Política Educacional brasileira no contexto da política neoliberal

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-1Título: POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA NO
CONTEXTO
DA
POLÍTICA NEOLIBERAL
Área Temática: Educação e Filosofia
Autor: ELAISE MARA FERREIRA CREPALDI
Instituição: Universidade Estadual de Maringá - Programa de Mestrado em
Educação – Curso fundamentos da Educação
Introdução
Com o intuito de iniciar um processo de estudos e reflexões, propomonos no presente texto, apresentar algumas considerações teóricas sobre a
política educacional no contexto da política neoliberal.
A
princípio
pontuaremos
alguns
aspectos
determinantes
do
neoliberalismo, considerados por pensadores da atualidade, como sendo
importantes para a análise e compreensão da natureza e do sentido que o
projeto neoliberal assume no contexto do sistema econômico mundial. Em
seguida, com base nos mesmos pensadores, discutiremos sobre como a
política neoliberal se efetiva no âmbito das políticas educacionais brasileira.
Estamos vivendo os poucos dias que antecedem o início do próximo
milênio. Época em que dentro da instituição escolar ou fora dela, no contexto
amplo da sociedade, deparamo-nos com um grande entusiasmo (de alguns)
pela “onda” de neoliberalismo, que há algum tempo chegou ao Brasil e parece
ter se instalado, saindo da prática do discurso político para a prática cotidiana
de todos os setores.
Verifica-se que a linguagem mudou, “todos” estão preocupados em
incorporar as novas palavras de ordem “modernização”, “privatização”,
“terceirização”,
“qualidade
total”,
“racionalização
de
recursos”,
“competitividade”, “produtividade”, “reengenharia”, “realidade virtual”, “empresa
virtual”, entre outras tantas. São palavras que estão fazendo parte do cotidiano
de pobres e ricos, jovens e velhos, homens e mulheres. É certo também, que
nem todos sabem o seu sentido, mas as utilizam.
-2Em matéria de qualidade, pode-se afirmar que todos sempre a
buscaram. É certo que cada um pretendia algo diferente, de acordo com
interesses pessoais e de classe.
Atualmente “todos” querem a “qualidade total” e para ensinar o seu
significado e como atingi-la, apareceu uma gama enorme de livros, periódicos e
cursos.
Paradoxalmente, vivemos também num tempo em que empresas
demitem funcionários, Universidades são impedidas de recompor os seus
quadros, as escolas são estimuladas a procurar parcerias para financiar seus
projetos, tudo num recomendado esforço de racionalização de recursos.
Em relação a educação, é recorrente o que se coloca sobre a realidade
educacional brasileira, “vai de mal a pior”, porque está difícil apostar na
educação da maneira como ela se encontra. Taxas de repetência e de evasão
escolar altíssimas; má qualidade de ensino em todos os níveis; crianças em
idade escolar fora da escola; má formação dos professores; conteúdos
defasados; livros didáticos fora da realidade; metodologia tradicional; avaliação
em geral quantitativa; planejamento técnico burocratizante; administração
escolar solitária.
Na visão neoliberal, a escola está sem rumo, perdida no espaço e no
tempo, enfim, sem projeto pedagógico que dê conta do momento histórico.
Frente aos aspectos pontuados, como entender o fenômeno neoliberal
que tomou conta do mundo, chegando na América Latina, se instalando
inclusive no Brasil e repercutindo nas políticas educacionais?
Determinantes do neoliberalismo
Estamos
num
período
em
que
todos
os
países
vêm
sendo
reorganizados, tanto na esfera econômica, quanto na política social e
ideológica. Na esfera destas organizações aparece o pensamento liberal
impregnado de propostas que tem como prerrogativa a organização das
sociedades em função do livre mercado e dos interesses privados e
empresariais.
No que diz respeito ao Brasil, face ao discurso mundial de globalização,
o atual governo não tem medido esforços, no sentido de reorganizar a vida
-3social e econômica. A finalidade é chegar ao capitalismo moderno utilizando-se
do modelo da política neoliberal dos países centrais do capitalismo.
