Departamento de Filosofia ÉTICA E A BUSCA DA FELICIDADE Aluna: Yasmine Victoria B Hamaoui Orientador: Danilo Marcondes Introdução Partindo da investigação inicial “Ética e felicidade” que deu origem à pesquisa, sob o ponto de vista aristotélico, foi escolhido, seguindo uma ordem não cronológica, abordar o tema através do aprofundamento da visão de felicidade sob o ponto de vista dos Estóicos, principalmente, a visão do estoicismo sobre o tema e os conceitos de Enkrateia e Acrasia. O conceito de acrasia, em particular, leva a uma reflexão sobre as tragédias gregas, já que elas também se tornaram uma inspiração para a filosofia estóica que, desde os seus princípios, estava determinada a demonstrar os terríveis estragos que a paixão humana provocava. Com isso, a pesquisa se volta para a investigação das tragédias gregas mediante os conceitos filosóficos já estudados e introduz uma reflexão sob o aspecto moral, além de pesquisar sua relação com as ações, questionando sua validade ética e aprofundando o conhecimento mítico. Objetivos Estudar mais profundamente o conceito de acrasia sob diversos pontos de vista filosóficos e, principalmente, através do estudo da moral nas tragédias gregas. Metodologia Para compreender o significado de acrasia, foi investigado, primeiramente, o conceito de enkrateia. Enkrateia vem do adjetivo “enkratês” que significa possessão, poder sobre algo ou alguém. Três discípulos de Sócrates, Isócrates, Xenofonte e Platão, transformaram o adjetivo Enkratês no substantivo Enkrateia e deram um diferente significado para a palavra. Enkrateia deixa de significar poder sobre algo ou alguém e passa a significar poder sobre si mesmo, poder sobre suas paixões e instintos, ou seja, autocontrole. Enkrateia, para Aristóteles é o antônimo de acrasia que significa exatamente falta de autocontrole. Logo, enkrateia está relacionado ao ato de fazer o que se sabe ser uma escolha positiva por causa de suas consequencias positivas ao contrário de acrasia que é o estado de fazer o que é sabido não ser uma escolha positiva, por causa de suas consequências negativas, mas ainda assim fazê-lo por causa de seus prazeres imediatos. Para Xenofonte, enkrateia é vista como "a base de todas as virtudes". Sócrates apresenta no diálogo Protágoras, de Platão uma problematização do conceito de acrasia. Se um sujeito julga que uma determinada ação é a melhor coisa a ser feita, como ele pode fazer outra coisa se não essa? Sócrates resolve esta questão dizendo que se o sujeito conhece a regra moral, ele agirá conforme esse conhecimento, caso o indivíduo aja diferentemente ao que a regra moral determinada é porque, então, ele não possuía verdadeiramente o conhecimento moral. Departamento de Filosofia O filósofo Donald Davidson resolve o problema dizendo que, quando uma pessoa age dessa maneira, ela acredita provisoriamente que o pior curso de ação seria o melhor. Isso quer dizer que ela não teria feito um juízo considerando todas as coisas, mas apenas um juízo baseado em um conjunto menor de considerações. Outra possibilidade é que há diferentes formas de motivação, e uma pode estar em conflito com a outra. Pode haver conflito entre a razão e a emoção, e isso de alguma forma prejudicaria a escolha a ser tomada. Dentro da filosofia é bastante usada a definição de acrasia como a mesma coisa que a fraqueza da vontade. Entretanto, alguns filósofos questionam a relação entre acrasia e fraqueza da vontade. É possível ver a fraqueza da vontade como uma tendência a revisar muito facilmente o próprio juízo sobre o que é melhor. Assim pode-se acreditar que o ideal é se livrar de um mau hábito, mas o prazer deste hábito supera o próprio juízo. Tal pessoa teria uma vontade fraca, mas não seria