SOCIOMETRIA

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SOCIOMETRIA
Edson Roberto de Jesus
2010
© 2010 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por
escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
J58
Jesus, Edson Roberto de. / Sociometria. / Edson Roberto de Jesus. —
Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2010.
188 p.
ISBN: 978-85-387-0819-3
1. Grupo Social. 2. Sociometria. 3. Teste sociométrico. 4. Sociograma. I. Título.
CDD 302.01
Capa: IESDE Brasil S.A.
Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.
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Edson Roberto de Jesus
Mestrado em Antropologia Cultural pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduação e
Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela PUC-SP, 1987.
Sumário
O grupo social como objeto de estudo.........................................................11
O conceito de grupo................................................................................................................................13
Grupos, agrupamentos e grupos sociais..........................................................................................15
Características de um grupo social.....................................................................................................18
Teorias, estudos psicossociais e tipologia dos grupos sociais...............31
Estudos e enfoques teóricos sobre os grupos sociais..................................................................38
Modelos sociológicos e tipologia dos pequenos grupos sociais.........59
Modelos sociológicos..............................................................................................................................60
Tipologia dos grupos sociais: classificação dos grupos sociais................................................64
Metodologias, métodos e técnicas de investigação social.....................81
A metodologia............................................................................................................................................81
O método científico..................................................................................................................................84
Os métodos de investigação científica..............................................................................................86
Técnicas de investigação social e classificação...............................................................................90
A Sociometria como metodologia, método e técnica de investigação................................92
Socionomia........................................................................................................... 101
As influências da Socionomia.............................................................................................................101
A Socionomia............................................................................................................................................103
Os três ramos da Socionomia.............................................................................................................109
Sociometria: princípios e conceitos básicos.............................................. 117
O conceito de Sociometria..................................................................................................................118
Princípios e conceitos da Sociometria.............................................................................................120
Teste sociométrico: elaboração e recolhimento de dados.................. 141
Definição e fases fundamentais.........................................................................................................144
Teste sociométrico: sociomatrizes e sociogramas.................................. 161
Sociomatrizes ou matrizes sociométricas: definição e fases...................................................162
Sociogramas: definição e fases...........................................................................................................169
Apresentação
Segundo as concepções clássicas, os grupos sociais
constituiram uma organização coletiva resultante de uma
vontade individual e coletiva orientada para a realização
de objetivos, interesses e necessidades comuns. Essa organização, que tem na realização desses interesses comuns o
elemento propulsor do seu caráter associativo, é considerada o alicerce, elemento de união fundamental à estrutura da sociedade. Afinal, nos grupos sociais se desenvolve o
processo de socialização pelo qual as pessoas são incorporadas à sociedade.
Esse grupo – concebido para durar e permanecer estável – passa por momentos de profundas mudanças em
suas estruturas e processos grupais. Em consonância com
as transformações tecnológicas que propiciam a instauração de uma sociedade midiática e globalizada, aniquilam
fronteiras e desmaterializam os limites entre o privado e
o público, instituem novas formas de comunicação e participação, propiciam o surgimento de novas formas de
organização social num contexto difuso e volúvel, a ideia
de agregação, do criar e viver em grupo também se encontra em processo de mudança. Assiste-se à elaboração
de identidades fragmentadas, que não se constituem mais
com base em referências grupais estáveis, pois os indivíduos vivem diversos papéis em diferentes grupos, quase
que ao mesmo tempo. Uma nova forma de socialização se
gesta em função de uma nova concepção de agregação,
não mais norteada por interesses, ideais e necessidades
em comuns, mas de um modo mais informal, tal como
ocorrem na formação das redes sociais digitais. O informal
assume caráter fundamental no processo das inter-relações em uma nova dinâmica social.
Nesse contexto, às abordagens científico-sociais de
cunho macrossociológico que visavam dar conta da investigação e interpretação da sociedade em termos das suas
grandes instituições e estruturas sociais, vêm se somar as
técnicas de investigação e intervenção social que adotam,
como ponto de partida, um enfoque microssociológico.