Entende-se que historicamente, o capitalismo tem passado por uma
série de mudanças e rupturas tanto qualitativas como quantitativas. Estas
mudanças se identificam por crises permanentes e cíclicas que geram
contradições em graus diversos. A cada momento de pós-ruptura, novo período
se inicia. A respeito das crises do capitalismo GENTILI (1995) afirma que:
Tal processo não questiona a natureza e o caráter do modo de produção... imprime a
este último uma renovada morfologia de sentido transitório e relativamente estável que
se reproduzirá até o surgimento de uma nova crise (1995, p. 231).
Compreende-se então que a crise do capitalismo acontece de forma
geral e provoca choques sobre a vida econômica, política, jurídica, cultural,
social e que, no momento do esgotamento do regime de acumulação fordista,
iniciado a partir do fim dos anos 60 e início dos 70, o neoliberalismo adquiriu o
seu sentido garantindo o restabelecimento da hegemonia, como afirma o
mesmo autor:
O pós fordismo também se caracteriza pela cristalização de um modelo social fundado
na dualização e na marginalidade crescente de setores cada vez mais amplos da
população (...) nele potencializa-se o caráter estrutural dualizado que caracteriza
historicamente este tipo de sociedade... de “ganhadores” e perdedores” ... de
“integrados” e “excluídos” (ibidem, p. 233).
De forma abrangente, podemos entender que o pós fordismo traz como
característica a sociedade dualizada, no dizer de GENTILI: “sem cidadão”, com
pessoas que se sobrepõem a outras, negando a sociedade democrática.
Ficando
evidente
nos
discursos
neoconservadores
e
neoliberais,
preferencialmente a terminologia “consumidores”, descartando a palavra
“cidadãos” e o que seu significado encerra. O cidadão visto como consumidor,
identifica-se a um universo natural de dualidade segmentado pelo mercado.
Concomitante ao período do modelo fordista, encontramos também o
modelo Keynesiano que tomou força, principalmente na grande depressão pós
1929. Define-se pelo Estado de Bem Estar baseado em princípios subjacentes
de caráter democratizante em termos potenciais: a igualdade e a necessidade
-4de realizar ações de caráter assistencial destinadas a mitigar as desigualdades
sociais geradas pelo capitalismo.
WHITAKER
(in Pedagogia da Exclusão) esclarece como se dá a prática
Keynesiana sobre os indivíduos.
A redistribuição no sentido Keynesiano e do Estado de Bem Estar não apenas se fazia
em direção às classes menos favorecidas (ao menos como teoria) como um estímulo
para a demanda, mas também era sobretudo um mecanismo político, levado à prática
pelo estado e pelo processo político ... (WHITAKER, 1992, p. 36).
Verifica-se que o Keynesianismo, através da equalização, centrava base
na concepção dos direitos sociais e da cidadania que, para conservadores e
liberais, não deixa de ser ilusória e de efeitos perversos, como interpreta
HIRSCHMAN (1992):
as políticas de bem estar social tem como objetivo lidar com problemas que eram
tratados por estruturas tradicionais como a família, a Igreja ou a comunidade local.
Quando tais estruturas se desmoronam, o Estado intervém para assumir suas funções.
Neste processo, o Estado debilita ainda mais o que resta das estruturas tradicionais.
Surge daí uma necessidade maior de assistência pública do que havia sido prevista, e
a situação piora em vez de melhorar (HIRSCHMAN, in Pedagogia da Exclusão, 1992,
p. 35).
Estaríamos vivendo o período de hegemonia neoliberal?
Contudo, parece que as idéias neoliberais, ou da não intervenção do
Estado na economia não são recentes.
Perry ANDERSON (in Pós Neoliberalismo,1995, p. 09) afirma que o
neoliberalismo nasceu logo depois da 2.ª Guerra Mundial, na Europa e nos
Estados Unidos, como reação teórica e política veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estar, cujo texto de origem é “O caminho da
Servidão” de Frederich HAYEK (1944) (1).