acrática. O conceito de acrasia gera uma reflexão acerca das tragédias gregas, já que elas também tornaram-se uma inspiração para a filosofia estóica que, desde os seus princípios, estava determinada a demonstrar os terríveis estragos que a paixão humana provocava. O estóico Sêneca escreveu peças bastante trágicas como uma espécie de advertência para mostrar o desespero que cometem aqueles que se deixam guiar pelas paixões ao não saberem impor limites. Para aprofundar a análise do conceito de acrasia dentro das tragédias gregas, foi investigada a relação de duas obras de Eurípies: “As Bacantes” e “Medéia”. Onde há a presença de duas personagens que passam por situações semelhantes, porém divergentes no que diz respeito à presença ou não da acrasia. Em Medéia,é interessante ter ciência do que aconteceu na trajetória da protagonista, antes do acontecimento trágico, para chegar á conclusão se havia ou não liberdade de escolha e até que ponto a ação trágica de matar os próprios filhos como forma de vingança, foi algo que fugia ou não do controle da personagem. Jasão, com quem Medéia se casaria futuramente, ao atingir a maioridade deveria, por direito, assumir o trono de Iolcos. Enquanto seu pai o preparava para o reinado, ele entregou o poder á um primo chamado Pélias, mas chegada à hora de devolvê-lo, Pélias se recusou. Depois de um tempo afastado, Jasão resolveu voltar Iolcos. O rei não o reconheceu, mas conseguiu ver nele, alguém, que segundo um oráculo, poderia colocar seu reinado em risco. Jasão fez muitos amigos e admiradores em Iolcos, devido á sua inteligência e força física e algum tempo depois se apresentou a Pélias e exigiu seu trono de volta. Como Jasão era muito popular, Pélias se sentiu intimidado e tentando resolver a situação, lembrou a Jasão que Aites, rei da Cólquida, tratou desumanamente Frixo, parente de ambos, e o matou para se apoderar do velocino de ouro. Pélias disse então, que era muito idoso para realizar uma viagem com o objetivo de puni-lo e exortou Jasão para fazê-lo, prometendo seu trono, caso ele voltasse vitorioso. Chegando à nau Argo, Aites que, segundo a lenda era filho do Sol, promete entregar o velocino de ouro, caso Jasão conseguisse em um mesmo dia, realizar quatro tarefas consideradas impossíveis: domar um touro de cascos e chifres de bronze, que soprava chamas pela boca e narinas; arar, com esse touro, um campo consagrado ao deus da guerra; semear Departamento de Filosofia nesse terreno os dentes de uma serpente monstruosa, de cujo ventre sairiam guerreiros armados, prontos a devorar quem tentasse arar o campo sagrado e por último, matar um dragão muito feroz, que montava guarda dia e noite ao pé da árvore em cujos galhos estava pendurado o velocino de ouro. Apesar do pavor em realizar tais tarefas, Hera, deusa mulher de Zeus, simpatizava muito com Jasão e fez com que Medéia, filha do rei Aites e neta do Sol, ficasse perdidamente apaixonada por ele e prometesse a ajudá-lo a vencer se este se comprometesse a casar com ela e lhe ser eternamente fiel. Medéia era conhecida por seus poderes mágicos e a vencer todas as provas com eles. Jasão aceitou a proposta e conseguiu vencer com sucesso todas as provas. Porém, Aites, ao saber que a filha havia ajudado Jasão e estava fugindo com ele, mandou seu filho Absirtes persegui-los. Com isso, Medéia matou o irmão e esquartejou o cadáver pelo caminho, para desnortear os que viessem em sua perseguição. Ao retornar a Iolcos, foram todos recebidos com grandes celebrações, como o pai de Jasão não poderia comparecer devido á idade, Medéia, com seus remédios mágicos, devolveu-lhe a juventude. Pélias, também quis ser rejuvenescido, mas Medéia, instigada por Josão, deu a ele uma receita propositalmente