Os conteúdos abordados no presente livro foram
organizados tendo em vista, primeiramente, oferecer elementos básicos relativos às investigações e análises sobre
o que são os grupos sociais e as possibilidades e instrumentos para investigá-los e conhecê-los, em particular
a Sociometria. Nessa atualidade, tomar conhecimento
dos conceitos e instrumentos elaborados por Jacob Levy
Moreno constitui tarefa prioritária, posto que tais formulações se revestem de contemporaneidade e revelam sua
potencialidade investigativa e interventiva na abordagem
dessas renovadas e complexas redes de interação social.
O grupo social como objeto de estudo
O ser humano é um ser dependente do processo de interação social. A condição
de ser social e gregário constitui fato imprescindível à sua sobrevivência, vivência, desenvolvimento e, mesmo, manutenção da espécie. Somos sujeitos da necessidade de
contato com outros seres humanos.
A situação propícia ao desenvolvimento desse caráter relacional ocorre no contexto grupal: nas famílias, nas equipes, nos times, na escola, no trabalho e em tantos
outros tipos de grupos.
A tendência do ser humano em se associar traz implícita certa condição natural
à vinculação com outros indivíduos como forma de suportar e enfrentar as ameaças e
dificuldades. Tal fato não se trata de um fenômeno absolutamente surpreendente nem
mesmo se restringe à espécie humana. Estende-se a outras espécies com uma finalidade primordial: garantir a sobrevivência.
Essa condição de naturalidade parece ser a raiz básica na constituição e na instituição da vida em sociedade. Sendo assim, não é de causar surpresa que a humanidade
tenha se debruçado, observado, estudado e analisado esse tipo peculiar de organização
e sobre ele tenha reunido um amplo e suntuoso conjunto de ideias, noções e critérios,
destinados a aprender e explicar os fatos e fenômenos decorrentes das múltiplas formas
de relações – interpessoais e intrapessoais – travadas em uma situação de grupo.
Esse conhecimento, que pode ser tido como um portentoso saldo da experiência
humana, não se limita nem decorre tão somente das observações e reflexões alcançadas a partir de um referencial teórico-científico. Antes, ultrapassando os limites de racionalizações e regramentos metodológicos, traz à tona um aprendizado decorrente das
práticas, ações, fenômenos e fatos que perpassam nosso cotidiano, instrumentalizando
nosso arsenal de intuições e ações, certas ou erradas, que terminam por se constituir
como verdades absolutas e passam a ser consideradas como comportamentos inerentes à natureza humana. Deriva, desse conjunto de práticas habituais – conscientes,
impostas, reguladas conforme uma coleção de regras e preceitos harmônicos e consensuais – , consagrado pelo uso e explicitado no fazer das crenças, rituais, cerimônias,
danças, reuniões, uma sabedoria, mesmo que intuitiva, que atribui ao grupo uma força
e papel, fundamentais e indispensáveis no processo de organização da vida social.
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Essas formas peculiares de comprender o papel do grupo e a ideia de conferir
ao grupo uma função determinante na constituição e manutenção da vida social perpassam diversas sociedades e culturas, desvelando os encargos de que se reveste a
organização grupal; sua contribuição objetiva na realização de certos processos sociais como os de adaptação, integração ou continuidade das formas de organização
de uma sociedade, sua influência ativa sobre os indivíduos e a estrutura social podem
ser percebidas no palavreado corrente do dia a dia. Assim, “a união faz a força”, “juntos/
unidos venceremos”, “nas necessidades é que se conhecem os amigos”, ou mesmo esse
simples provérbio africano: “A união do rebanho obriga o leão a ir dormir com fome”.
A essa noção de que, juntos, nós seres humanos adquirimos uma nova e fortalecida condição, se estende às mais diversas ações e atividades comunitárias, tais como
as cerimônias ritualísticas, a alimentação realizada sempre em conjunto com os demais
integrantes da comunidade, as festas e suas diversas ocorrências, como a dança, o
canto coletivo etc. Fato, que não se deve mover para o relento do esquecimento, é que
tais acontecimentos são revestidos de atribuições fundamentais à existência da coletividade, podendo se dizer que essa ação e mobilização se expressam como uma força
positiva do coletivo que é transmitida aos integrantes.
