ESMPU Escola Superior do Ministério Público da União Inconstitucionalidades do Novo Código Florestal em relação às áreas de preservação permanente ESMPU Escola Superior do Ministério Público da União Inconstitucionalidades do Novo Código Florestal em relação às áreas de preservação permanente Mário Roberto dos Santos Ministério Público Federal 2013 Mário Roberto dos Santos Inconstitucionalidades do Novo Código Florestal em relação às áreas de preservação permanente Trabalho de Conclusão referente ao VIII Curso de Ingresso e Vitaliciamento, apresentado como requisito para obtenção de certificação em curso de especialização, em nível de pós-graduação lato sensu. Aprovado em: Resumo Este trabalho monográfico tem por objeto o estudo das alterações promovidas pela Lei n. 12.651/2012 no regime jurídico das áreas de preservação permanente, anteriormente objeto da Lei n. 4.771/1965, visando demonstrar a flexibilização da proteção incidente sobre esses espaços territoriais especialmente protegidos. Sustenta a inconstitucionalidade dos artigos 3º, IV, 59, 60, 61-A, 61-B e 63 do Novo Código Florestal, com fundamento na teoria dos direitos fundamentais, nos princípios do direito ambiental, com destaque para o princípio da proibição de retrocesso ambiental, além de argumentar pela invalidade dos preceitos frente a convenções internacionais (controle de convencionalidade). Palavras-chave: Regime jurídico das áreas de preservação permanente na Lei n. 12.651/2012 – Direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – Princípio da vedação de retrocesso ambiental – Inconstitucionalidade dos artigos 3, IV, 59, 60, 61-A, 61-B e 63, todos da Lei 12.651/2012. Abstract This monograph's purpose is the study of the changes introduced by Law n. 12.651/2012 the legal regime of permanent preservation areas previously covered by Law n. 4.771/1965 order to demonstrate the flexibility of protection incident on these especially protected areas. Sustains the constitutionality of Articles 3, IV, 59, 60, 61-A, 61-B and 63 of the New Forest Code, based on the theory of fundamental rights, the principles of environmental law, particularly the principle of non-retrogression environmental, and argue the invalidity of ordinances against international conventions (conventionality control). Keywords: Legal status of permanent preservation areas in Law. 12.651/2012 - Fundamental right to an ecologically balanced environment Principle of environmental sealing setback - unconstitutionality of Articles 3, IV, 59, 60, 61-A, 61-B and 63, all of Law 12.651/2012. SUMÁRIO 1 Introdução........................................................................................... 5 2 . Contraponto entre os regimes de proteção das áreas de 7 preservação permanente no Código Florestal de 1965 e no Novo Código 2.1 Florestal.................................................................................. Regime jurídico das áreas de preservação permanente no 7 Código Florestal de 2.2 1965.................................................................... Regime jurídico das áreas de preservação permanente na Lei n. 2.3 12.651/2012 – Novo Código Florestal................................................ Autorização para continuidade de atividades e edificações em 13 áreas de preservação permanente e dispensa de recomposição integral dos danos ambientais: artigos 3º, IV, 59, 60, 61, 61-A 613 19 B e 63 da Lei n. 12.651/2012............................................................... Direito fundamental à proteção do meio ambiente na Constituição de 1988, princípio da proibição de retrocesso 28 ambiental e status normativo dos tratados internacionais de direitos 3.1 3.2 3.3 humanos................................................................................. Direito Fundamental à proteção do meio ambiente na Constituição de 1988........................................................................... Princípio da proibição de retrocesso ambiental.............................. Status normativo dos tratados internacionais sobre direitos 28 38 43 humanos.............................................................................................. 4 . Inconstitucionalidade dos artigos 3º, IV, 59, 60, 61-A, 61-B e 63 da Lei n. 12.651/2012 – Novo 46 Código Florestal.............................................................................................. 5 . Conclusão........................................................................................... . 58 1 - Introdução Em 28/05/2012, foi promulgada a Lei 12.651, que realizou sensíveis modificações no regime jurídico das áreas de preservação permanente, ampliando as possibilidades de uso direto dessas áreas, em contraposição às regras constantes do Código Florestal revogado (Lei 4.771/1965). Além da instituição de um regime jurídico geral das áreas de preservação permanentes, a nova Lei instituiu regime de transição, no capítulo XIII (artigos 59 a 65 da Lei n. 12.651/2012), permitindo a continuidade de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas de preservação permanente localizadas em áreas rurais consolidadas até 22/07/2008, prevendo a recuperação ínfima de áreas degradadas, proporcionalmente ao tamanho da propriedade rural. Serão objeto do presente estudo, entretanto, apenas os artigos 59, 60, 61A, 61-B, 63 e artigo 3º, IV, que conceitua área rural consolidada, todos da Lei 12.651/2012, pois se referem a situações em que a proteção ambiental foi relativizada em prol de interesses econômicos privados, inexistindo margem para argumentar com suposto interesse público ou social na manutenção das atividades passíveis de regularização, em que pese outros dispositivos do capítulo XIII também serem alvo de críticas por parcela da doutrina. Foram dispensadas de recuperação áreas importantes para a manutenção de processos ecológicos essenciais e função ecológica das áreas de preservação permanente, em contraposição à regra geral de vedação ao uso direto das áreas de preservação permanentes que antes vigorava. Essa nova lei, em grande parte, e os dispositivos a seguir analisados, especificamente, vêm sendo alvo de críticas pela doutrina especializada no direito ambiental, que apontam vícios gravíssimos de inconstitucionalidade material, com amparo na teoria geral dos direitos fundamentais, na caracterização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito subjetivo difuso, apto a gerar o direito adquirido à sua preservação e, especialmente, fundamentada no que vem sendo denominado princípio da proibição de retrocesso ambiental, além de importante manancial teórico emanado dos princípios gerais do direito ambiental já amplamente consagrados na doutrina nacional e internacional, tais como princípios do desenvolvimento sustentável, da equidade intergeracional, prevenção, precaução, poluidor-pagador, dentre outros. Portanto, diante da importância do debate para a preservação do meio ambiente e para a afirmação do desenvolvimento sustentável, buscar-se-á contribuir para a análise da compatibilidade dos dispositivos mencionados com a Constituição da República e convenções internacionais que tratam do tema. A importância da matéria e o momento histórico são cruciais para que o direito ambiental não fique à mercê de interesses de ocasião. O desenvolvimento do tema foi baseado em pesquisa teórica, predominantemente bibliográfica, qualitativa, utilizando-se o método hipotéticodedutivo. Desenvolvimento 2. Contraponto entre os regimes de proteção das áreas de preservação permanente no Código Florestal de 1965 e no Novo Código Florestal 2.1 Regime jurídico das áreas de preservação permanente no Código Florestal de 1965 O primeiro Código Florestal Brasileiro foi instituído pelo Decreto 23.793, de 23.01.1934, estabelecendo que as florestas existentes no território nacional, consideradas em conjunto, constituíam bens de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que as leis em geral e especialmente o aludido Código estabelecessem. Embora a definição citada, constante do artigo 1º do Código, fosse bastante avançada para a época, não houve efetiva preocupação com a conservação ambiental, tratando-se de sistematização para a exploração econômica das florestas, mediante a seguinte classificação quatripartite: a) florestas protetoras; b) florestas remanescentes; c) florestas-modelos; d) florestas de rendimento. José Afonso da Silva esclarece que essa classificação ensejou críticas contundentes de Osny Duarte Pereira por não se assentar em critérios jurídicos, isto é, por não ter estabelecido prerrogativas e restrições suficientes ao direito de propriedade, cuja feição individualista era predominante. A consequência foi a ineficácia do Código, decorrente de suas disposições, mas principalmente da concepção egoística do direito de propriedade que então vigorava.1 O Código Florestal de 1965 (Lei n. 4.771/1965) foi pioneiro quanto à efetiva preocupação com a proteção ambiental, transparecendo a consciência ambiental pela leitura do artigo 1º, que manteve a referência às florestas existentes em território nacional e demais formas de vegetação como bens de interesse comum a todos os habitantes do país, bem como pela função primordial de criação de espaços territoriais especialmente protegidos, com destaque para as áreas de preservação permanente e áreas de reserva legal. 2 O artigo 1º do Código Florestal de 1965 dispunha que: As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação e geral e especialmente esta Lei estabelecem. O parágrafo único do artigo supramencionado, por sua vez, estabeleceu configurar uso nocivo da propriedade as ações e omissões contrárias às disposições do Código na utilização e exploração das florestas. Dessa forma, além de determinar a proteção de três bens jurídicos – florestas, demais formas de vegetação úteis às terras que revestem e as terras propriamente ditas -, foi estabelecido um regime jurídico singular, diferente do puramente civil, com normas de direito público e privado, caracterizando um regime jurídico ambiental.3 Foram estabelecidas duas espécies de áreas de preservação permanente, denominadas legais (“ex vi legis”) ou administrativas, previstas nos artigos 2º e 3º da Lei n. 4.771/65, respectivamente. As áreas de preservação permanente legais decorrem diretamente da lei, ao passo que as administrativas dependem de declaração por ato do Poder Público, nas hipóteses previstas no Código. 4 Confira-se as áreas de preservação permanente instituídas “ex vi legis” pelo artigo 2º do diploma normativo citado: 1 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 167-168. 2LEUZINGER, Márcia Diegues. Áreas protegidas e código florestal (publicado nos anais do congresso do planeta verde/2012). 3ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 598. 4TRENNEPOHL, Natascha. Manual de direito ambiental. Niterói: Impetus, 2010, p. 150. Artigo 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal, cuja largura mínima seja (Alínea a com redação determinada pela Lei 7.803/1989): 1) de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura; 2) de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) metros a 50 (cinquenta) metros de largura; 3) de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; 4) de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; 5) de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais; c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d'água”, qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura;(Alínea c com redação determinada pela Lei 7.803/1989) d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45º, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive; f) nas restingas, com fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; (Alínea g com redação determinada pela Lei 7.803/1989) h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação. (Alínea h com redação determinada pela Lei 7.803/1989) Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo. As áreas de preservação permanente administrativas, por sua vez, apenas poderiam ser instituídas pelo Poder Público nas hipóteses do artigo 3º: Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas: a) a atenuar a erosão das terras; b) a fixar as dunas; c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares; e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico; f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçadas de extinção; g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas; h) a assegurar condições de bem-estar público. §1º A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social. §2º As floresta que integram o patrimônio indígena ficam sujeitas ao regime de preservação permanente (alínea g) pelo só efeito desta lei. Importante destacar que as áreas de preservação permanente destinadas a manter o ambiente necessário à vida das populações indígenas, apesar de constar do artigo 3º, eram consideradas áreas de preservação permanente pelo só efeito da lei, conforme expressamente referido no parágrafo 2º. Portanto, considerava-se área de preservação permanente a área protegida, nos termos dos artigos 2º e 3º da Lei n. 4.771/1965, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, consoante definição constante do artigo 1º, parágrafo 2º, II, da mesma lei. Romeu Faria Thomé da Silva esclarece que as áreas de preservação permanente são ambientalmente relevantes, destinando-se à preservação de suas funções ecológicas, tendo como características gerais a “intocabilidade e vedação de uso econômico direto”.5 Nesse contexto, foram previstas hipóteses excepcionais de supressão de vegetação em área de preservação permanente no artigo 3º, §1º, acima transcrito, e artigo 4º, com a redação dada pela Medida Provisória n. 2.166-67. O primeiro fundamenta a autorização de supressão em área de preservação permanente administrativa, podendo ocorrer a supressão total ou parcial de vegetação mediante prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando necessária à execução de obras, planos, atividade ou projetos de utilidade pública ou interesse social. Esse regime é menos restritivo do que aquele aplicado às áreas de preservação permanente legais, constantes do artigo 4º, conforme se verá, sendo importante trazer à colação as ponderações de José Afonso da Silva quanto ao alcance do artigo 3º, §1º, do Código de 1965: A questão que se apresenta ao intérprete consiste em saber qual a abrangência do disposto no referido art. 3º, §1º. A técnica legislativa leva à conclusão de que o parágrafo só se refere à regra do artigo a que se vincula. Assim, quer dizer que somente as florestas de preservação permanente assim declaradas nos termos do dito artigo poderão sofrer a supressão na condições estabelecidas no seu §1º. Vale dizer que nem as florestas e demais vegetação de preservação permanente, ex vi legis, indicadas no art. 2º, nem as do patrimônio indígena a elas equiparadas, mencionadas no §2º do mesmo art. 3º, poderão ser suprimidas, 5 SILVA, Romeu Faria Thomé da. Manual de direito ambiental. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 265. nem total nem parcialmente. Mas não é apenas a técnica legislativa que nos leva a essa conclusão. A ratio legis, especialmente, é que orienta tal interpretação, pois seria uma inutilidade a lei reconhecer florestas de preservação permanente, só por efeito dela, ao mesmo tempo em que admitisse a possibilidade de sua supressão total ou parcial, ainda que em condições restritas.6 Em relação às áreas de preservação permanente ex vi legis, o artigo 4º do Código Florestal (Lei 4.771/1965), com a redação dada pela Medida Provisória n. 2.166-67, dispunha que a supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderia ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistente alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto (caput). Ademais, dependeria de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente (§1º). Tratando-se de área urbana, dependeria de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possuísse conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico (§2º). Além dessas hipóteses, o órgão ambiental competente poderia autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente (§3º). Em todos os casos deveria o órgão ambiental indicar, previamente à emissão de autorização para supressão da vegetação, as medidas mitigadoras e compensatórias que deveriam ser adotadas pelo empreendedor (§5º). Restringia ainda mais a supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, prevendo a possibilidade de ser autorizada a supressão apenas em caso de utilidade pública (§5º). Por fim, corroborando a regra de vedação do uso direto das áreas de preservação permanente e a importância de sua preservação, permitia o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente apenas para obtenção de água, desde que não exigisse a supressão e não comprometesse a regeneração e manutenção a longo prazo da vegetação nativa (§7º). A própria Lei 4.771/1965 definiu o que seriam hipóteses de utilidade pública ou interesse social, no artigo 1º, IV e V, respectivamente. Eram consideradas de utilidade pública a) as atividades de segurança nacional e 6 SILVA, José Afonso da, 2010, p. 175. proteção sanitária; b) as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia e aos serviços de telecomunicações e de radiodifusão; e c) demais obras, planos e atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA. Caracterizariam interesse social a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA; b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA. Com efeito, as situações consideradas de utilidade pública incluíam obras, atividades e serviços públicos, enquanto as hipóteses de interesse social tinha por objetivo a proteção da própria área. Em ambas, porém, facultava-se ao Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA definir, mediante resolução, demais obras, planos, atividades ou projetos em que seria possível a autorização para supressão de área de preservação permanente. Contudo, essa faculdade não pode ser interpretada descontextualizada dos demais artigos e da finalidade da lei. José Afonso da Silva esclarece o alcance da faculdade legal: É preciso que se esclareça que a faculdade que assim se confere ao CONAMA não é um cheque em branco que o autorize a aplicar os ditames legais: tais obras, planos ou atividades e projetos hão que se enquadrar na mesma natureza dos que foram enumerados, respectivamente, como de utilidade pública ou interesse social.7 Registre-se, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da Medida Provisória 2.166-67/2001 na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3540 MC/DF, rel. Min. Celso de Mello, sob o fundamento de que o artigo 225, §1º, inciso III, da Constituição da República exigia lei específica para a supressão de área ambientalmente protegida, e não para supressão de vegetação nessas áreas, que poderiam ser autorizadas por ato administrativo, nas hipóteses legais.8 O Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA editou a Resolução n. 7 8 SILVA, José Afonso da, 2010, p. 177. SILVA, Romeu Faria Thomé da, 2011, p. 267-268. 