165 Case Report Granulomatous lesion mimicking intracranial meningioma: Erdheim-Chester Disease case report Lesão granulomatosa intracraniana mimetizando meningioma: Relato de um caso da doença de Erdheim-Chester Roger Neves Mathias1 Paulo Henrique Pires Aguiar2,4 Marcio Francisco Lehmann5 Marcos Vinicius Calfat Maldaun3,4 ABSTRACT Erdheim-Chester disease (ECD) is a rare non-Langerhans cells histiocytosis witch affects multiple organs with variable clinical presentation. It has a challenging diagnosis most often done after extesnsive investigation. There are no pathognomonic radiological or histological patterns, that is why the diagnosis is based on clinical suspect when all findings areput together and the immunohistochemistry differentiates from others histiocytosis. The central nervous system involvement is even more rare and the presentation may vary from nodular lesion, white matter infiltration, to expansive mass effect tumors that may need surgical intervention. In this article we present a case report of ECD and discuss diagnostic and terapeutic options. Keywords: Erdheim-Chester Disease, Histiocytosis, Cerebral Pseudomeningioma RESUMO A doença de Erdheim-Chester (DEC) é uma rara histiocitose de células não-Langerhans com acometimento multi-sistêmico e apresentação variada. O diagnóstico clínico é desafiador e na maioria das vezes feito em diferentes tempos. Não há padrão radiológico ou histológico patognomônico, por isso a somatória de achados clínicos, radiológicos e histológicos é fundamental para a suspeita diagnóstica e a imunohistoquímica diferencia de outras variantes de histiocitoses. O envolvimento do sistema nervoso é ainda mais raro e pode variar desde lesões nodulares, infiltrações de fibras brancas até lesões com efeito de massa expressivas que necessitam tratamento cirúrgico. Apresentamos nesse artigo um relato de caso da DEC e considerações diagnósticas e terapêuticas da doença. Palavras Chave: Doença de Erdheim-Chester, Histiocitose, Pseudomeningioma cerebral I ntrodução Inicialmente descrita em 1930, a doença de Erdheim-Chester (DEC) é uma rara histiocitose de células não-Langerhans que tipicamente afeta pacientes que estão ao redor da quinta década de vida, com predomínio do sexo masculino9,10. A doença caracteriza-se por infiltrado inflamatório crônico, rico em células “esponjosas” multinucleares gigantes com padrão imunohistoquímico positivo para CD68 (marcador de histiocitose), porém negativos para marcadores de células de Langerhans (CD1a e S100)12. A infiltração pode ocorrer em praticamente todos os tecidos, sendo que os mais comumente afetados são: ossos, pele, pulmão, retroperitônio e sistema nervoso central. O diagnóstico clínico é desafiador e geralmente realizado em partes, somando-se dados da investigação. Os sintomas iniciais, pela sua gama de apresentação, são geralmente vagos e dependentes do sítio mais acometido. Dor óssea, mais comum nos membros inferiores, pela infiltração dos ossos longos; hipertensão e insuficiência renal pós renal por fibrose retroperitoneal; diabetes insipidus e hipogonadismos, pela acometimento do eixo hipotálamohipofisário; ataxia e síndrome cerebelar devido à lesão dos pedúnculos cerebelares, déficits motores pela infiltração da cápsula interna ou lesão nodular com efeito de massa; baixa Residente de Neurocirurgia HC- FCM-UNICAMP Professor Assistente de Neurocirurgia da Irmandade Santa Casa de Londrina 3 Neurocirurgião do Hospital Estadual de Sumaré 4 Neurocirurgião do Hospital Sírio Libanês e do Instituto de Oncologia do Hospital Santa Paula 5 Professor da Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Estadual de Londrina 1 2 Received Oct 27, 2013. Accepted Dec 20, 2013 Mathias RN, Aguiar PHP, Lehmann MF, Maldaun MVC. - Granulomatous lesion mimicking intracranial meningioma: Erdheim-Chester Disease case report J Bras Neurocirurg 24 (2): 165-169, 2013 166 Case Report acuidade visual e exoftalmia com acometimento das órbitas e vias ópticas, insuficiência respiratória pela fibrose pulmonar e