O grupo social como objeto de estudo
No âmbito do conhecimento produzido a partir de métodos apoiados em pressupostos ontológicos, epistemológicos e éticos, usualmente denominados como conhecimento científico, o “grupo social” tem sido objeto de abordagem em pesquisas
e estudos desenvolvidos pelas mais diversas disciplinas científicas, cada qual segundo
seus procedimentos metodológicos, o que veio propiciar a constituição de uma ampla
e diversificada literatura.
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Enquanto algumas disciplinas, desde sua fundação, avocaram para si – como
pressuposto e perspectiva básicas de estudo e análise –, a ideia da sociedade como
um arranjo constituído por diversos grupos em um processo de interação dinâmico e
contínuo, atrelado a um contexto sociocultural particular, como no caso da Sociologia,
outras dirigiram seu olhar para a busca do conhecimento acerca das variadas formas
comportamentais assumidas pelos grupos sociais em função das diversas formas de
organização social, tal o caso dos estudos no campo da Antropologia, e outras ainda,
por exemplo a Psicologia e, em particular, a Psicologia Social, se esforçaram na elaboração de estudos e análises sobre o comportamento dos seres humanos quando em
situação de grupo social.
Desse contexto decorre uma situação complexa: da diversidade, ou melhor, multiplicidade de abordagens teóricas, decorreu um fracionamento e uma pulverização
de conceitos sobre o que de fato venha a ser um grupo social.
O conceito de grupo
Uma curta e rápida recuperação etimológica do vocábulo “grupo”. Tschiedel
(1998) apresenta duas origens: grop, que tem por origem Provença (França), e significaria nó; e do termo germânico kruppa, que significa massa arredondada ou forma
arredondada, devido à sua forma circular. Alguns autores lhe atribuem o significado
de Terra. Esse termo teria passado, mais tarde, às línguas românicas ou línguas neolatinas (balcano-românico, galo-românico, ibero-românico e ítalo-românico) fazendo,
inicialmente, referência a um conjunto de pessoas representado através da pintura
ou da escultura e, posteriormente, a uma reunião de pessoas, uma multidão ou outras
coisas como várias figuras, um punhado de dinheiro. Os vocábulos groupe (francês) e
grupo (castelhano) teriam sua origem no termo italiano groppo ou gruppo.
Não obstante ser possível perceber, a partir de uma observação tão somente
analógica, que algumas das definições remetem à ideia atual do vocábulo grupo, nó a
coesão, círculo a igualdade e espaço, círculo à reunião, o que em outros termos permite
pensar que, implicitamente, as noções de igualdade, união e ligação são inerentes às
origens do vocábulo “grupo”, é bem certo que o mesmo se referia a elementos circunscritos ao universo da matemática e das artes plásticas e não, necessariamente, aos seres
humanos, fato que pode ser “inferido do uso do termo na Renascença quando este era
utilizado para denominar um conjunto de esculturas, uma vez que olhá-las em grupo
conferia um sentido distinto de olhá-las uma a uma” (ZANELLA; PEREIRA, 2001, p. 106).
Até bem próximo do final do século XVIII, não tem lugar a aplicação do dito conceito ao universo das relações sociais. Tal situação tende a um processo de mudança
no transcorrer do século XIX, mas teria de aguardar os primeiros períodos do século XX
para que passasse a ter uma aplicação de forma particular e de um modo único.
Mas, anteriormente, o fenômeno grupo social existia?
Por outro lado, havia em francês expressões que pareciam designar as crianças bem pequeninas.
Uma delas era a palavra poupart. Um dos Miracles Notre-Dame tinha como personagem um “petit
fils” que queria dar de comer a uma imagem do menino Jesus. “O bom Jesus, vendo a insistência
O grupo social como objeto de estudo
O caso de não existência de um termo que singularize uma determinada condição ou prática social não implica necessariamente em sua inexistência enquanto fato.
