FAMÍLIA E POLÍTICAS PÚBLICAS NA AMAZÔNIA: desafios e perspective 1 Antonia Cardoso dos Santos 2 Francisco Willams Campos Lima 3 Maria Helena de Lima Aood Resumo: Apresenta-se, neste artigo, um panorama da formação econômica, política, social da Amazônia e as conseqüências desse modelo para a organização familiar e, seus reflexos sobre as políticas sociais. Para tanto, analisa-se o papel do Estado como indutor de políticas públicas assim como sua omissão ou ausência nesse processo. Ressalta-se, nesse contexto, a necessidade de definição e implementação de políticas sociais que garantam os direitos fundamentais dessas famílias, de acordo com as peculiaridades regionais, de modo a superar o modelo assistencial, paternalista e clientelista que perdura há décadas na região amazônica. Palavras-chave: Família, políticas públicas, Amazônia. Abstract: It is presented in this article, an overview of training economic, political, social consequences of the Amazon and the model for the family organization, and its consequences on social policies. For that analyzes the role of the state as inducer of public policies as well as its omission or failure in this process. It is in this context, the need for definition and implementation of social policies that guarantee the fundamental rights of these families, according to regional peculiarities, in order to overcome the health care model, paternalistic and clientelistic that lasts for decades in the Amazon region. Key words: Family, public policy, Amazon. 1 Mestranda. Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] Mestrando. Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] 3 Mestranda. Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected] 2 1. INTRODUÇÃO A formação econômica, política e social do Brasil e da Amazônia, iniciada no século XVI, foi predominantemente marcada por um sistema econômico baseado no extrativismo. Esse modelo decorre do contexto internacional, sendo resultante do capitalismo industrial, dos países desenvolvidos,que necessitavam buscar nas colônias matérias -primas, para a consolidação desse sistema . Essas colônias exerciam, portanto, a função de mercado externo. Assim sendo, a Amazônia era considerada um exemplo clássico desse modelo, na medida em que fornecia os produtos extrativistas , porém as condições locais eram muito adversas daquelas produzidas na Europa, ou seja, a região era uma subzona periférica do capitalismo mundial em expansão. Com a exploração da borracha, a organização social e política na Amazônia muda sua configuração, as relações que se estabelecem nesse período baseavam-se num modelo exploratório do espaço geográfico, também denominado de ocupação exploratória. Nesse contexto, as relações subordinação da população sociais expressavam assim a completa 2 local aos ditames dos povos dominadores especialmente os portugueses. Esse processo exploratório das riquezas naturais da Amazônia influenciou fortemente as relações sociais, assim como a forma de desenvolvimento da região. A partir dos Anos 30, o Estado brasileiro, por seu turno, favoreceu a entrada de grandes empresas internacionais que realizaram em nome do progresso grandes projetos, voltados exclusivamente para os interesses econômicos, ou sejam, exploração da mais valia e submissão às regras do mercado internacional. Nesse cenário, com a implementação desses projetos, emerge a questão social na Amazônia, fruto da agutização das formas de miséria e pobreza, que se refletia nas condições de vida dos povos amazônidas, que passaram a demandar resposta do poder público. Em face desse panorama desafiador do ponto de vista social e econômico, questiona-se o papel do Estado, que teria favorecido tal processo avassalador, mas que não demonstrou interesse em inferir nessa problemática. Portanto, esse tipo de questionamento nos leva a buscar possíveis explicações para o fenômeno, que nos propomos investigar ao longo deste texto. Assim, considera-se a necessidade de se desenvolver uma reflexão acerca do papel do Estado no contexto amazônico, a fim de identificar sua contribuição para o agravamento ou minimização dos problemas ora assinalados. Para tanto, procuramos compreender a estruturação da base familiar na Amazônia, ressaltando a necessidade de definição e implementação de políticas públicas, de acordo com as problemáticas identificadas nessa região. 