Em termos conceituais e históricos, o neoliberalismo pode ser definido
como uma teoria político-econômica elaborada para adaptar o modelo liberal às
novas condições do capitalismo do século XX, principalmente, a partir da
grande primeira crise do sistema, em 1929. Esta crise foi resultante da quebra
da bolsa de valores de Nova York. Contudo, após o final da segunda grande
guerra, ocorreram transformações econômicas profundas, pelo menos nos
países mais ricos. Nos anos 70, há um esgotamento do sistema capitalista,
novas crises se instauram demandando soluções imediatas.
-5Neste cenário, alguns estudiosos buscaram a solução dos problemas
econômicos, não nas formulas anti-capitalista ou anti-liberais, mas em um
liberalismo renovado.
Uma das pautas defendidas pelos neoliberais, juntamente com os
defensores do liberalismo antigo, é o “Estado de direito” o qual assegurava o
interesse individual levando a economia de mercado a funcionar efetivamente
pelos incentivos criados pelo sistema de preços. A condição essencial para
essa eficiência é o livre acesso à concorrência de reserva de mercado.
O mecanismo livre dos preços segundo esta doutrina, é indispensável
ao bom funcionamento da vida econômica. Dirige-se ao poder público para
pleitear o funcionamento deste mecanismo, reclama a intervenção que deve
lutar contra os agrupamentos dos produtores, os cartéis e trustes nacionais e
internacionais. O Estado deve ser um agente passivo nas condições
econômicas, conforme pregavam os clássicos.
A liberdade econômica das empresas e as leis de mercado continuam
como dogmas no neoliberalismo. Um dos instrumentos para disciplinar a
economia é a criação de mercados concorrenciais por meio de blocos
econômicos, como a União Européia ,o NAFTA, o MERCOSUL e outros.
Para o sistema capitalista transformado e em transformação era a
grande perspectiva que se abria para atender as necessidades de consumo. A
economia se globaliza. As leis e o mercado mundial, se mantém porém
flexíveis, abrindo para a concorrência, onde preço e qualidade são
fundamentais.
Nesse reordenamento o Estado não deve desempenhar funções
assistenciais, o que resultaria numa sociedade completamente administrada e
portanto antiliberal. Ao Estado cabe apenas a tarefa de garantir a lei comum,
bem como equilibrar e incentivar as iniciativas da sociedade civil.
Podemos entender o neoliberalismo como sendo a nova forma política e
econômica do capitalismo. Sob a ótica de sua filosofia contemporânea pode-se
afirmar então, que o neoliberalismo corresponde, no nível das idéias, aos
pressupostos da pós-modernidade. Ou seja, a crítica a uma impossibilidade de
entendimento totalizante dos atuais fenômenos mundiais, a negação da
racionalidade e da abstração como método e compreensão da realidade, a
fragmentação do conhecimento, o niilismo em termos teóricos e identificando-
-6se em termos filosóficos às tentativas de justificação da chamada nova ordem
mundial.
Nos anos 60, o Casal FRIDMAN, defende também a liberdade individual –
“a liberdade econômica constitui requisito essencial da liberdade política”
(FRIDMAN & FRIDMAN, 1980, p. 16).
Reforçam o princípio da liberdade de escolher
e o respeito às diferenças com igualdade de oportunidades num mercado livre
e aberto a todos (2).
Nos anos 70, os modelos econômicos do pós-guerra entram em crise. O
Peso do Estado passa a ser questionado por seu agigantamento e
burocratismo, por sua ineficiência, e, principalmente pela vulnerabilidade à
pressão das organizações dos trabalhadores. O livre mercado é apresentado
como redentor, o antídoto necessário à crise daqueles modelos.
Podemos afirmar que o termo “neoliberalismo” originou-se da
experiência de governos neoconservadores, dos anos 80 como por exemplo,
de Margareth Thatcher na Inglaterra e o de Ronald Reagan, nos Estados
Unidos. E que, na América Latina, a implementação está associada à política
econômica, a exemplo do Chile.
Contudo, com a renegação do Estado de Bem Estar Social, setores
significativos da Social Democracia mundial aderiram às teses neoliberais
tendo como exemplo: Gonzales na Espanha; Miterrand na França.