Inúmeras línguas não dispõem de termos para designar certos fenômenos. Ariès (1981,
p. 44-45) assinala tal situação em relação à inexistência de termos que possibilitassem
uma melhor identificação das diversas etapas da vida de um ser humano. Tanto a etapa
relativa à infância:
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e a boa vontade da criancinha, falou com ela e disse-lhe: ‘Poupart, não chores mais, pois comerás
comigo dentro de três dias’.” Mas esse poupart na realidade não era um “bebê”, como diríamos hoje:
também era chamado de clergeon (pequeno clérigo), usava sobrepeliz e ajudava à missa. […] Na
língua dos séculos XVII e XVIII, a palavra poupart não designava mais uma criança, e sim, sob a
forma poupon, o que hoje os franceses ainda chamam pelo mesmo nome, porém no feminino: uma
poupée, ou seja, uma boneca.
O francês seria, portanto, levado a tomar emprestadas de outras línguas – línguas estrangeiras
ou gírias usadas na escola ou nas diferentes profissões – palavras que designassem essa criança
pequena pela qual começava a surgir um novo interesse, foi o caso do italiano bambino, que daria
origem ao francês bambin. Mme. de Sévigne empregava também no mesmo sentido o provençal
pitchoun, […] Seu primo De Coulanges, que não gostava de crianças, mas que falava muito delas,
desconfiava dos “marmousets de três anos”, uma palavra antiga que evoluiria para marmots na língua
popular, “moleques de queixo engordurado que enfiam o dedo em todos os pratos”. Empregava-se
também termos de gíria dos colégios latinos ou das academias esportivas e militares: “um pequeno
“frater”, um “cadet”, e quando eram numerosos, “populo” ou “petit peuple”.
[…] Com o tempo, essas palavras se deslocariam e passariam a designar a criança pequena, mas já
esperta. Restaria sempre uma lacuna para designar a criança durante seus primeiros meses; essa
insuficiência não seria sanada antes do século XIX, quando o francês tomou emprestada do inglês
a palavra baby, que, nos séculos XVI e XVII, designava as crianças em idade escolar. Foi esta a última
etapa dessa história: daí em diante, com o francês bébé, a criança bem pequenina recebeu um
nome. (ARIÈS, 1981, p. 44-45)
Como a etapa relativa à juventude:
O grupo social como objeto de estudo
Embora um vocabulário da primeira infância tivesse surgido e se ampliado, subsistia a ambiguidade
entre a infância e a adolescência de um lado, e aquela categoria a que se dava o nome de juventude,
do outro. Não se possuía a ideia do que hoje chamamos de adolescência, e essa ideia demoraria a
se formar. (ARIÈS, 1981, p. 45)
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Segundo Anzieu (1971), a associação de um conjunto de pessoas – em pequeno número e com interesses, objetivos, hábitos, costumes e práticas comuns – não
possuía, nas línguas antigas, um termo apropriado que diferenciasse, distinguisse e
ressaltasse sua relevância. Nomear, atribuir uma representação simbólica, implica na
inserção do ente nomeado no universo das representações sociais. É atribuir existência
e significado. Assim, numa observação circunstancial, é possível considerar que uma
situação análoga se deu com o vocábulo “grupo”: enquanto fenômeno sempre existiu,
mas foi a partir da atribuição de um vocábulo que lhe diferenciasse e atribuísse sentido
e significado que esse fenômeno passou a receber olhares diferenciados de observação e pesquisas, e passou, formalmente, a existir.
O contexto histórico, social e político do século XIX que serviu de base para a análise dos pesquisadores, em particular os sociólogos e os psicólogos, colocava frente a
frente o indíviduo e a sociedade. Os fatos e os processos de mudanças profundos que
marcaram, assinaram e deram um significado especial a esse período terminaram por
marcar e conduzir acentuadamente o olhar dos observadores, um olhar totalizante
a observar uma sociedade em sua amplitude e totalidade. Consolidava-se um novo
sistema social marcado por uma nova estrutura social fundada na divisão por classes
sociais, formava-se uma nova estrutura do Estado, fundada na burocracia, e instituia-se
e consolidava-se um novo sistema econômico. Ao mesmo tempo assistia-se à desagregação e extinção das estruturas sociais comunitárias, que davam sentido às relações
interpessoais e intrapessoais. Olhava-se para o futuro. Observar, analisar e buscar a
compreensão sobre o que de “novo” se formava no horizonte próximo, remetendo para
um segundo plano, o “velho” ou, melhor dizendo, aquilo que principiava desaparecer.
