – (11%),
cardiovascular – derrame pericárdico – (6%), hipopituitarismo/
hipogonadismo – 3%.
O acometimento neurológico pode se dar em três padrões8:
Discussão
Patologia
A DEC é uma histiocitose de células não- Langerhans de
etiologia desconhecida que caracteriza-se pela infiltração de
múltiplos órgãos por células CD68 - positivo, S100 e CD1anegativos1.
Lembrando-se que “histiocitose” refere-se à um grupo de
doenças causadas por linhagens proveniente de célulastronco da medula óssea CD34+ que podem se diferenciar em
fagócitos e em células dentríticas apresentadoras de antígenos
(entre elas as células de Langerhans). Ambos os grupos
celulares desempenham papel imunomoduladores importantes.
Histiocitose é a proliferação errática desse tipo celular que
pode causar amplo espectro de doenças, desde localizada e
autolimitadas, até disseminada e rapidamente progressiva. No
entanto, tratam-se de eventos raros, sendo a histiocitose de
células não-Langerhans, ainda mais rara2.
Vários estudos identificaram uma gama de citocinas que,
1- Doença infiltrativa do parênquima: com maior tropismo
pelo hipotálamo-pituitária (disseminação essa que pode
ser dar pelas vias ópticas, seguindo pela haste hipofisária).
Consequentemente levando a disfunção neuroendocrinológica.
A infiltração de fibras brancas pode causar sintomas piramidais
deficitário, ataxia e convulsões.
2- Padrão meníngeo: mais raro, causa espessamento da
duramater, podendo gerar efeito de massa por lesões que se
assemelham à meningiomas
3- Padrão neurodegenerativo: provocam, pela inflamação
crônica, desmielinização, gliose, atrofia, perda cognitiva,
paralisia pseudobulbar e síndromes cerebelares e de tronco
encefálico progressivas.
Nos três padrões de acometimento, sintomas neuropsicológicos
como depressão, apatia, delírio e psicose podem estar
associados e merecem tratamento adequado.
Investigação
A propedêutica auxiliar é, na maioria das vezes, guiada pela
queixa e apresentação inicial do paciente. Porém, uma vez
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levantada a hipótese de DEH, deve-se atentar para alguns
pontos importantes.
como em vários casos já descritos na literatura2.
Tratamento
Laboratorial
1- Avaliação da função renal pelo comprometimento
retroperitoneal
2- Investigação da função pituitária
3- Triagem laboratorial multi-sistêmica de rotina
Imagem
1- TC de crânio é pouco útil, exceto como triagem, mas
a RNM mostra lesões nodulares infiltrativas ou massas
hipercaptantes11,13.
Diferentemente da histiocitose de células Langerhans em
que grupos tem proposto a padronização do tratamento dessa
variante, na DEC não há consenso na literatura. Dessa forma,
imunomoduladores e quimioterápicos tem sido usados em
casos de doença multi-sistêmica. Assim, pulso intravenoso
ou oral de corticoide é iniciado, seguido de vinblastina,
ciclofosfamida e interferon-alfa. Imunossupressores intratecais
e radioterapia tem sido usados em poucos casos selecionados7
e cirurgia para descompressão de lesões com efeito de massa e
acessíveis cirurgicamente.
Consentimento do paciente foi obtido.
R eferências
2- TC de abdômen e tórax e PET-SCAN auxilia na avaliação da
extensão e grau de acometimento visceral da doença, além de
identificar focos para possível biopsia.
3- Cintilografia óssea mostra o grau de acometimento
esquelético e pode, por vezes, ter imagem sugestiva com
maior captação do radiofármaco mas porções metafisárias e
diafisárias dos ossos longos, principalmente nos membros
inferiores7,13.
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Pode ter padrão meningítico infeccioso, principalmente em
casos com disseminação intracraniana extensa. Histiócitos
atípicos podem ser visíveis na citologia, porém com tratamento
adequado tentem a desaparecer.
Histologia
Quando há tecido adequado para biopsia, torna-se fundamental
para a diferenciação dos vários tipos de histiocitose, no entanto
não há padrão histológico patognomônico para cada variante.
Os marcadores imunoistoquímicos são de grande valia
diagnóstica.
Mas quando não há tecido viável para histologia, deve-se
confiar na constelação de achados clínicos e propor tratamento
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Autor Correspondente
Roger Neves Mathias
[email protected]
Rua Tessália Vieira de Camargo, 126 – Cidade
Universitária “Zeferino Vaz”- Departamento de
Neurologia – Campinas – SP – Brasil – CEP 13083-887
(19) 81867375
CORRIGENDA
No artigo “Granulomatous lesion mimicking
intracranial meningioma: Erdheim-Chester
Disease case report”, publicado no número
24, volume 2, do Jornal Brasileiro de
Neurocirurgia, na página 165, onde se lê:
“Roger Neves Mathias1
Paulo Henrique Pires Aguiar2,4
Marcos Vinicius Calfat Maldaun3,4”
Leia-se:
“Roger Neves Mathias1
Paulo Henrique Pires Aguiar2,4
Marcio Francisco Lehmann5
Marcos Vinicius Calfat Maldaun3,4”
No mesmo artigo, na página 165, onde se lê:
“1Residente de Neurocirurgia HC- FCM-UNICAMP
2
Professor da Disciplina de Neurocirurgia
da Universidade Estadual de Londrina
3
Neurocirurgião do Hospital Estadual de Sumaré
4
Neurocirurgião do Hospital Sírio Libanês e do
Instituto de Oncologia do Hospital Santa Paula”
Leia-se:
“1Residente de Neurocirurgia HC- FCM-UNICAMP
2
Professor Assistente de Neurocirurgia da
Irmandade Santa Casa de Londrina
3
Neurocirurgião do Hospital Estadual de Sumaré
4
Neurocirurgião do Hospital Sírio Libanês e do
Instituto de Oncologia do Hospital Santa Paula
5
Professor da Disciplina de Neurocirurgia
da Universidade Estadual de Londrina”
Mathias RN, Aguiar PHP, Lehmann MF, Maldaun MVC. - Granulomatous lesion mimicking intracranial meningioma: Erdheim-Chester Disease case report
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