369, de 28/03/2006, dispondo sobre os casos excepcionais de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em área de preservação permanente. O Ministério Público do Estado de São Paulo, em 2006, concluiu que a referida resolução extravasou o poder regulamentar conferido pelo Código Florestal de 1965, apontando vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade. 9 No entanto, o presente trabalho monográfico se limitará à análise do regime constitucional e legal das áreas de preservação permanente. Percebe-se, assim, que o regime jurídico de proteção das áreas de preservação permanente era bastante rigoroso, somente admitindo a supressão e utilização dessas áreas em hipóteses bastante excepcionais, em conformidade com as disposições constitucionais e com as relevantes funções ecológicas desempenhadas. 2.2 Regime jurídico das áreas de preservação permanente na Lei n. 12.651/2012 – Novo Código Florestal Com o advento da Lei n. 12.651/2012 (Novo Código Florestal), que revogou a Lei n. 4.771/1965, houve significativa alteração em relação às áreas de preservação permanente, especialmente em relação à regra da vedação do uso direto dessas áreas, com a instituição do conceito de área rural consolidada e a desobrigação de recomposição desse espaço territorial especialmente protegido, ou previsão de recomposição de áreas de preservação permanente ripárias baseada em outros critérios que não a largura do curso d’água, sem embasamento científico, em nítida violação ao dever de promover a preservação e recuperação do meio ambiente, constitucionalmente imposto (artigo 225, §3º, da Constituição da República). Manteve-se, no artigo 2º, a referência às florestas existentes em território nacional e demais formas de vegetação nativa como bens de interesse comum a todos os habitantes do País. No entanto, no parágrafo primeiro do mesmo artigo, advertiu-se que as ações e omissões contrárias às disposições da Lei são consideradas uso irregular da propriedade, aplicando-se o procedimento 9 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 400. sumário previsto no artigo 275, II, do Código de Processo Civil, sem prejuízo das sanções administrativas, civis e penais. A alteração da expressão uso nocivo da propriedade – constante do Código de 1965 – para uso irregular não é apenas questão semântica, mas indicativo dos objetivos da Lei em questão, qual seja, tornar aceitável, ou menos reprovável, as agressões ao meio ambiente, em benefício de produtores rurais, na linha do alargamento das hipóteses de utilização de áreas de preservação permanente constantes das disposições transitórias. No ponto, lecionam Sandra Cureau e Márcia Dieguez Leuzinger, com a propriedade que lhes é peculiar: A substituição uso nocivo da propriedade para uso anormal da propriedade altera a própria finalidade da Lei, que é oferecer proteção máxima a todas as formas de vegetação consideradas de utilidade às terras que revestem. Uso nocivo tem conotação sempre negativa, de infração, de algo ruim para a sociedade, enquanto uso anormal pode ser permitido. Embora uso irregular, como aprovado pelo Senado e pela redação final do PL tenha também conotação negativa, não se compara a uso nocivo, que agrega o sentido de agressão a um valor social.10 (grifos no original) O artigo 3º, inciso II, por sua vez, estabeleceu o conceito de área de preservação permanente, nos seguintes termos: II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; Foi mantida a divisão das áreas de preservação permanente em legais e administrativas, excluindo-se as florestas que integram o patrimônio indígena do regime das áreas de preservação permanente. As áreas de preservação permanente legais constam do artigo 4º, com inclusões e alterações promovidas pela Lei n. 12.727/2012 – que converteu em lei a Medida Provisória n. 571/2012 -, que estabelece o seguinte: Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de 10CUREAU, Sandra; LEUZINGER, Marcia Dieguez; Direito ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 165. largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de: a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros; b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas; III - as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento, observado o disposto nos §§ 1o e 2o; III - as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água, qualquer que seja a sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; (Redação dada pela Medida Provisória nº 571, de 2012). IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012). V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive; VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; VII - os manguezais, em toda a sua extensão; VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação; X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação; XI - as veredas. XI – em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do limite do espaço brejoso e encharcado. (Redação dada pela Medida Provisória nº 571, de 2012). XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado. (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012). § 1o Não se aplica o previsto no inciso III nos casos em que os reservatórios artificiais de água não decorram de barramento ou represamento de cursos d’água. § 1o Não será exigida Área de Preservação Permanente no entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d’água naturais. (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012). § 2o No entorno dos reservatórios artificiais situados em áreas rurais com até 20 (vinte) hectares de superfície, a área de preservação permanente terá, no mínimo, 15 (quinze) metros. § 2o (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012). § 3o (VETADO). § 4o Nas acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, fica dispensada a reserva da faixa de proteção prevista nos incisos II e III do caput. § 4o Fica dispensado o estabelecimento das faixas de Área de Preservação Permanente no entorno das acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa. (Redação dada pela Medida Provisória nº 571, de 2012). § 4o Nas acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, fica dispensada a reserva da faixa de proteção prevista nos incisos II e III do caput, vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa, salvo autorização do órgão ambiental competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sisnama. (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012). Com efeito, as áreas de preservação permanente administrativas, que dependem de declaração de interesse social pelo Chefe do Poder Executivo, estão previstas no artigo 6º: Art. 6o Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades: I - conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha; II - proteger as restingas ou veredas; III - proteger várzeas; IV - abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção; V - proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico; VI - formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; VII - assegurar condições de bem-estar público; VIII - auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares. IX – proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional. (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012). IX - proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). O regime de proteção dessas áreas especialmente protegidas está disciplinado nos artigos 7º a 9º da lei em comento: Art. 7o A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado. § 1o Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei. § 2o A obrigação prevista no § 1o tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural. § 3o No caso de supressão não autorizada de vegetação realizada após 22 de julho de 2008, é vedada a concessão de novas autorizações de supressão de vegetação enquanto não cumpridas as obrigações previstas no § 1o. Art. 8o A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei. § 1o A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública. § 2o A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4o poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda. § 3o É dispensada a autorização do órgão ambiental competente para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas. § 4o Não haverá, em qualquer hipótese, direito à regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além das previstas nesta Lei. Art. 9o É permitido o acesso de pessoas e animais às Áreas de Preservação Permanente para obtenção de água e para realização de atividades de baixo impacto ambiental. As hipóteses de intervenção em área de preservação permanente foram substancialmente ampliadas pelo artigo 8º, acima transcrito, sendo as hipóteses de utilidade pública, interesse social, atividade eventual ou de baixo impacto ambiental listadas, exemplificativamente, no artigo 3º, incisos VIII, IX e X: VIII - utilidade pública: a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho; c) atividades e obras de defesa civil; d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo; e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal; IX - interesse social: a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas; b) a exploração agroflorestal sustentável praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da área; c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei; d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009; e) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são partes integrantes e essenciais da atividade; f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente; g) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal; X - atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental: a) abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso d’água, ao acesso de pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável; b) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber; c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo; d) construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro; e) construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores; f) construção e manutenção de cercas na propriedade; g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável; h) coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a legislação específica de acesso a recursos genéticos; i) plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área; j) exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, incluindo a extração de produtos florestais não madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem a função ambiental da área; k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA ou dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente; Evidencia-se, assim, que houve significativas alterações no regime geral aplicável às áreas de preservação permanente, sendo as novas disposições sensivelmente mais permissivas que o regime jurídico aplicável pelo Código revogado. A par do regime jurídico geral das áreas de preservação permanente, já bastante permissivo em comparação ao Código Florestal revogado, foi estabelecido regime de transição pelos artigos 59 a 65, com significativa relativização da proteção dessas áreas ambientalmente relevantes. Registre-se, por oportuno, que os artigos 61-a a 65 da Lei n. 12.651/65 instituíram diversas hipóteses de legitimação da continuidade de obras e atividades em áreas de preservação permanente. No entanto, diante da amplitude do tema, tratar-se-á apenas dos artigos 59, 60, 61-A, 61-B e 63, pois autorizam a continuidade de atividades e permanência de edificações em áreas de preservação permanente, bem como desobrigam a recomposição integral dessas áreas em benefício exclusivo de particulares, ao contrário dos artigos 61-C, 62, 64 e 65, nos quais existe interesse público em sua realização, não obstante também serem objeto de controvérsia doutrinária. 2.3 Autorização para a continuidade de atividades e edificações em áreas de preservação permanente e dispensa da recomposição integral dos danos ambientais: artigos 3º, IV, 59, 60, 61-A, 61-B e 63 da Lei n. 12.651/2012 O regime de transição implementado pela Lei n. 12.651/2012 legitima a continuidade de algumas atividades e permanência de edificações em áreas de preservação permanente, mediante o cumprimento de alguns requisitos e recuperação parcial de áreas de preservação permanente degradadas, sendo necessária a análise conjunta dos artigos 3º, IV, 59, 60, 61-A, 61-B e 63 para a compreensão sistemática do Novo Código Florestal. O artigo 3º, IV, do Novo Código Florestal estabeleceu o conceito de área rural consolidada como “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio”. O inciso XXIV do mesmo artigo define pousio como a “prática de interrupção de atividades ou uso agrícolas, pecuários ou silviculturais, por no máximo 5 (cinco) anos, para possibilitar a recuperação da capacidade de uso ou da estrutura física do solo”. Foi adotada a data de 22 de julho de 2008 para a caracterização da ocupação antrópica consolidada, sendo essa a data da edição do Decreto n. 6.514/2008, que estabeleceu o processo administrativo para apuração de infrações ambientais, disposto na Lei de Crimes Ambientais, conforme esclarece João Evangelista de Melo Neto.11 O mesmo autor prossegue demonstrando as consequências de se considerar consolidadas as ocupações preexistentes a data estipulada pela Lei n. 12.651/2012: Dessa forma, ao se instituir a data coincidente com a edição do Dec. 6.514/2008, ocorre uma consolidação de tudo aquilo que esteve ilegalmente perpetrado até aquele momento, à luz da Lei de Crimes Ambientais de 1998, não se considerando sequer as infrações regulamentadas pelo Dec. 3.179/1999 (revogado pelo Dec. 6.514/2008), que primeiramente especificou as sanções aplicáveis às infrações a Lei de Crimes Ambientais, editada no ano anterior. Significa, em verdade, permitir a impunidade frente aos crimes contra o ambiente, ocorridos ao longo de uma década, de setembro de 1999 a julho de 2008.12 Paulo Affonso Leme Machado dispara crítica contundente ao conceito de área rural consolidada: A Área Consolidada pretende legalizar o descumprimento de normas que estava claramente expressas na Lei 4.771/1965 e suas modificações. A insubmissão à Lei Florestal, se fosse uma decorrência de excesso nas exigências de conservação florestal, seria compreensível e até merecedora de perdão. Entretanto, “perdoar não significa entender que tudo está certo e que se pode fazer o que quiser, ainda que cause prejuízo. O perdão admissível é o que leva a alguma reparação da falta. Legalizar uma atividade tão perigosa fere a organização do País, pois incentiva a ilegalidade e encoraja a prática de comportamentos desrespeitosos ao meio ambiente”. Faltou um diálogo franco e anterior à nova lei, em que os proprietários expusessem ao Governo Federal suas dificuldades financeiras para efetuar a recomposição florestal das APPs. Faltou ao Governo Federal a formulação imediata e concreta de uma política de financiamento dessa recomposição (a lei 12651 simplesmente apresenta esse financiamento como uma possibilidade), optando o Poder Público, com o art. 61-A da Lei 12.651/2012, por diminuir as medidas das APPs, configurando uma compensação atentatória ao direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF).13 Com efeito, dando continuidade aos objetivos de “regularização” 11MELO NETO, João Evangelista; MILARE, Edis (Coord.); MACHADO, Paulo Afonso Leme (Coord.); Novo código florestal: comentários à Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, à Lei 12.727, de 17 de outubro de 2012 e do Decreto 7.830, de 7 de outubro de 2012. 2. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 82. 12MELO NETO, 2013, p. 82. 13MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21. ed., São Paulo, Malheiros, 2013, p. 879-880. estabelecidos na Lei, o artigo 59 determinou à União, Estados e ao Distrito Federal a instituição do Programa de Regularização Ambiental – PRA de posses e propriedades rurais, no prazo de um ano, contado a partir da publicação da Lei, prorrogável por igual período, por ato do Chefe do Poder Executivo, a fim de adequar esses imóveis rurais às disposições transitórias, constantes do Capítulo XIII da Lei 12.651/2012. Dispõe o artigo 59 da Lei em comento: Art. 59. A União, os Estados e o Distrito Federal deverão, no prazo de 1 (um) ano, contado a partir da data da publicação desta Lei, prorrogável por uma única vez, por igual período, por ato do Chefe do Poder Executivo, implantar Programas de Regularização Ambiental - PRAs de posses e propriedades rurais, com o objetivo de adequá-las aos termos deste Capítulo. § 1o Na regulamentação dos PRAs, a União estabelecerá, em até 180 (cento e oitenta) dias a partir da data da publicação desta Lei, sem prejuízo do prazo definido no caput, normas de caráter geral, incumbindo-se aos Estados e ao Distrito Federal o detalhamento por meio da edição de normas de caráter específico, em razão de suas peculiaridades territoriais, climáticas, históricas, culturais, econômicas e sociais, conforme preceitua o art. 24 da Constituição Federal. § 2o A inscrição do imóvel rural no CAR é condição obrigatória para a adesão ao PRA, devendo esta adesão ser requerida pelo interessado no prazo de 1 (um) ano, contado a partir da implantação a que se refere o caput, prorrogável por uma única vez, por igual período, por ato do Chefe do Poder Executivo. § 3o Com base no requerimento de adesão ao PRA, o órgão competente integrante do Sisnama convocará o proprietário ou possuidor para assinar o termo de compromisso, que constituirá título executivo extrajudicial. § 4o No período entre a publicação desta Lei e a implantação do PRA em cada Estado e no Distrito Federal, bem como após a adesão do interessado ao PRA e enquanto estiver sendo cumprido o termo de compromisso, o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito. § 5o A partir da assinatura do termo de compromisso, serão suspensas as sanções decorrentes das infrações mencionadas no § 4o deste artigo e, cumpridas as obrigações estabelecidas no PRA ou no termo de compromisso para a regularização ambiental das exigências desta Lei, nos prazos e condições neles estabelecidos, as multas referidas neste artigo serão consideradas como convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, regularizando o uso de áreas rurais consolidadas conforme definido no PRA. Dessa forma, impediu-se a autuação das infrações ambientais desde a publicação da Lei, no caso de supressão de vegetação em área de preservação permanente anterior a 22 de julho de 2008, até a implantação do Programa de Regularização Ambiental, bem como no período posterior à sua implantação, desde a assinatura do termo de compromisso pelo proprietário ou possuidor. Vladmir Passos de Freitas e José Gustavo de Oliveira Franco esclarecem que a suspensão das sanções também se estende às infrações continuadas – não se restringindo à supressão de vegetação em área de preservação permanente, como sugere a literalidade do dispositivo legal -, tais como impedir ou dificultar a regeneração de vegetação nessas áreas especialmente protegidas, decorrendo essa conclusão da interpretação sistemática da lei, em razão do tratamento dado às áreas consolidadas (art. 3º, IV), da possibilidade de continuidade das atividades desenvolvidas nessas áreas, bem como do artigo 60, que suspende a punibilidade do crime previsto no artigo 48 da Lei n. 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais14. O artigo 60 do Novo Código Florestal determina a suspensão da punibilidade dos crimes previstos nos artigos 38, 39 e 48 da Lei 9.605/98, desde a assinatura do termo de compromisso e enquanto estiver sendo cumprido. Determina a interrupção do prazo prescricional durante o período de suspensão (§1º), bem como a extinção da punibilidade com a efetiva regularização (§2º). Esses dispositivos legais vem sofrendo severas críticas da doutrina especializada e de ambientalistas, sob o fundamento de caracterizar verdadeira anistia aos responsáveis por degradação ambiental, mediante simples adesão a Programa de Regularização Ambiental – PRA, a qual foi condicionada à inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural, beneficiando aqueles que descumpriram a lei, em detrimento daqueles que a observaram 15. Sobre a referida anistia, Sandra Cureau e Márcia Dieguez Leuzinger esclarecem a impropriedade e alcance dos preceitos legais: (…) todas as ações ilegais praticadas contra o meio ambiente serão simplesmente anistiadas, desde que o proprietário ou possuidor adira ao Programa de Regularização Ambiental. Tal anistia abarca, nos termos do art. 34 do PL, art. 61 do PLC e art. 60 da redação final do PL (Lei n. 12.651/2012), inclusive, atos criminosos, conforme previsto na Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98), como, por exemplo, destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente (art. 38). São dispositivos como esses que demonstram que os crimes praticados contra o ambiente natural e, consequentemente, contra 14FREITAS, Vladmir Passos de et al. Novo código florestal: comentários à Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, à Lei 12.727, de 17 de outubro de 2012 e do Decreto 7.830, de 7 de outubro de 2012. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 428. 15 Ibid., p. 427. toda a sociedade, compensam, e muito.16 As generosas concessões do legislador não param por aí. O artigo 61-A autorizou, nas áreas de preservação permanente, exclusivamente, a continuidade de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008, determinando a recomposição parcial das áreas de preservação permanente degradadas, variando a metragem da área a ser recuperada de acordo como tamanho da propriedade ou posse rural. Confira-se a redação do dispositivo legal supramencionado: Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 1o Para os imóveis rurais com área de até 1 (um) módulo fiscal que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 5 (cinco) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d´água. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 2o Para os imóveis rurais com área superior a 1 (um) módulo fiscal e de até 2 (dois) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 8 (oito) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d ´água. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). o § 3 Para os imóveis rurais com área superior a 2 (dois) módulos fiscais e de até 4 (quatro) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 15 (quinze) metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d’água. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). o § 4 Para os imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) módulos fiscais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). I - (VETADO); e (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). II - nos demais casos, conforme determinação do PRA, observado o mínimo de 20 (vinte) e o máximo de 100 (cem) metros, contados da borda da calha do leito regular. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). o § 5 Nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de nascentes e olhos d’água perenes, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio mínimo de 15 (quinze) metros. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 6o Para os imóveis rurais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de lagos e lagoas naturais, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, 16CUREAU, 2013, p. 189. sendo obrigatória a recomposição de faixa marginal com largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). I - 5 (cinco) metros, para imóveis rurais com área de até 1 (um) módulo fiscal; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). II - 8 (oito) metros, para imóveis rurais com área superior a 1 (um) módulo fiscal e de até 2 (dois) módulos fiscais; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). III - 15 (quinze) metros, para imóveis rurais com área superior a 2 (dois) módulos fiscais e de até 4 (quatro) módulos fiscais; e (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). IV - 30 (trinta) metros, para imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) módulos fiscais. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 7o Nos casos de áreas rurais consolidadas em veredas, será obrigatória a recomposição das faixas marginais, em projeção horizontal, delimitadas a partir do espaço brejoso e encharcado, de largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). I - 30 (trinta) metros, para imóveis rurais com área de até 4 (quatro) módulos fiscais; e (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). II - 50 (cinquenta) metros, para imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) módulos fiscais. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). o § 8 Será considerada, para os fins do disposto no caput e nos §§ 1o a 7o, a área detida pelo imóvel rural em 22 de julho de 2008. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 9o A existência das situações previstas no caput deverá ser informada no CAR para fins de monitoramento, sendo exigida, nesses casos, a adoção de técnicas de conservação do solo e da água que visem à mitigação dos eventuais impactos. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 10. Antes mesmo da disponibilização do CAR, no caso das intervenções já existentes, é o proprietário ou possuidor rural responsável pela conservação do solo e da água, por meio de adoção de boas práticas agronômicas. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 11. A realização das atividades previstas no caput observará critérios técnicos de conservação do solo e da água indicados no PRA previsto nesta Lei, sendo vedada a conversão de novas áreas para uso alternativo do solo nesses locais. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 12. Será admitida a manutenção de residências e da infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no caput e nos §§ 1o a 7o, desde que não estejam em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 13. A recomposição de que trata este artigo poderá ser feita, isolada ou conjuntamente, pelos seguintes métodos: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). I - condução de regeneração natural de espécies nativas; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). II - plantio de espécies nativas; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). III - plantio de espécies nativas conjugado com a condução da regeneração natural de espécies nativas; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). IV - plantio intercalado de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo, exóticas com nativas de ocorrência regional, em até 50% (cinquenta por cento) da área total a ser recomposta, no caso dos imóveis a que se refere o inciso V do caput do art. 3o; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). V - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 14. Em todos os casos previstos neste artigo, o poder público, verificada a existência de risco de agravamento de processos erosivos ou de inundações, determinará a adoção de medidas mitigadoras que garantam a estabilidade das margens e a qualidade da água, após deliberação do Conselho Estadual de Meio Ambiente ou de órgão colegiado estadual equivalente. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 15. A partir da data da publicação desta Lei e até o término do prazo de adesão ao PRA de que trata o § 2 o do art. 59, é autorizada a continuidade das atividades desenvolvidas nas áreas de que trata o caput, as quais deverão ser informadas no CAR para fins de monitoramento, sendo exigida a adoção de medidas de conservação do solo e da água. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 16. As Áreas de Preservação Permanente localizadas em imóveis inseridos nos limites de Unidades de Conservação de Proteção Integral criadas por ato do poder público até a data de publicação desta Lei não são passíveis de ter quaisquer atividades consideradas como consolidadas nos termos do caput e dos §§ 1o a 15, ressalvado o que dispuser o Plano de Manejo elaborado e aprovado de acordo com as orientações emitidas pelo órgão competente do Sisnama, nos termos do que dispuser regulamento do Chefe do Poder Executivo, devendo o proprietário, possuidor rural ou ocupante a qualquer título adotar todas as medidas indicadas. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 17. Em bacias hidrográficas consideradas críticas, conforme previsto em legislação específica, o Chefe do Poder Executivo poderá, em ato próprio, estabelecer metas e diretrizes de recuperação ou conservação da vegetação nativa superiores às definidas no caput e nos §§ 1o a 7o, como projeto prioritário, ouvidos o Comitê de Bacia Hidrográfica e o Conselho Estadual de Meio Ambiente. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). § 18. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). Houve substancial redução, portanto, da proteção incidente sobre as áreas de preservação permanente, na medida em que foi dispensada a recomposição integral das áreas degradadas, levando em conta o tamanho da propriedade ou posse rural, desconsiderando-se, por completo, os argumentos científicos que justificam a proteção dessas áreas ambientalmente relevantes. Em propriedades com até 01 (um) módulo fiscal, a área de preservação permanente na margem de cursos d'água poderá se restringir a 05 (cinco) metros, contados da calha do leito regular (§1º). Sobre a redução da área de preservação a ínfimos cinco metros, transcreve-se importante apontamento realizado por Sandra Cureau e Marcia Dieguez Leuzinger: Como se pode perceber da simples leitura dos dispositivos mencionados, a MP 571/2012, convertida na lei n. 12.727/2012, apesar dos vetos, diminui, e muito, a necessidade de recuperação das APPs ripárias e daquelas situadas ao redor de lagos e lagoas naturais inseridas dentro das chamadas áreas rurais consolidadas. A menção a 5 metros de vegetação chega às raias do absurdo, pios não é sequer suficiente, em muitos casos, para abrigar raízes e copas de árvores.17 Qual à extensão da autorização para a continuidade das atividades 17CUREAU; 2013, p. 170. agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, em área de preservação permanente, Paulo Affonso Leme Machado confere a seguinte interpretação: As atividade de ecoturismo e de turismo rural podem ensejar o caminhar pelas APP. Dependerá de uma prudente regulamentação, para que se evite excesso de pessoas numa mesma área e para que impeçam procedimentos incorretos, como lançamentos de rejeitos ou resíduos. Necessário acentuar que um turismo ecológico não pode pretender instalar hotéis e restaurantes em APP, porque está “vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos” que justificam a proteção desses espaços protegidos e de seus componentes (art. 225, §1º, III, da CF).18 No entanto, o décimo segundo parágrafo do artigo 61-A expressamente admite a manutenção de residências e infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, condicionando-as apenas à inexistência de risco à vida ou à integridade física das pessoas. Esse dispositivo está em consonância com o conceito de área rural consolidada, constante do artigo 3º, IV, que se refere expressamente à existência de benfeitorias e edificações nas áreas consolidadas, integrando o pacote de anistias da Lei n. 12.651/2012. A recuperação das áreas de preservação permanente degradadas em data anterior a 22 de julho de 2008 podem ser ainda menores do que previsto no artigo 61-A, pois o artigo 61-B trouxe mais um limite à recomposição dessas áreas: Art. 61-B. Aos proprietários e possuidores dos imóveis rurais que, em 22 de julho de 2008, detinham até 10 (dez) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente é garantido que a exigência de recomposição, nos termos desta Lei, somadas todas as Áreas de Preservação Permanente do imóvel, não ultrapassará: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). I - 10% (dez por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com área de até 2 (dois) módulos fiscais; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). II - 20% (vinte por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com área superior a 2 (dois) e de até 4 (quatro) módulos fiscais. Assim, quem detinha até 10 (dez) módulos fiscais e desenvolvia atividades agrossilvipastoris, não irá recuperar mais do que 10% (dez por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com até 02 (dois) módulos fiscais, ou 20% (vinte por cento) da área total, para imóveis rurais com área superior 2 (dois) e de até 04 (quatro) módulos fiscais. O artigo 61-B é fruto da MP 571/2012, convertida na Lei n. 12.727/2012, 18MACHADO, 2013, p. 881. visando a suprir a lacuna decorrente do veto da Presidenta da República a dispositivos que tratavam da matéria. Entretanto, a redação atual acabou sendo mais nociva do que a redação dos dispositivos vetados, valendo a pena transcrever trecho esclarecedor da obra de Sandra Cureau e Macia Dieguez Leuzinguer: O §6º do art. 62 do PLC e §5º do art. 61 da redação final do PL (Lei 12. 