Não obstante no século XIX Émile Durkheim (1984), em sua abordagem sobre
as formas de controle social e pessoal, tenha considerado a importância das relações
e vínculos de grupo, e Georg Simmel (2006) tenha chamado a atenção para, em suas
análises sobre as relações sociais, o papel e a importância da ideia de reciprocidade,
tal condição, em si mesma, constitui exceção, face ao contexto da época. Em termos
gerais, o conhecimento científico elaborado no período tinha como objeto fundamental da análise o novo contexto social que emergia, e não aquele que iniciava seu processo de desaparecimento. Instaurava-se uma divisão: o conhecimento sobre o “novo
indivíduo” em processo de mudança ficava a cargo da Psicologia. A abordagem sobre
a “nova sociedade”, a sociedade em sentido amplo e total, também em processo de
mudança, ficava a cargo da Sociologia. Nas palavras de Mills (1970, p. 14): “a nova Psicologia lidava com o indivíduo, e a nova Sociologia com a sociedade total.”
Grupos, agrupamentos e grupos sociais
O termo grupo encontra sua utilização tanto no dia a dia como no universo
da ciência. No entanto, ao mesmo tempo em que pode ser utilizado para ordenar,
arranjar e classificar uma série de elementos, como o grupo das forças da natureza,
o grupo dos elementos que entram na composição de determinado objeto, o grupo
dos elementos geométricos, químicos, físicos etc., considerando os aspectos comuns
O grupo social como objeto de estudo
O estudo dos grupos, compreendidos enquanto grupos sociais, como objeto de
interesse científico, suscetível de descrição ou explicação, constitui um acontecimento
do século XX. Horkheimer e Adorno (apud TRUJILLO FERRARI, 1983, p. 308) assinalam
que o indíviduo se insere e participa da sociedade em sua totalidade, enfrentando suas
questões, problemas e contradições de caráter mais geral, a partir do grupo particular.
Essa tensão e contraste entre o particular e o universal, entre o geral e o específico,
entre a particularidade e a totalidade, o indivíduo e a sociedade, explicitará uma condição única, na relação entre indivíduo e sociedade: “o indivíduo não se insere de forma
imediata na totalidade social, mas sim através de instâncias intermediárias. Essas instâncias intermediárias são as que se encontram abrangidas pelo conceito “grupo” (TRUJILLO FERRARI, 1983, p. 308). Ressalvando que “referem-se ao “grupo social”, porque o
conceito ‘grupo” pode dar lugar a noções mais diversas, de tal modo que os autores
muitas vezes não chegam a um consenso no seu emprego” (TRUJILLO FERRARI, 1983,
p. 308).
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de um conjunto de elementos iguais ou semelhantes também pode dizer respeito a
unidades que por mais iguais ou semelhantes guardam diferenças entre si. O termo
grupo também pode ser utilizado para denominar características e formas de organização social da realidade. Assim é que o conceito de “grupo”, enquanto “grupo social”,
termina por ter sua aplicação circunscrita às sociedades elaboradas, organizadas e
realizadas pelos seres humanos.
Entre outras manifestações que levam ao distúrbio da compreensão do conceito
de “grupo social” vem a ser o termo “agrupamento social” que Zimmerman (1997, apud
ZANELLA, PEREIRA, 2001, p. 106 ), buscando diferenciar o conteúdo inerente a ambos
os termos – grupo social e agrupamento social –, caracteriza como
[...] um conjunto de pessoas que partilha de um mesmo espaço e tem interesses comuns, podendo
vir-se a tornar-se um grupo. A passagem de um agrupamento a um grupo, propriamente dito,
resultaria, segundo o autor, da transformação de interesses comuns em interesses em comum, isto
é, os integrantes de um grupo reúnem-se em torno de uma tarefa e de um objetivo comum aos
interesses de todos.
Em outras palavras, um agrupamento social nem sempre é um grupo social.
