BOLETIM GESTÃO 2013-2015 | EDIÇÃO JANEIRO DE 2014 JAN/14 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnp.com.br 1 Editorial 03 TEXTO INICIAL OS MERCADORES DA NEUROCIÊNCIA E O CÉREBRO DAS CRIANÇAS POBRES 05 Na sessão de entrevista deste mês, conversamos um pouco com o professor Rockson Costa Pessoa, o novo representante da SBNp no Amazonas, que nos conta um pouco sobre sua formação e sobre o rumo da neuropsicologia no estado. Damos boas vindas ao professor Rockson e saudamos a expansão dos nossos interesses pelo país. ENTREVISTA COM ROCKSON COSTA PESSOA 08 O transtorno de humor bipolar é caracterizado pela presença de estados depressivos, (hipo)maníacos e eutímicos. Sabe-se que o transtorno é caracterizado por alguns déficits cognitivos, mas quais são as influências clínicas relacionadas a esses déficits? No relato de pesquisa deste mês, a doutora Denise Balem Yates apresenta sua investigação que busca comparar bipolares eutímicos, bipolares depressivos e controles nos subtestes do WAIS-III. RELATO DE PESQUISA HABILIDADES COGNITIVAS E VARIÁVEIS CLÍNICAS EM PACIENTES BIPOLARES TIPO I E CONTROLES 10 Há alguns anos a neurociência começou a ganhar cada vez mais visibilidade fora do campo científico. Alcançar uma quantidade significativa de interessados no tema e ajudar a aplicação deste conhecimento é um dos méritos de tal divulgação. No entanto, a mania das “neurocoisas” abriu também espaço para um tipo de ação mercadológica que adere ao rótulo das neurociências, mas que nem sempre está preocupada com a qualidade da informação fornecida. No texto principal desta edição, Alex López-Rolón, da universidade de Graz, fala um pouco sobre este problema aplicado ao ensino de crianças que vivem em condições adversas. DICA DE LEITURA Ainda nesta edição, inauguramos a sessão de dicas de leitura, com o livro “E o cérebro criou o homem”, de António Damásio, aquele mesmo que lançou “O Erro de Descartes” há 10 anos. E então, gostou do Boletim deste mês? Tem alguma dica, alguma dúvida, algo a acrescentar? Mande-nos um email: [email protected]. A partir do mês de fevereiro, publicaremos alguns dos comentários ou respostas a perguntas que vocês mandarem. Boa leitura! E O CÉREBRO CRIOU O HOMEM por Isabela Sallum JAN/14 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnp.com.br 2 BOLETIM SBNp TEXTO INICIAL OS MERCADORES DA NEUROCIÊNCIA E O CÉREBRO DAS CRIANÇAS POBRES ALEX LÓPEZ-ROLÓN E sta é a história da luta entre gentina. Lipina e o neurologista prendizagem da leitura e da matemá- visionários e oportunistas. É uma Jorge A. Colombo são os autores tica. história verídica, tão comum como do livro “Poverty and brain deve- triste, onde qualquer semelhança lopment during childhood: an ap- Por outro lado, temos gente como com a realidade não é uma coinci- proach from cognitive psychology Eric Jensen, um conferencista e prolí- dência. É uma história sobre como a and neuroscience” (“A pobreza e o fico autor estadunidense de livros e dolorosa realidade do impacto da desenvolvimento do cérebro du- produtos comerciais acerca de um pobreza no cérebro infantil tem porta- rante a infância: um enfoque des- suposto “ensino baseado no cérebro”. vozes de muita popularidade e influ- de a psicologia cognitiva e a neu- A qualidade do trabalho de Jensen, ência na opinião pública, mas mesmo sendo objeto de severas de uma duvidosa competência. críticas, goza de muita populari- Era inevitável que, assim como há cientistas que investigam Por que estamos perdendo a batalha na disseminação do dade. Também em 2009, ele escreveu um livro intitulado ? “Teaching with poverty in mind: veem neste novo empreendimento rociência”, tradução livre), publica- breza na mente: como a pobreza afe- científico uma possibilidade de lucrar do em 2009, até então sem tradu- ta o cérebro das crianças e o que as consideravelmente. ção para o português (Lipina & escolas deveriam fazer a