Centro Universitário São José de Itaperuna Curso de Graduação em Letras EMILLY DE FIGUEIREDO BARELLI THAÍS TARDIN RIBEIRO VANESSA DE MATOS HIPÓLITO A CRÍTICA GENÉTICA NO PROCESSO DA CRIAÇÃO LITERÁRIA E DA TRADUÇÃO ITAPERUNA - RJ 2013 EMILLY DE FIGUEIREDO BARELLI THAÍS TARDIN RIBEIRO VANESSA DE MATOS HIPÓLITO A CRÍTICA GENÉTICA NO PROCESSO DA CRIAÇÃO LITERÁRIA E DA TRADUÇÃO Artigo apresentado à Banca Examinadora do Curso de Letras do Centro Universitário São José de Itaperuna como requisito final para a obtenção do título de licenciado em Letras. Orientadora: Profª. Me. Lenise Ribeiro. ITAPERUNA- RJ Dezembro/2013 EMILLY DE FIGUEIREDO BARELLI THAÍS TARDIN RIBEIRO VANESSA DE MATOS HIPÓLITO A CRÍTICA GENÉTICA NO PROCESSO DA CRIAÇÃO LITERÁRIA E DA TRADUÇÃO Artigo apresentado à Banca Examinadora do Curso de Letras do Centro Universitário São José de Itaperuna como requisito final para a obtenção do título de licenciado em Letras Orientadora: Profª. Me. Lenise Ribeiro Dutra. Itaperuna-RJ, 10 de dezembro de 2013. Banca Examinadora: _____________________________ Profª. Me. Lenise Ribeiro Dutra (orientadora) UNIFSJ – Itaperuna-RJ _____________________________ Prof. Me. Renato Marcelo Resgala Junior UNIFSJ – Itaperuna-RJ _____________________________ Prof. Me. Ângela Gomes UNIFSJ – Itaperuna-RJ 3 A CRÍTICA GENÉTICA NO PROCESSO DA CRIAÇÃO LITERÁRIA E DA TRADUÇÃO Emilly de Figueiredo Barelli¹ Thaís Tardin Ribeiro² Vanessa de Matos Hipólito³ Profª. Me. Lenise Ribeiro Dutra4 RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo apresentar a crítica genética e observar seus caminhos na criação e tradução, de maneira a facilitar o entendimento da importância desta para as obras literárias. Através do estudo dos manuscritos, é possível refletir sobre o processo de criação do autor e os eixos estruturadores que norteiam as suas obras e os mecanismos de elaboração de uma poética que une a aglomeração e a fragmentação a fim de construir efeitos do real na obra final. Para tanto, são visados alguns aspectos neste trabalho, sobretudo para esclarecer como acontece a análise das obras. Visto que, os críticos trazem a preocupação com o trabalho intenso de pesquisa que parece querer abarcar todos os saberes que envolveram o início da obra. A abordagem realiza-se a partir da investigação das referências bibliográficas com objetivo de procurar esclarecer sobre esse novo campo interdisciplinar. Palavras-chave: Literatura comparada, Estudos de gênero, Crítica Genética, Tradução e Literatura. Introdução A Crítica Genética vem para renovar o estudo da gênese literária de uma obra. Os caminhos que o autor percorreu, durante o processo de criação desde os seus rascunhos até a obra concluída, são as fontes de pesquisa para que os críticos genéticos compreendam o processo original do nascimento de um texto literário sem que este tenha sido alterado na sua publicação. Com base nos estudos genéticos, o presente trabalho apresenta as maneiras nas quais se podem refletir acerca da criação literária e do processo tradutório do texto literário norteados pela Crítica Genética. É conveniente desenvolver este tema, ___________________ ¹ Graduanda em Letras pelo Centro Universitário São José de Itaperuna. [email protected] ² Graduanda em Letras pelo Centro Universitário São José de Itaperuna. [email protected] ³ Graduanda em Letras pelo Centro Universitário São José de Itaperuna. [email protected] 4 Mestre em Letras, Professora no Centro Universitário São José de Itaperuna. [email protected] 4 pois o conhecimento da gênese do texto pode ser um fator favorável para os estudos literários. O presente trabalho constitui-se de uma pesquisa qualitativa e de caráter bibliográfico, o qual se baseia em materiais pertinentes ao tema referido disponíveis em livros, revistas, periódicos e demais referências online. Autores como Pino e Zullar (2007), Salles (2000) e Passos (2008) foram fontes teóricas utilizadas na fundamentação do artigo. Os objetivos deste estudo são salientar o que é Crítica Genética, conhecer a história do seu desenvolvimento e verificar a sua influência positiva no processo de criação e tradução literária. Para isso, este artigo divide-se em três seções: Crítica Genética: um breve histórico; Uma disciplina disciplinada: Crítica Genética no processo de criação literária e Critica Genética nos caminhos da tradução. 