No caso brasileiro, o governo de Fernando Henrique Cardoso e parcelas
significativas do PSDB e do PMDB têm seguido a mesma receita.
É certo que o governo Collor de Mello iniciou esse processo, mas foi
interrompido pelo impeachment. Contudo, as medidas neoliberais tem
avançado no Brasil, através da privatização das estatais e das modificações do
capítulo da ordem econômica da Constituição Federal.
Os anos 90 têm sido cenário propício do resgate do neoliberalismo,
convertendo-se na política dos governantes dos países centrais ricos,
especialmente no que tange ao receituário para os países periféricos “em
desenvolvimento”.
Segundo Nereide SAVIANI (1995) o neoliberalismo vai se configurando
como sendo:
-7Um corpo doutrinário cujo eixo é a redução do papel do Estado e a retomada da ênfase
no mercado e no indivíduo, desvinculando de suas organizações (partidos, sindicatos,
associações) ou, quando muito diluído na “comunidade” (1995, p. 13).
Em relação à abertura do mercado, o chamado MERCOSUL – Mercado
Comum do Cone Sul, a exemplo do modelo americano e do europeu, continua
a mesma autora:
Quer se apresentar como a política necessária ao contexto de globalização da
economia e à nova divisão internacional do trabalho, por ela imposta. E apregoa a
quebra das fronteiras entre as nações, justificando que, com o fim da bipolaridade, os
países podem conviver em “paz” e comerciar livremente sua produção e seus recursos.
Tudo isso, facilitado pelo vertiginoso meio de comunicação, sob a chamada terceira
revolução técnico-científica deste final de século (ibidem: 13).
Sem a pretensão de esgotarmos o tema, consideramos que os
elementos teóricos expostos, neste primeiro momento, nos permite visualizar
os principais determinantes do pensamento neoliberal. Acreditamos ainda que
os determinantes postos são de fundamental importância para a análise e
compreensão da natureza e do sentido que o projeto neoliberal assume no
contexto econômico mundial.
No que se refere às políticas sociais, interessa-nos discutir o que é a
educação dentro do pensamento neoliberal e como ela se manifesta.
Política Educacional brasileira no contexto da política neoliberal
No contexto neoliberal, a sociedade brasileira vive uma situação que não
é nada agradável. Mergulhada numa crise econômica, social, política e cultural,
tem levado todos à situação de instabilidade, à falta de perspectivas
permanentes e claras. É evidente que este quadro é resultado de toda uma
evolução histórica, mas, ao mesmo tempo não podemos deixar de sublinhar o
quanto o presente tem colaborado para a conservação e manutenção desta
situação.
Frente a isto, para compreendermos o quadro educacional, é necessário
que
se
tenha
um
entendimento
das
contradições
e
rearticulações
experimentadas pela política neoliberal, que tem viabilizado o processo de
globalização. Esta política, promete engajar o país ao primeiro mundo,
modernizando suas estruturas.
-8Sabemos que a sociedade, os fatos, as coisas e o homem, são
profundamente dinâmicos; a realidade é um movimento contínuo, permanente
e ininterrupto, que provoca situações, que não devem ser ignoradas.
Neste sentido, em matéria de educação as pautas neoliberais tem por
eixo um “novo” conceito de público, desvinculado de estatal e de gratuito, com
a transferência da responsabilidade para a sociedade civil, a comunidade, a
família (3).1 Incorpora em seus fundamentos a lógica do mercado e a função da
escola se reduz à formação dos recursos humanos para a estrutura de
produção, como afirma Roberto BIANCHETTI (1997):
Nesta lógica, a articulação do sistema educativo com o sistema produtivo deve ser
necessária. O primeiro deve responder de maneira direta à demanda do segundo. (...)
ao rejeitar a planificação social, deixa livre às leis da oferta e da demanda as
característica e orientação do sistema educativo (1997, p. 94).
Podemos afirmar que, o mecanismo do mercado é auto regulador, o
que melhor equilibra as demandas surgidas do setor produtivo com a ofertas
provenientes das instituições educativas. A ampliação da lógica do mercado
nessa área constitui-se o marco geral que orienta as políticas para a educação.