respeito”, Colombo, 2009). Em 2012, Lipina tradução livre), também sem tradução Vejamos dois casos emblemáticos. escreveu com o legendário Micha- para o português (Jensen, 2009). O Duas pessoas que escreveram livros el I. Posner uma revisão acerca livro de Jensen custa dez dólares a sobre o tema: do “impacto da pobreza no desen- menos que o livro de Lipina, que origi- volvimento das redes neurais” nalmente custava quase o dobro. Por um lado, temos, por exemplo, para a conhecida revista Fronteirs Jensen não tem formação universitá- visionários como Sebastián J. Lipina, in Human Neuroscience (Lipina & ria em neurociência, não é psicólogo psicólogo da Unidade de Neurobiolo- Posner, 2012). A revisão inclui um ou pedagogo. Seu livro não é o resul- gia Aplicada do Centro de Educação interessante apanhado acerca dos tado de trabalhos de campo que ele Médica e Investigações Clínicas Nor- efeitos da pobreza nas redes a- realizou com especialistas em neuro- berto Quirno, em Buenos Aires, Ar- tencionais, na linguagem e na a- ciência escolar. Em seu perfil, ele com seriedade o efeito da pobreza socioeconômica abjeta no desenvolvimento do cérebro, também haja oportunistas que JAN/14 what being poor does to kids’ conhecimento brains and what schools can do about it” (“Ensinando com a po- Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnp.com.br 3 salienta que é membro da Society for J ens e n c om o um “res um o kids’ brains and what schools can do Neuroscience e da Academia de Ci- dos ac ha d os d a ne ur oc iê n- about it. Alexandria, Va.: Association ências de Nova Iorque. Para ser c i a c om e v id ê nc i a d e ou tr as membro destas organizações, o crité- d is c i p l in as ” , o u tor g an do - l h e rio basicamente é que você precisa as s im o es c a l ão de s e r um a Brain in Mind” by Eric Jensen tenha um cartão de crédito. “Então, r ef er ênc i a v á l id a. N o tex t o, (ASCD) 1998. Illinoisloop.org: Your quem o qualifica para dar conselhos nã o h á ne n hum a m en ç ão d o às escolas?” Você certamente se l i vr o de Li p i na . for Supervision and Curriculum Development. Killion, K. (1999). Review:“Teaching With The guide to understanding education in Illinois. Retrieved from http:// www.illinoisloop.org/twbim.html on August 27, 2013 pergunta. Muito boa pergunta. Além de ter credenciais duvidosos, Jensen Por que estamos perdendo a ba- tem sido acusado de ter uma chama- talha na disseminação do conheci- tiva falta de juízo crítico “por haver mento? Lipina, S. J., & Colombo, J. A. (2009). Poverty and brain development during childhood: an approach from cognitive psychology and neuroscience. Washington, DC: American Psychologi- incluído como referência bibliográfica de um de seus livros anteriores até Simplesmente porque nosso in- panfletos vestimento na criação de material de clubes de squa- cal Association. Lipina, S. J., & Posner, M. I. (2012). The impact of poverty on the development of e eventos para o público não- sh” (Killion, 1999). brain networks. Frontiers in human científico é insuficiente. Além de neuroscience, 6, 238. doi:10.3389/ fnhum.2012.00238 Você seguramente pensa que al- subestimar o efeito do marketing guém como Jensen recebe mínima moderno e as novas tecnologias, atenção e somente de pessoas de o material que produzimos é ainda formação acadêmica geral deficiente. muito caro e o linguajar é pouco Interamericano de Desarrollo. Retrie- Pense outra vez. acessível. Isto provoca um vazio ved from http://blogs.iadb.org/ Luque, J. (2013). Los misterios del cerebro, la pobreza y los aprendizajes. La educación de calidad es posible. Banco educacion/2013/08/14/los-misterios- que é preenchido rapidamente e del-cerebro-la-pobreza-y-los- J ens e n f o i c i ta d o p e l o ec o n o- com habilidade por mercadores, m is ta s ên i or como Jensen, que assim ganham em e duc aç ão” , J a v i e r Lu q ue , influência e estão