2. A estruturação da base familiar na Amazônia A estruturação da base familiar na região amazônica descreve um quadro histórico e social a partir da ocupação portuguesa no século XVI, com a fundação da cidade de Belém. O projeto português envolvia importantes instituições, dentre elas a Companhia de Jesus, responsável pela operacionalização do sistema educacional da metrópole. Segundo Leal (1991), o processo de ocupação da Amazônia, desenvolvido a partir do sistema de aldeamento, constituiu-se na estratégia jesuítica destinada a implantação de uma ordem social, econômica e política, de caráter hegemônico, estava a serviço da exploração dos recursos naturais, mesmo sendo necessário, se possível, exterminar os nativos. A política de ocupação portuguesa na Amazônia esteve representado por famílias privilegiadas com a posse de terras, visando o desenvolvimento de atividades agrícolas destinadas ao comércio exterior. Para Leal (1991), a dizimação das populações indígenas comprova o quanto os interesses do dominador sobre a região, estava concentrado nos 3 bens naturais e ao seu valor comercial, não se apresentando qualquer tentativa de construção de uma sociedade capaz de valorizar a diversidade. A exploração dos recursos naturais da Amazônia aconteceu nos diversos períodos históricos, desde o período colonial, representado pelas drogas do sertão, passando pelo final do império e início da república com a exploração da borracha a partir de 1870. A inexistência de uma política de estado para a região amazônica, favoreceu a exploração indiscriminada da borracha, tida no final do século XIX como uma das mais importantes matéria-prima para o processo de produção de bens para a indústria, e sobre este potencial existente na região: Fácil é compreender o extraordinário valor que a Amazônia abrigava dentro de si, por abrigar gigantescos estoques naturais dessa riqueza, pois embora a borracha existisse em vários outros lugares do planeta além das Américas do Sul e Central, na Ásia, na África, em Madagascar, e, mesmo, na Rússia, em arvores, arbustos, vinhas ou ervas, era na Amazônia que ela se encontrava em quantidades, e em qualidade incomparáveis. (LEAL, 1991, p. 24). Com a exploração da borracha, a organização social e política na Amazônia muda sua configuração, destacando a presença de dois atores principais que farão parte do processo produtivo, o seringalista, detentor dos meios de produção, dono das terras onde se localizavam os seringais, e o extrator, em sua maioria retirantes nordestinos afetados pela seca, que buscavam oportunidades de acesso ao trabalho e mudança em suas condições de vida. Fato que não ocorreu, pois, as condições de trabalho eram desumanas e as relações se estabeleciam pelo poder de mando do patrão e de subjugado e obediente pelo trabalhador. Nesse cenário, o sistema de crédito que predominou foi denominado de aviamento, o qual já existia desde o período do Brasil colônia sendo utilizado na economia das drogas do sertão, incluindo o ciclo do cacau. Conforme Santos (1980) Naquela época o negociante sediado em Belém supria de mantimentos empresa coletora das “drogas do sertão”, para receber em pagamento, final da expedição, o produto físico recolhido. Essa modalidade financiamento ficou conhecida com o nome de aviamento, uma espécie crédito sem dinheiro. a ao de de Portanto, o sistema de aviamento na Amazônia trouxe conseqüências sociais de efeito devastador na formação da sociabilidade da população cabocla porque estabelecia um alto grau de dependência do trabalhador ao patrão. O débito era perpétuo, mediante as condições estabelecidas por este. O funcionamento em cadeia vertical reforçava esse nível de exploração uma vez que: Aviar, na Amazônia, significa fornecer mercadorias a crédito. O “aviador” de nível mais baixo fornecia ao extrator certa quantidade de bens de consumo e alguns instrumentos de trabalho, eventualmente pequena quantidade em dinheiro. Em pagamento, recebia a produção extrativa. Os preços eram fixados pelo “aviador”, o qual acrescentava ao valor das utilidades fornecidas juros normais e mais uma margem apreciável de ganho, a título do que se 4 poderia chamar de “juros extras” apreciavelmente altos. No cume da cadeia estavam as firmas exportadoras, principais beneficiárias do regime de concentração de renda por via do engenhoso mecanismo dos “ juros extras” e do rebaixamento do preço local da borracha (SANTOS,1980; p.159) Nessas circunstâncias não é difícil imaginar que a relação de poder e dominação da classe patronal sobre os extratores era quase de mão única. As poucas tentativas que esses criavam para burlar o sistema de aviamento eram facilmente desmascaradas pelos patrões. O seringueiro ficava de tal forma isolado, pela própria disposição geográfica das atividades produtivas regionais, que seu vínculo com o “barracão” se tornava exclusivo e ele perdia quase totalmente a liberdade de usar o que ganhava (SANTOS, 1980; p.158). Ressalta-se, ainda, nesse contexto, a exploração da borracha no final do século XIX que sofreu