1 Crítica Genética: um breve histórico Arte de transformar detalhes aparentemente insignificantes em indícios que permitam reconstituir toda uma história (MORIN, 2000, p.23). A palavra crítica pode ser compreendida como a capacidade ou arte de julgar obras, em especial aquelas de caráter artístico ou literário. Tem por objetivo não só o texto enquanto produto da obra, mas a análise de um processo dinâmico – a escritura, a produção e a textualidade. Observar na obra as transformações que ela constitui, partindo do princípio do questionamento a respeito do que é escrever. A partir daí, o interesse pela investigação dos pré-textos pertencente a competências diferentes. Os estudos de Crítica Genética desenvolveram-se inicialmente na França, em 1968, por intermédio dos pesquisadores Louis Hay e Almuth Grésillon. O Centre National de la Recherche (CNRS) foi responsável pela organização de uma equipe que desenvolveu estudos sobre manuscritos do poeta alemão Heinrich Heine, recém chegados da Biblioteca Nacional da França (BNF) (SALLES, 2008, p.11). Os estudos de Crítica Genética são relativamente recentes. O Brasil, em 1985, desperta para a Crítica Genética, no I Colóquio de Crítica Textual, introduzido por Philippe Willemart, que se baseava nos manuscritos de Gustave Flaubert (SALLES, 2008, p.12). 5 A Crítica Genética é entendida como o processo de formação artística desde os primeiros rascunhos até a conclusão da obra. Todo o processo criativo do autor é relevante e analisado pelo pesquisador para compreender a gênese do processo literário. A fabricação das ideias, os rabiscos, o que foi escrito e o raciocínio que o autor apenas começou a sugerir no texto, tudo isso influencia no entendimento da obra em questão. Este constitui o grande alvo dos pesquisadores de Crítica Genética – o desencadear da criação literária mediante as informações vindas diretamente do autor, totalmente desvinculadas de correções ou alterações advindas do processo de publicação. Hay (1985, p. 147 apud ZULLAR, 2002), no clássico artigo “O texto não existe”, infere que o texto não pode ser entendido como um objeto final dos estudos, mas sim como a última das etapas de uma história que ele mesmo conta. Assim sendo, todo o processo anterior à conclusão da obra é objeto de estudo dos pesquisadores de Crítica Genética. Como exemplo do estudo de Crítica Genética, Teixeira (2012, p. 487) analisa em seu artigo “Crítica Genética do manuscrito ao virtual: a importância da rasura na gênese literária, um trecho do seu trabalho como geneticista” o trabalho do poeta cearense Pedro Lyra, no livro Desafio – Uma poética do amor, no Soneto de Constatação-VI. Verifica a autora: Na 6ª linha, o poeta escreveu na redação original: girando no subúrbio do universo. Numa primeira rasura, ele emendou: ...a rolar nos subúrbios do universo [...]. O verbo no infinitivo “rolar”, substituiu o verbo no gerúndio “girando”, dando-nos a ideia de que o planeta Terra gira num espaço menos importante do cosmos. Mais tarde, numa nova emenda conforme a primeira datilografação retocada, o poeta refaz o verso: nos largando nos subúrbios do universo, para só então concluir, na versão que seria a definitiva: nos largando aos subúrbios do universo. O escritor em suas rasuras elabora a melhor forma de transferir para a sua obra seus sentimentos e emoções, além de suas características técnicas de escrita. Com esses manuscritos, o geneticista aprofunda-se no processo de construção da obra desde seus primeiros esboços. O termo “manuscritos” foi retirado de uso por representar algo “escrito à mão”. Sendo que é possível receber do autor textos digitados sem que percam a essência 6 pessoal e ímpar desejada dos estudos genéticos. Por isso, “manuscritos” passaram a ser reconhecidos como “documentos de processo”, abrangendo a ideia de registros (SALLES, 2008, p. 45). Willemart (2002) introdutor da Crítica Genética no Brasil, afirma que ela abrange o diálogo entre o texto o qual o autor passa para o papel, e o texto que no exato momento ele está pensando (texto-móvel): Não se trata da intencionalidade ou da realidade subjetiva, mas de um escritor preso nas malhas da escritura e do vir-a-ser que, a cada conclusão da rasura, passa o bastão como numa corrida, para a instância do autor e descobre-se não como uma intenção primeira, mas como porta-voz de um desejo desconhecido e de uma comunidade que até pode ser universal. Por outro lado, cada