se convertendo na pr im eir a p art e d e u m ar ti g o nos “porta-vozes“ mais populares ALEX LÓPEZ-ROLÓN i nt it u l ad o de nossa disciplina. Lab. de Neuropsicologia, Instituto e “ es p ec i al is t a “ Los m is t e r i os del c er e br o, l a p obr e za y l os apr e n d i za j es ”(“O s m is t ér ios do c ér e br o, a po br e za e a a pr en d i za g em ”, tr ad uç ão l i vr e) ex - aprendizajes/ on August 23, 2013 de Psicologia, Universidade de Graz, Graz, Aústria. Referências Jensen, E. (2009). Teaching with poverty in mind what being poor does to pos t o em um b lo g o f ic i a l d o B anc o In te ram er ic a n o d e D es en v o l v im ent o ( B ID) c ham ad o La E d uc ac i ó n d e Ca l id a d es P os i b l e (“ A E d uc aç ã o de Q u al id a de é P os s í v e l” , tr a d uç ã o l i vr e ; L uq u e, 2 01 3) . O b lo g d o BI D é c o ns i d er ad o de a lt o ní v e l e é d i v u lg a do t a m bém na [email protected] ed iç ã o o n l in e d e um j or n a l s u l am er ic an o d e m uit a d if us ã o . Lu q ue JAN/14 a pres e nt a o l i vr o de Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnp.com.br 4 BOLETIM SBNp ENTREVISTA ROCKSON COSTA PESSOA Coordenador do Núcleo de Estudos em Neuropsicologia e Cognição Humana (NEUROPSICOGH) e professor titular da disciplina de neuropsicologia na Faculdade Metropolitana de Manaus - FAMETRO. Psicólogo pela Universidade Paulista – UNIP (2008). Pós-graduado em Neuropsicologia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2011). Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Possui interesse nas áreas de: Clínica cognitiva, reabilitação cognitiva e cognição humana. Atuando no campo de neuropsicologia, pesquisas e realizando eventos científicos no campo das neurociências e neuroeducação. por ANDRESSA ANTUNES Gostaria de começar agradecendo por nos conceder esta entrevista e congratulando sua chegada como representante da SBNp no Amazonas. Para começar, como você vê a Neuropsicologia hoje em seu estado? Existe um campo de atuação amplo? Eu que gostaria de agradecer o convite! Sinto-me honrado em participar do boletim da SBNp, ainda mais no espaço de entrevistas, onde tantos expoentes da Neuropsicologia já relataram sobre sua jornada profissional. Bom, para mim a Neuropsicologia no Amazonas é insípida, não podendo ser negada sua existência pelo simples fato de alguns poucos profissionais atuarem nessa área na região. Profissionais que assim como eu, tiveram de realizar uma pósgraduação fora do estado e que JAN/14 quando desejosos de um aprimoramento, voltam a buscar outras regiões para seu fortalecimento profissional. Os profissionais que aqui se encontram atuam mais em consultórios particulares. Não posso precisar ao certo, mas acredito que não existam mais do que 15 profissionais de Neuropsicologia em todo o estado do Amazonas, sendo que todos esses profissionais se encontram exclusivamente na capital do estado, Manaus. Não existe qualquer tipo de relação entre os profissionais. Seja pela inexistência de uma agenda ou evento na região ou pela falta de cursos de pós-graduações ou simpósios científicos na área. Quanto ao campo de atuação no estado, considero-o amplo. A Neuropsicologia é uma novidade no Amazonas e apesar das agru- ras que surgem pelas dificuldades em se consolidar um trabalho, acredito que muito será feito no estado. Existem muitos elementos que ainda desconhecemos na região, como os aspectos neuropsicológicos dos ribeirinhos e as prováveis relações entre funções neuropsicológicas e as dimensões singulares da Amazônia. Em sua opinião, como a Neuropsicologia é vista dentro das Universidades Amazônicas? Você observa um avanço no desenvolvimento de pesquisas na área? A Neuropsicologia é concebida apenas como uma disciplina, sendo ainda elaborada aos moldes de um Frankenstein composto por uma neuroanatomia e uma neurofisiologia desconexas. No que importa falar sobre