651/2012 – vetado) ainda permitiam, para os imóveis rurais de agricultura familiar e os que, até 22/07/2008, detinham até quatro módulos fiscais, a garantia de que a exigência de recomposição, somadas as áreas das demais Áreas de Preservação Permanente, não ultrapassaria o limite da Reserva Legal estabelecida para o imóvel. Ou seja, com exceção das áreas de floresta e cerrado amazônicos, a recomposição não poderia ultrapassar, somando-se as demais APP's, a 20% da propriedade. O dispositivo foi vetado, e a MP 571/2012, convertida na Lei n. 12.727/2012, inseriu, então, o art. 61-B, que consegue ser ainda mais nocivo à proteção ambiental. Na mesma linha, em relação às áreas rurais consolidadas em encostas, topos de morro, chapadas e altitudes maiores que 1.800 metros – áreas de preservação permanente previstas nos incisos V, VIII, IX e X do artigo 4º -, o artigo 63 admitiu a manutenção de atividades florestas, culturas de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo, bem como de infraestrutura física associada ao desenvolvimento de atividades agrossilvipastoris, vedada a conversão de novas áreas para uso alternativo do solo. Foi estabelecido que o pastoreio extensivo nestas áreas deverá ficar restrito às áreas de vegetação campestre natural ou já convertidas para vegetação campestre, admitindo-se o consórcio com vegetação lenhosa perene ou de ciclo longo (§1º). Condicionou-se a manutenção de culturas e da infraestrutura correspondente à adoção de práticas conservacionistas do solo e da água indicadas pelos órgãos de assistência técnica rural (§2º). Por fim, admitiu-se, nas áreas de preservação permanente nas bordas de tabuleiros ou chapadas (art. 4º, VIII), em relação aos imóveis rurais com até 04 (quatro) módulos fiscais, no âmbito do PRA, a partir de boas práticas agronômicas e de conservação do solo e da água, mediante deliberação dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente ou órgãos colegiados estaduais equivalentes, a consolidação de outras atividades agrossilvipastoris, ressalvadas as situações de risco de vida. Saliente-se que essas áreas “são importantes para a manutenção da estabilidade do solo, pois estes locais possuem uma tendência maior para sofrer desbarrancamentos e deslizes de terra”19. Em razão da relevância ambiental para a estabilidade dos solo e as recentes tragédias ocorridas em regiões serranas, tal como a do Rio de Janeiro, no início de 2010, existe grande receio quanto a essa autorização legal, daí por que Walter José Senise e Marina Montes Bastos advertem: […] Trata-se de análise que deverá ser feita com bastante cuidado, a fim de não colocar em risco a análise a população e o meio ambiente local, e deverá ser seguida de uma fiscalização ativa para verificar se as práticas conservacionistas estão realmente sendo implantadas.20 Prosseguem os citados autores, deixando claro que a liberalidade do legislador dispensou, por completo, a recomposição das áreas de preservação permanente degradadas, sendo ainda mais nocivo do que o artigo 61-A: Por fim, cumpre destacar que, ao contrário do que ocorre no art. 61-A, não se determinam neste artigo faixas mínimas que deverão ser obrigatoriamente recuperadas; para estas Áreas de Preservação Permanente de encostas, topos de morros, chapadas e altitudes, determinadas atividades podem continuar sendo desenvolvidas sem que com isto suja a obrigação de recompor a mata nativa, nem mesmo parcialmente. Apenas é exigido, como já dito, que sejam adotadas medidas de conservação do solo e da água. Resta saber se os órgãos ambientais, no âmbito do Programa de Regularização Ambiental, vão fazer alguma espécie de exigência adicional neste sentido. Não há dúvidas, assim, que as disposições constantes dos artigos 3º, IV, 59, 60, 61-A, 61-B e 63 da Lei n. 12.651/2012 reduziram, e muito, a proteção incidente sobre as áreas de preservação permanente, em comparação ao Código Florestal revogado. Dessa forma, imprescindível analisar a compatibilidade desses artigos com o regime jurídico ambiental instituído pela Constituição da República de 1988, com as principais convenções internacionais firmadas pelo Estado brasileiro na matéria, bem como em relação ao princípio da proibição de retrocesso ambiental – notadamente seu conteúdo, aplicabilidade e limites -, para, em seguida, concluir-se acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade desses dispositivos legais. 3. Direito fundamental à proteção do meio ambiente na Constituição 19SENISE, Walter José, et al. Novo código florestal: comentários à Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, à Lei 12.727, de 17 de outubro de 2012 e do Decreto 7.830, de 7 de outubro de 2012. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 454. 20 Ibid., p. 455. de 1988, o princípio da proibição de retrocesso ambiental e status normativo dos tratados internacionais de direitos humanos 3.1 Direito fundamental à proteção do meio ambiente na Constituição de 1988 A Constituição da República de 1988 dedicou especial atenção ao meio ambiente, reservando o capítulo IV do título VIII, referente à Ordem Social, para tratar do tema, além de diversos outros dispositivos esparsos em seu texto, que consagram a proteção ambiental, sendo a primeira Constituição brasileira a utilizar a expressão “meio ambiente”. 21 Estabeleceu, no artigo 225, “caput”, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Assim, foi dada “uma nova dimensão ao conceito de 'meio ambiente' como 'bem de uso comum do povo'” (grifos no original). 22 Aliás, a locução “'todos têm direito' cria um direito subjetivo, oponível 'erga omnes', que é completado pelo direito ao exercício da ação popular (art. 5º, LXXIII, da CF) (grifos no original). 23 Trata-se, portanto, de um direito transindividual, pois “[…] apesar de pertencer a cada indivíduo, é de todos ao mesmo tempo e, ainda, das futuras gerações”. 24 Nesse sentido, leciona Dirley da Cunha Júnior: O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, reconhecido pela Constituição Federal em capítulo situado no título da ordem social, é um direito fundamental, na categoria direito social, qualificado pela doutrina como direito de terceira geração. Nem por isso se lhe negue caráter, também, individual, uma vez que a realização individual deste direito fundamental está intrinsecamente ligada à sua realização social, por isso mesmo considerado transindividual.25 Paulo Affonso Leme Machado, por sua vez, evidencia os reflexos das disposições constitucionais na propriedade privada, ao instituir a função social 21 MACHADO, 2013, p. 150. Ibid, p. 155. 23 Ibid, p. 151. 24 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed., atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1203. 25JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de direito constitucional. 5. ed., Salvador: Juspodivm, 2011, p. 1259. 22 e ambiental, bem como esclarece as características e o resultado da concepção do meio ambiente como bem difuso: A Constituição, em seu art. 225, deu uma nova dimensão ao conceito de “meio ambiente” como bem de uso comum do povo. Não elimina o conceito antigo, mas o amplia. Insere a função social e a função ambiental da propriedade (art. 5º, XXIII, e 170, III e VI) com bases de gestão do meio ambiente, ultrapassando o conceito de propriedade privada e pública. O Poder Público passa a figurar não como proprietário de bens ambientais – das águas e da fauna -, mas como um gestor ou gerente, que administra bens que não são dele e, por isso, deve explicar convincentemente sua gestão. A aceitação dessa concepção jurídica vai conduzir o Poder Público a melhor informar, a alargar a participação da sociedade civil na gestão dos bens ambientais e a ter que prestar contas sobre a utilização dos bens “de uso comum do povo”, concretizando um “Estado Democrático e Ecológico de Direito” (artigo 1º, 170 e 225).26 Fácil perceber, então, que o direito ambiental é vocacionado para a defesa de direitos pluriindividuais, chamados de interesses difusos pela doutrina, tendo origem na “[…] doutrina italiana a construção e a teorização mais profunda e rica sobre a noção de interesse difuso, particularmente a Massimo Severo Giannini”.27 A Constituição da República consagrou, expressamente, o princípio da equidade intergeracional - também denominado princípio do desenvolvimento sustentável ou princípio da responsabilidade entre gerações - ao determinar a preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, significando que deve ocorrer o acesso equitativo aos elementos ambientais necessários à uma boa qualidade de vida, tanto no espaço – entre gerações presentes, sem discriminação -, quanto no tempo - com relação as gerações vindouras -, conferindo juridicidade ao valor da alteridade, em nítida conformação do fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III).28 Esclarecedor o conceito desenvolvido por Celso Antonio Pacheco Fiorillo sobre o princípio em questão: Dessa forma, o princípio do desenvolvimento sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição.29 26 MACHADO, op. cit., p. 155. 27MACHADO, 2013, p. 1260. 28CUREAU, 2013, p. 56-57. 29FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 6. ed., Sobre a sua importância, conclui o autor: Como se percebe, o princípio possui grande importância, porquanto numa sociedade desregrada, à deriva de parâmetros de livre concorrência e iniciativa, o caminho inexorável para o caos ambiental é uma certeza. Não há dúvida de que o desenvolvimento econômico também é um valor precioso da sociedade. Todavia, a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico devem coexistir, de modo que aquela não acarrete anulação deste.30 Diante da previsão constitucional, o meio ambiente ecologicamente equilibrado foi erigido à categoria de direito fundamental e, portanto, indisponível, decorrendo essa característica da equidade intergeracional. Consequência disso é um dever jurídico e de natureza constitucional - não apenas moral – de preservar o patrimônio ambiental para as futuras gerações. 31 Para assegurar o direito ao meio ambiente equilibrado, a Constituição da República, no §1º do artigo 225, incumbiu expressamente o Poder Público a preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas (inciso I); preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético (inciso II); definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (inciso III); exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (inciso IV); controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (inciso V); VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco ampl., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 27-28. 30Ibid, p. 28. 31MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina jurisprudência, glossário. 6. ed., rev. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 156-157. sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (inciso VII). As obrigações impostas ao Poder Público e à sociedade encontram fundamento na teoria dos deveres fundamentais, no sentido de que a um direito fundamental corresponde um dever com idêntica característica, podendo ser mais ou menos explícito na Constituição da República, daí por que existem deveres fundamentais implícitos 32. Merecem destaque as obrigações impostas ao Poder Públicos §1º do artigo 225 da Constituição Federal, as quais deixam claro que cabe ao Poder Público não apenas prestações negativas, no sentido de não degradar ou impedir a degradação ambiental, mas especialmente a adoção de medidas concretas para o equilíbrio ecológico, através da restauração dos processos ecológicos essenciais, definição de espaços territoriais a serem especialmente protegidos, exigência de estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental e a adoção de medidas administrativas eficientes para evitar a poluição, dentre outras. De acordo com José Afonso da Silva apud Paulo Affonso Leme Machado, a obrigação de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, em razão da dificuldade jurídica e científica em sua definição, deve adotar o conceito da União Internacional de Conservação da Natureza, que afirma que: “os processos ecológicos essenciais são os governados, sustentados ou intensamente afetados pelos ecossistemas, sendo indispensáveis à produção de alimentos, à saúde e a outros aspectos da sobrevivência humana e do desenvolvimento sustentado”.33 Aliás, “restaurar” tem o significado de restabelecer o que existia anteriormente, ou seja, os processos ecológicos essenciais, a fim de propiciar um meio ambiente sadio, tal como definido na Lei Fundamental, daí por que inadmissível relativizações de disposições constitucionais que visam a assegurar direitos humanos fundamentais. No ponto, vale a pena conferir a advertência formulada por Paulo Affonso Leme Machado: O Poder Público e a coletividade deverão defender e preservar o meio ambiente desejado pela Constituição, e não qualquer meio ambiente. O meio ambiente a 32NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 4. ed., rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Método, 2010, p. 357-358. 33MACHADO, 2013, p. 163. ser defendido e preservado é aquele ecologicamente equilibrado. Portanto, descumprem a Constituição tanto o Poder Público como a coletividade, quando permitem ou possibilitam o desequilíbrio do meio ambiente.34 O fiel cumprimento dessas obrigações é essencial para a perpetuidade da vida no planeta Terra, tendo em vista a interação integrada “[...] das espécies da fauna, da flora, dos mircoorganismos, da água, do solo, do subsolo, do lençol freático, dos rios, das chuvas, do clima etc”. 35 A exigência do estudo de impacto ambiental decorre do princípio da prevenção, pelo qual devem ser adotadas medidas concretas para evitar a ocorrência de danos ambientais, uma vez que esses danos, em regra, são de difícil ou impossível reparação, ou seja, dificilmente é possível retornar o meio ambiente agredido ao “status quo ante”. Esclareça-se, ainda, que o referido princípio não tem função exclusivamente acauteladora, mas também de planejamento, determinando a adoção de políticas públicas ambientais, através de planos obrigatórios, tal como ocorre em relação a recursos hídricos (Lei 9.433/1997), saneamentos básico (Lei 11.445/2007), resíduos sólidos (Lei 12.305/2010) e segurança de barragens (Lei 12.334/2010). 36 Romeu Thomé traz importante definição do princípio da prevenção: O princípio da prevenção é orientador no Direito Ambiental, enfatizando a prioridade que deve ser dada às medidas que previnam (e não simplesmente reparem) a degradação ambiental. A finalidade ou objetivo final do princípio da prevenção é evitar que o dano possa chegar a produzir-se. Para tanto, necessário faz adotar medidas preventivas.37 Não obstante alguns autores os tratarem como sinônimos, a exemplo do consagrado Édis Milaré, modernamente tem-se entendido que o princípio da prevenção se diferencia do princípio da precaução, constante do princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992, porquanto o primeiro pressupõe a certeza científica do dano, ao passo que o segundo se refere aos casos de ausência de certeza científica formal. Assim, o princípio da precaução sustenta que a ausência de certeza científica formal não deve servir de pretexto para postergar a adoção de medidas de proteção ambiental, limitando-se sua aplicação aos casos de danos graves e irreversíveis. 38 34Ibid., p. 158. 35SIRVINSKAS, 2008, p. 74. 2013, p. 123. 37SILVA, Romeu Faria Thomé da, 2011, p. 68. 38Ibid., p. 69-70. 36MACHADO, Registre-se, por oportuno, que o princípio da precaução foi adotado por duas convenções internacionais ratificadas e promulgadas pelo Brasil, quais sejam, a Convenção sobre Diversidade Biológica e Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, não tendo sido exigido, na primeira, a ameaça de dano sério ou irreversível para justificar a aplicação do princípio, bastando “[...] haver ameaça de sensível redução de diversidade biológica ou ameaça sensível de perda de diversidade biológica.” 