A lógica coloca a educação como um bem econômico que deve responder, da
mesma maneira que uma mercadoria, à lei da oferta e da demanda.
Como fundamento do ideário neoliberal, tem-se em FRIEDMAN (1980) o
maior defensor do pensamento neoliberal. Ele aponta como uma das causas
que prejudicam a educação, a perda do poder dos pais em relação à escolha
da educação dos filhos. Argumenta que, o aumento da intervenção do estado
nesta área, no modelo keinesiano colocou os educadores profissionais como
os depositários do poder social agravando o mal com a centralização e a
burocratização crescentes das escolas.
Fridman 1977:80 – Em relação ao novo conceito de público desvinculado de estatal e gratuito –
admitia como proposta subsídios para os necessitados: se o custo financeiro imposto pela
exigência da instrução fosse compatível com a situação da grande maioria das famílias de uma
comunidade seria factível e desejável que os pais arcassem diretamente com a despesa. Casos
extremos poderiam ser resolvidos por subsídios especiais para as famílias em determinadas
condições. Isso eliminaria a máquina governamental necessária para recolher os impostos dos
residentes durante toda a vida e para devolver este mesmo dinheiro, a essas mesmas pessoas,
durante o período em que seus filhos estão na escola. Reduziria a probabilidade de que o
governo também administrasse as escolas. Aumentaria a probabilidade de que o componente
de subsídio nas despesas para a instrução declinasse à medida que a necessidade de tal subsídio
diminuísse com o aumento geral do nível de vida..
1
-9-
Em escolarização, pais e filhos são os consumidores e o mestre e o administrador da
escola os produtores. A centralização na escolaridade trouxe unidades maiores,
redução na capacidade dos consumidores de escolher e aumento do poder dos
produtores (1980, p. 158).
Contrario a esta afirmação, sabemos que a universalização da educação
se fez através de subsídios recebidos do Estado, transformando-se em
educação pública. Essa transformação não foi resultado de pressões exercidas
pelos pais, e sim, da ação dos educadores profissionais liderados por Horace
MANN,
que no dizer de FRIEDMAN (1980), é “o pai da educação gratuita
americana”, como tentativa de maior garantia no emprego e da segurança de
que seus salários seriam pagos e de que teriam um maior controle sobre a
educação.
Em contraposição ao sistema de educação do Estado de Bem Estar
keinesiano, FRIEDMAN (1980, p. 161-172) apresenta como proposta, dar aos pais
maior controle sobre a educação de seus filhos, garantindo-lhes maior
liberdade de escolher ao mesmo tempo, em que se retém as atuais fontes de
financiamento. De posse de cupom, os pais escolhem a escola onde usá-lo,
tanto privada como pública, além de poder escolher em seu próprio distrito,
cidade e estado. Esse sistema exigiria que as escolas públicas se
financiassem, cobrando anuidades. Encontra-se neste pensamento o princípio
da privatização da escola pública proclamado hoje.
Como efeito dessa proposta, as escolas púbicas seriam reduzidas ao
mínimo, porque, diante da necessidade de atrair a população estudantil que as
justificassem seriam obrigadas a incorporar-se às leis do mercado, competindo
com as outras escolas públicas e com as privadas. Desta forma, sua existência
seria uma resultante da qualidade do serviço oferecido, e não apenas pelo fato
de pertencer a uma estrutura estatal.
É a partir dessas considerações que encontramos explícitos os
fundamentos da crítica que se faz aos sistemas de educação pública, uma vez
que, por um lado, ofertam uma educação que, ao ser comum, cria obstáculos à
seleção natural da sociedade e, por outro, limita as possibilidade de escolha
individual.
- 10 Quando se coloca a transferência das responsabilidades do Estado para
a sociedade civil, a comunidade e a família, defende-se o discurso da
descentralização. Em matéria de educação, podemos considerar que as
propostas tem suas origens na concepção global do modelo neoliberal. Sobre
esta questão, BIANCHETTI (1997) comenta:
A descentralização, ao nível educativo supõe, por um lado, a transferência das
instituições nacionais aos Estados e municípios e, por outro lado, a decisão de fornecer
subsídios do Estado à educação privada. (1997, p. 103).