as pesquisas, a Neuropsicologia aparece Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnp.com.br 5 na forma de citações, pois o que ainda é discutido nas Universidades são tópicos de cognição, sendo perceptível em alguns momentos a discussão acerca da Neuropsicologia. Entretanto, vale afirmar que estas pesquisas envolvendo cognição humana são construídas a partir de modelos e perspectivas psicométricas, sendo dificultoso discernir até onde o estudo é do campo da cognição ou de natureza psicométrica. Acredito que a palavra adequada não seja avanço. O que existe relacionado ao campo da Neuropsicologia são “movimentos”. Desconheço qualquer trabalho que seja relacionado ao universo neuropsicológico no estado do Amazonas. O trabalho hoje desenvolvido pelo NEUROPSICOGH, por exemplo, pode ser considerado um movimento, onde estamos preocupados em formar profissionais que tenham um conhecimento melhorado acerca da Neuropsicologia. Quais são os maiores desafios encontrados para quem procura se formar e atuar em Neuropsicologia no Amazonas? Ainda hoje no Amazonas quem sonha em fazer uma pósgraduação em Neuropsicologia tem como destino outras capitais brasileiras, o que para alguns é totalmente inviável por tudo que representa uma mudança de estado. Outra dificuldade é a distância territorial indiscutível que implica na inexistência de grupos ou trabalhos conectados aos grandes centros de pesquisas em Neuropsicologia no Brasil. Quanto ao campo de atuação, vejo como promissor, temos muitos universos para acessar e trabalhos diversos que podem ser realizados. JAN/14 Conte-nos um pouco da sua trajetória de formação em Neuropsicologia. muito também com meus colegas de formação e a eles gostaria de externar minha gratidão e respeito. Minha trajetória se inicia ao término da graduação quando decidi por escolher um campo de atuação. Sempre busquei aspectos mais objetivos para compreender os sujeitos e encontrei na Neuropsicologia a possibilidade de conciliar a objetividade clínica, sem desconsiderar o universo subjetivo dos sujeitos. A Neuropsicologia foi um sonho compartilhado com um amigo e companheiro de graduação, José Geraldo Medeiros, é importante mencioná-lo pois terminou recentemente sua pós-graduação em Neuropsicologia no Ceará. Foi ainda na pós que tive meu primeiro contato com a neuroeducação, na época (meados de 2010) tida como uma corrente em expansão no Brasil. Aprendi a problematizar sobre novas práticas no campo do ensino com a professora Renata Menezes Rosat e desde lá até hoje, busca pensar novos campos para investigar cognição humana. Eu escolhi realizar minha pósgraduação no Rio Grande do Sul, por conta de possuir familiares no estado. Ainda me recordo que tive de me ausentar de Manaus e tampouco realizei minha colação de grau, por conta do processo seletivo da UFRGS, e levava na bagagem muitos temores, sonhos e na mão o livro Neuropsicologia: teoria e prática (Fuentes et al., 2008), que por muito tempo foi um guia indispensável para minha formação. A seleção na UFRGS foi inesquecível e rigorosa. Recordo das muitas etapas e da alegria que senti quando fui aprovado em cada seletiva. Ao iniciar a pós-graduação me deparei com um universo novo de possibilidades, o mundo da pesquisa que até então havia sido desconhecido para mim, se mostrou atraente e dava pistas que caso me aventurasse por ele poderia passar incólume, mas transformado. A formação na UFRGS não poderia ter sido melhor. Aprendi muito com profissionais excelentes, valendo citar entre tantos expoentes as professoras Jerusa Fumagalli de Sales e Rochele Paz Fonseca. Aprendi Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnp.com.br Ao término na pós-graduação, retornei ao Amazonas e duas semanas depois recebi o convite da professora Niura Shuch, coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO, para assumir a disciplina de Neuropsicologia da presente