O grupo social como objeto de estudo
Adotado e aplicado pelas diversas disciplinas das Ciências Sociais e Humanas, o
conceito de “grupo social” terminou por não se tornar exclusivo de nenhuma área do
conhecimento, recebendo diversos sentidos e formas de apropriação, se tornando um
tanto obscuro e levando à confusão com outros conceitos, como sociedade e classes
sociais1, por exemplo.
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Não obstante tal cenário conflituoso são os grupos sociais os elementos e objetos
básicos na elaboração de estudos e análises sociais, e não os indivíduos, uma vez que
é tão somente no desempenho de um conjunto de papéis – conforme uma posição
e status social – que esses indivíduos ganham importância. É nos grupos sociais aos
quais pertencem os indivíduos que ocorrem os processos de interação e relacionamentos. Posto que a sociedade, em sua totalidade, se encontra estruturada segundo
um conjunto de grupos sociais, de tal forma interconectados entre si, que possibilita
serem considerados segundo uma ideia de coparticipação de uma unidade, de um
mesmo contexto cultural, que vão sendo forjadas inúmeras compreensões, sem que
exista alguma unanimidade para o termo.
Uma das conceituações que trazem à luz inúmeras contradições é o conceito de
“grupo humano”, que considera como aspectos fundamentais à concepção de grupo,
a existência de um número diminuto e plural de indivíduos em relação e comunicação
1
Cabe uma primeira diferenciação básica: “sociedade” é um conceito que reflete a superestrutura da realidade humana totalizante, enquanto “grupo social”
constitui a infraestrutura dessa realidade. É evidente que o grupo social não é apenas uma “pluralidade de pessoas” porque nesse sentido confunde-se com o
“público”, com a ‘massa” ou com simples “agregados” (TRUJILLO FERRARI. 1983, p. 308).
constante e direta por uma quantidade de tempo específica, atribuindo papel prodigioso e exclusivo ao processo de interação, definindo-se, no “sentido de psicossociológico, como uma diversidade de pessoas que interagem umas com as outras, num
contexto dado, mais do que interatuariam com qualquer outra pessoa.” (TRUJILLO FERRARI, 1983, p. 309).
Uma outra abordagem, que também introduz inúmeros equívocos e ambiguidades em relação ao conceito de “grupo social”, denominada “grupo psicológico”, leva em
conta a condição temporária de um processo de interação entre um número restrito
de indivíduos e a natureza direta e intensa da relação, onde os componentes compartilham mutuamente um mesmo código de comportamento, baseados em regras,
valores e crenças, influenciando um ao comportamento do outro.
A introdução do conceito de “grupo social”, na literatura sociológica, constituía,
antes de tudo, um instrumento fundamental na definição da identidade da disciplina
por dar lugar a realização das pesquisas e a produção de conhecimentos empíricos,
considerando-se as possibilidades de análise, a narração minuciosa dos fatos e a produção de conhecimento abstrato, além da construção de definições e conceitos referenciais. Situação essa explicitada nas palavras de Moraes Filho (1978, p. 19):
[…] a Sociologia abandonando o conceito genérico e universal de sociedade global, abrangendo
a humanidade inteira como um todo, para cingir-se a conceito mais modesto e limitado de grupo
social. […] Descobriu ela que, dentro da grande humanidade, existe uma infinidade de grupos
concretos, de todos os matizes e com os fins mais diversos possíveis.
É atribuída a Albion Small, ao afirmar que grupo social “é uma designação sociológica conveniente para indicar qualquer número de pessoas, grande ou pequeno, entre
as quais se estabeleceram tais relações que somente podem ser imaginadas como um
‘conjunto’” (1905, apud TRUJILLO FERRARI, 1983, p. 311), a inclusão desse sentido de
“grupo social” no universo da sociologia.
Gillin e Gillin (1961, apud TRUJILLO FERRARI, 1983, p. 311), levando em conta a
existência de relação e interação social entre os indivíduos, ponderam que pode ser
considerado como um “grupo social” um conjunto de duas ou mais pessoas.
