O HOSPICE ELIMINAR A DOR PARA VIVER A VIDA E ENCARAR A

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O HOSPICE
ELIMINAR A DOR PARA VIVER A VIDA E ENCARAR A MORTE
PE JÚLIO MUNARO
Hospices ou casas de acolhida e de acompanhamento de doentes em
fase terminal, substituindo a medicina terapêutica pela medicina paliativa.
Cicely saunders é um nome pouco ou nada conhecido é a sua obra,
embora já se faça alguma menção entre nós. Nascida na Inglaterra, Cicely
estudou filosofia, política e economia na universidade de Oxord, cursou
enfermagem e doutorou-se em medicina. Foi no campo da enfermagem e da
medicina que revelou e expressou seu potencial humano, não tanto por
descobertas que alteraram o curso da arte médica, como fizeram Claude
Berbard, Louis Pasteur ou Alexandre Flemming, mas pelas atitudes humanas
que introduziu na assistência aos doentes em fase terminal, quando a medicina
terapêutica não tem mais nada para oferecer, mas mesmo assim se obstina em
prolongar a vida a qualquer custo.
De seu trabalho surgiu um movimento que se alastrou pelos países da
Europa e de outros continentes, levando um sopro de espírito humanitário: os
Hospices ou casas de acolhida e de acompanhamento de doentes em fase
terminal, substituindo a medicina terapêutica pela medicina paliativa. Na
frança, para citar um exemplo apenas, existem 35 unidades de Hospices, com
um total de 450 leitos, além de 37 equipes volantes, que prestam assistência
noutras instituições, com uma organização própria: a Sociedade Francesa de
Acompanhamento e de Assistência Paliativa (SFAP). Na primeira assembléia
geral da entidade, em 1990, participaram 50 membros apenas. Na assembléia
de 1996, passavam de 1.200, representando mais de uma centenas de
associações que atuam no campo. Um crescimento explosivo, que diz bem do
interesse que desperta e da aceitação que acolhe.
Nas Ilhas Britânicas, os Hospices passam de uma centenas.
COMO NASCEU A HOSPICE
Cicely fundou o St. Christopher’s Hospice, em Londres, que iniciou
suas atividades em 1967, e do qual foi diretora geral, Seu trabalho teve ampla
repercussão e lhe mereceu título honorífico em vários países. Em 1980, a
Rainha da Inglaterra lhe outorgou o título de “Dame”, equivalente ao de
cavalheiro da coroa.
Tudo começou em 1948, quando assistiu um doente chamado David
Tasma, jovem judeu polonês , acometido de câncer e já em ase terminal.
Cicely intuiu, durante dois meses de assistência, que Tasma precisava de
alguém que o escutasse e o ajudasse a terminar sua vida, consciente de seu
valor pessoal. Em sua longas conversas com Tasma, um dia, quando não tinho
mais nada para dizer, propôs-lhe a leitura de um salmo. A resposta de Tasma
foi pronta e incisiva: “Eu só quero o que há em seu coração e em sua alma”.
Cicely captou a mensagem: era necessário imprimir um novo espírito à
terapia, acompanhando-a de atenção e da amizade do coração.
Antes de morrer, Tasma deixou-lhe um donativo , ponto de partida para
a construção do St. Christopher’s Hospice, cento especializado em
atendimento a doentes em fase terminal, o sonho da enfermeira. A construção
só terminou 19 anos depois. O grão de mostarda tonava-se árvore para abrigar
pássaros surpreendidos pelo inverno, que pode se longo e penoso, mas que
desemboca sempre em primavera repleta de vida.
Enquanto construía paredes, Cicely não descuidou dos doentes, nem de
sua própria pessoa. Seu trabalho tomava corpo e grandeava reconhecimentos e
adesões. Dois anos após a inauguração do hospice, foi honrada com o título de
doutor honoris causa em ciências pela universidade de Yale. No diploma
consta: “A senhora soube aliar os dados da ciências e as intuições da religião
para aliviar as dores físicas e as angústias dos espíritos e fez progredir os
aspectos humanitários da assistência em todas as etapas da doença”.