instituição de ensino. Isso foi em março de 2011, e desde lá respondo pela disciplina de Neuropsicologia. Ao assumir a cadeira e tendo total apoio e confiança de minha coordenação, passei a implementar um currículo mais adequado de neuropsicologia, sem desconsiderar a neuroanatomia e a neurofisiologia, itens importantíssimos, pude explicitar sobre a neuropsicologia que ajuda na compreensão clínica de pacientes neurológicos. Passados quase 03 anos, posso dizer que meus alunos já compreendem bem a ideia de uma neuropsicologia e alguns deles ao final do curso me procuram e informam que desejam fazer pós-graduação em Neuropsicologia. Não fui um brilhante aluno de Neuropsicologia, mas tenho certeza que com a docência pude aprimorar e muito meu conhecimento teórico e prático no campo da Neuropsicologia, seja pela necessidade de expor de modo adequado tópicos de neuropsicologia e de neurociências ou pelo resgate de temas a- 6 prendidos anteriormente na graduação e pós-graduação. Hoje não tenho apenas o livro Neuropsicologia: teoria e prática, mas sim dezenas de obras de muitos profissionais do campo da Neuropsicologia, profissionais esses que leio nos boletins de SBNp e que muito me inspiram. Continuo buscando aprimoramento nessa área, pois foi graças ao estudo que iniciei em Neuropsicologia, que tenho criado uma carreira no campo da Psicologia. Você é coordenador do Núcleo de Estudos em Neuropsicologia e Cognição Humana (NEUROPSICOGH), fale nos um pouco do trabalho desenvolvido pelo Núcleo. O grupo surgiu muito pelo meu sentimento de estar só no campo da Neuropsicologia. A partir disso, iniciei em conjunto com alunos de Psicologia, um grupo preocupado em discutir Neuropsicologia e suas potencialidades. Muitos alunos apresentaram interesse e em um primeiro momento e buscando aprimorar a leitura dos acadêmicos, bem como melhorar o entrosamento entre esses alunos, iniciou-se um filme sobre o cérebro humano considerando todo o ciclo vital. O grupo teve início em 2012 e desde então muitos acadêmicos já passaram por ele e somaram de modo substancial. Em 2013, tivemos a consolidação do NEUROPSICOGH, com a finalização do documentário: O cérebro por trás de tudo, que foi apresentado à comunidade acadêmica da Fametro. O documentário foi confeccionado exclusivamente por acadêmicos de Psicologia e é empregado na atualidade como ferramenta de ensino. Como já mencionado, o NEUROPSICOGH é fruto do esforço de mui- JAN/14 tos acadêmicos de Psicologia, e na atualidade é composto por três excelentes acadêmicas e entusiastas da Neuropsicologia. São elas: Adrya Lorena Lima de Souza Carvalho, Klicyane Queiroz Aguiar e Silmara Santos. Ainda em 2013, o NEUROPSICOH organizou uma série de cursos e oficinas preocupadas em fomentar a necessidade de uma pedagogia mais próxima das últimas descobertas das ciências do cérebro. Apresentamos cursos na Faculdade Fametro e na Universidade Federal do Amazonas, mas como ocorre em quase todo território, ainda existe uma grande resistência em aceitar os postulados das neurociências no campo do ensino. Atualmente estamos em discussão com colegas da área da pedagogia, para aplicarmos cursos de extensão que busquem discutir sobre neurociências e educação. Na atualidade temos desenvolvido projetos, palestras e cursos relacionados aos tópicos das neurociências. Você também faz parte do Grupo Multidisciplinar de Pesquisa em Educação, Psicopedagogia e Psicologia Escolar. Você pode nos falar um pouco sobre as pesquisas desenvolvidas nesse grupo? Desde o primeiro contato com a Neuroeducação ainda em Porto Alegre, passei a ter certo interesse em discutir neurociências e educação. Em 2011 fui convidado a participar, como aplicador de instrumentos psicológicos e neuropsicológicos, de uma pesquisa desenvolvida pela Unifesp que tinha como objetivo investigar os transtornos psiquiátricos mais prevalentes em escolares no Brasil. E com esse