39 Não se pode confundir a inexistência de certeza científica com o desconhecimento da extensão do dano, pois no último caso o dano e seus efeitos são conhecidos pela ciência, havendo apenas dúvidas quanto às proporções dele. Interessante exemplo para distinguir os princípios é fornecido por Sandra Cureau e Marcia Dieguez Leuzinger: Todavia, como adverte Figueiredo (2012), não se pode confundir incerteza científica com incerteza em relação à extensão do dano. O exemplo fornecido pelo autor diz respeito à identificação de um caso apenas de gripe aviária, que venha a acarretar decisão da Administração Pública de sacrificar todos os frangos encontrados naquela região. Nesse caso, a incerteza para apenas sobre a proporção que a doença pode adquirir, mas não sobre os seus efeitos sobre a saúde humana e animal.40 Quanto a casos práticos de incidência do princípio da precaução, as autoras mencionam a liberação de organismos geneticamente modificados no ambiente e a construção de estações radiobase de telefonia móvel: Exemplo clássico de precaução é o da liberação de organismos geneticamente modificados no ambiente, em que não se tem certeza das consequências seja para a saúde humana, seja para o ambiente natural. Paira incerteza também sobre a construção de estações radiobase de telefonia móvel, face à emissão de radiações não ionizantes geradas. Entretanto, a ausência de certeza científica não pode servir como fundamento para a liberação da atividade, pois os danos ao meio ambiente são, em geral, irreversíveis, o que determina cuidados com qualquer tipo de ação que possa eventualmente provocar alterações prejudiciais aos elementos que o compõem. Daí o fundamento para a inversão do ônus da prova, cabendo ao empreendedor o ônus de provar que sua atividade não é poluidora.41 Aliás, Guilherme José Purvin de Figueiredo apud Sandra Cureau e Marcia Dieguez Leuzinger sustenta que, em razão da constante evolução do princípio da precaução – que pressupõe incerteza científica sobre a existência de dano 39MACHADO, op. cit., p. 101-102. 2013, p. 52. 41Ibid., p. 52. 40CUREAU, ambiental -, deve-se aplicar a “Melhor Tecnologia Disponível” (Best Avaliable Technology – BAT)” para avaliação de impactos ambientais, visando a sua identificação, atentando-se para as condições socioeconômicas de determinada região/país.42 Assim, “o custo excessivo deve ser ponderado de acordo com a realidade econômica de cada País, pois a responsabilidade ambiental é comum a todos os países, mas diferenciada”. 43 Não há dúvidas, portanto, que o Estudo de Impacto Ambiental - RIMA e o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA são os principais instrumentos para implementar os princípios da prevenção e precaução. 44 Ao determinar ao Estado o controle da produção, comercialização e emprego de técnicas que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (artigo 225, V), a Constituição consagrou os fundamentos para a gestão dos riscos em matéria ambiental, que deve ser tanto preventivo quanto repressivo.45 Sobre a gestão ambiental de riscos, Romeu Thomé afirma que: Cabe ao Estado, através do exercício do seu poder de polícia, fiscalizar os particulares quanto aos limites em usufruir o meio ambiente conscientizando-os sobre a importância de observar sempre o bem estar da coletividade, como também promover termos de ajustamento de conduta, visando colocar termo às atividades nocivas.46 Foi adotada a metodologia das medidas liminares para estabelecer o critério de antecipação da ação administrativa eficiente, ou seja, a Constituição elegeu o “periculum in mora” para legitimar a proteção ambiental, podendo-se extrair do preceito constitucional importante manifestação, ao menos implícita, do princípio da precaução. O combate à poluição em qualquer de suas formas é competência material comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23, VI), sendo a competência legislativa concorrente entre os referidos entes federativos (art. 24, VI).47 O Poder Público foi incumbido de proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, 42Ibid., p. 53. 43MACHADO, 2013, p. 110. op.cit., p. 53. 45SILVA, Romeu Faria Thomé da, 2011, p. 146. 46Ibid., p. 146. 47MACHADO, 2013, p. 165. 44CUREAU, provoquem a extinção de espécies ou submetam os os animais à crueldade, tratando-se de mais uma importante manifestação dos princípios da prevenção e precaução. Dessa forma, a Constituição impõe a proibição de práticas que coloquem em risco a fauna e a flora, que tem função ecológica, pois, quando se chega a uma situação de irreversibilidade, nada mais se pode fazer. 48 Ademais, foi imposta constitucionalmente a obrigação de reparar os danos causados ao meio ambiente (§§ 2º e 3º do artigo 225), bem como a responsabilização civil, penal e administrativa, de forma independente, além de consagrar expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Em relação à mineração, foi taxativa ao determinar a reparação do dano ambiental, pois a atividade é potencialmente poluidora, sendo presumida a existência do dano a ser reparado. A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, nos termos do artigo 14, §1°, da Lei n. 6.938/1981, bastando a presença do nexo causal entre a lesão e uma determinada atividade. Tal modalidade de responsabilidade, é inadmissível na esfera penal, que necessita de dolo ou culpa. 49 Quanto à responsabilidade administrativa, alguns autores entendem tratarse de responsabilidade subjetiva, dependendo de comprovação de dolo ou culpa para do agente para sua caracterização. No entanto, nos termos do artigo 70 da Lei n. 9.605/98, a responsabilidade administrativa decorre de “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”, daí por que parece ser mais acertada a posição de que se trata de responsabilidade objetiva, bastando a conduta omissiva ou comissiva e o nexo causal para o surgimento do dever de reparar o dano ambiental. Inexiste, porém, na seara administrativa a mesma tipicidade do ilícito penal, pois apesar de definidas em lei, essa definição não ocorre com a mesma precisão do tipo penal. 50 Nesse sentido, Sandra Cureau e Marcia Dieguez Leuzinger: Muito se tem discutido acerca da natureza dessa espécia de responsabilidade. Enquanto autores como Heraldo Vitta e Fábio Osório defendem tratar-se de responsabilidade subjetiva, dependente, por isso, de comprovação de dolo ou culpa do agente para sua caracterização, Régis de Oliveira, Flávio Dino, Paulo 48Ibid., p. 166. 2009, p. 180-181. 50CUREAU, 2013, p. 306. 49MILARÉ, Affonso Leme Machado, Vladimir Passos de Freitas e Daniel Ferreira, ao contrário, entendem construir responsabilidade objetiva (Marchesan et alii, 2007), posição esta, a nosso ver, mais acertada.51 Saliente-se, também, que a Constituição Federal conferiu tratamento peculiar a cinco macrorregiões do País, objetivando um regime diferenciado de proteção a cinco biomas brasileiros de particular importância, estabelecendo que a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal MatoGrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, determinando sua utilização dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. O dispositivo visa a evitar a fragmentação dessas regiões, de forma a conferir-lhes proteção global, orientação essa fundada em bases científicas. Não se trata, assim, de reconhecer a propriedade da União sobre esses biomas, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n. 134.297/SP, DJU de 22.09.1995, Relator Ministro Celso de Mello, pois assegurado o direito de propriedade pela Constituição, tratando-se, na verdade, de bens de interesse público, a que se sujeitam tanto bens particulares quanto os pertencentes a entidades públicas. Podem os proprietários, inclusive, utilizar os recursos naturais existentes naquelas áreas, de acordo com as prescrições legais destinadas à preservação ambiental.52 A Constituição também estipulou a indisponibilidade das terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção de ecossistemas naturais. Assim, integram a categoria de bens públicos de uso especial, pois afetados à destinação pública por expressa disposição constitucional, diferenciando-as das terras devolutas que não possuem essa finalidade, que integram a categoria de bens dominicais e, portanto, disponíveis.53 As terras devolutas necessárias à proteção de ecossistemas integram o patrimônio da União, nos termos do artigo 20, II, da Constituição da República. A necessidade de lei federal autorizar a localização de usinas que operem com reator nuclear, sob pena de não poderem ser instaladas, está em plena sintonia com o viés preventivo do direito ambiental (artigo 225, §6º, da 51Ibid., p. 306. 2009, p. 184. 53SILVA, Romeu Faria Thomé da, 2011, p. 152-153. 52MILARÉ, Constituição Federal). A par do dispositivo constitucional específico para tratar do meio ambiente, a Constituição tratou do meio ambiente cultural nos artigos 215 e 216. Estabeleceu, também, a função social da propriedade no artigo 5º, XXIII, de modo geral, especificando o atendimento da função social da propriedade urbana (artigo 182, §2º) e rural (artigo 186), além de afirmar como princípios da ordem econômica a função social da propriedade e a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. Essa breve síntese do regime constitucional do meio ambiente visa apenas demonstrar a preocupação com o desenvolvimento sustentável, bem como evidenciar às diversas prescrições impostas ao legislador e aos administradores para a efetiva implementação de um regime jurídico de proteção do meio ambiente, em todos os seus aspectos (natural, artificial, cultural etc), centrado primordialmente nos princípios da prevenção e precaução de danos ambientais. Assim, surge um dever jurídico de implementação pelo legislador, sob pena de inconstitucionalidade, em razão da supremacia da Constituição. 3.2 Princípio da proibição de retrocesso ambiental O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é reconhecido como um direito humano fundamental de terceira dimensão, baseado na solidariedade intergeracional, daí resultando a preocupação com retrocessos na legislação que, em última análise, poderiam conduzir à inefetividade das normas constitucionais anteriormente analisadas. Assim, o direito ambiental não pode ficar a mercê de interesses ocasionais, pois a própria vida no planeta – ao menos a vida com um mínimo de qualidade – poderia ser comprometida em casos de retrocessos nessa seara, em detrimento da segurança jurídica e da supremacia da Constituição da República. Após intenso processo histórico de reconhecimento de direitos, o momento atual indica a necessidade de efetiva implementação dos direitos proclamados, notadamente em nível constitucional, sob pena de inefetividade e consequente ausência de credibilidade no sistema jurídico, em prejuízo da sua finalidade, a pacificação social. Ademais, tratando-se de normas constitucionais que asseguram direitos humanos fundamentais, que visam justamente a implementar o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III, da Constituição Federal), essa preocupação é ainda mais acentuada. O princípio da proibição de retrocesso surgiu, inicialmente, no âmbito dos direitos sociais, como decorrência da obrigação de implementação progressiva desses direitos, tal como prevista no Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, além de seu reconhecimento como princípio constitucional implícito. Flávia Piovesan tece importante contribuição para a compreensão do princípio em comento: […] Da obrigação da progressividade na implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais decorre a chamada cláusula de proibição do retrocesso social, na medida em que é vedado aos Estados retroceder no campo da implementação desses direitos. Vale dizer, a progressividade dos direitos econômicos, sociais e culturais proíbe o retrocesso ou a redução de políticas públicas voltadas à garantia de tais direitos.54 Continua a autora sustentando a acionabilidade dos direitos sociais, econômicos e culturais que, obviamente, também contempla a possibilidade de intervenção judicial para corrigir eventuais retrocessos nessa seara: Quanto ao debate sobre a acionabilidade dos direitos sociais, econômicos e culturais, compartilha-se da visão de que a “insistência de que as Cortes são incompetentes para tratar de políticas sociais parece ignorar a sua histórica e contínua intervenção nesta área. As Cortes criam políticas sociais não apenas quando interpretam a Constituição, mas também quando interpretam legislações de Direito econômico, trabalhista e ambientalista, dentre outras, assim como em suas resoluções em disputas privadas”.55 (grifo do autor) Com efeito, Antônio Herman Benjamin traz sólidos fundamentos sobre a necessidade de garantir-se segurança jurídica para a proteção de direitos humanos, com ênfase na tutela do meio ambiente: Nunca é demais recordar que vivemos em uma era de consolidação e afirmação de direitos proclamados, que repele a instituição teatral e o uso ornamental das normas, constitucionais ou não. Na mesma linha, também se mostra incompatível com a pós-modernidade, que enfatiza a dignidade da pessoa humana, a solidariedade e a segurança jurídica das conquistas da civilização, transformar direitos humanos das presentes gerações e garantias dos interesses dos nossos 54PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 10. ed., rev. e atual., São Paulo:Saraiva, 2009, p. 180-181. 55Ibid., p. 182. pósteros num ioiô legislativo, um acordeão desafinado e imprevisível, que ora se expande, ora se retrai. Essa uma preocupação que domina vários campos do Direito e ganha centralidade na tutela do meio ambiente.56 Para garantia da segurança jurídica na proteção ambiental, bem como da equidade intergeracional, vem sendo construído o princípio da proibição de retrocesso ambiental: Em tal contexto crescentemente se afirma o princípio da proibição de retrocesso, sobretudo quanto ao chamado núcleo legislativo duro do arcabouço do Direito Ambiental, isto é, os direitos e instrumentos diretamente associados à manutenção do “meio ambiente ecologicamente equilibrado” e dos “processos ecológicos essenciais”, plasmados no art. 225 da Constituição de 1988.57 Em se tratando o direito ambiental de um direito fundamental, o princípio em análise sustenta que as garantias de proteção ambiental, após consagradas, não podem retroceder para níveis inferiores de proteção, sem que as circunstâncias de fato tenham sido substancialmente alteradas. Buscase, portanto, obstar medidas legislativas e executivas que diminuam a proteção ambiental, o que não significa a impossibilidade de alterações legislativas. Dessa forma, seriam admitidas somente alterações legislativas que instituíssem garantias de proteção ambiental com eficácia similar. 58 Sandra Cureau e Marcia Dieguez Leuzinger ensinam que: Sendo obrigação do Poder Público e da coletividade, inserta na CF/1988, a proteção e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e para as futuras gerações, estaria fora do alcance das decisões políticas a disposição sobre questões que conduziriam a um retrocesso dessa proteção, em detrimento da qualidade de vida daqueles que ainda nem sequer nasceram.59 Sustenta-se que o princípio da proibição de retrocesso ambiental é um princípio constitucional implícito, decorrente do Estado Socioambiental e de Direito, centrado no princípio da dignidade da pessoa humana, bem como do princípio da segurança jurídica e seus consectários (princípio da proteção da confiança e garantias constitucionais do direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito), além de referir-se aos limites materiais de reforma constitucional, previstos no artigo 60, §4º, da Constituição Federal, de modo a 56BENJAMIN, Antônio Herman. Princípio da proibição de retrocesso ambiental, p. 55. Disponível em:<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242559>. Acesso em: 08 jul. 2013. 57BENJAMIM, loc. cit. 58SILVA, Romeu Faria Thomé da, 2011, p. 88-89. 59CUREAU, 2013, p. 57. evitar a afronta a direitos constitucionalmente estabelecidos por atos e medidas que constituam retrocesso no âmbito de proteção. Ademais, ao longo do processo histórico-civilizatório tem sido afirmado o princípio da dignidade da pessoa humana como valor central dos sistemas jurídicos, daí por que conquistas já realizadas se incorporariam ao patrimônio político-jurídico, com a consequente proibição de retrocesso nos níveis de proteção. Ainda, no âmbito dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA), vigora o dever de progressividade na implementação. 60 Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer esclarecem os fundamentos e consequências da aludida vedação de retrocesso: A proibição de retrocesso, nesse cenário, diz respeitos mais especificamente a uma garantia de proteção de direitos fundamentais (e da própria dignidade humana) contra a atuação do legislador, tanto no âmbito constitucional quanto – e de modo especial – infraconstitucional (quando estão em causa medidas legislativas que impliquem supressão ou restrição no plano das garantias e dos níveis de tutela dos direitos já existentes), mas também proteção em face da atuação da administração pública.61 Diversas são também as convenções e declarações internacionais que consagram a proibição de retrocesso ambiental, tanto através de proibição expressa de redução do nível de proteção quanto pela determinação de implementação progressiva dos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais, já referida. Michel Prieur refere diversos documentos internacionais que acolhem o princípio da proibição de retrocesso ambiental, também chamado de efeito “cliquet” ou “cliquet antiretour”, para utilizar a expressão Francesa, que significa trava ou trava antiretorno: (…) O artigo 2º do Protocolo de Cartagena, de 2000, sobre a prevenção dos riscos biotecnológicos, permite aos Estados tomar “medidas mais rigorosas para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica”. Na Convenção sobre o Direito do Mar, os artigos 208, 209 e 210 dizem respeito a diversos tipos de poluição marinha, impondo aos Estados que suas leis, regulamentos e medidas nacionais “não sejam menos eficazes que as normas de caráter mundial”. A Convenção de Basileia sobre o controle dos movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos, de 1989, permite aos Estados, em seu artigo 11, “impor condições suplementares para melhor proteger a saúde humana e o meio ambiente”. A Convenção de Berna de 1979 sobre a conservação da vida selvagem e do meio natural da Europa, permite aos Estados, em seu artigo 12, 60SARLET, Ingo Wolfgang; FERFENSTEIN, Tiago. Notas sobre a proibição de retrocesso em matéria (sócio) ambientaL, p. 142-143. Disponível em:<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242559>. Acesso em: 08 jul. 2013. 