Ciência e religião se entrelaçam de forma inseparável na assistência do
primeiro Hospice e de todos os Hospices que nasceram do movimento. No
Manual de Medicina da Universidade de Oxord (1984) consta a seguinte
observação sobre o trabalho do Hóspice: “Uma fusão característica de saber
clínico aprofundado e de compaixão”.
Ciência e religião, duas faces de um trabalho com um só rosto. Cicely
aprimorou-se com esmero em ambas, graças a um impulso íntimo de dar o
melhor de si em tudo quanto fazia, impulso herdado, como ela diz, de seu pai.
O CRESCIMENTO PESSOAL
Eis como ela própria conta a sua evolução nos dois campos: “Foi
progressivamente que lançamos as bases do Hospice e da medicina paliativa;
em parte pelo estudo de trabalhos do ramo, em parte por estudos clínicos e
psicossociais empreendidos no St. Christopher, mas em primeiro lugar pelo
controle e a evolução das práticas clínicas, bem como, no momento oportuno,
pela pesquisa e trabalhos de pessoas que exploraram este campo”.
A medicina científica não perde os eu papel na atividade assist6encial
do Hospice. Apenas muda os seu enfoque e os seus objetivos: livrar os doente
de seu mal estar físico.
Enfermeira formada na escola fundada pela pioneira da enfermagem
moderna, a famosa Nightingale School, Cicely, em 1951, aos 33 anos, foi
aconselhada por um médico que conhecia seu trabalho a cursas medicina:
“Estude medicina. São os médicos que abandonam os moribundos. Resta
muito a descobrir sobre a dor e só poderá ficar frustada se não se dedicar
cientificamente ao seu estudo. Mas, o que é ainda pior, ninguém lhe dará
crédito”.
Na época, os estudos sobre a dor começavam a engatinhar. Bem poucos
os consideravam uma ciência. Médicos e pacientes não se davam por
satisfeitos em eliminar o sintomas da doença. Queriam atingir a sua causa,
menosprezando a terapia dos sintomas ou da dor. Mas esta mentalidade foi
mudando, graças ao trabalho dos Hóspices.
Enquanto não se consegue eliminar a causa ultima da doença, as causas
imediatas do sofrimento exigem cuidado imediatos. Neste sentido, fazia-se
necessário pesquisar novas terapias de combate específico à dor. Não faltaram
estudiosos que se dedicassem a esta tarefa, como Wall e Melzack. Os
resultados não tardaram. Hoje a medicina dispõe de comprimidos de morfina,
cujo efeito dura doze horas e são de uso fácil. Quando o doente não consegue
mais ingeri-los, pode valer-se de injeções contínua, graças a seringas
eletrônicas portáteis. O importante é que o paciente receba uma dose
adequada do medicamento ao longo do dia para controlar a sua dor.
Quanto à religião, Cicely passou do ateísmo para o cristianismo. O
trabalho de enfermeira durante a guerra levou-a, como ela própria diz, “a
abandonar o ateísmo” e através de uma busca séria, de leituras e discussões,
aderiu ao cristianismo, o que lhe deu “a impressão de uma mudança brutal de
coração, como se após ter lutado anos contra o vento, agora o tivesse a seu
favor”.
Durante seus estudos de medicina, dedicou parte de seu tempo ao
trabalho de voluntária no Hospital St. Luke. Foi lá que começou a aprender
como “controlar a dor e outros sintomas” dos pacientes. Também foi lá que
tomou consciência, conversando com os doentes, que tinham condições de
fazer de fase terminal de sua vida um sucesso. Sua intuição religiosa e seu
trabalho para controlar o mal estar físico dos doentes a levaram a descobrir a
importância de cada indivíduo, o mistério de sua personalidade para Deus e
para os outros.
