Humanização do atendimento a pacientes extremamente graves

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TÍTULO: HUMANIZAÇÃO DO ATENDIMENTO A PACIENTES EXTREMAMENTE
GRAVES
AUTORES: PISOLER, Lucas Timm; DRUMOND, Thaís Costa; OLIVEIRA, Bruno
L.M.Oliveira; NEHMY, Rosa M. Quadros, SILVEIRA, José C. Bruno; DAMAZIO,
Luciana Oliveira; MARX, Raquel Taroni; TORRES, Rejane A. Bueno
E-mail: [email protected]
INSTITUIÇÃO: Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
ÁREA TEMÁTICA: saúde
INTRODUÇÃO
O projeto de pesquisa/extensão/ensino “CATHIVAR: humanizando o atendimento a
pacientes com câncer e AIDS” está sendo desenvolvido por alunos da graduação de
medicina sob orientação de professores dos departamentos de Clínica Médica e de
Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG. Tem como objeto de
estudo a atenção a pacientes em estágio terminal, enfatizando os cuidados paliativos
dispensados a esses pacientes, tema de intenso debate em fóruns sobre a humanização da
atenção médica.
É inegável que os serviços na área da saúde têm alcançado enorme avanço científico e
tecnológico, assim como um grau de desenvolvimento de conhecimento invejável para
qualquer ciência que pretenda cuidar do ser humano. No entanto, também parece haver
consenso de que a evolução do conhecimento técnico-científico não tem sido acompanhada
por correspondente avanço na qualidade do contato humano presente em toda intervenção
de atendimento ao paciente. Circunstâncias sociais, éticas, educacionais e psíquicas ligadas
à saúde, à doença e às formas de intervenção são, muitas vezes, subestimadas e até mesmo
desconsideradas. Esse fato torna-se mais evidente quando se considera a questão do
paciente terminal, que necessita de atendimento mais humanizado, tendo-se em vista que a
possibilidade de cura praticamente inexiste, restando ao profissional proporcionar a esse
paciente a morte digna.
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O interesse por esta temática foi despertado pela percepção de que o currículo médico não
contempla, de modo sistemático, questões sobre a morte e sobre a atuação do profissional
médico no momento em que o paciente recebe o rótulo social de “desenganado”, ou seja,
quando a intervenção da tecnologia médica não mais seria eficaz para restaurar a saúde.
Como enfoque para abordagem desse problema médico-social partiu-se da proposição de
que ele poderia ser apropriadamente abordado a partir da visão das ciências sociais,
complementando o enfoque clínico. Isso por que a relação médico-paciente, no estágio
terminal da doença, apresenta problemas específicos que se revestem de grande importância
para a ética bio-médica. A doença é a experiência da fragilidade que provoca, na situação
terminal, a conseqüência aguda da mortalidade, da finitude da existência. É uma situação
complexa porque ultrapassa o limite do simplesmente biológico da intervenção médica e
configura a relação médico-paciente numa dimensão mais profunda e delicada: não há mais
nada a fazer do ponto de vista terapêutico. Configura-se o dilema para o paciente e para o
médico de não se saber o que fazer ao defrontar com a realidade do limite. A sensação de
frustração pela incompetência da técnica médica diante da quase-morte pode explicar, pelo
menos em parte, as tentativas individuais de evitar tratar do tema ou enfrentar o paciente
terminal. É como se naquele momento, o médico desse como encerrada sua tarefa.
Particularmente na formação médica, há ausência de discussões sobre a “Morte” e o ensino
prega salvar a todo custo. Acontece até mesmo a tecnificação da morte, quando essa é vista
como um acidente da tecnologia médica ultra-sofisticada. Constrói-se também um
sentimento de onipotência desde o início, desde o primeiro contato com o cadáver nas aulas
de anatomia (CLAVREUL, 1983 e CONCOME, 1983). A relação estabelecida com o
cadáver mantém-se como imagem que se reforça ao longo do curso e transforma-se na
relação ‘ideal’ que será buscada alguns anos depois no encontro com o paciente. Limitado
pelo olhar anátomo-fisiológico, essa estratégia torna possível ao profissional médico
escapar do impasse que o doente terminal evoca. Encerra-se nesse instante a possibilidade
do diálogo entre o médico e o paciente.