As
Propostas
de
descentralização,
como
transferência
de
responsabilidade, supõem que a participação dos personagens locais inspiraria
uma maior democratização, contudo, na razão neoliberal a democratização
está no interesse individual e possibilidade material de cada um em detrimento
do coletivo.
Investindo nestas propostas, atualmente governos e organismos
internacionais vêm articulando discursos sobre a ênfase no ensino básico e
sobre a relação da educação com o conhecimento, voltada para o novo mundo
do trabalho.
Nesse quadro, os mecanismos de regulação pública exigem um
redimensionamento do papel do Estado, centrado na normatização e no
controle (4).
Para
que
o
redimensionamento
se
efetive,
recomendadas pôr
organismos internacionais, capitaneados pelo Banco Mundial prevêem a
restruturação da administração da educação, com a introdução de reformas
educacionais e pedagógicas, para a diminuição da evasão e da repetência.
Dentre elas, apontam-se: reforma do sistema educacional; maiores exigências
para acesso ao ensino superior; seleção e avaliação dos profissionais;
modificação da duração dos ciclos escolares; reformas circulares visando à
formação de força de trabalho com nível mais alto de conhecimento, recursos
humanos flexíveis, de acordo com as exigências e as novas tecnologias;
mecanismos de avaliação do rendimento escolar e docente.
Visando a profissionalização dos professores, estão sendo propostos:
programas de capacitação à distância; preparação pedagógica mais breve,
menos acadêmica; contratação de especialistas com experiência no setor
- 11 produtivo; regime de dedicação exclusiva, sem a contrapartida salarial;
liberdade para os centros educativos na determinação total ou parcial dos
salários dos docentes, de acordo com o projeto educativo.
Mas quem é o Banco Mundial?
O Banco Mundial que surgiu no mesmo período que o FMI (Fundo
Monetário Internacional), tinha uma função muito diferente da que tem
atualmente. Quando foi criado, sua função era a reconstrução dos países da
Europa arrasados pela guerra, depois disso o capitalismo foi exigindo uma
nova atuação do banco, principalmente na questão das populações pobres e
no aumento da capacidade técnica das massas trabalhadoras.
Essa instituição atualmente tem a reputação de impor severas condições
– que os países receptores dos empréstimos são obrigados a aceitar – e de
envolver pesadamente no arcabouço de propostas que os governos submetem
para financiamento. E como afirma Nereide SAVIANI (in texto: Educação
Brasileira em Tempos Neoliberais, 1998), sendo o Brasil um dos países
receptores de empréstimos, “numa tradição de dependência, vêm seguindo à
risca a argumentação dos organismos internacionais”.
Esta colocação se confirma quando fazemos um retrocesso histórico da
educação. Porque desde a primeira metade deste século, o Brasil tem recebido
assistência externa para a educação. Por exemplo: dos Estados Unidos, sob a
forma de cooperação técnica, idéias de universalização incorporada nos planos
educacionais – L.D.B./1961; acordos MEC/USAID entre os anos de 60 e 70 –
considerando a educação como fator direto de desenvolvimento econômico e
meio para provimento de técnicos para o setor produtivo (2º grau) com ênfase
no ensino profissionalizante. Dos anos 80 para a atualidade, as diretrizes são
de estabilização econômica, ao lado da preocupação com a pobreza do país.
No interior do setor educacional, os planos do Banco limitam-se a dar
prioridade ao investimento em educação abrindo linhas de créditos para essa
finalidade, deixando que os governos, os educadores, as comunidades
educativas, determinem os objetivos específicos da educação, as “tecnologias”
de ensino aprendizagem e a organização do sistema educativo.
Neste sentido a educação tem sido pensada como meio de aliviar a
pobreza, através de medidas compensatórias e de conter o aumento
- 12 populacional, que, gera pressões sociais. Daí a ênfase no ensino básico, tendo
em vista assegurar à população ensino mínimo e de baixo custo.