Graças a uma bolsa de estudos, pôde aprofundar seus estudos de
controle da dor na fase terminal dos doentes no Hospice st. Joseph, onde,
apesar de protestante, foi muito bem acolhida pelas Irmãs de Caridade que
administravam a instituição. Foi lá que deu os últimas retoques à sua
preparação científica, humana e religiosa que a levou a dar fundamentos
sólidos ao primeiro Hospice moderno, “o primeiro concebido para pesquisa o
que de melhor pode ser feito para cuidar dos moribundos”.
UMA VISÃO MAIS AMPLA
Mas a experiência da dor é mais complexa do que se pode imaginar. Foi
no contato com os doentes que Cicely chegou ao conceito de “dor total”, com
seus ingredientes.
Também compreendeu a omport6ancia dos tratamentos paliativos
adequados para os doentes que tinham perdido a batalha da cura. A medicina
paliativa livra os doentes de tratamentos que não fazem mais que aumentar seu
mal estar e seu isolamento. Ajuda-os a viver da melhor forma possível a parte
final da vida. Não se trata de interromper os cuidados médicos, mas de
adequá-los à situação do paciente, isto é, aliviar o seu sofrimento e
proporcionar-lhe os meios normais para viver.
A própria Cicely conta como nasceu a estruturação da filosofia do
Hospice e da medicina alternativa: “através do estudo de trabalhos em
campos conexos, através de estudos clínicos e psico-sociais eito no Hospital
St. Christopher e, acima de tudo, pelo acompanhamento e avaliação de
práticas clínicas, bem como pelas pesquisas e trabalhos de pessoas que
exploraram este campo”.
A boa comunicação com o doente terminal é indispensável para os eu
crescimento pessoal. Se o doente não consegue abrir-se e tomar consciência
de seu estado, não conseguirá enfrentá-lo. De nada serve negar ou esconder o
que está acontecendo, embora as pessoas tenham a liberdade de proceder
como melhor acham. Mais importante ainda é compreender a mescla de
sentimentos que envolve o paciente, suas mudanças de atitudes e chegar a
perceber o que é importante para ele, quais seus valores pessoais e o sentido a
dar à vida. Neste processo de escuta e diálogo, o doente pode passar da dor
espiritual, as cólera, da culpabilização a aceitação, à paz e a um crescimento
constante.
O Hospice não se preocupa com evangelização, nem que os doentes
adiram às idéias de quem os assiste. A única preocupação é de cuidar bem da
pessoa, na esperança que todos levem sua reflexão o mais longe possível e à
seu modo.
O Hospice não faz do paciente um dependente, nem o trata como menor
de idade, controlando seus passos, mas considera-o protagonista da sua
caminhada, plenamente responsável pelas decisões que toma. O Hospice não é
um colégio que disciplina pessoas, mas um lugar que proporciona ao doente
terminal assistência material, psicológica e espiritual para que viva em
autenticidade e da melhor forma possível, sem sofrimento e sem
constrangimentos, a última etapa de sua vida fazendo dela um sucesso.
O trabalho do Hospice não se limita ao doente, mas abrange a família,
também ela envolvida no sofrimento e, como tal, necessitada de apoio. A
escuta atenta, o diálogo empático e realista, a compreensão pelos sentimentos
das pessoas e o respeito de seus tempos alcançam resultados surpreendentes.
Pode fazer da doença e da morte um momento de reconciliação e de
relacionamento mais intenso e profundo.
Ma Cicely reconhece que, em seu trabalho, sempre precisou de um
grupo de apoio. Quando trabalhou no St. Joseph, descobriu que havia um
grupo informal de amigos que discutiam, rezavam pelos doentes e davam
idéias para o bom funcionamento do Hospice. Adotou o sistema para os eu St.
Christopher’s Hóspice.