61SARLET, loc. cit. “adotar medidas mais rigorosas” do que as previstas pela Convenção. A Convenção de Helsinki, de 1992, sobre os efeitos transfronteiriços de acidentes industriais, prevê que as Partes possam adotar, de maneira individual ou conjunta, medidas “mais rigorosas” (artigo 2-8). 62 Registre-se, por oportuno, que o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, já previa a imposição de melhoria da qualidade ambiental e, por consequência, vedava o retrocesso nesse âmbito, dispondo no artigo 11.1 ser “(…) direito de toda pessoa um nível adequado e de uma melhoria contínua das condições de vida”, bem como previa o “direito de toda pessoa a desfrutar do mais elevado nível de saúde física e mental relacionado à melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente”. 63 O Protocolo de San Salvador Adicional à Convenção Amemricana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, igualmente, dispunha no artigo 11.1, que “toda pessoa tem direito a viver em um ambiente sadio e a contar com os serviços públicos básicos” e, ainda, que os Estados-Partes “promoverão a proteção e melhoramento do meio ambiente”.64 Em 1990, O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU realizou a observação geral n. 3/1990, contrária a “[...] toda medida deliberadamente regressiva”. Esse posicionamento foi reiterado pelo Comitê na observação geral n. 13/1999, na qual consta que “[...] o Pacto não autoriza nenhuma medida regressiva que diga respeito ao direito à educação, tampouco aos demais direitos ali enumerados”. 65 Carlos Alberto Molinaro salienta que na III Reunião Mundial de Juristas e Associações de Direito Ambiental, realizada em 29/09/2011, na França, aprovou-se um projeto de recomendação para adoção do princípio da não regressão na Conferência Rio+20, que seria realizada no ano seguinte no Rio de Janeiro, nos seguintes termos: “[existe] um consenso internacional sobre a necessidade de tomar medidas legais para atingir um nível elevado de proteção e melhoria da qualidade ambiental que tem o efeito de reduzir progressivamente a poluição que afeta a saúde e aumentar a preservação da biodiversidade essencial para o equilíbrio ecológico 62PRIEUR, Michel. Princípio da vedação de retrocesso ambiental. p. 26, loc. cit. loc, cit., p. 156. 64Ibid., p. 155. 65PRIEUR, loc cit., p. 21. 63SARLET, entre os homens e a natureza, […] Considerando que a não regressão pode resultar de uma disposição expressa contida na Constituição ou nas leis, bem como na jurisprudência dos tribunais com base no princípio do direito humano ao meio ambiente que necessariamente leva a evitar qualquer ação que resulta em uma perda de biodiversidade ou aumento dos níveis de poluição, […] Solenemente solicita aos Chefes de Estado e de Governo reunidos no Rio de Janeiro em junho de 2012 para o 20º aniversário da Declaração do Rio para anunciar oficialmente na declaração final como um novo Princípio de Direito Ambiental, que completa os princípios que já proclamou no Rio em 1992 que: “Para evitar o declínio na proteção do ambiente, os Estados devem, no interesse comum da humanidade, reconhecer e consagrar o princípio de não regressão; para este efeito, os Estados devem tomar as medidas necessárias para assegurar que nenhuma ação pode reduzir o nível de proteção ambiental atingido até agora.66 No entanto, não houve consagração expressa do princípio no documento final elaborado na Rio+20, embora mantidas disposições que indicam a progressiva implementação de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais, inclusive mediante reafirmação dos compromissos assumidos nas conferências anteriores. Não obstante, tem-se que a consagração constitucional e internacional implícita do princípio representa importante avanço para a garantia da sustentabilidade ambiental. 3.3 Status normativo dos tratados internacionais sobre direitos humanos Em matéria de direitos humanos, tendo em vista a convivência harmônica e complementar dos sistemas global e regionais de proteção, bem como os diversos documentos produzidos no âmbito desses sistemas, vigora o princípio da primazia da norma mais favorável no direito internacional, conforme leciona Antônio Augusto Cançado Trindade apud Flávia Piovesan: “O critério da primazia da norma mais favorável às pessoas protegidas, consagrado expressamente em tratados tratados de direitos humanos, contribui em primeiro lugar para reduzir ou minimizar consideravalmente as pretensas possibilidades de “conflitos” entre instrumentos legais em seus aspectos normativos. Contribui, sem segundo lugar, para obter maior coordenação entre tais instrumentos em dimensão tanto vertical (tratados e instrumentos de direito interno) quanto horizontal (dois ou mais tratados). (…) Contribui, em treceiro lugar, para demonstrar que a tendência e o propósito de coexistência de distintos instrumentos jurídicos – garantindo os mesmos direitos – são no sentido de 66MOLINARO, Carlos Alberto. Princípio da proibição de retrocesso ambiental. p. 114-115. Disponível em:<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242559>. Acesso em: 08 jul. 2013. ampliar e fortalecer a proteção.67 Portanto, havendo conflito entre as disposições constantes de tratados internacionais e o direito interno – dimensão vertical – ou entre diversos tratados internacionais, seja em âmbito global ou regional – dimensão horizontal -, deverá prevalecer a norma mais favorável à promoção e fortalecimento do direito humano em discussão. Por consequência, pelo princípio da primazia da norma mais favorável, não poderiam as normas internas prevalecer quando menos protetivas do que os tratados internacionais ou vice-versa, tornando mais efetiva a preservação ambiental, em favor da sustentabilidade ambiental, que beneficiaria não só as presentes como as futuras gerações. Relembre-se que, no âmbito do Direito Internacional, os Estados não podem fundamentar no Direito Interno o descumprimento dos compromissos assumidos, nos termo dos artigos 27 e 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que consagrou o princípio da primazia da norma mais favorável, já explicitado, o que faria com que as normas internacionais sobre direitos humanos tivessem o status de supraconstitucionalidade. 68 No entanto, são diversas as posições sobre a hierarquia interna dos tratados que versem sobre direitos humanos no Brasil, cuja definição é importantíssima para a análise do tema. Antes, porém, necessário verificar o momento a partir do qual um tratado internacional tem vigência em território nacional, pressuposto para criar direitos e obrigações na ordem jurídica interna, bem como para passar-se ao exame de sua hierarquia. Para Flávia Piovesan, o tratado internacional que verse sobre direitos humanos passa a ter aplicabilidade nos âmbitos internacional e interno a partir da ratificação, posterior à assinatura do tratado e aprovação pelo Poder Legislativo, dispensando, assim, o Decreto presidencial, com fundamento no artigo 5º, §1º, da Constituição da República, que determina que “As normas definidoras dos direitos e garantas fundamentais têm aplicação imediata”. A 67PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. 12. ed., rev., ampl. e atual., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 90. 68PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado incluindo noções de direitos humanos e de direito comunitário. 3. ed. rev. ampl. e atual., Salvador: Juspodivm, 2011, p. 836. incorporação dos tratados internacionais configura um ato complexo, decorrente da soma de vontades do Poder Executivo e Legislativo, que estaria aperfeiçoada com a ratificação pelo Presidente da República, após aprovação congressual.69 Essa concepção, porém, não foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal, que entende ser indispensável a emissão de Decreto Presidencial para a incorporação dos tratados ao ordenamento jurídico interno, assegurando-se a sua promulgação e publicação, como elementos indispensáveis para a executoriedade.70 Após a incorporação dos tratados internacionais sobre direitos humanos no plano interno, existem basicamente quatro posições quanto à posição hierárquica no ordenamento jurídico nacional: a) hierarquia supraconstitucional; b) hierarquia constitucional; c) hierarquia infraconstitucional, mas supralegal; d) paridade entre tratado e lei federal.71 Com a edição da Emenda Constitucional n. 45/2004, esse debate ficou ainda mais acirrado, pois foi acrescentado o §3º ao artigo 5º da Constituição Federal, estabelecendo que tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Durante muito tempo vigorou no Brasil que os tratados internacionais teriam o mesmo status de lei ordinária (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, RE 80.0004, Relator Ministro Xavier Albuquerque, DJ de 29.12.1977). Logo, poderiam ser revogados por lei ordinária, submetidos aos critérios da especialidade e cronológico. Essa concepção, que vigorou aproximadamente de 1977 até 2007, desconsiderava a primazia da norma mais favorável no direito internacional e a disposição constante da Convenção de Viena, no sentido de que os Estados-Partes não poderiam invocar disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de tratado internacional. 72 Em 2007, porém, no Habeas Corpus n. 90.172/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 17.08.2007, consolidou-se no Supremo Tribunal Federal a tese 69PIOVESAN, 2009, p. 48-49. op. cit., p. 835. 71PIOVESAN, 2009, p. 71. 72PORTELA, 2011, p. 840-841. 70PORTELA, de que os tratados internacionais de direitos humanos possuem status normativo supralegal, isto é, estão em plano hierárquico inferior à Constituição Federal, mas superior às leis, tornando, assim, inaplicável a legislação infraconstitucional conflitante, ainda que anteriores à ratificação do tratado. 73 Em relação ao § 3º do artigo 5º da Constituição, acrescido pela Emenda Constitucional n. 45/2004, prevaleceu o entendimento de que apenas os tratados aprovados mediante o procedimento ali estipulado teriam status de emenda constitucional, não sendo suficiente para amparar a corrente doutrinária que sustentava que todo e qualquer tratado de direitos humanos teria status de norma materialmente constitucional. Sem prejuízo dos sólidos argumentos favoráveis à tese do status constitucional ou supraconstitucional dos tratados de direitos humanos, o objeto da presente monografia não comporta maior profundidade sobre o tema, sendo suficiente a explanação da concepção atualmente adotada pela Corte Suprema. Com a consagração do status supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos, além da possibilidade de serem equiparados a emendas constitucionais, se aprovados pelo rito instituído pela Emenda Constitucional n. 45/2006, houve sensível melhoria na promoção dos direitos humanos, diante da possibilidade desses tratados servirem de paradigma para o controle de convencionalidade, com a possibilidade de se invalidar a legislação interna incompatível. 4. Inconstitucionalidade dos artigos 3º, inciso IV, 59, 60, 61-A, 61-B e 63 da Lei n. 12.651/2012 – Novo Código Florestal A Lei n. 12.651/2012 instituiu um denominado regime de transição nos artigos 59, 60, 61-A, 61-B e 63, que deve ser analisado em conjunto com o conceito de área rural consolidada constante do artigo 3°, inciso IV, visando a legitimação de ocupações de áreas de preservação permanente anteriores a 22 de julho de 2008. Os dispositivos legais em comento foram analisados no item 1.3, restando evidente as consequências danosas para o meio ambiente, pois legitimam a 73Ibid., p. 840-841. degradação ambiental de áreas vitais para a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável, tendo em vista que as áreas de preservação permanentes são áreas protegidas, isto é, espaços territoriais com funções ambientais específicas e diferenciadas. 74 Com efeito, as anistias conferidas pela Novo Código Florestal confrontam com o acolhimento do direito ao meio ambiente como direito fundamental de terceira dimensão na Constituição da República, porquanto não se prestam a permitir o desenvolvimento sustentável, isto é, não têm preocupação com a manutenção da qualidade ambiental, pois gestados para amparar interesses econômicos de grandes agricultores e pecuaristas. Tal conclusão decorre da ausência de critérios científicos na elaboração das ditas “regras de transição”, gerando contundente crítica da comunidade científica. 75 Em relação ao conceito de desenvolvimento sustentável, o Relatório Brundtland afirma que “desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades”, constituindo-se em importante paradigma para aferir-se a sustentabilidade ambiental. Para a consagração desse desiderato, a Carta Política determinou expressamente ao Poder Público, dentre outras obrigações de relevo, preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, bem como definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, cuja alteração ou supressão somente podem ser permitidas através de lei. Vedou-se expressamente qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem a proteção dessas áreas (artigo 225, §1º, incisos I e III, da Constituição Federal). O cumprimento da determinação constitucional se fazia, em parte, com instituição de áreas de preservação permanente pelo Código Florestal de 1965, que foi recepcionado pela Constituição Cidadã, sendo que essas áreas especialmente protegidos representam locais onde ocorrem processos ecológicos essenciais para a manutenção da sustentabilidade ambiental. A autorização para a utilização de áreas de preservação permanente era 74 75 MACHADO, 2013, p. 871. Ibid., p. 889. excepcional e se restringia a casos de utilidade pública ou social devidamente caracterizada e motivada em procedimento administrativo próprio, conforme visto no item 1.1. Com o advento da Lei n. 12.651/2012, os artigos 3º, inciso IV, 59, 60, 61-A, 61-B e 63 descumpriram frontalmente com a Lei Fundamental, pois dispensaram a recuperação de áreas de preservação permanente, bem como autorizaram a continuidade de danos ambientais nesses espaços especialmente protegidos. A caracterização do meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, bem como a imposição de obrigações específicas para o Poder Público e para a coletividade têm importantes consequências para o ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista o princípio da máxima eficácia e da força normativa da Constituição. É dela que a legislação infraconstitucional retira seu fundamento de validade, sob pena de vício de inconstitucionalidade. Tratando-se o meio ambiente de um direito fundamental, não pode ser alterado ou suprimido ao talante dos Poderes Legislativo, Executivo ou Judiciário, vinculando-os.76 Não obstante o artigo 5º, §1º, da Constituição dispor que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, constata-se que a eficácia das normas constitucionais variam de acordo com o preceito, embora todas possuam eficácia e aplicabilidade. Na classificação de José Afonso da Silva, as normas constitucionais teriam: a) eficácia plena; b) eficácia contida; c) eficácia limitada ou reduzida. As primeiras não dependeriam de integração legislativa, pois seriam de eficácia direta, imediata e integral. As normas de eficácia contida, por sua vez, embora possuam eficácia imediata, admitem lei integrativa que venha a reduzir a sua eficácia, respeitado o núcleo essencial do direito. Por fim, as normas de eficácia limitada ou reduzida teriam aplicabilidade mediata, isto é, reclamam lei futura para regulamentação de seus limites, caracterizando-se como norma de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida. Porém, em todos os casos haveria eficácia negativa, irradiando feitos jurídicos inibidores ou impeditivos de 76MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed., rev., e atual., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 245. disposições em contrário.77 Portanto, ainda que normas constitucionais sobre o meio ambiente reclamem complementação legislativa, caracterizando-se como norma de eficácia limitada ou reduzida, caraterizado está o dever de não legislar em sentido contrário, sob pena de inconstitucionalidade. Ainda no que se refere à eficácia, cumpre mencionar a clássica classificação de José Afonso da Silva: A eficácia e aplicabilidade das normas que contêm os direitos fundamentais dependem muito de seu enunciado, pois se trata de assunto que está em função do Direito Positivo. A Constituição é expressa sobre o assunto, quando estatui que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Mas certo é que isso não resolve todas as questões, porque a Constituição mesma faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais, enquadrados dentre os fundamentais. Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos econômicos e sociais tendem a sêlo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta, as são tão jurídicas como as outras e exercem relevante função, porque, quanto mais se aperfeiçoam e adquirem eficácia mais ampla, mais se tornam garantias da democracia e do efetivo exercício dos direitos fundamentais.78 Logo, não poderia a legislação infraconstitucional descumprir os preceitos plasmados na Norma Fundamental, especialmente porque suficientemente delineado o âmbito de conformação do legislação ordinário, impondo-se a restauração e proteção do processos ecológicos essenciais, bem como a implementação de espaços territoriais especialmente protegidos que garantam a equidade intergeracional apregoada. Não bastasse, o “caput” do artigo 225 afirma que o meio ambiente é um bem transindividual, sendo ao mesmo tempo individual e coletivo, sendo apto à criação de direitos subjetivos oponíveis “erga omnes”, sendo completado pelo direito ao exercício da ação popular.79 Importante esclarecer, assim, que os direitos fundamentais possuem dimensão subjetiva e objetiva, que traduzem relevantes consequências, impondo-se explicitá-las. 77JÚNIOR, 2011, p. 166-169. José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 30. ed., rev. e atual., Malheiros: São Paulo, 2008, p. 180. 79Ibid., p. 151. 78SILVA, A dimensão subjetiva se refere a possibilidade de “(...) ensejarem uma pretensão a que se adote um dado comportamento ou então essa dimensão se expressa no poder da vontade de produzir efeitos sobre certas relações jurídicas”.80 Poderia, assim, dar ensejo a uma pretensão positiva ou negativa de outrem. A dimensão objetiva, por sua vez, caracterizam os direitos fundamentais como “(...) normas que filtram os valores básicos da sociedade política, expandindo-os para todo o direito positivo. Formam, pois, a base do ordenamento jurídico de um Estado democrático”.81 Em relação à existência de direito subjetivo difuso ambiental (dimensão subjetiva), esclarece José Joaquim Gomes Canotilho apud Luciano Furtado Loubet e Luiz Antônio Freitas de Almeida: Se do ponto anterior saiu reforçada a ideia da existência de um novo valor que reveste cada vez mais importância para a comunidade jurídica organizada – valor esse que, pelo menos neste sentido, é sobretudo compreendido na sua dimensão pública ou coletiva – importa em todo caso ainda mostrar que essa sua natureza não prejudica (mas, pelo contrário, reforça) a circunstância de o ambiente dever ser também assumido como direito subjetivo de todo e qualquer cidadão individualmente considerado. Isto é claro se compreendermos que o ambiente, apesar de um bem social unitário, é dotado de uma indiscutível dimensão pessoal.82 Tem-se reconhecido, assim, a existência de direitos subjetivos individuais, individuais homogêneos, coletivos e difusos, cuja definição tem sido extraída do artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. A consequência da existência de um direito subjetivo ambiental é o reconhecimento do direito adquirido à preservação ambiental, não podendo a lei posterior retroagir em prejuízo desse direito fundamental de terceira dimensão.83 As disposições do Novo Código Florestal não poderiam, então, ser aplicadas as fatos ocorridos na vigência da Lei n. 4.771/65, para retirar a proteção então incidente sobre as áreas de preservação permanente e reserva legal, daí resultando evidente inconstitucionalidade, por ofensa ao direito 80MENDES, 2008, p. 265. p. 266. 82LOUBET, Luciano Furtado; ALMEIDA; Luiz Antônio Freitas de. Inconstitucionalidades dos retrocessos empreendidos pelo novo código florestal.Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22582/inconstitucionalidadesdos-retrocessos-empreendidos-pelo-novo-codigo-florestal>. Acesso em: 08 jul. 2013. 83 LOUBET, loc. cit. 81Ibid, adquirido. Por outro lado, como consequência da dimensão objetiva – pauta de valores que geram efeitos para o ordenamento jurídico como um todo -, os direitos fundamentais legitimam restrições a direitos individuais e de outros bens constitucionais. Ainda, e mais relevante para o presente trabalho, cria a dimensão objetiva de um direito fundamental um dever de proteção pelo Estado, tanto contra agressões dos próprios Poderes Públicos quanto de particulares ou outros Estados.84 Logo, cria-se para o Estado o dever de legislar para promover proteção ambiental, mediante a criação de espaços territoriais a serem especialmente protegidos, bem como para proteger e restaurar os processos ecológicos essenciais. Aqui não tem o Estado ampla liberdade de conformação do direito fundamental, pois restou suficientemente delimitado pela Constituição, mediante obrigações específicas, além da limitação a essa liberdade decorrente da incidência do princípio ou postulado da proporcionalidade. No ponto, Paulo Affonso Leme Machado esclarece: A utilização dessas unidades de conservação e/ou áreas de proteção ambiental só poderia ser feita de modo que não comprometa a totalidade dos atributos que justificam a proteção desses espaços. A Constituição foi explícita ao vedar toda forma de utilização que fira qualquer atributo do espaço territorial protegido. E vemos que foi necessária a previsão constitucional, pois recentemente tentou-se transformar uma via interna de comunicação do Parque Nacional de Iguaçu em estrada de rodagem, tendo a tentativa – apoiada por forças poderosas – sido obstada pelo Poder Judiciário, através de ação civil pública.85 O princípio ou postulado da proporcionalidade atua como limite da atuação e discricionariedade estatal, vedando excessos de seus órgãos. Tem origem na garantia do devido processo legal, que remonta ao direito anglo-saxão, mais especificamente na cláusula “law of the land” inscrita na “Magna Carta” de 1215. Dirley da Cunha Júnior destaca a origem e desenvolvimento do princípio: Esta garantia teve origem na Inglaterra, com um aspecto meramente formal (“procedural due process”, segundo o qual não é possível a condenação de alguém sem o devido processo legal) e se desenvolveu nos Estados Unidos com um aspecto muito mais substantivo ou material (“substantive due process of law”), para permitir oo Judiciário investigar o próprio mérito dos atos do poder público, a fim de verificar se esses atos são razoáveis, ou sejam se estão conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia.86 84 MENDES, 2008, p. 266-267. 85MACHADO, 2013, p. 173. 86JÚNIOR, 2011, p. 227. A aferição do respeito à proporcionalidade se faz mediante análise dos subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A adequação se refere à aptidão das medidas adotadas pelo Poder Público atingirem os fins propostos. A necessidade ou exigibilidade impõe ao Poder Público escolher os meios que menos limitações causem aos direitos fundamentais, sob pena de caracterizar excesso. Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito exige equilíbrio entre a razão de atuação e a providência adotada para tanto, de forma que as vantagens que serão obtidas superem as desvantagens. O não atendimento a qualquer dos subprincípios caracteriza a desproporcionalidade e consequente inconstitucionalidade da norma. 87 De mais a mais, a princípio da proporcionalidade possui duas vertentes, a proibição de excesso e a proibição de proteção insuficiente, impondo esta o efetivo exercício das competências pelo Estado para atingir os fins a que se destina, sob pena de sua omissão ou atuação insuficiente configurar-se inconstitucional. Na aferição da proteção insuficiente são utilizados os mesmos parâmetros antes delineados, que são meros desdobramentos do princípio ou postulado da proporcionalidade. É patente, assim, a inadequação dos artigos do Novo Código Florestal que relativizam a proteção de áreas de preservação permanente, já que não são aptos à proteção dessas áreas especialmente protegidas, tampouco garantem a restauração e proteção de processos ecológicos essenciais, fazendo tábula rasa das obrigações específicas impostas ao Poder Público no §1º do artigo 225 da “Lex Mater”. Nesse sentido, a inadequação da redução das áreas de preservação permanente em razão do tamanho da propriedade rural é demonstrada por Paulo Affonso Leme Machado: A dimensão das APPS não tem relação direta com o tamanho da propriedade rural. A APP deve existir não porque o imóvel seja grande, médio ou pequeno. Se não se racionar com base na função ecológica da APP na sua defesa das águas, do solo e da biodiversidade, esse espaço perde seu sentido existencial. Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga respeitada e uma das autoras do livro O Código Florestal e a Ciência para o Diálogo, afirma: “A agricultura familiar está sendo na realidade diretamente prejudicada pela brutal redução que vinha sendo feita das matas ciliares. No Nordeste e no Norte de Minas vários rios secaram. Com o antigo Código ainda se tinha o amparo de lei para protestar. Hoje o fato 87Ibid, p. 228. consumado tornou-se legal. Isso se chama desregulamentação.88 Por óbvio, o tamanho das áreas de preservação permanente deve levar em conta a ciência, a função ecológica que se busca proteger, tendo em vista o caráter finalista do direito ambiental, que não pode contrariar as leis da natureza, sob pena de ineficácia, e mais, de sanções decorrentes de desastres naturais.89 Dessa forma, resta patente a inconstitucionalidade da relativização da proteção das áreas de preservação permanente, em razão de violação do princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de insuficiência, já que as medidas escolhidas para a proteção ambiental são manifestamente inadequadas. O regime de transição instituído ignora a função social da propriedade, cujo fundamento decorre genericamente do artigo 5º, inciso XXIII, além da previsão específica para a função social da propriedade urbana, no artigo 182, §2º, e rural, no artigo 186, todos da Constituição Federal. Em relação à propriedade rural, a que se referem os artigos da Lei n. 12.651 questionados, o artigo 186 assevera que a propriedade cumpre a sua função social quando atende, simultaneamente: a) aproveitamento racional e adequado; b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; d) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. O Código Civil de 2002 explicitou o conteúdo da função social da propriedade no artigo 1.228, §1°, verberando que o exercício desse direito deve observar as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de acordo com lei especial, a flora, fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. Flávio Tartuce destaca o conteúdo da função socioambiental da propriedade: O CC/2002 foi além de tratar da função social, pois ainda consagra a função socioambiental da propriedade. Há tanto uma preocupação com o ambiente natural (funa, flora, equilíbrio ecológico, belezas naturais, ar e águas), como com 88MACHADO, 2013, p. 889. 89LOUBET, loc. cit. o ambiente cultural (patrimônio cultural e artístico). Exemplificando, o proprietário de uma fazenda, no exercício do domínio, deve ter o cuidado para não queimar uma floresta e também para não destruir um sítio arqueológico. […] O artigo 1.228, §1º, acabou por especializar na lei civil o que consta do art. 225 da Constituição Federal, dispositivo este que protege o meio ambiente como um bem difuso e que visa à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Esse é o conceito de Bem Ambiental, que assegura a proteção de direitos transgeracionais ou intergeracionais, particularmente para os fins de responsabilidade civil, tratada na Lei n. 6.938/1981.90 Com efeito, a obrigação do novo proprietário recuperar os danos ambientais, mesmo não sendo o seu causador, decorre da função socioambiental da propriedade, suficiente para consagrar a responsabilidade objetiva, conforme entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (Ex: STJ, AgRg no RESP 471.864/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, j. 18.11.2008, Dje DE 01.12.2008). 91 A responsabilidade objetiva do proprietário, consagrada na jurisprudência, foi acolhida pela Lei n. 12.651/2012, no §2º do artigo 2º, que preceitua que “As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural”. Ora, são justamente os institutos das áreas de preservação permanente e de reserva legal que representam o cumprimento da função social da propriedade rural, merecendo destaque pelo hoje Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Antônio Herman Benjamim apud Luciano Furtado Loubet e Luiz Antônio Freitas de Almeida: Em linhas gerais, nenhum dos dispositivos do Código Florestal consagra, aprioristicamente, restrição que vá além dos limites internos do domínio, estando todos constitucionalmente legitimados e recepcionados; demais disso, não atingem, na substância, ou aniquilam o direito de propriedade. Em ponto algum das APPs e a Reserva Legal reduzem a nada os direitos do proprietário, em termos de utilização do capital representado pelos imóveis atingidos. Diante dos vínculos que sogre elas incidem, tanto aquelas como esta aproximam-se muito da modalidade moderna de propriedade restrita, restrita, sim, mas nem por isso menos propriedade.92 Então, esvaziando-se o conteúdo das áreas de preservação permanente, por consequência, também se enfraquece a função social da propriedade rural, em nítida violação à Carta Magna, que passou a contemplar a função socioambiental como elemento interno do domínio. 90TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. São Paulo: Método, 2011, p. 798. Ibid, p. 799. 92LOUBET, loc. cit.. 91 Importante salientar, também, que o novo regime de proteção das áreas de preservação permanente retrocedeu em relação ao regime jurídico instituído pela Lei n. 4.771/1965, sem que houvesse a instituição de proteção jurídica similar, ou seja, houve sim efetivo retrocesso e prejuízo ambiental cientificamente comprovado. Relembre-se que o princípio da proibição de retrocesso ambiental é um princípio constitucional implícito, decorrente do Estado Socioambiental e de Direito, centrado no princípio da dignidade da pessoa humana, bem como do princípio da segurança jurídica e seus consectários (princípio da proteção da confiança e garantias constitucionais do direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito), além de referir-se aos limites materiais de reforma constitucional, previstos no artigo 60, §4º, da Constituição Federal, de modo a evitar a afronta a direitos constitucionalmente estabelecidos por atos e medidas que constituam retrocesso no âmbito de proteção. Ademais, ao longo do processo histórico-civilizatório tem sido afirmado o princípio da dignidade da pessoa humana como valor central dos sistemas jurídicos, daí por que conquistas já realizadas se incorporariam ao patrimônio político-jurídico, com a consequente proibição de retrocesso nos níveis de proteção. Ainda, no âmbito dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA), vigora o dever de progressividade na implementação. 93 A vedação de retrocesso ambiental constitui-se importante instrumento na formação do conteúdo mínimo ambiental, que passa a se revestir de caráter dinâmico, ou seja, uma vez que normalmente demanda integração normativa para concretizá-los, motivo pelo qual o princípio apanha as sucessivas reelaborações do conteúdo para impedir o retorno a padrões inferiores de proteção.94 Esse princípio, por estar consagrado na Constituição e em Convenções Internacionais, presta-se a determinar a conformidade do ordenamento jurídico, notadamente infraconstitucional, com a Lei Fundamental (controle de constitucionalidade), bem como com as convenções que tratam do tema (controle de convencionalidade), que seguem a mesma lógica. 95 93SARLET, loc.cit. 94ROTHENBURG, Walter Claudios. Princípio da proibição de retrocesso ambiental. Disponível em:<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242559>. Acesso em: 08 jul. 2013. 95ROTHENBURG, loc. cit.. Afirma-se, costumeiramente, que o controle de constitucionalidade dos atos emanados do Poder Legislativo pelo Poder Judiciário decorre de seu papel contramajoritário, partindo-se da premissa que a vontade do Parlamento representa a vontade da maioria da população. De fato, em algumas situações esse controle possui essa característica, tal como quando a vontade da maioria da população, acolhida pelo Legislativo, se afasta da Constituição, que possui maior estabilidade e legitimidade.96 Walter Claudios Ruthenburg entende que a Constituição é que seria merecedora do adjetivo de majoritária: Porém, se a Constituição é legítima e consagra os valores mais importantes adotados democraticamente por uma sociedade, o adjetivo “majoritário” - e qualificadamente majoritário, porque constituinte – haveria de qualificar a ela, Constituição, e não as leis que a confrontassem.97 Prossegue o autor evidenciando, com precisão, que nem sempre o Parlamento expressa a vontade da maioria da população, tal como ocorreu com a Lei n. 12.651/2012, fruto da bem articulada bancada ruralista, justificando a intervenção do Poder Judiciário no controle de constitucionalidade, com o qualificativo majoritário, retomando a legitimidade ameaçada pelas leis supostamente inconstitucionais. 