Georg Simmel (2006), atribuindo fundamental importância aos processos de socialização e interação – constituída pelas formas de socialização, como competição,
cooperação, convergência, subordinação, dominação, atração, indiferença etc. – e às
O grupo social como objeto de estudo
A partir de um ponto de vista mais específico, que considera elementos como a
consciência de objetivos válidos para todos e a mobilização de todos em função de
uma ação e de um objetivo comum aos interesses de todos, surgirão uma quase infinidade de definições do conceito de “grupo social”.
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formas de convivência, unificação e ação recíproca – elevará a noção de “grupo social”
à condição de um sistema de relações dinâmicas.
Trujillo Ferrari também proporá uma definição – própria à Sociologia – do conceito de “grupo social”:
[...]um grupo social é formado por um conjunto de pessoas que se identificam pelos “nós” e para
o qual estão suficientemente estruturados, dentro de um contexto temporal, integrados e em
interação, observando funções específicas ou gerais, graças aos padrões neuropsíquicos e socioculturais que observam na sua ação para a obtenção de metas de interesse coletivo. (TRUJILLO
FERRARI, 1983, p. 311)
Se estendendo, mas não muito, seguem ainda algumas outras conceituações
sobre grupo social, no campo da Psicologia.
Segundo Costa (2000, p. 142), “grupo social” poderia ser definido como
[…] organismo vivo formado por indivíduos que estabelecem determinados tipos de vínculos,
padrões, códigos, normas e relações. As características pessoais, no grupo, disseminam-se e diluem-se. A identidade grupal prevalece sobre a identidade pessoal, sendo a primeira o resultado da
“diluição” das identidades individuais. O grupo passa a ter estrutura personalizada como forma de
manter e de auto-organizar o conjunto de laços afetivos dos seus participantes, desenvolvendo
assim uma comunicação interpessoal própria.
Já Pichon-Rivière (1998a) define “grupo social” como
[…] o conjunto restrito de pessoas ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, e articuladas
por mútua representação interna, que propõe, de forma explícita ou implícita, uma tarefa que
constitui sua finalidade. (PICHON-RIVIÈRE, 1998a, p. 234)
De certa forma, o conjunto de conceitos supracitados permite avistar e mesmo
entrever a sociedade, não como um conjunto de indivíduos, e sim como um conjunto
de grupos que se manifestam enquanto fenômenos sociais e psicossociais, passíveis
de estudos e análises de naturezas qualitativa e quantitativa.
O grupo social como objeto de estudo
Características de um grupo social
18
O que faz de uma pluralidade de pessoas um grupo social? Na intenção de
fornecer elementos que possam contribuir para a resposta a essa questão seguem
um conjunto de características cujas propriedades (espaço, tempo, lugar, ação, qualidade, quantidade etc.) podem ser consideradas como predicativas da noção de
“grupo social”.
Caráter estrutural
O caráter estrutural do “grupo social” decorre de dois aspectos intrínsecos e peculiares: da forma como uma certa quantidade de indivíduos integrantes do “grupo social”
se juntam e da significação do conjunto. Manifesta, em outras palavras, não apenas
uma configuração derivada da maneira como os componentes – dois, dez, vinte ou “n”
membros do “grupo social” – se reúnem, se ajuntam, mas como os elementos de tal
conjunto, por conta de um processo – marcado por fenômenos de integração, interação, elaboração e compartilhamento de objetivos e valores etc. –, e que se desenvolve
por um dado intervalo de tempo, mais ou menos longo, alcança uma significação e
sentido próprios ao “grupo social”, que ultrapassam os limites da composição numérica
e das suas formas de agregação, propiciando-lhe visibilidade social.
Essas duas dimensões possibilitam a apreensão do “grupo social”, em termos de
objeto de estudos e análises, segundo o seu processo de agregação e tamanho – o
que levará à instituição de categorias sociais (pequeno grupo e grande grupo) –, os
elementos inerentes à sua organização e funcionamento – atitudes, procedimentos,
reações, comportamento etc – , e ao significado de sua existência.
Integração do grupo social
A integração é um processo no qual os integrantes do grupo social, no transcorrer
do desenvolvimento de suas relações sociais e em conformidade com um comportamento coletivo, dão lugar a uma ação de estandardização, padronização e normatização dos modos de proceder e agir, das atitudes, dos comportamentos e condutas.