Segundo CORAGGIO (in O Banco Mundial e as Políticas Educacionais:
1996, p. 75), o Banco Mundial reconhece que as políticas devem ser diferentes
para cada país, de acordo com a etapa de desenvolvimento educacional e
econômico e com seu contexto histórico e político. Entretanto, através da
análise de documentos, depreende-se que o Banco detém um saber certo
sobre o que todos os governos devem fazer, neste caso, um pacote pronto
para aplicar e com medidas associadas à reforma educacional.
De imediato, o Banco estaria pré-determinado a induzir os sistemas de
educação à descentralização. Aparentemente, espera-se da descentralização
que em cada distrito ou estabelecimento sejam adotadas, com melhor
conhecimento das condições locais, as combinações de insumos educativos
mais eficientes; mas também se espera uma redução da capacidade dos
interesses tradicionais (sindicatos de professores, burocratas do governo
central, associações de estudantes universitários, as elites geralmente
beneficiadas pelos subsídios indiscriminados) para incidir na política educativa.
Segundo Marilía FONSECA (1996, p. 169), o Banco Mundial recomenda a
extensão da oferta do ensino elementar a todas as crianças e adultos, sendo
que a educação deve ser integrada ao trabalho, com a finalidade de
desenvolver competências necessárias para responder o desenvolvimento
econômico.
Respondendo ao modelo neoliberal, o governo brasileiro insiste em
afirmar, em pronunciamentos divulgados por rádio, televisão, revistas, jornais e
em documentos oficiais que o problema da educação nacional não é de
quantidade, é apenas de qualidade.
É o que se lê, por exemplo, no folheto de divulgação do Projeto Acorda
Brasil, está na hora da Escola! do Governo Federal:
o Brasil praticamente universalizou o acesso ao ensino básico. Apenas locais isolados,
de difícil acesso, não possuem escolas (...) mas apesar de ser um gigante em
números, o Brasil ainda é pequeno na qualidade no ensino que oferece aos seus
alunos (...) se por um lado, existem professores querendo ensinar, alunos querendo
aprender e escola em número suficiente, por outro lado o que falta é maior atenção e
participação dos governos, da sociedade e da própria comunidade escolar (Brasil
Governo Federal, 1995).
- 13 Diante desta realidade, fica difícil acreditar na proclamada intenção de
investir na qualidade do ensino. Fala-se em priorizar o ensino básico por ser
essencial para o exercício da cidadania e, por ser nele, que se encontram os
maiores problemas. Contudo, verifica-se que o priorizar, neste caso, se dá em
detrimento de outros níveis de ensino.
Uma pergunta torna-se muito pertinente: Será possível atender ao nível
básico sem dar atenção necessária aos demais níveis?
Sabemos que é no ensino superior, por exemplo, que são formados
professores do ensino básico; é nele que são realizadas pesquisas que
diagnosticam as condições do ensino nos vários níveis e são produzidos
conhecimentos que contribuem para seu aprimoramento e aperfeiçoamento,
para solução das dificuldades e problemas.
Estamos no limiar do século XXI. O reconhecimento da “complexidade”,
eixo filosófico que norteia o pensamento neste final de século, nos aponta para
uma saída de “menos certeza”, menos pretensões de verdade, neutralidade e
objetividade, mas para um horizonte onde nos olhamos como parte do
conhecimento e para o reconhecimento da subjetividade consciente. Temos
que buscar novos paradigmas para compreender o fracasso escolar, social,
cultural e para buscar uma educação democrática e práticas alternativas que
propiciem o acesso crítico às informações fundamentais para a cidadania.