Uma comunidade coesa, consciente e aberta para as necessidades dos
pacientes é indispensável para a boa saúde de um Hóspice.
Continua no número seguinte.
14 DE JULHO DIA DE
SÃO CAMILO DE LÉLLIS
Dia 14 de julho celebramos a festa de São Camilo de Léllis, padroeiro
dos doentes, dos hospitais e dos profissionais da saúde.
São Camilo nasceu a 25 de maio de 1550, numa cidadezinha da Itália
chamada Bucchianico. Seu pai, João de Léllis era um dos melhores capitães
do imperador Carlos V. sua mãe teve o filho já em idade muito avançada, 60
anos.
Aos treze anos Camilo perdeu a mãe e aos dezessete perdeu também o
pai. Resolveu seguir a carreira militar conhecendo o mundo mundano e
tornando-se um dependente do jogo.
Um dia impressionou-se com a modéstia de dois frades franciscanos e
quis ser um deles. Mas acometido por uma ferida crônica no pé, foi
dispensado do convento. No dia 2 de fevereiro de 1575, quando vinha do
Convento dos Capuchinhos de Manregônia, resolveu mudar completamente de
vida. Foi para Roma a fim de se tratar sendo internado no Hospital São Tiago.
Sentiu na própria pela o tratamento anti-humano praticado nos hospitais da
época, os quais cuidavam promiscuamente de todos os pacientes. Sem
condições para continuar no serviço militar resolveu trabalhar no próprio
hospital como enfermeiro e depois como administrador. Pediu uma das salas
do hospital, construiu um oratório e convidou um grupo de leigos que além da
determinação e caridade, assumisse o trabalho no hospital como serviço de
Deus, lutando juntos pela dedicação foi tanta que cuidava dos enfermos como
se estivesse cuidando do próprio Cristo. “Mais coração nessas mãos, irmãos”,
repetia sempre aos seus companheiros. Assumiu para si a frase do evangelho
que diz: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais
pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes”(Mt 25,50).
Camilo soube viver na prática a mensagem evangélica ensinada por
Jesus (Lc 10,25-37) que nos apresenta a parábola do bom samaritano, o qual
cheio de compaixão cuida com solicitude e gratuidade do próximo, realizando
assim a vontade de Deus manifestada em Jesus Cristo, que veio para que
todos tenham vida e a tenham em plenitude (Jo10,10).
Camilo de Léllis morreu no dia 14 de julho de 1914, deixando 15 Casas
da Ordem, oito hospitais, 242 religiosos professos e 80 noviços. Foi
beatificado no dia 8 de abril de 1742 e canonizado Santo no dia 29 de junho
de 1746. No dia 27 de maio de 186, junto com São João de Deus, foi
declarado pelo papa Leão XIII, o protetor dos doentes, hospitais e
profissionais da saúde.
Hoje os camilianos (as) marcam presença em vários países
representados por Padres, Irmãos, Religiosas e uma legião de leigos que se
inspiram a esse grande santo que lutou pela humanização do mundo da saúde.
A nossa missão de cristão comprometidos com o Reino é de anunciar o
Evangelho da vida e “denunciar a tudo quanto se opõe à visa e a seu
desenvolvimento sob qualquer modalidade: homicídios, genocídios, aborto,
eutanásia e suicídio. Tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como
as mutilações; as torturas corporais e mentais e as tentativas de violentar as
consciências. Tudo quanto ofende a dignidade da pessoa, como as condições
de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, a escravidão, a prostituição, o
comércio de mulheres, jovens e crianças; e as condições degradantes de
trabalho, em que os operários são tratados como mero instrumento de
lucro”(Gaudium et Spes, 27).
Nós, profissionais da saúde e agente de pastoral, como promotores da
vida, devemos nos perguntar sempre: o que estamos fazendo e o que podemos
fazer ainda para que ocorra a transformação dessa cultura de morte em cultura
de vida?