trabalho me reaproximei do campo da educação, sem desconsiderar os processos neuropsicoló- Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnp.com.br gicos. Quando fui aprovado no PPGPSI da UFAM em 2012, fui direcionado ao grupo Multidisciplinar de Pesquisa em Educação, Psicopedagogia e Psicologia Escolar, sendo este liderado pela minha orientadora do Mestrado, a professora Suely Aparecida do Nascimento Mascarenhas. Meu projeto de mestrado busca investigar sobre o fenômeno da resiliência e sua repercussão no rendimento acadêmico de universitários do Amazonas. Este estudo ainda busca considerar possíveis relações entre as funções executivas e a resiliência. Quais são suas perspectivas como representante da SBNp no Amazonas? São as melhores possíveis! Sou muito grato ao convite feito pelo professor Malloy-Diniz, o qual tive o privilégio de conhecer pessoalmente no último Congresso Brasileiro de Neuropsicologia. Penso que o Amazonas possa somar e muito com a Neuropsicologia e espero que cursos de pósgraduação, bem como eventos científicos, possam ser realizados aqui. Por mais que existam problemas diversos, acredito que o Amazonas, no que importa considerar a Neuropsicologia, vivencia um momento único. Na posição de representante regional da SBNp, procurarei inserir o estado do Amazonas nas discussões da Neuropsicologia no Brasil, buscando parcerias, bem como a participação em pesquisas. Acredito que projetos possam ser iniciados na região e que também podemos contribuir na construção de estudos multicêntricos. 7 BOLETIM SBNp RELATO DE PESQUISA Habilidades Cognitivas e Variáveis Clínicas em Pacientes Bipolares Tipo I e Controles por DENISE BALEM YATES Doutora em Psicologia e Especialista em Neuropsicologia pela UFRGS Psicóloga do Centro de Avaliação Psicológica da UFRGS O transtorno de humor bipolar, caracterizado pela ocorrência de episódios depressivos e (hipo) maníacos, ocasiona prejuízo funcional significativo tanto nas fases agudas da doença como nos períodos de remissão dos sintomas (Dittmann et al., 2008; Maalouf et al., 2010; Martínez-Arán et al., 2004a; Torres et al., 2010; Yates, Dittmann, Kapczinski, & Trentini, 2011). As medidas de prejuízo cognitivo entre os pacientes bipolares têm apresentado associação com pior desempenho social e ocupacional, mesmo após longos períodos de remissão e tendo sido controlados os efeitos de sintomas subclínicos de humor (Ferrier & Thompson, 2002; Martínez-Arán et al., 2004b; Robinson et al., 2006). Déficits cognitivos como aprendizagem verbal e memória parecem limitar as respostas ao tratamento psicofarmacológico, especialmente através da baixa adesão. Além disso, dificuldades para guardar e recuperar novas informações podem limitar os benefícios de intervenções psicológicas (Cavanagh, Van Beck, Muir, & Blackwood, 2002; Martínez-Arán et al., 2004a). Embora estudos demonstrem que pacientes bipolares apresentam déficits cognitivos durante episódios de humor e de remissão, pouco se sabe sobre as influências clínicas subjacentes a esses déficits. Em função disso o presente estudo foi desenvolvido para comparar o desempenho de um grupo de pacientes bipolares eutímicos, outro de pacientes bipolares deprimidos, e um grupo com controles sem transtorno psicótico ou de humor em várias tarefas cognitivas, explorando quais variáveis clínicas influenciaram no desempenho desses subtestes. JAN/14 Participaram do estudo 65 pacientes bipolares ambulatoriais e 34 controles, avaliados pela versão brasileira da Escala de Inteligência Wechsler, terceira edição - WAIS-III (Nascimento, 2005; Wechsler, 1997). A Entrevista Clínica Estruturada para o Eixo I do DSM-IV - SCID-I (First, Spitzer, Gibbon, & Williams, 1996; Tavares, 1996) foi aplicada em todos os participantes. O Transtorno do Humor Bipolar foi confirmado pela SCID-I e por uma entrevista clínica psiquiátrica com a supervisão de um professor