Em relação ao paciente, observa-se a necessidade de inclusão de todas as dimensões da sua
subjetividade – psíquicas, familiares, culturais e sociais. Nesse momento, o paciente pode
se sentir fragilizado, vendo deteriorar, pouco a pouco, o seu estado de saúde, tornando-se
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apenas um espectro do que já fora um dia. Além disso, o paciente, muitas vezes, se sente
sem valor, apesar dele se preocupar com os problemas familiares (como filhos pequenos) e
com uma solução para os mesmos caso ele venha a falecer, geralmente já há familiares que
prevêem a perda desse doente e tentam adaptar-se a ela. Além disso, nesse estágio, os
pacientes, de forma manifesta ou não, passam a lidar com a questão da morte,
principalmente por se depararem com a morte de pacientes com quadros semelhantes nos
locais onde são tratados. Assim, alguns pacientes encontram conforto em determinadas
crenças (como as religiosas) e outros se sentem amedrontados, despreparados e revoltados
com a vivência da expectativa da morte por um longo período, sendo, às vezes, observada a
ocorrência de aceitação nos dias próximos à morte.
A literatura mostra que a maioria dos pacientes moribundos experimenta uma seqüência de
sentimentos frente à morte iminente, variando a duração dos estágios e a sua ocorrência de
acordo com o tempo de vida até a morte e também conforme a realidade de cada um dos
pacientes. Elisabeth Klüber-Ross (2001) identifica cinco estágios nas reações do doente. O
primeiro é de choque e negação: é a reação imediata, e o paciente tende a não acreditar no
diagnóstico; o segundo é de raiva: desenvolve-se um enfurecimento contra a própria
situação de moribundo. Essa raiva pode ser descarregada sobre a equipe que presta
atendimento ao paciente; o terceiro, de barganha: o paciente tenta alcançar a cura de sua
enfermidade negociando com os médicos, amigos, Deus etc. oferecendo em troca bens,
dinheiro, fé etc; o quarto, de depressão, com os aspectos clínicos típicos; o último é de
aceitação, quando o paciente percebe a situação inegável da morte e passa a aceitá-la sem
problemas. Nesse estágio, muitas vezes, ocorre um isolamento social do paciente e mesmo
uma diminuição de comunicação verbal. Mas, durante todo o tempo em que o paciente
permanece vivo, existe um fio de esperança em sua recuperação.
Do ponto de vista simbólico, a cultura moderna coloca entre parêntesis a situação do
paciente terminal, evitando atribuir-lhe algum estatuto social. Sintoma dessa condição é a
dificuldade de atribuir o nome ao estágio entre a vida e a morte. A palavra ‘moribundo’ e o
adjetivo terminal, mais do que representarem um estado, apontam para sua conseqüência,
para a morte física.
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Mas vários pacientes sobrevivem tempo social suficiente para terem de ser levados em
conta, após serem definidos pela medicina como “fora de possibilidade de intervenção
médica”. O discurso médico qualifica de ‘paliativo’ os cuidados dedicados aos pacientes
quando a doença não responde mais aos tratamentos curativos. Por isso, conclama-se ser
necessário um diagnóstico de certeza para que a condição do paciente possa ser enquadrada
como ‘fora de alcance terapêutico’. Nesse momento, a prioridade passa a ser controle da
dor e de outros sintomas. Há reconhecimento na literatura de que a abordagem desse
paciente escapa à atuação médica, envolvendo equipe multidisciplinar, mas a forma
dominante de assistência continua a ser definida pelo discurso médico.
OBJETIVO
O objetivo geral da pesquisa é o de compreender as relações sociais que atravessam o
modelo de atenção em uma clínica especializada no acolhimento de doentes extremamente
graves através da analise da experiência vivenciada pelos pacientes e do modelo de
cuidados alternativos dessa clínica. Com este estudo espera-se contribuir para alterar a
visão essencialmente tecnicista que cerca a assistência e para o movimento de rehumanização da atenção a pacientes terminais. A primeira fase da pesquisa concentrou-se
na investigação da representação do paciente sobre a doença e sua evolução, as estratégias
usadas para enfrentar sua situação e a percepção da assistência recebida.
METODOLOGIA
A pesquisa está sendo realizada na Clínica Nossa Senhora da Conceição dentro da
estratégia de estudo de caso. Esta fase do trabalho concentrou-se principalmente em seguir
8 dos pacientes internados na clínica, 5 portadores de AIDS e 3 de câncer, até o óbito,
durante o período de outubro de 2001 a maio de 2002 (apenas um deles permanece vivo).
Os pacientes foram selecionados de acordo com indicações da equipe de cuidados.
Utilizaram-se as técnicas próprias de estudos qualitativos, observação direta e entrevistas
realizadas durante corrida de leitos semanal, pela participação em eventos promovidos pela
clínica e por grupos solidários aos pacientes. As entrevistas foram gravadas, caso fosse
permitido pelo informante, ou anotadas, sendo, posteriormente, organizadas de acordo com
categorias adequadas para a análise dos discursos.