conclusão e cada ratificação de uma frase, de um parágrafo ou de um capítulo pelo autor supõem o contato com o "texto-móvel", que pode sempre questionar o que foi feito (WILLEMART apud ZULLAR, 2003). A princípio, os estudos de Crítica Genética ficaram restritos às obras literárias, mas com sua expansão, sendo o processo criativo o objeto de estudo da Crítica, esta não poderia ser restrita apenas à literatura, pois é possível reconhecer os fundamentos do processo de criação em qualquer manifestação artística seguindo os passos deixados pelo artista. Assim a própria gênese da Crítica Genética já sugeria um desenvolvimento nos diversos meios artísticos. Segundo Salles (1992, p. 15) os novos direcionamentos da Crítica Genética já eram previstos. Foi assim que nasceram e assim estão sendo desenvolvidas as pesquisas até o momento. No entanto, sabemos ser inevitável a necessidade de ampliar seus limites. Certamente, ouviremos falar, em muito pouco tempo, sobre estudos de manuscritos em artes plásticas, música, teatro, arquitetura [...] até manuscritos científicos. Isso oferece novas perspectivas para pesquisas sobre as especificidades de as generalidades dos processos criativos artísticos e para não mencionar a possibilidade de se adentrar o interessante campo de pesquisa dedicado à relação ciência/arte – agora sob a ótica genética (SALLES, 1992, p.15). No decorrer de sua expansão, a Crítica Genética passa a lidar com diversas fontes de registros que favorecem a pesquisa individual de cada manifestação artística. Sendo possível observar o papel fundamental da disciplina nas artes plásticas ao oferecer não só a obra do autor, mas também traços de sua personalidade. Segundo Salles e Cardoso (2007, p.45), a exposição de Gaudí – a 7 procura da forma, através de fotos de obras, esboços e maquetes inseridas ao lado de sua criação, foram expostas ao público características próprias do artista. Observa-se que Gaudí parte de elementos básicos – volumes e superfícies – para em seguida, aplicar operações geométricas e transformações topológicas em busca das superfícies e efeitos desejados.Tem-se a certeza, ao sair da exposição, de ter conhecido, acima de tudo, um Gaudí geômetra (SALLES e CARDOSO, 2007). Desse modo a Crítica Genética assume um papel transdisciplinar e desenvolve-se nos diversos meios artísticos. Essa extensão abre os caminhos e favorece os estudos genéticos, com um vasto território a ser desvendado. Não é necessário que as pesquisas genéticas contenham-se apenas aos manuscritos literários, mas também estejam à vontade para abarcarem os demais processos de criação humana exemplificados na citação acima. 2 Uma disciplina disciplinada: a Crítica Genética no processo de criação literária Os estudos que abrangem a Crítica Genética nascem de simples constatações. A obra literária é resultado de todo um processo que envolve investimento de tempo, disciplina e conhecimento, pois a criação literária é a capacidade de criar ou recriar, organizar em partes, de maneira pessoal a realidade, seja ela exterior ou aquela que está dentro de si. Escrever inicia-se como uma tentativa de construir, restaurar, de recompor seja algo que faltou, ou quem sabe foi apagado, uma tentativa de recuperar alguém, estabelecer um elo, decifrar um abismo, suportar a dor de um luto, seja ele concreto ou abstrato, uma dúvida, uma escolha, um segredo, porque criar nos permite e comporta espaço para inúmeras versões. Como afirma Camargo (2012, p.1). A criação de um texto literário é um processo que costuma ser individual, subjetivo, variando de escritor para escritor. Além disso, cada texto pode apresentar peculiaridades ao longo de seu devir literário, marcado pelo seu caráter único: da ideia inicial até a última versão, quando o autor decide colocar o seu ponto final definitivo. Observa-se, assim, que a Crítica Genética tem um papel importante: não é apenas pelo escrever o processo ou a escritura do pensamento criado e sim de rever o pressuposto, analisar o manuscrito e perceber o que o autor faz e de que 8 maneira é feito. É na criação do texto que o mistério do outro nos aparece como enigma; a partir daí tenta-se encontrar uma significação, desvendar o que foi vivenciado pelo autor neste momento. Os rastros que o artista deixa de seu trabalho são a concretização do trabalho. A partir do momento que se propõe conhecer e estudar a obra, o pesquisador penetra