Temos um campo castíssimo de trabalho e inúmeras possibilidades,
para anunciar o Evangelho da vida. Resta engajar-nos decididamente sempre
mais no campo da saúde, investindo na formação e na capacitação de
profissionais que estejam dispostos a trabalhar na área preventiva e na
animação da Pastoral da Saúde. Estamos certos que não nos faltará a
assistência divina nesse ideal tão sublime de anunciar com vigor o valor
precioso da dignidade da vida de cada pessoa e de sua inviolabilidade. Que
São Camilo interceda junto a Deus por nós, para que sejamos verdadeiros
samaritanos rumo ao terceiro milênio.
Pe. Evangelista M. de Figueiredo e Tadeu dos Reis Ávila ( Camilianos )
SUBSÍDIOS PARA A ATUAÇÃO PASTORAL JUNTO À CRIANÇA
EM FASE TERMINAL
JOÃO ALREDO BARCELOS
Objetivo inicial deste artigo é apresentar alguns aspectos sobre o
comportamento de crianças portadoras de leucemia e que oram estudos pela
antropóloga norte-americana Dra. Myra Bluebond-Langner para a sua tese de
doutorado em antropologia. Em seguida, e com base neste estudo, gostaríamos
de propor pontos de reflexão sobre as possibilidades de utilização de suas
conclusões em nossa atuação pastoral. Para tanto, estaremos transcrevendo
resumidamente e numa tradução livre os capítulos quatro e sete do livro “The
Private Worls o Dyiun Children” ( Bluebond-Langner, Myra – Princeton
University Press, 1980), cujo título pode ser compreendido como “Os mundos
pessoais das crianças em fase terminal”.
O estudo da Dra. Bluenbond-Langner foi feito com crianças de três a nove
anos, que se encontravam internas num hospital de oncologia nos Estados
Unidos na década de 70. Era sua intenção determinar se as crianças em fase
terminal possuíam consciência de que estavam morrendo e, em caso
afirmativo, como elas adquiriam esta consciência e por que este assunto (sua
doença e morte) era tratado como devendo ser ocultado, tanto pelos membros
do corpo clínico quanto pelos parentes (sobretudo os pais) e ainda pelas
crianças. Neste trabalho, a autora reafirma o fato de a “morte ser não apenas
um fenômeno biológico, mas também social e cultural”, fatores que possuem
um impacto “no modo como morremos e no modo como permitimos que os
outros morram”( pg 231).
A Dra. Myra Bluebond-Langner nos mostra que as crianças pesquisadas
adquiriam informações concretas sobre sua enfermidade em cinco etapas.
Num primeiro momento percebem que esta doença (a leucemia) é muito séria.
Ao mesmo tempo, começam a conhecer o nome dos medicamentos que lhes
são administrados e seus efeitos colaterias.
Num primeiro momento percebem que esta doença (a leucemia) é muito
séria. Ao mesmo tempo, começam a conhecer o nome dos medicamentos que
lhes são administrados e seus efeitos colaterais.
Numa segunda etapa, já conhecem bem mais sobre tais medicamento, quando
e como são utilizados e quais são as suas conseqüências.
Em seguida, passam a compreender melhor os procedimentos especiais
na administração de outros medicamento e os tratamentos adicionais
necessários ao combate dos efeitos colaterais destes medicamentos .
Nesta terceira etapa, as crianças já capazes de associar determinado
sintomas a um procedimento terapêutico específico.
Somente numa quarta etapa as crianças serão capazes de compreender
em perspectiva os tratamentos, os procedimentos e os sintomas. Tendo, então,
uma compreensão do processo da doença como um todo, inclusive em relação
às suas fases de recaída e de diminuição de intensidade da enfermidade.
Percebem também a continuidade inerente a este processo no qual os
medicamentos nem sempre atuam de forma duradoura como se esperava que
ocorresse.