cardiomiopatia hipertrófica; lesões cutâneas; sintomas constitucionais, entre outros O curso clínico da doença também é variável podendo ser indolente e autolimitado ou rapidamente progressivo e fatal. Quando há lesão neurológica associada, o que ocorre em menos de 50% dos casos14, ela geralmente é sintomática conforme já descrito acima. A investigação deve ser focada nos métodos de imagens e anatomopatológicos para o diagnóstico. Figura 1. Ressonância magnética abdominal em cortes coronal e axial mostrando extensa fibrose retroperitoneal. O objetivo desse artigo é relatar um caso de DEH em paciente neurologicamente intacto e discutir sobre modalidades diagnósticas e terapêuticas. R elato de caso Homem, 62 anos, com diagnóstico prévio de fribrose retroperitoneal (Figura 1) sem etiologia definida e sem comprometimento da função renal, em acompanhamento. Apresentou queda da própria altura com trauma crânio encefálico. Levado ao serviço de emergência onde na admissão o exame neurológico era normal (não havia inclusive déficit motor ou ataxia), porém como mantinha cefaléia uma tomografia computadorizada (TC) de crânio foi solicitada a qual evidenciou lesão cerebral volumosa occipital (Figura 2), porém sem sinais de comprometimentos traumáticos agudos. Figura 2. Tomografias computadorizadas da admissão com e sem contraste sem evidência de comprometimento traumático, porém com imagem inter-hemisférica occipital com íntima relação com a tórcula. Submetido então a estudo de ressonância nuclear magnética (RNM) e angioressonância que mostraram massa parafalcina com extensão póstero-inferior até o seio reto e tórcula com captação de contraste, sem edema peri-lesional, compatível com meningioma (Figura 3). O PET-CT mostrou tratar-se de lesão hipermetabólica (Figura 4). O paciente foi então submetido à crâniotomia, material foi obtido para diagnóstico histológico e em seguida a lesão foi completamente ressecada. O diagnóstico anátomo-patológico foi de histiocitose de células não-Langerhans compatível com DEC. Tratado com interferon-alfa, com remissão completa até o momento. Figura 3. RNM com imagem interhemisférica occipital homogênea e limites precisos, captante no T1 com contraste. No T2 mostra-se com hipossinal podendo denotar hipercelularidade e pouca hidratação. AngioRNM com discreta falha de enchimento do seio transverso . Mathias RN, Aguiar PHP, Lehmann MF, Maldaun MVC. - Granulomatous lesion mimicking intracranial meningioma: Erdheim-Chester Disease case report J Bras Neurocirurg 24 (2): 165-169, 2013 167 Case Report semelhante à ”tempestade de citocinas” na histiocitose de células Langerhans, recrutam os histiócitos, ativando a cascata inflamatória que irá causar às lesões da DEH3-6. Achados Clínicos e Neurológicos Figure 4. PET-CT: Lesão hipermetabólica sugestiva de meningioma. Homens de meia-idade são afetados com maior frequência pela DEC, sendo que a infiltração em distintos órgãos causará as manifestações clínicas. Cavalli e colaboradores publicaram recentemente dados de uma coorte italiana sobre os sinais e sintomas iniciais que levaram os pacientes com DEC a procurar assistência médica7. Os mais frequentes são: Dor esquelética (26%), neurológico – exoftalmia, nistágmo, ataxia, convulsão, radiculopatia, cefaleia - (23%), diabetes insipidus (22%), sintomas constitucionais – febre, perda de peso – (20%), acometimento retroperitoneal – insuficiência renal, hipertensão renovascular, hidronefrose – 14%, pulmonar – dispneia – (12%), cutâneo – xantomas, xantelasmas – (11%), cardiovascular – derrame pericárdico – (6%), hipopituitarismo/ hipogonadismo – 3%. O acometimento neurológico pode se dar em três padrões8: Discussão Patologia A DEC é uma histiocitose de células não- Langerhans de etiologia desconhecida que caracteriza-se pela infiltração de múltiplos órgãos por células CD68 - positivo, S100 e CD1anegativos1. Lembrando-se que “histiocitose” refere-se à um grupo de doenças causadas por linhagens proveniente de célulastronco da medula óssea CD34+ que podem se diferenciar