os impactos da perda da produtividade em relação a outros centros produtores, em especial a Malásia, resultando no enfraquecimento da economia gomífera, na pauperização da força de trabalho. Assim destituídos da assistência estatal, os trabalhadores da borracha se instalaram nas áreas ribeirinhas da Amazônia, ocupando-se em atividades de coleta de frutos, pesca, caça, e outros trabalhos braçais. A falta de políticas de assistência social às famílias que ocupam o espaço amazônico é notadamente descrita a partir das condições de existência que as populações que habitam as margens dos rios e nas áreas centrais apresentam. De acordo com Leal (1991), a inserção do capital na região representada pela exploração econômica dos recursos naturais, não trouxe a devida compensação à classe trabalhadora, em especial às famílias que não possuem os meios de produção. O modelo de desenvolvimento econômico efetivado na Amazônia alheio às peculiaridades da cultura e do modo de viver da população local, impede qualquer mudança nos níveis de qualidade de vida das populações, e conforme descreve Mello (2006), o Estado ao intermediar o acesso do capital, o faz sem levar em consideração os efeitos de sua ação, omitindo a necessidade de distribuição eqüitativa da renda. A concentração de atividades econômicas com finalidades de enriquecimento de grupos restritos ligados ao capital financeiro reforça e amplia as condições de desigualdade na Amazônia, sem que o Estado se posicione em favor da implementação de políticas de assistência social capaz de responder às disparidades encontradas nos diversos espaços da região. Ao incorporar novas áreas, as políticas de avanço da fronteira têm também provocado o desperdício de recursos naturais. Repetindo-se o processo com as mesmas variáveis, é bastante provável que a pressão, tanto sobre novas áreas ainda pouco alteradas, como em regiões onde as dinâmicas de ocupação do espaço já resultaram em modificações dos ecossistemas amazônicos, seja ainda mais intensiva. (MELLO, 2006, p. 327). Paralelo ao processo de ocupação da região urge considerar os reflexos sociais decorrentes da ineficácia das políticas definidas pelo Estado, em vista do atendimento às 5 populações, que necessitam de assistência em níveis de sobrevivência digna. 3. Por uma política de assistência social às famílias na Amazônia A política de ocupação da Amazônia, orientada segundo os desígnios do capital contemporâneo traz em seu bojo um quadro de expropriação dos meios de produção das populações tradicionais que habitam o espaço amazônico e, de acordo com Pinto (1994), quanto mais se acentua a ampliação da fronteira para inserção das atividades econômicas e produtivas, maiores são os níveis de conflito entre aqueles que detêm os meios de produção e a população excluída do acesso a estes. Segundo Maciel (2002), a região amazônica sofreu uma intervenção estatal que tinha como objetivo povoar a Amazônia, povoar não só de pessoas, mas preenchê-la com interesses econômicos, ideológicos e políticos. Pensamento este, também, compartilhado por Pinto, (apud MACIEL, 1994; p127), ao afirmar que a Amazônia ficou conhecida como uma região de ocupação. O modo de ocupação da região amazônica favoreceu a implantação de grandes projetos com objetivos claros de atender os grupos capitalistas que visavam somente a exploração das riquezas naturais. Como conseqüência do suposto desenvolvimento regional o que ocorreu, de fato, foi o alargamento das expressões da questão social. Além disso, os projetos econômicos não trazem em seu conjunto de ações, políticas de assistência social às populações que vivem em seu entorno, o que vem contribuindo para o agravamento do problema da miséria e da pobreza, paradoxalmente, numa das regiões mais ricas do planeta. Diante desse cenário, Maciel (2002), considera que a política de assistência social destinada ao atendimento das famílias na Amazônia, necessitam levar em conta as particularidades e as complexidades regionais, de modo que sejam analisadas as contradições que se expressam em função das restrições quanto ao acesso aos direitos sociais, destacando-se a educação, saúde, previdência, trabalho, entre outras. Ao construir um quadro reflexivo sobre a família, Maciel (2002) assegura o quanto esta instituição vem sofrendo mudanças decorrentes de valores e fatores descritos pelo modo de produção dominante, resultando na precarização dos níveis de existência dos povos amazônicos, que enfrentam uma complexa de luta pela sobrevivência. Desta forma, as estratégias de sobrevivência adotadas pelas famílias implicam a adoção de medidas de caráter econômico que contribuem na renda e no consumo familiar. Por isso, a economia familiar