Assim, é apenas numa quinta etapa que as crianças percebem as
limitações dos medicamento e que quando eles não são mais eficazes a morte
se torna iminente.
Convém lembrar que as crianças passam de uma etapa a outra através
das experiências pessoais que vão tendo em função mesmo da doença (seus
sangramentos, recaídas etc.), o que permite que somem as informações
relativas à doença,q eu já possuem, assimilando-as ao relacioná-las àquilo que
viram e ouviram e à sua própria experiência.
Da mesma forma, o estudo aponta para o fato de as crianças com
leucemia passarem por cinco etapas diferentes de definição de si mesmas ao
longo do processo da doença. 1º) se vêem seriamente doentes; 2º) seriamente
doentes mas vão melhorar; 3º) sempre doentes mas vão melhorar ; 4º) sempre
doentes e nunca vão melhorar; 5º) estão morrendo.
Tal como anteriormente, a passagem de uma etapa a outra se faz a partir
das informações que adquirem, bem como através de suas experiências
pessoais.
Na primeira etapa, as crianças quando em contato inicial com outras
pessoas exibem seus ferimentos – oriundos dos procedimentos médicos
(picadas de agulha etc.) – como que para indicar esta sua visão de si mesma.
Certificam-se pela reação das pessoas o fato de que elas, as crianças, diferem
das demais crianças. Simultaneamente, as primeiras reações positivas aos
remédios vão indicando a possibilidade de melhorarem.
Num segundo momento, as crianças continuam buscando apoio para as
suas crenças de que os remédios vão ajudá-las a se recuperarem. E, à medida
que a intensidade da doença diminui, mais forte se torna a esperança de
recuperação e menos ênfase coloca-se na doença.
A passagem para a terceira etapa tem início quando da ocorrência da
primeira recaída. Mais do que antes, as crianças sentem a necessidade de se
relacionar com outras pessoas, buscando informações a respeito do que está se
passando. Daí porque, por exemplo, convidam as pessoa s a ficarem com elas,
brincar com elas etc.; podendo desta maneira ter a oportunidade de perguntar
o que desejam saber. Além dos adultos, outras crianças internadas.
Gradativamente, a ocorrência de novas recaídas, mais as complicações
decorrentes dos medicamentos farão com que a sensação de bem estar da
criança comece a perder orça. Acentuando sua consciência de ser diferente
apenas física mas também culturalmente, pois percebem sua impossibilidade
de voltar à escola, por exemplo.
Esta quarta etapa é ainda marcada pelo desejo das crianças em tentar
fazer contato com aquele outro mundo no qual viviam e que cada vez mais vai
se fechando. Tornam-se muito sensíveis àqueles que não vão mas visitá-las e
desejosas de saber o pr que disso. Inclusive quanto às demais crianças
portadoras de leucemia com as quais mantêm contato e que se encontram
internadas.
Ao tomarem conhecimento do falecimento de algum daqueles seus
colegas, a criança percebe que o ciclo de recaídas ou diminuição de
intensidade da doença não continua indefinidamente. Ele termina na morte.
É desta maneira que a criança entra na quinta etapa: quando percebe que
divide com seus colegas não apenas sua experiência mas também o mesmo
prognóstico. Expressam a sua consciência deste prognóstico – doença e morte
– através dos assuntos sobre os quais quer conversar, das estórias que quer
ouvir, das suas brincadeiras, dos seus desenhos, da sua visão do tempo e dos
eu comportamento em relação aos outros. Do mesmo modo, a criança perde
também o interesse por planos futuros. Mas não necessariamente pela
passagem do tempo, pois sabe que ele é curto.
Embora tenhamos apresentado apenas alguns aspectos deste estudo,
acreditamos ter sido possível perceber que “as crianças com leucemia
possuem diferentes questões, preocipações e necessidades nos diferentes
estágios da sua enfermidade”( pg 233). Este processo é ainda compartilhado
de forma conflitiva pelos seus familiares e pelo corpo clínico, quer seja de um
ponto de vista sócio-cultural, afetivo ou médico.