no universo do criador, começa, dessa forma, acompanhar uma mente em criação. A Crítica Genética destina-se a um acompanhamento teórico-crítico do processo da gênese das obras literárias. Estranhamente, nada está mais próximo também de seus desejos do que examinar o texto em seu vir-a-ser, apreendido ao longo do tempo da escritura: espelho das hesitações do escritor como espécies de devaneios que revelam os obstáculos na criação do texto (ARAGON,1979, p.33). Constitui-se o ponto de partida da Crítica Genética a análise dos processos criativos. O crítico genético tem a intenção de desvendar o percurso de criação e revelar o processo que gerou a obra observando como acontece o deslocamento do foco da obra acabada para a criação, produzindo um questionamento tanto dos pressupostos da crítica quanto de sua existência. Hay (apud ZULLAR, 2003) enuncia: Talvez seja preciso entender o texto como um possível necessário, como uma das realizações de um processo que permanece sempre virtualmente escrito em segundo plano e constitui uma terceira dimensão do escrito. Nesse espaço aberto (ou entreaberto), o destino da obra é decidido entre ímpetos e esgotamentos, tartamudez e vazios, rupturas e inacabamentos que nos confundem. O texto não é abolido nessa profundidade de campo – ele parece simplesmente como um objeto bem mais complexo que nossos modelos antigos, bem mais aleatórios que nossos modelos atuais. Vê-se a importância do rascunho, a partir dele que se entende todo o processo, o que forma o texto, a história que ele carrega, daí então o crítico deve estudar o seu objeto, ou projeto, e esse conhecimento nenhum livro pronto poderá fornecer, e não é possível estudar o processo de criação de obras cujos manuscritos foram extraviados ou perdidos. Deve-se entender o manuscrito muito mais do que uma versão escrita à mão de um poema ou de um livro. O objeto de trabalho pode ser também uma nota escrita na margem de um livro que foi lido pelo autor no mesmo período, algumas vezes um simples traço. Nesses casos, a pesquisa tende a estudar a sua relação 9 com o texto lido e com os projetos em curso do escritor, ou seja, no diálogo entre os textos. Como Willemart (apud ZULLAR, 2003) sugere existe um diálogo entre o texto que se escreve no papel e aquele que o escritor escreve ao mesmo tempo no seu pensamento ("texto-móvel"). Uma perspectiva que pode parecer abstrata, mas que possui um objeto de estudo bem preciso: a rasura. Jakobson (1970, p.179) observa “se o estudo da literatura quer tornar-se uma ciência, ele deve reconhecer o ‘processo’ como seu único herói”. O autor mostra a importância da valorização do processo de criação, que torna a formação da obra uma rede complexa de acontecimentos. Em uma única obra literária pode haver sistemas diferentes: [...] no interior de um mesmo manuscrito, de uma única folha, sempre coexistem vários sistemas semióticos concorrentes, cujas interferências devem ser estudadas pelo geneticista, que não são apropriadamente percebidas se ele se isola no interior de uma só disciplina (JAKOBSON, p. 204). Essas ligações entre um sistema e outro, como o diálogo entre notas de leitura e obra lida, texto e pensamento, levam o crítico da estética da criação a uma outra linha de análise - ao comparar os dois processos, já não se está estudando o processo de criação de uma obra literária, mas tentando encontrar matrizes da criação, diferenças, procurando-se entender o funcionamento dos processos criativos de uma forma geral. A partir da análise dos processos criativos há a compreensão dos procedimentos de produção. O crítico genético tem a intenção de esclarecer o percurso de criação e revelar o processo que gerou a obra, ver uma “obra” inacabada torna-se importante, cheia de beleza e perfeição em sua originalidade. 