errada que o matou. A população se revoltou de tal forma, que Jasão e Medéia tiveram que fugir para Corinto, onde viveram muito bem por dez anos. Como se pode ver através dos acontecimentos, Medéia realizou diversas ações bastante perigosas e comprometedoras, abrindo mão de sua vida anterior, para estar ao lado de Jasão. Isso, juntamente com a paixão que sentia por seu marido, explicam o tamanho furor da personagem, quando Jasão apaixona-se por Glauce, filha do rei de Corinto, e repudia Medéia, para se casar com a princesa. Esta humilhação ainda se soma ao fato de que Creonte, o pai da noiva de Jasão, decreta a expulsão de Medéia e seus filhos de Corinto. A partir deste ponto, Medéia toma a já conhecida decisão de matar os próprios filhos para se vingar de pior maneira possível de Jasão e podemos analisar a concepção de acrasia sobre esta ação. Levando em conta que acrasia é o estado de fazer o que é sabido não ser uma escolha positiva, por causa de suas consequências negativas, mas ainda assim fazê-lo por causa de seus prazeres imediatos, é possível dizer que o prazer da vingança e honra para Medéia era maior ainda mesmo que o amor que ela tinha com seus filhos. Medéia, obviamente, sofre ao tomar esta decisão. Lembrando que ela também enviou presentes envenenados para matar a princesa, mas não considera em momento algum matar o próprio Jasão. Ou seja, o sofrimento de seu amado e ainda, mas almejado que sua própria morte. Logo, Medéia tinha perfeita consciência de sua ação e o fez de maneira totalmente proposital, mesmo sabendo de suas conseqüências negativas. Com isso, não é possível enxergar nenhuma fraqueza de vontade, e sim, a entrega a uma vontade maior, a vontade de vingança, onde o ódio se torna maior do que o amor. Já na tragédia “As Bacantes”, temos um caso distinto. Como conseqüência da vingança de Dionísio para o rei Penteu, Agave acaba matando o próprio filho. Depois de ser mal recebido pelo rei, Dionísio investe em uma cruel armadilha, instiga Penteu a se vestir de mulher e acompanhar o rito das Bacantes, do qual, sua própria mãe Agave faz parte. Departamento de Filosofia Porém, meio ao transe dionisíaco, Agave não reconhece o próprio filho, ela e as outras bacantes o enxergam como um leão feroz e o destroçam. Como motivo de orgulho, ainda inconsciente, leva a cabeça do filho em suas próprias mãos. Passado o transe, revela-se a tragédia e o incessante arrependimento de Agave. Entretanto, diferente de Medéia, Agave encontrava-se em transe e realizou sua ação sem consciência alguma do que fazia. Este fato denota então, que não houve acrasia em sua ação, pois a personagem não agia de acordo com sua verdadeira vontade. Conclusões O estudo teórico desta pesquisa visou compreender a analisar o conceito de acrasia aplicada nas tragédias gregas “Medéia” e as “Bacantes” o que, além de fortalecer a compreensão do conceito, também gerou uma grande reflexão moral acerca do trágico e da linguagem das tragédias gregas. Avaliar duas personagens de Eurípedes, com tamanha força e poder, submetidas á situações limítrofes e considerar até que ponto há acrasia dentro de suas ações é um grande passo para compreender melhor tanto Medéia quando As Bacantes. Referências EURÍPIDES, Medéia. Martin Claret, 2009. São Paulo. Edição 1. EURÍPIDES. As Bacantes. Tradução de Trajano Vieira. São Paulo: Perspectiva, 2003. SÊNECA, L. A. Da vida feliz (De vida beata). 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. HADOT, P O que é a filosofia antiga? 4. ed. São Paulo: Loyola, 2010. INWOOD, B. (Org.). Os Estóicos . Trad.: Paulo F. T. Ferreira. São Paulo: Odysseus, 2006. SCHOFIELD, M. Ética estóica. In: INWOOD, B. (Org.).Os Estóicos . 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