em fagócitos e em células dentríticas apresentadoras de antígenos (entre elas as células de Langerhans). Ambos os grupos celulares desempenham papel imunomoduladores importantes. Histiocitose é a proliferação errática desse tipo celular que pode causar amplo espectro de doenças, desde localizada e autolimitadas, até disseminada e rapidamente progressiva. No entanto, tratam-se de eventos raros, sendo a histiocitose de células não-Langerhans, ainda mais rara2. Vários estudos identificaram uma gama de citocinas que, 1- Doença infiltrativa do parênquima: com maior tropismo pelo hipotálamo-pituitária (disseminação essa que pode ser dar pelas vias ópticas, seguindo pela haste hipofisária). Consequentemente levando a disfunção neuroendocrinológica. A infiltração de fibras brancas pode causar sintomas piramidais deficitário, ataxia e convulsões. 2- Padrão meníngeo: mais raro, causa espessamento da duramater, podendo gerar efeito de massa por lesões que se assemelham à meningiomas 3- Padrão neurodegenerativo: provocam, pela inflamação crônica, desmielinização, gliose, atrofia, perda cognitiva, paralisia pseudobulbar e síndromes cerebelares e de tronco encefálico progressivas. Nos três padrões de acometimento, sintomas neuropsicológicos como depressão, apatia, delírio e psicose podem estar associados e merecem tratamento adequado. Investigação A propedêutica auxiliar é, na maioria das vezes, guiada pela queixa e apresentação inicial do paciente. Porém, uma vez Mathias RN, Aguiar PHP, Lehmann MF, Maldaun MVC. - Granulomatous lesion mimicking intracranial meningioma: Erdheim-Chester Disease case report J Bras Neurocirurg 24 (2): 165-169, 2013 168 Case Report levantada a hipótese de DEH, deve-se atentar para alguns pontos importantes. como em vários casos já descritos na literatura2. Tratamento Laboratorial 1- Avaliação da função renal pelo comprometimento retroperitoneal 2- Investigação da função pituitária 3- Triagem laboratorial multi-sistêmica de rotina Imagem 1- TC de crânio é pouco útil, exceto como triagem, mas a RNM mostra lesões nodulares infiltrativas ou massas hipercaptantes11,13. Diferentemente da histiocitose de células Langerhans em que grupos tem proposto a padronização do tratamento dessa variante, na DEC não há consenso na literatura. Dessa forma, imunomoduladores e quimioterápicos tem sido usados em casos de doença multi-sistêmica. Assim, pulso intravenoso ou oral de corticoide é iniciado, seguido de vinblastina, ciclofosfamida e interferon-alfa. Imunossupressores intratecais e radioterapia tem sido usados em poucos casos selecionados7 e cirurgia para descompressão de lesões com efeito de massa e acessíveis cirurgicamente. Consentimento do paciente foi obtido. R eferências 2- TC de abdômen e tórax e PET-SCAN auxilia na avaliação da extensão e grau de acometimento visceral da doença, além de identificar focos para possível biopsia. 3- Cintilografia óssea mostra o grau de acometimento esquelético e pode, por vezes, ter imagem sugestiva com maior captação do radiofármaco mas porções metafisárias e diafisárias dos ossos longos, principalmente nos membros inferiores7,13. 1. Adam Z, Balsíkova K, Pour L. Diabetes insipidus followed, after 4 years, withdysarthria and mild right-sided hemiparesis: the first clinical signs of Erd- heim-Chester disease— description and depiction of a case with a review of information on the disease [in Czech]. Vnitr Lek 2009;55:1173– 88. 2. Arnaud L, Gorochov G, Charlotte F, et al. Systemic perturbation of cytokine and chemokine networks in Erdheim-Chester disease: a single-center series of 37 patients. Blood 2011;117:2783–90. Líquor 3. Bodkin CL, Wszolek ZK. Neurologic presentation of ErdheimChester disease. Neurologia i Neurochirurgia Polska 2006; 40, 5: 397–403 4. Cavalli G, Guglielmi B, Berti A, Campochiaro C, Sabbadini M G, Dagna L. The multifaceted clinical presentations and manifestations of Erdheim–Chester disease: comprehensive review of the literature and of 10 new cases. Ann Rheum Dis 2013;0:1–5. 