experiente. Os sintomas maníacos e hipomaníacos foram avaliados pela versão brasileira da Young Mania Rating Scale (Young, Biggs, Ziegler, & Meyer, 1978; Vilela & Loureiro, 2000), os sintomas depressivos pela Escala de Depressão de Hamilton de 17 itens (Hamilton, 1960) e os sintomas ansiosos pela Escala de Ansiedade de Hamilton de 14 itens (Hamilton, 1959). Os pacientes foram considerados eutímicos se obtivessem um escore < 7 na Escala de Mania de Young e na Escala de Depressão de Hamilton. Os três grupos de participantes foram comparados com testes paramétricos de análise de variância univariada (ANOVA) ou teste t, dependendo da variável considerada. Para variáveis distribuídas de forma assimétrica, testes não paramétricos (Kruskal-Wallis e Mann-Whitney) foram conduzidos. Os três grupos foram comparados para o desempenho cognitivo nos subtestes do WAIS-III por meio de uma análise multivariada de co-variância (MANCOVA), com a pontuação no subteste Vocabulário como covariável. Uma vez que os pacientes deprimidos tiveram um número significativamente maior de episódios Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnp.com.br 8 depressivos e (hipo)maníacos que os pacientes eutímicos, uma MANCOVA com essas variáveis e o subteste Vocabulário como covariáveis foi feito com 30 pacientes deprimidos, 24 pacientes eutímicos e 34 controles. A seguir foram conduzidas análises de regressão hierárquica para investigar possíveis fatores clínicos que possam influenciar o funcionamento cognitivo em ambos os grupos de pacientes. Os resultados indicaram que em 12 de 14 subtestes, as diferenças entre os grupos foram estatisticamente significativas (p<0,05). Nos escores de atenção e memória de trabalho (Dígitos total, Dígitos Ordem Direta e Ordem Inversa), os pacientes bipolares deprimidos e eutímicos exibiram desempenho significativamente pior quando comparados aos controles, e em seis subtestes de memória visual e de trabalho, os pacientes bipolares deprimidos (mas não os eutímicos) obtiveram pior desempenho do que os controles. Para todos os subtestes, as diferenças entre escores de pacientes deprimidos e eutímicos não foram significativas. O desempenho em vários subtestes foi previsto negativamente pela gravidade do transtorno em ambos os grupos clínicos. Em relação às diferenças entre os grupos, os achados sugerem que a atenção e a memória de trabalho são as características que melhor diferenciam pacientes bipolares deprimidos e eutímicos de controles sem transtorno psicótico ou de humor. A seguir, a atenção, velocidade de processamento e o raciocínio visuo-espacial parecem estar prejudicados em pacientes deprimidos em comparação aos eutímicos e aos controles. Por último, o raciocínio verbal e abstrato são mais prejudicados em pacientes eutímicos em comparação com pacientes deprimidos e controles. Essas características distintas podem ser relevantes para a concepção de programas de reabilitação cognitiva específicas para o transtorno bipolar. No que se refere à observação do impacto das variáveis clínicas no desempenho cognitivo, destaca-se o papel do uso da medicação, da cronicidade do transtorno e de sintomas de ansiedade sobre a cognição. Variáveis como uso JAN/14 de estabilizadores de humor e antidepressivos, bem como número de episódios depressivos e (hipo) maníacos, número de tentativas de suicídio e internações mostram um papel deletério sobre o desempenho nos subtestes. Essas conclusões demonstram que a prevenção de episódios não é relevante apenas para o controle de sintomas de humor, mas também para prevenir disfunções cognitivas, o que por sua vez afeta o retorno à atividade ocupacional e funcional dos pacientes bipolares. Referências Cavanagh, J. T. O., Van Beck, M., Muir, W., & Blackwood, D. H. R. (2002). Case-control study of neurocognitive function in euthymic patients with bipolar disorder: an association with mania. British Journal of Psychiatry, 180, 320-326. Dittmann, S., Hennig-Fast, K., Gerber, S., Seemuller, F., Riedel, M., Severus, W., & Grunze, H.C. (2008). Cognitive functioning in euthymic bipolar I and bipolar II patients. Bipolar Disorders 10(8), 877–887. Ferrier, I. N., & Thompson, J. M. (2002). Cognitive impairment in bipolar affective disorder: implications for the bipolar diathesis. British Journal of Psychiatry, 180, 293-295. First, M.B., Spitzer, R.L., Gibbon, M., & Williams, J.B.W. (1996). 