RESULTADOS
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A Clínica Nossa Senhora da Conceição é especializada em cuidados a aqueles que já
receberam a sentença médica de “fora da intervenção terapêutica”. É uma instituição
filantrópica, não governamental e que não tem convênio com o Sistema Único de Saúde
(SUS). O perfil do atual paciente atendido é pobre, quando não, miserável, entre 25 e 50
anos, semi-analfabeto, sem emprego, família desestruturada, muitos deles usuários de
drogas injetáveis, vivendo, portanto, em condições de alto risco social.
A clínica conta com equipe multidisciplinar de atenção: médicos, equipe de enfermagem,
psicóloga com especialização em tanatologia, assistente social e fisioterapeuta. A clínica se
baseia no modelo “hospice” dispensando cuidados paliativos para controle da dor e de
outros sintomas da doença, tentando reproduzir um ambiente domiciliar através de recursos
bastante simples e pouco onerosos (aquário de peixes, sala de visitas e sofá no corredor
para encontro entre pacientes, familiares e profissionais, uso de diferentes cores nas
paredes, uso de roupas comuns do dia-a-dia, participação dos pacientes em pequenas
tarefas) e incentivando interações sociais do paciente com profissionais, familiares e
amigos.
Os pacientes comparam o tratamento recebido na clínica com a dos hospitais por onde já
passaram, e avaliam o tratamento da clínica como mais personalizado. Eles sentem maior
liberdade por que podem circular pelos vários ambientes, sentam-se para conversar no sofá
da sala conhecida como “fumódromo”, tomam sol, conhecem outras pessoas e participam
de reuniões de grupos de solidariedade aos pacientes, afinal, dizem, contam sempre com
companhia. Aqueles pacientes que recebem alta e depois voltam a se internar acham que lá
eles têm maior condição de recuperação, melhor alimentação e acompanhamento. Alguns
revelam insegurança quando ficam em casa, preferem estar na clínica. Em geral, os
pacientes sentem-se mais confortáveis na clínica do que em casa ou no hospital.
Os pacientes acompanhados neste estudo mostraram passar pelos estágios frente à doença
relatados por Kluber Ross.
Observou-se existir oscilação entre os diferentes estágios
descritos – choque e negação, raiva, barganha, depressão e aceitação – dependendo da
disposição do paciente naquele dia. Mas os pacientes relatam ter experimentado esses
sentimentos ou alguns deles desde o diagnóstico. Provavelmente, por que os pacientes
internados na clínica possuem baixo nível de escolaridade, eles revelam não ter informação
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suficiente da doença e de sua evolução. Parecem conformados com o estado atual, mas
revelam incompreensão sobre o que lhes aconteceu. A maioria deles nega a perspectiva daa
morte ou acreditam ainda haver possibilidade de evitá-la. Quando falam da morte, falam
indiretamente, sem se deterem no tema. Alguns pacientes portadores de AIDS ou câncer
evitam falar da doença que os acomete, mesmo quando sabem da eminência da morte para
eles. Parecem sentir o estigma que perpassa a doença neles mesmos.
O que aparece de maneira mais recorrente nas falas dos pacientes são referências a sinais
físicos da doença: a fraqueza, o cansaço, a magreza, a sensação de incapacidade. Por vezes
demonstram preocupação com a questão estética; sentem até mesmo uma certa vergonha de
seu estado de magreza.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados preliminares deste estudo indicam a necessidade de se compreender melhor o
significado dos cuidados ao paciente extremamente grave. O caso da Clínica Nossa
Senhora da Conceição mostra que estão em desenvolvimento experiências que precisam ser
analisadas para se caminhar em direção à humanização da assistência médica. Mesmo em
se tratando de pacientes com precárias condições de vida é possível projetar alternativas de
cuidados que extrapolem o ambiente frio e disciplinar do hospital num momento
extremamente delicado da vida de uma pessoa e de sua família. Esses pacientes, excluídos
por suas precárias condições de vida dos benefícios sociais aos quais deveriam ter direito,
merecem, sem dúvida, maior esforço de compreensão sobre suas percepções em relação à
doença, à gravidade dela e sobre o atendimento que vêm obtendo no sistema oficial de
assistência hospitalar. Quando os pacientes chegam à clínica já passaram, em geral, pelos
diferentes percalços da assistência pública à saúde e recebem ali o acolhimento, que, como
dizem, não tiveram em outros serviços de saúde.
A experiência deste trabalho desenvolvido por alunos de graduação em Medicina aponta
ainda um caminho a perseguir para a formação profissional mais ajustada aos anseios
sociais. A combinação de pesquisa, extensão e ensino, perspectiva com a qual o projeto
trabalha, vem demonstrando ser estratégia interessante para o aprimoramento discente, por
envolver o aluno em situações não usuais no currículo da graduação, tendo como referência
determinado marco teórico e ético. Acresce-se ainda o interesse e o envolvimento
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demonstrado pelos participantes do projeto, repercutindo um eco positivo na comunidade
acadêmica como um todo e nos estudantes em particular.
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