3 A Crítica Genética nos caminhos da tradução A Crítica Genética pode ser uma forma de leitura reveladora no processo tradutório de um texto literário. A partir do estudo genético de um prototexto, analisase o processo escritural do autor, procura-se entender como o autor criou, estruturou e textualizou sua narrativa. Isso, na intenção de compreender o processo tradutório nesse saber genético que um texto fixo não pode revelar. A passagem pelos manuscritos do autor traduzido pode ajudar o tradutor na sua tarefa. Segundo Bourjea (1998, p.48), a Crítica Genética: 10 [...] possibilita, de fato, duas coisas importantes no campo da Tradução: 1) ela pode constituir uma nova tarefa, (impossível), quanto à tradução dos manuscritos literários [...]; 2) a Genética deve permitir, através de um melhor conhecimento do processo da inventividade literária, um trabalho de leitura/ re-escritura mais fino ou mais adequado para o tradutor da poesia (BOURJEA apud ROMANELLI). Assim, a Crítica Genética como um estudo embasado na observação da gênese da criação e em todo o seu processo criativo, pode ser uma influência positiva no exercício da tradução literária. A tradução também consiste em um sistema arraigado de construções que exigem do tradutor uma releitura do que foi escrito de maneira não corrosiva ao pensamento original do autor. O conhecimento da gênese do texto a ser traduzido poderá ser um aliado de suma importância no êxito da tradução, sendo que se o tradutor tem acesso ao processo criativo do escritor, este tem maior possibilidade de seguir os mesmos direcionamentos do autor, indiferente da língua para a qual é traduzida a obra literária: traduzir não é um simples processo mecânico, existe uma escritura tradutória e o texto oriundo da tradução não possui as mesmas características que um texto literário chamado original. Entende-se que o produto tradução passa por uma trajetória criativa e é conduzido por pistas que atestam um trabalho de criação (PASSOS, 2008, p. 3). Escrever o que quer que seja, desde o momento em que o ato de escrever exige reflexão, e não a inscrição maquinal e sem detenças de uma palavra interior toda espontânea, é um trabalho de tradução exatamente comparável àquele que opera a transmutação de um texto de uma língua em outra. (CAMPOS, 1996, p.201). Salvo que não é uma regra para o tradutor possuir um dossiê de manuscritos e rascunhos da obra a ser traduzida, mas a rasura irá permitir um aprofundamento mais amplo no ponto de partida da tradução literária. O que está escondido sob a rasura, muito mais do que seu efeito – o texto visível – é frequentemente o ponto de partida do scriptor e assinala um não dito do texto publicado. Por isto, sustentamos que o texto publicado é a metonímia do manuscrito (WILLEMART, 2005, p.20). 11 A interdisciplinaridade configura um processo bastante visível no espaço da (re) escritura, ou tradução, entre a Crítica Genética e a tradução literária. Segundo Carvalhal (2003, p.221), "a literatura e a tradução literária são práticas que podem esclarecer uma a outra". Partindo desse princípio, é de fato esclarecedor para um tradutor de sucesso ser também um geneticista dedicado, pois o conhecimento da rasura do autor deixará o tradutor tão próximo da obra literária a ser traduzida que este será capaz de transmitir com exatidão a literatura proposta pelo escritor da obra. Para que a tradução seja fielmente o que o autor quis referir-se, e não o que o tradutor supôs que o autor quis dizer. Partindo de tais “princípios” de tradução, fica evidente que o objetivo principal do tradutor deveria ser ficar o mais “fiel” ao original em sua totalidade e ficar “invisível” no texto traduzido, pois o objetivo fundamental de qualquer tradução seria a “reprodução” do “original” em outro código (BOHUNOVSKY, 2001, p. 52). O estudo do texto traduzido pode levar a entender o processo criativo do tradutor, revelar suas dúvidas, suas escolhas, suas interrogações, o seu fazer. Portanto, abordar geneticamente os rascunhos do tradutor e constituí-los em objeto de estudo pode revelar-se como uma etapa fundamental no processo de avaliação da tradução. Assim como a Criação Literária, a tradução possui rascunhos do seu processo criativo utilizados pelo tradutor para que o resultado de sua obra traduzida obtenha êxito. Justifica-se então que seja possível a análise crítica da gênese deste seguimento da mesma maneira que são analisados manuscritos da criação literária. O tradutor também é um escritor. Passos (2008, p.3) esclarece a relação entre a tradução e Crítica Genética: [...] o tradutor é um escritor e que é passando pela crítica genética que se pode chegar a essa conclusão, posto que seja na crítica genética que se pode obter provas do seu processo de trabalho. Sem esquecer que o acesso aos manuscritos de uma tradução pode ser uma pista para a avaliação e a crítica da tradução. O tradutor em seu processo criativo precisa recriar o texto em outra língua da maneira mais próxima da original possível. Dessa