Conclusão
À guisa de conclusão, destacamos o pensamento de FRIGOTTO, a fim de
evidenciar a importância e a necessidade do exercício da cidadania.
a efetiva democratização da escola pública unitária, de todos os processos de
formação técnico-profissional e dos meios de comunicação social não pode mais ser
postergada. Trata-se de uma condição necessária para que a cidadania possa
concretamente desenvolver-se e construir-se para a grande maioria da população
brasileira. Para que o direito a educação e outros direitos, como da saúde, moradia,
transporte e emprego sejam garantidos, o tamanho do Estado tem que pelo menos
dobrar. ... Isto pressupõe forças democráticas organizadas e com capacidade de gerir e
controlar este fundo ampliado. A crise do capitalismo real deste fim de século,
globalização e transnacionalizado, uma vez mais e de forma mais perversa, ainda que
mais dissimulada, busca resolver sua crise pela exclusão e violência (FRIGOTTO,
1995, p. 192).
- 14 O analfabetismo, as crescentes taxas de abandono escolar, a
desigualdade, o aumento da violência e da drogadização dos alunos tem
marcado o quadro escolar. Além disso na sociedade ainda impera a
discriminação de raça, classe e gênero. O fracasso escolar é, também,
resultado dos pontos já mencionados. E estes frutos de uma história não linear,
de uma história que não representa um continuo progressivo rumo a igualdade,
ou à melhora do homem na sociedade.
Embora a estratégia neoliberal não se reduza ao campo educacional, é
deste setor que ela se utilizará como um dos elementos passíveis de serem
utilizados como técnica de governo, regulação e controle social.
Para finalizar este texto, prafraseando FRIGOTTO (1995, p. 14), é possível
“renascer das cinzas”, é possível e necessário lutar por um mundo mais justo e
igualitário. Simplesmente por que a história ainda não terminou.
Notas
(1) Frederich A. HAYEK, economista austríaco, passou cerca de metade de sua
vida nos Estados Unidos e na Inglaterra. O seu livro publicado em 1944 é
considerado o texto de origem do neoliberalismo: um conjunto de formulações
contrárias à intervenção do Estado no mercado. Certamente não teria
imaginado o sucesso que suas teses fariam no mundo inteiro, quase cinquenta
anos depois. Na ocasião, os ataques a intervenção do Estado na economia, a
defesa intransigente da liberdade do mercado, não tiveram muito eco, a não
ser em alguns circuitos restritos. (Ver a respeito: ANDERSON, 1995 e Fernandes,
1995, entre outros).
(2) Milton FRIDMAN. Economista norte americano (1912), teórico da Escola
Monetarista e membro da Escola de Chicago, defende a idéia de que as
variações da atividade econômica não se aplicam pelas variações do
investimento, mas pela oferta de moeda. Assim, as intervenções multiformes
do Estado na vida econômica de um país poderiam ser substituídas pelo
controle cientifico da evolução da massa de moeda em circulação do ambiente
social que constituem os determinantes básicos do funcionamento da
economia. (Dicionário de Economia: 130).
(3) FRIDMAN, 1977, p. 80 – Em relação ao novo conceito de público
desvinculado de estatal e gratuito – admitia como proposta subsídios para os
necessitados: se o custo financeiro imposto pela exigência da instrução fosse
compatível com a situação da grande maioria das famílias de uma comunidade
seria factível e desejável que os pais arcassem diretamente com a despesa.
Casos extremos poderiam ser resolvidos por subsídios especiais para as
famílias em determinadas condições. Isso eliminaria a máquina governamental
necessária para recolher os impostos dos residentes durante toda a vida e para
devolver este mesmo dinheiro, a essas mesmas pessoas, durante o período
em que seus filhos estão na escola. Reduziria a probabilidade de que o
governo também administrasse as escolas. Aumentaria a probabilidade de que
- 15 o componente de subsídio nas despesas para a instrução declinasse à medida
que a necessidade de tal subsídio diminuísse com o aumento geral do nível de
vida.
(4) Ver, entre outros documentos: CEPAL/UNESCO, 1992; vários, 1993;
WCEFA, 1990.
Referências bibliográficas
BIANCHETTI, Roberto G. Modelo Neoliberal e Políticas Educacionais. São
Paulo : Cortez, 1997.
FRIDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. Arte Nova, 1997.
FRIDMAN, Milton; FRIDMAN, Rose. Liberdade de Escolher. Rio de Janeiro :
Record, 1980.
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