98 Conclui o autor pela elevada importância da utilização do princípio da vedação de retrocesso ambiental como parâmetro do controle de constitucionalidade, e instrumento efetivo para garantir a sustentabilidade ambiental: Percebe-se claramente, assim, a importância do princípio do não retrocesso como argumento para a fiscalização da constitucionalidade. Tanto mais quando a incompatibilidade das normas não for evidente. À primeira vista, uma lei que fixe a margem de proteção das margens dos cursos de água em 50 metros não apenas não viola o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, como, muito pelo contrário, concretiza esse direito e traduz uma avaliação da competência exclusiva do Legislativo (uma reserva de conformação legislativa). Tudo muda de figura, no entanto, se essa lei surge no lugar de outra anterior, que estabelecia uma área de proteção de 100 metros, pois agora os cursos de água terão uma proteção menor, menos intensa.99 Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fenstenseifer compartilham da ausência de legitimidade do Projeto de Lei n. 1.876/199, que culminou com a aprovação do 96ROTHEMBURG, loc. cit.. loc. cit.. 98ROTHEMBURG, loc.cit.. 99ROTHEMBURG, loc. cit.. 97ROTHEMBURG, Novo Código Florestal: As razões para manter o Código Florestal com o padrão normativo (no sentido da tutela do ambiente) atualmente vigente são muitas – tanto a partir de uma abordagem social e ecológica, quanto pelo prisma de uma perspectiva econômica-, ao passo que, do outro lado, as razões para se endossarem as mudanças afunilam-se no interesse – puramente econômico e exclusivo – do setor agropecuário. O descaso do projeto de lei com a qualidade e o equilíbrio ecológico é gritante, alinhando-se a isso também todos os aspectos sociais e econômicos vinculados à degradação ecológica. A prevalecerem os termos do projeto, mais uma vez, o ônus ecológico (socioambiental) do aumento dos desmatamentos das nossas florestas, que inevitavelmente virá em função dos estímulos do novo regramento, recairá sobre os indivíduos e grupos sociais mais pobres e necessitados, consoante, aliás, dão conta os exemplos dos últimos desastres naturais – São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina etc – provocados por episódios climáticos extremos […].100 Não há dúvidas, portanto, que o Legislador atuou em benefício de minoria privilegiada da população, em detrimento do bem ambiental difuso, pertencente à totalidade da população existente e às futuras gerações, com manifesta ausência de legitimidade. Diante disso, necessário o reconhecimento da inconstitucionalidade em razão da violação à proibição de retrocesso ambiental, além da realização do controle de convencionalidade das alterações prejudiciais ao ambiente. Ao prever anistia às infrações, inclusive penais, cometidas em data anterior a 22 de julho de 2008, e autorizar a continuidade das atividades desenvolvidas em área de preservação permanente nessa data, o legislador ordinário lesou o princípio constitucional da isonomia, privilegiando aqueles que descumpriram a legislação em vigor, em detrimento daqueles que a observaram. O princípio da isonomia impõe o mesmo tratamento a todos que se encontrem na mesma situação, na medida em que se igualem, e tratamento diferenciado, na medida em que se desigualem, sendo destinada a sua aplicação tanto perante a lei quanto na lei. Não se contentou a Constituição Cidadã com a igualdade meramente formal, consagrando a igualdade material, uma vez que elegeu como objetivo fundamental do Estado erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais (artigo 3º, III), além de orientar a ordem econômica para assegurar a existência digna, conforme os ditames de justiça sociais (artigo 170), e objetivar o bem-estar e justiça sociais ao tratar da 100SARLET, loc. cit.. ordem econômica (artigo 193).101 Salta aos olhos, assim, a violação ao princípio da isonomia, pois somente aqueles que transgrediram a legislação ambiental então em vigor serão contemplados com a possibilidade de permanência das edificações, anistia das infrações e possibilidade de continuar as atividades nesses espaços especialmente protegidos. Registre-se, por oportuno, o ajuizamento das ações diretas de inconstitucionalidade n. 4902 e 4903 pela então Procuradora-Geral da República em exercício, Sandra Cureau, referente aos dispositivos que relativizam a proteção incidente sobre as áreas de preservação permanente, bem como sobre as anistias concedidas pelo legislador ordinário quanto às infrações, inclusive penais, verificadas, além da autorização para a continuidade de atividades em favor daqueles que infringiram a Lei 4. 771/65 (Código revogado). Aguarda-se, assim, o deferimento da medida liminar pleiteada e, ao final, a integral procedência dos pedidos formulados, por ser medida imprescindível para assegurar-se a sustentabilidade socioambiental e impedir a consolidação de inaceitável retrocesso na legislação ambiental. 5. Conclusão A análise comparativa do Código Florestal revogado com a Lei n. 12.651/2012, em conjunto com a normatividade consagrada pela Constituição Cidadã, bem como com as principais convenções e declarações internacionais que tratam do tema, foram extraídas as seguintes conclusões: 1. O Código Florestal revogado possuía regime jurídico bastante restritivo quanto à utilização direta de áreas de preservação permanente (legais e administrativas), somente admitindo a utilização dessas áreas em casos de utilidade pública e interesse social, quando inexistisse alternativa locacional, e exigia ainda motivação em procedimento administrativo próprio. A regra então consagrada de vedação do uso direto das áreas de preservação permanente estava em conformidade com o regime constitucional e com as relevantes funções ecológicas desempenhadas. 2. A Lei 12.651/2012, de outro lado, retirou as áreas destinadas a manter o 101JÚNIOR, 2011, p. 676. ambiente das populações indígenas do rol de áreas de preservação permanente legais, mantendo a dualidade de áreas de preservação permanente, legais e administrativas. Ampliou substancialmente as hipóteses de utilização direta de áreas de preservação permanente, nos casos de utilidade pública, interesse social, atividade eventual ou de baixo impacto ambiental (artigo 8º). Houve, portanto, substancial redução da proteção incidente sobre as áreas de preservação permanente, com a ampliação de possibilidades de uso direto dessas áreas. 3. A par do regime geral aplicável às áreas de preservação permanente, bastante permissivos, foi instituído pelo Novo Código Florestal, nos artigos 59 a 65, regime jurídico de transição que ampliou ainda mais as intervenções em áreas de preservação permanente, restringindo-se à pesquisa aos artigos 59, 60, 61-A, 61-B, e 63, porquanto ausente interesse público a justificar a concessão legal. Esse regime necessita do conceito de área rural consolidada constante do artigo 3º, IV, do diploma legal em apreço, motivo pelo qual foram analisados em conjunto. O conceito de área rural consolidada e a autorização para a continuidade de atividades agrossilvipastoris, de turismo rural e de ecoturismo, mediante simples adesão a Programa de Regularização Ambiental e inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural, implicam em anistia das infrações administrativas e penais então praticadas, em detrimento da coletividade e em prejuízo daqueles que cumpriram a legislação ambiental, autorizando-se a perpetuação de infrações, inclusive criminais, continuadas. Impediu-se, inclusive, a autuação das infrações praticadas em áreas de preservação permanente, quando anteriores a 22 de julho de 2008. Ademais, a redução das áreas de preservação permanente na margem de cursos d'águas, em alguns casos a ínfimos cinco metros, carece de embasamento científico e é extremamente prejudicial à qualidade ambiental. O pacote de benefícios do setor agrário foi ainda mais agraciado com a instituição de limite à obrigação de recuperar o meio ambiente agredido, limitando-se a recomposição ambiental a 10% da área total do imóvel, para imóveis com até 02 módulos fiscais, ou 20% da área total do imóvel, para imóveis com até 04 módulos fiscais. Em relação às áreas rurais consolidadas em encostas, topos de morro, chapadas e altitudes menores que 1.800 metros, foi admitida a continuidade de atividades florestais, culturas de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo, cem como da infraestrutura física associada, vedando-se apenas a conversão de novas áreas, ignorando que tais áreas são importantíssimas para a manutenção da qualidade do solo e possuem tendência para desabamentos. Sequer foi exigida, nesse caso, a recomposição das área de preservação permanente degradadas. 4. A Constituição da República, por sua vez, dedicou especial atenção ao meio ambiente, reservando o capítulo IX do título VIII, referente à Ordem Social para tratar do tema, além de diversos outros dispositivos esparsos em seu texto que consagram a proteção ambiental. A preservação ambiental foi consagrada com o status de direito fundamental difuso, pertencendo ao indivíduo e à coletividade simultaneamente, inclusive às futuras gerações, daí por que possui aptidão para gerar direito subjetivo coletivo. Foram acolhidos os princípios da equidade intergeracional, da prevenção, da precaução, dentre outros, orientados pelo caráter finalista do direito ambiental . Com efeito, foram impostas obrigações específicas aos Poderes Públicos e à coletividade no §1º do artigo 225, destacando-se o dever de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e a definição, em todas as unidades da Federação, de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, com autorização para a alteração ou supressão somente através de lei, vedados usos que comprometam a integridade dos atributos que justificam a proteção. Utilizou-se, o Constituinte, da técnica dos deveres fundamentais, resultando no dever jurídico de adequada implementação dos direitos fundamentais previstos. O Constituinte teve o cuidado de conferir tratamento diferenciado a cinco biomas brasileiros, a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossensse e a Zona Costeira, que passaram a integrar o patrimônio nacional. Ainda, previu a tutela do patrimônio cultural nos artigos 215 e 216, e afirmou a função social da propriedade, genericamente no artigo 5º, XXIII, e especificamente nos artigos 182, §2º, e 186, referente à propriedade urbana e rural, respectivamente. Para a consecução dos fins colimados, a legislação infraconstitucional adotou a responsabilidade civil objetiva por danos ambientais, conforme artigo 14, §1º, da Lei n. 6.938/81, bem como para as infrações administrativas, nos termos do artigo 70 da Lei n. 9.605/1998, de acordo com expressiva parcela da doutrina. 5. O princípio da proibição de retrocesso ambiental resulta do dever de implementação progressiva dos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais, consistindo em que as garantias já consagradas não podem retroceder a níveis inferiores de proteção, sem que as circunstâncias de fato tenham sido substancialmente alteradas. Busca obstar medidas legislativas e executivas que diminuam a proteção ambiental, somente admitindo alterações legislativas com eficácia similar. Trata-se de princípio constitucional implícito, decorrentes do Estado Socioambiental e de Direito, além de constar de diversos documentos internacionais sobre a matéria. 6. Em matéria de direitos humanos, deve ocorrer a convivência harmônica e complementar entre os sistemas global e regionais de proteção, daí por que vigora o princípio da primazia da norma mais favorável, porquanto existentes diversos instrumentos internacionais que tratam da mesma matéria. Assim, havendo conflito entre disposições de tratado internacional ou entre tratado e o direito interno, deve prevalecer a norma mais protetiva, como forma de fortalecer o sistema de proteção e a promoção dos direitos humanos. Essa concepção do direito internacional tem por fundamento a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, que impede que um Estado-Parte invoque o direito interno para descumprir convenção internacional. A adoção dessa premissa acarretaria reconhecer status de supraconstitucionalidade aos tratados internacionais de direitos humanos, o que não ocorre no Brasil. Apesar de diversas posições sobre a hierarquia dos tratados internacionais sobre direitos humanos no ordenamento jurídico nacional, o Supremo Tribunal Federal, a partir de 2007, tem reconhecido, em regra, o status de norma supralegal, ou seja, estão abaixo da Constituição, mas acima da legislação ordinária. Nos casos de aprovação pelo rito do §3º do artigo 5º, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 45/2004, teriam status de emenda constitucional. A virada jurisprudencial representa melhoria na proteção dos direitos humanos no Brasil, pois a concepção que anteriormente vigorava equiparava tais tratados à lei ordinária, motivo pelo qual poderiam ser revogados por lei ordinária, segundo os critérios da especialidade e cronológico, inclusive. 7. O conceito de área rural consolidada e as hipóteses de legitimação de ocupação de áreas de preservação permanente trouxeram consequências danosas para o meio ambiente, legitimando a degradação de áreas vitais para a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável, ao autorizar a ocupação de espaços territoriais com funções ambientais específicas e diferenciadas, em confronto com a caracterização do direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental. O legislador ordinário descumpriu, assim, o dever fundamental decorrente do reconhecimento da fundamentalidade material e formal das disposições constitucionais sobre a proteção do meio ambiente, suficientemente especificados no §1º do artigo 225, da Constituição da República, os quais restringiram o âmbito de conformação do legislador. Ademais, o §1º do artigo 5º da Carta Magna determina a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias constitucionais, embora tal eficácia dependa muitas vezes do enunciado normativo. De acordo com a classificação de José Afonso da Silva, mesmo as normas de eficácia limitada ou reduzida, que necessitam de complementação legislativa, tem eficácia negativa, impedindo a elaboração de leis em contrário. 8. Não bastasse, os direitos fundamentais possuem dimensão subjetiva e objetiva. A dimensão subjetiva se refere à possibilidade de ensejar a pretensão a um determinado comportamento, no poder de a vontade produzir efeitos sobre relações jurídicas. A caracterização do meio ambiente como bem transindividual gera, por consequência, a possibilidade de gerar direitos subjetivos coletivos. Anote-se que o reconhecimento de um direito subjetivo coletivo é suficiente para assegurar a proteção ao direito adquirido, impedindo que as alterações legislativas prejudiciais ao meio ambiente retroajam para regular os fatos ocorridos durante a vigência da Lei n. 4.771/1965, sob pena de ofensa à garantia do direito adquirido. De outro lado, a dimensão objetiva caracteriza os direitos fundamentai como normas que representam valores básicos da sociedade política, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico. Essa dimensão cria para o Estado um dever de proteção contra agressões dos próprios Poderes Públicos quanto de particulares ou outros Estados. No cumprimento dessa tarefa, o Estado deve obediência ao princípio ou postulado da proporcionalidade, nas vertentes da proibição de excesso e da proteção insuficiente, ambos balizados pelos subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A partir desse critério, conclui-se pela inadequação dos artigos do Novo Código Florestal que relativizam a proteção desses espaços territoriais que deveriam ser especialmente protegidos, bem como da dispensa de recuperação das áreas degradadas, já que não garantem a sustentabilidade ambiental. O regime jurídico transitório instituído viola o princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de insuficiência, pois despreza os argumentos científicos que justificam a proteção das áreas de preservação permanente, em detrimento de processos ecológicos essenciais, além de dispensar a recuperação das áreas degradadas, contrariando o princípio da reparação integral dos danos ambientais. Viola, igualmente, a função socioambiental da propriedade rural, que é exercida precipuamente através do respeito às áreas de preservação permanente e reserva legal. Ofende, ainda, o princípio da vedação de retrocesso ambiental, que tem por objetivo garantir um conteúdo mínimo ambiental, impedindo retrocessos nos níveis de proteção do meio ambiente já conquistados. Trata-se de um princípio constitucional implícito e que também encontra amparo em convenções internacionais, prestando-se ao controle de constitucionalidade e convencionalidade. Referências Bibliográficas ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14. Ed., São Paulo: Atlas, 2012. BENJAMIN, Antônio Herman. Princípio da proibição de retrocesso ambiental, p. 55. Disponível em:<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242559>. Acesso em: 08 jul. 2013. CUREAU, Sandra; LEUZINGER, Márcia Dieguez. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. 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