forma é inevitável que até a conclusão do texto traduzido haja rascunhos, manuscritos e esboços resultantes do trabalho do tradutor. É através destes materiais que a Crítica Genética pode aproximar-se da tradução e investigar as fontes do seu desenvolvimento e todas as probabilidades que poderiam ser ou até mesmo que foram o texto antes da 12 publicação. Passos chama o processo criativo do tradutor de “terceiro texto” e afirma: [...] a análise genética do terceiro texto revelará a hesitação, a certeza, o dilema na escolha de palavras, o arrependimento, as mudanças, enfim, a escritura em processo, do tradutor (PASSOS, 2008, p.5). Entre 1958 e 1967, Guimarães Rosa e Curt Meyer-Clason, o qual era seu tradutor alemão, corresponderam-se frequentemente enquanto eram feitas traduções das obras de Rosa. O autor explicava a Clason as origens dos vocábulos, expressões e personagens existentes na obra literária deixando exposto todo o seu arsenal criativo. Apesar deste ocorrido, não é corrente o contato entre autor e tradutor. Dessa forma, a interdisciplinaridade entre a tradução e a Crítica Genética faz possível esse contato íntimo entre as ideias do escritor da obra literária e o tradutor desta através dos manuscritos. [...] para o tradutor, colocar seus passos nos passos do autor, como disse Valéry, seria refazer o caminho genético do pensamento visível e, portanto, poder cotejar pensamento por pensamento, como o intuía e o desejava Guimarães Rosa (VALÉRY apud PASSOS, 2008, p. 8). Assim um olhar interdisciplinar entre a tradução literária e a Crítica Genética é uma ferramenta positiva ao profissional da tradução para concluir o seu trabalho com êxito. Pois o tradutor ao ser a voz do autor satisfaz-se ao expor as mesmas ideias, objetivos e pensamentos diferenciando apenas o idioma para o qual o texto literário é traduzido. Considerações Finais A Crítica Genética é compreendida como o caminho de formação artística do texto literário desde os primeiros rascunhos até a conclusão da obra. O embasamento da pesquisa genética engloba a gênese do processo criativo do autor antes da correção para publicação do texto literário. A partir desta pesquisa, foi possível acompanhar o desenvolvimento da renovadora Crítica Genética. Observou-se que a própria crítica mesmo no início de suas pesquisas já contava com direcionamentos que excediam as limitações das fontes de estudo. Sendo fontes não apenas norteadas por textos literários, mas sim por toda manifestação artística que envolva um processo criativo. 13 Portanto, com a observação da Crítica Genética como ferramenta de pesquisa nas etapas da criação literária pôde-se esclarecer os caminhos trilhados pelo autor de maneira mais detalhada. O entendimento da obra literária fica mais acessível a partir do momento em que o pesquisador possui os manuscritos, rascunhos e esboços inalterados por outras fontes que não sejam o próprio autor, tornando enriquecedor o conhecimento referente à maneira como a obra foi criada e até mesmo as tentativas do que a obra poderia vir a ser. Acrescenta-se à conclusão desta pesquisa, a Crítica Genética como um procedimento facilitador para o êxito da tradução literária. As rasuras deixadas pelo autor fazem com que o tradutor fique tão próximo da obra a ser traduzida que este é capaz de transmitir com clareza a proposta deixada por ele. Após a pesquisa, conclui-se que o crítico genético objetiva esclarecer o percurso de criação e revelar ao pesquisador como a obra foi gerada. A criação literária ativamente relacionada com a crítica genética possibilita o acompanhamento da gênese até o término do processo criativo. Na tradução literária, a interdisciplinaridade com a Crítica Genética é observada como um mecanismo positivo na aproximação da obra original com a obra traduzida, oferecendo ao tradutor uma intimidade necessária com texto o qual irá traduzir e, portanto, uma ligação mais legítima aos pensamentos e ideais do autor do original do texto. Referências ARAGON, Louis "D'un grand art nouveau: la recherche". In: Essais de CritiqueGénétique. Paris: Flammarion, 1979. BOHUNOVSKY, Ruth. A (im) possiblidade da “invisibilidade” do tradutor e da sua “fidelidade”: por um diálogo entre a teoria e a prática de tradução. Cadernos de Tradução. Florianópolis: NUT, 2001, v.2, n.8, p.51-62. CAMARGO, Joseane. Eletrônica. 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