ganha assim concreção, seja pelos aspectos imediatamente econômicos (integração de renda e consumo), seja pela racionalidade específica que aí se constrói e passa a presidir os esforços de acesso e distribuição de bens simbólicos e materiais (MACIEL, 2002; p. 125). A presença do modo de produção hegemônico, caracterizado pela disparidade 6 quanto ao acesso aos bens sociais, resulta na destruição do modo de viver dos grupos sociais autóctones, sem que o Estado se posicione para reverter essa situação, o que contribui para a manutenção de contradições, frente à realidade regional e o projeto de desenvolvimento econômico adotado pelo modo de produção capitalista. Na Amazônia, encontram-se sujeitos com diferentes histórias de vida e concepção de mundo, no entanto, a incursão do capital mediante a ampliação da fronteira para a sua expansão, desrespeita a condição humana desses grupos e o máximo que oferecem como contrapartida de suas ações, é uma política assistencialista, que os mantém numa relação de dependência. Segundo Maciel (2002), o Estado ainda é uma figura sem expressão quanto à elaboração de uma política de assistência social à família na região amazônica, existindo a necessidade de superação do modelo assistencialista promovido pela maioria dos programas de governo nas esferas estaduais e municipais. A construção de uma política de assistência social a família, inclui possibilidades a serem materializadas em longo prazo e com continuidade, adequando-se a realidade de cada contexto, pois: A assistência social, enquanto política pública necessita amealhar mais informações sobre as famílias na região amazônica, com o objetivo de realizar uma ação concreta que atenda as reais expectativas destas famílias, e não os interesses clientelistas e paternalistas ainda fortemente presente na região. (MACIEL, 2002; p. 135). A superação do quadro apresentado em relação à Amazônia implica na mudança da forma de compreensão estatal quanto ao atendimento das demandas sociais das famílias, buscando-se a partir de ações concretas, contribuir para a transformação da realidade, considerada a possibilidade de produção de uma vida autônoma, mediante a garantida do acesso aos direitos sociais, como condição digna de cidadania. Portanto, a mudança nos níveis de qualidade de vida da maioria das famílias que ocupam o espaço amazônico, inclui na produção e implementação de uma política de assistência social, pautada na valorização dos direitos humanos e sociais previstos nos textos constitucionais, de modo que seja possível romper com o assistencialismo e clientelismo estatal. Assim, a ineficácia das políticas de assistência social na Amazônia desenha um quadro crítico e complexo quanto ao atendimento das demandas sociais, evidenciando a fragilidade da atuação estatal, que tem demonstrado sua incapacidade em responder, de forma contextualizada, os desafios enfrentados pela população amazônica, com fortes repercussões sobre o modo de vida das famílias, especialmente as ribeirinhas. 7 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo do modelo de assistência social construído historicamente na Amazônia para atender a família não expressa a visibilidade, tampouco o compromisso do Estado em atender às demandas populacionais, pelo fato deste encontra-se submetido aos interesses do capital. Essa postura resulta numa política compensatória, clientelista, que inibe qualquer tentativa de superação das disparidades sociais entre os grupos sociais, inseridos nas regiões mais pobres. Nesse contexto, a família na Amazônia não recebe a devida assistência do Estado, resultando num quadro de aprofundamento dos problemas sociais em que as desigualdades são notórias. A pauperização apresenta níveis cada vez mais elevados na zona urbana, assim como na zona rural, em face de ausência de políticas sociais consistentes nas áreas de saúde, educação, trabalho, entre outras. Em suma, consideramos que o presente texto instiga o debate sobre o tema em foco, possibilitando uma reflexão sobre o verdadeiro papel do Estado, frente aos desafios de construir políticas públicas, para o enfretamento dos problemas que envolvem as famílias na região amazônica, em decorrência do processo exploratório deflagrado pelo modo de produção capitalista. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LEAL, Aluízio Luis. Uma sinopse histórica da Amazônia – Pará, 1991. MELLO, Neli Aparecida de. Políticas territoriais na Amazônia. São Paulo: Annablume, 2006. MACIEL, Carlos Alberto Batista. A família na Amazônia. In Revista Serviço Social e Sociedade nº 71- São Paulo, Cortez, 2002 SANTOS, Roberto. História Econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo, T. A. Queiroz, 1980.