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A rating scale for mania: reliability, validity and sensitivity. British Journal of Psychiatry, 133, 429-435. DICA DE LEITURA E O CÉREBRO CRIOU O HOMEM António R. Damásio Quando o self encontra a mente, surge a consciência. É essa a base da argumentação de António R. Damásio, que ao longo de décadas de pesquisa vem destrinchando os elementos, o funcionamento e a base física da capacidade espantosa de raciocinar, de sentir emoções, de distinguir o eu do outro, de mapear seu contexto interno e externo. Mais do que buscar a morada da mente, do self e da consciência no cérebro e levantar possibilidades de como essas capacidades surgem, E o cérebro criou o Homem mostra que elas atingiram um ápice nos seres humanos e vieram para ficar: prever estados futuros e antecipar respostas que garantam a estabilidade do organismo é um valioso instrumento de sobrevivência. Em vários aspectos, o autor diverge do pensamento mais disseminado e chega a novas conclusões, que prometem gerar debates e dar origem a novos estudos. “Tem de existir uma razão para se escrever um livro. Este foi escrito para recomeçar”, afirma o autor, que vê a obra como uma atualização das próprias ideias. Retirado de: http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php? codigo=12559 JAN/14 Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnp.com.br 10 Presidente: Leandro Fernandes Malloy-Diniz (UFMG) Vice-Presidente: Neander Abreu (UFBA) Conselho Deliberativo: Gabriel Coutinho (I'Dor - RJ) Jerusa Fumagali de Salles (UFRGS) Lucia Iracema Mendonça (PUC-SP e USP) Vitor Haase (UFMG) Presidente: Laiss Bertola (UFMG) Vice-Presidente: Annelise Júlio-Costa (UFMG) Conselho Fiscal: Breno S. O. Diniz (UFMG) Conselho Deliberativo: Daniel Fuentes (USP) Andréa Matos Oliveira Tourinho (UFBA) Rodrigo Grassi Oliveira (UFRGS) Breno S. Vieira (PUC-RS) Jaqueline de Carvalho Rodrigues (UFRGS) Secretária Executiva: Carina Chaubet D'Aucante Alvim Sabrina de Sousa Magalhães (UFPR) Secretário Geral: Thiago Rivero (UNIFESP) Conselho Fiscal: Natália Betker (UFRGS) Tesouraria Executiva: Eliane Fazion dos Santos Thaís Quaranta (USP) Tesouraria Geral: Deborah Azambuja. Chrissie Ferreira de Carvalho (UFBA) Secretário-Geral: Gustavo Marcelino Siquara (UFBA) Representantes regionais: Secretário-Executivo: Bruno Schiavon (PUC-RS) Acre: Lafaiete Moreira Piauí: Inda Lages Alagoas: Katiúscia Karine Martins da Silva Rio de Janeiro: Flávia Miele Amazonas: Rockson Pessoa Bahia: Tuti Cabuçu Ceará: Silviane Pinheiro de Andrade Rio Grande do Norte: Katie Almondes Secretário-Geral: Gustavo Marcelino Siquara (UFBA) Rio Grande do Sul: Rochele Paz Fonseca Secretário-Executivo: Bruno Schiavon (PUC-RS) Rondônia: Kaline Prata Tesoureiro-Executivo: Alina Lebreiro G. Teldeschi (CNA-I'Dor ) Centro Oeste: Leonardo Caixeta Santa Catarina: hlindwein-Zanini. Minas Gerais: Jonas Jardim de Paula e Annelise Júlio-Costa São Paulo: Juliana Góis Tesoureiro-Geral: Thiago da Silva Gusmão Cardoso (UNIFESP) Sergipe: Ana Cláudia Viana Silveira Setor de Marketing e Comunicação: Paraíba: Bernardino Calvo Rachel Sc- Andressa Antunes (UFMG) Isabella Sallum (UFMG) Adriana Binsfeld Hess (UFRGS) Isabella Starling (UFMG) Revisão: Isabela Sallum (UFMG) JAN/14 Inda Lages (UFABC) Editoração: Andressa Antunes (UFMG) Morgana Scheffer (UFRGS) Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnp.com.br 11