Concluindo, a autora coloca também que a questão não é se se deve
dizer isto ou aquilo à criança em fase terminal, mas sim como dizê-lo. De tal
sorte que se respeita o seu desejo em manter um relacionamento franco com
algumas pessoas, bem como um relacionamento camuflado, pouco explícito,
em relação a outras. O segundo, com vistas a proteger o da verdade (sua
doença e morte).
Não obstante o fato de este estudo ter sido realizado dentro de uma
sociedade e cultura diferente da nossa, entendemos ser possível recolher
alguns subsídios para nossa prática pastoral, uma vez que existe um ponto em
comum, a saber: o ser humano ( no caso a criança) face ao acaso de sua
existência. Por isso, propomos a seguir quatro pontos para reflexão.
No primeiro, gostaríamos de sublinhar o fato de a criança em fase
terminal, contrariamente ao que o senso comum poderia supor, não estar
alheia ou ignorar a sua enfermidade. Como vimos, ela é alguém que interage
com o contexto socio-cultural, terap6eutico e afetivo no qual está inserida. É
capaz de elaborar suas dúvidas e certezas a partir desta interação, podendo
estar necessitando de pessoas que ao visitá-la sejam capazes de entrar em
sintonia com suas intuições e emoções já bem esclarecidas ou ainda em
processo de elaboração e compreensão. Disso resulta um maior cuidado de
nossa parte em tentar compreender esta sua dinâmica de forma adulta. Daí
porque, não nos deixar levar por chavões do tipo “pobre inocente que herdarão
o reino dos Céus” ou algo parecido, nem tampouco subestimar a capacidade
de raciocínio das crianças em fase terminal. Em ambos os casos estaríamos
comprometendo a lucidez e sinceridade necessárias a uma postura pastoral que
entendemos deva ser coerente com as expectativas daqueles que sofrem nos
dia sde hoje.
Em segundo lugar, a existência de etapas pelas quais as crianças
passam, quer em relação à definição de si mesmas ou ao processo da doença,
por não serem estanques, deve reforçar no agente de pastoral a compreensão d
que ao visitá-las estamos chegando num determinado momento de suas vidas.
O que significa dizer que mais do que as idéias pre-concebidas do agente, é o
paciente quem de fato pode estar percebendo com mais nitidez e
discernimento o significado dos momentos que já se oram e daqueles que
estão por vir. Por esta razão, ao invés de pretendermos acolher o paciente,
talvez fosse conveniente deixar que ele, no caso a criança, nos acolha em sua
caminhada, indicando-nos de que maneira podemos servi-la.
Um terceiro ponto para nossa reflexão decorre do anterior e diz respeito
à atenção redobrada que deveríamos ter em nossas visitas as crianças;
tentando perceber suas idéias e sentimentos através dos meios que se utilizam
para expressá-los (brincadeiras, desenhos, estórias que nos contam sobre seus
brinquedos, suas “bonecas doentes” etc.), procurando compreender a
mensagem que nos estão passando, bem como seus questionamento e a partir
daí tentar responder às suas necessidades.
Por último, uma vez que se compreende que a criança em fase terminal
sabe que o tempo que lhe resta é cada vez mais curto, torna-se oportuno
manter um respeito e interesse por aquilo que ela entende como sendo
importante ( os assuntos sobre os quais deseja conversar, os momentos de
silêncio que deseja passar junto a nós ou outras pessoas, etc.).
Cabe recordar não ter sido nossa intenção esgotar o tema tratado no
referido livro. Mas sim, dividir com aqueles que atuam na Pastoral da Saúde,
sobretudo os que se encontram mais próximos das crianças em fase terminal,
alguns resultados de um estudo que a nosso ver muito contribui para orientar
nossa postura pastoral.
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