5. Dagna L, Corti A, Langheim S, et al. Tumor necrosis factor α as a master regulator of inflammation in Erdheim-Chester disease: rationale for the treatment of patients with infliximab. J Clin Oncol 2012;30:e286–90. 6. Dagna L, Girlanda S, Langheim S, et al. Erdheim-Chester disease: report on a case and new insights on its immunopathogenesis. Rheumatology (Oxford) 2010;49:1203–6. 7. Haroche J, Arnaud L, Amoura Z. Erdheim-Chester disease. Curr Opin Rheumatol 2012;24:53–9. 8. Lachenal F, Cotton F, Desmurs-Clavel H, Haroche J, Salvatierra J,Vital-Durand D, Rousset H. Neurological manifestations and neuroradiological presentation of Erdheim-Chester disease: Pode ter padrão meningítico infeccioso, principalmente em casos com disseminação intracraniana extensa. Histiócitos atípicos podem ser visíveis na citologia, porém com tratamento adequado tentem a desaparecer. Histologia Quando há tecido adequado para biopsia, torna-se fundamental para a diferenciação dos vários tipos de histiocitose, no entanto não há padrão histológico patognomônico para cada variante. Os marcadores imunoistoquímicos são de grande valia diagnóstica. Mas quando não há tecido viável para histologia, deve-se confiar na constelação de achados clínicos e propor tratamento Mathias RN, Aguiar PHP, Lehmann MF, Maldaun MVC. - Granulomatous lesion mimicking intracranial meningioma: Erdheim-Chester Disease case report J Bras Neurocirurg 24 (2): 165-169, 2013 169 Case Report report of 6 cases and systematic review of the literature. J Neurol (2006) 253 : 1267–1277 9. Martinez R. Erdheim-Chester disease: MR of intraaxial and extraaxial brain stem lesions. AJNR Am J Neuroradiol 1995;16:1787–90 10. Sedrak P, Ketonem L, Hou P, Willian M D, Kurzrock R. Erdheim-Chester Disease of the Central Nervous System: New Manifestations of a Rare Disease. AJNR Am J Neuroradiol 32:2126–31 11. Selvarajah J R, Rodrigues M G, Ali S. Histiocytosis for the neurologist: a case of Erdheim–Chester disease. Practical Neurology 2012;12:319–323 12.Stoppacciaro A, Ferrarini M, Salmaggi C, et al. Immunohistochemical evidence of a cytokine and chemokine network in three patients with Erdheim-Chester disease: implications for pathogenesis. Arthritis Rheum 2006;54:4018– 22. 13. Veyssier-Belot C, Cacoub P, Caparros-Lefebvre D, et al. Erdheim-Chester disease: clinical and radiologic characteristics of 59 cases. Medicine 1996;75: 157– 69 14. Wright R, Hermann R, Parisi J: Neurological manifestations of Erdheim- Chester disease. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1999, 66:6672-75. Autor Correspondente Roger Neves Mathias [email protected] Rua Tessália Vieira de Camargo, 126 – Cidade Universitária “Zeferino Vaz”- Departamento de Neurologia – Campinas – SP – Brasil – CEP 13083-887 (19) 81867375 CORRIGENDA No artigo “Granulomatous lesion mimicking intracranial meningioma: Erdheim-Chester Disease case report”, publicado no número 24, volume 2, do Jornal Brasileiro de Neurocirurgia, na página 165, onde se lê: “Roger Neves Mathias1 Paulo Henrique Pires Aguiar2,4 Marcos Vinicius Calfat Maldaun3,4” Leia-se: “Roger Neves Mathias1 Paulo Henrique Pires Aguiar2,4 Marcio Francisco Lehmann5 Marcos Vinicius Calfat Maldaun3,4” No mesmo artigo, na página 165, onde se lê: “1Residente de Neurocirurgia HC- FCM-UNICAMP 2 Professor da Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Estadual de Londrina 3 Neurocirurgião do Hospital Estadual de Sumaré 4 Neurocirurgião do Hospital Sírio Libanês e do Instituto de Oncologia do Hospital Santa Paula” Leia-se: “1Residente de Neurocirurgia HC- FCM-UNICAMP 2 Professor Assistente de Neurocirurgia da Irmandade Santa Casa de Londrina 3 Neurocirurgião do Hospital Estadual de Sumaré 4 Neurocirurgião do Hospital Sírio Libanês e do Instituto de Oncologia do Hospital Santa Paula 5 Professor da Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Estadual de Londrina” Mathias RN, Aguiar PHP, Lehmann MF, Maldaun MVC. - Granulomatous lesion mimicking intracranial meningioma: Erdheim-Chester Disease case report J Bras Neurocirurg 24 (2): 165-169, 2013