Adequados à estrutura específica do grupo social, termina por gestar a identificação
do indivíduo com o grupo social, conduzindo a um estado de coesão e constituição de
uma consciência de pertencimento, favorável à existência e permanência do próprio
grupo social.
Interconectado ao fenômeno da integração, o processo de interação decorre da
rede de intercomunicação e inter-relação social, gestada e expressa interiormente nas
relações regulares e em situações específicas mantidas pelos componentes no grupo
social. Não obstante o caráter dúbio de sua ocorrência, afinal os indivíduos integrantes
do grupo social – em um processo de interação mútua – podem gerar situações de
O grupo social como objeto de estudo
Interação mútua
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eternização ou destruição da própria unidade grupal, posto que situações de interação
são permeadas por conflitos, tensões e momentos de solidariedade, cooperação, aceitação e confraternização, tal ação não ocorre de modo caprichoso, discricionário ou
mesmo arbitrário. Integra-se aos padrões e normatizações instituídas pelo grupo social
e contribui para a cristalização de uma estrutura interna de status, distintas posições e
papéis dos indivíduos no grupo social.
Objetivos, valores e atividades compartilhadas
Um traço essencial na caracterização de grupo social é a existência de interesses
coletivos do grupo social. Estes, expressos segundo um conjunto de objetivos, valores,
atitudes e sentimentos construídos, consolidados e compartilhados, contribuem para
a consciência de pertencimento ao grupo social e estão entranhados com o sentimento de existência do grupo.
Esse conjunto de interesses coletivos é materializado e consolidado em uma
malha de símbolos e rituais destinados a reforçar a consciência de grupo, afirmar a
vigência dos valores e atitudes compartilhadas, contribuindo para o domínio dos
interesses individuais (status, poder) e o revigoramento da unidade e identidade
do grupo.
Caráter funcional
O grupo social como objeto de estudo
Não obstante os indivíduos integrantes de um “grupo social” detenham uma
certa compreensão acerca das condições, obrigações e qualidades requeridas que se
impõem, estas são impostas e aceitas como disposições ideais e necessárias à existência
do referido “grupo social”. Tal configuração nem sempre atende às reais necessidades
de existência desse “grupo social” em relação à realização, desempenho, cumprimento
e alcance de certos objetivos ou fins, em termos de curto, médio ou longo prazo.
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É o caráter funcional do “grupo social” que garante, a partir de processos de orientação e ajustamento, a conciliação, o alinhamento e a harmonização dos seus integrantes às exigências inerentes à existência e permanência do “grupo social” enquanto tal.
Muito embora o caráter funcional do “grupo social” não deva ser confundido com
as suas finalidades, afinal um “grupo social” pode ter e cumprir um sem-número de
fins, externos e internos, há que se considerar que em inúmeras situações esse caráter
funcional mantém relações e vínculos de subordinação.
Considerando aspectos relativos ao caráter funcional do “grupo social”, foi esboçada a seguinte classificação:
“Grupo social unifuncional” – caracterizado por possuir uma única função,
por exemplo, o caso de uma banda cover de rock, cuja finalidade é interpretar
e imitar uma determinda banda de rock famosa;
“Grupo social multifuncional” – caracterizado por desempenhar diversas
funções, por exemplo, o caso dos grupos familiares;
“Grupo social suprafuncional” – caracterizado por desempenhar funções que
em muito se confundem com suas finalidades, por exemplo, o caso de grupos
e movimentos sociais de defesa de direitos sociais, econômicos, políticos e culturais de determinados segmentos sociais, como mulheres, população negra,
idosos etc., onde a luta política emaranha-se às ações de atendimento.
Temporalidade e estabilidade
Os processos de integração e interação, a elaboração de normas, a instituição de
interesses coletivos, a definição dos diferentes status e papéis, envolvendo os diversos
indivíduos integrantes do grupo social, exigem certa duração no tempo. Essa condição
temporal é um elemento básico no processo de distinção do que vem a ser um grupo
social em relação a uma ocasional reunião de pessoas, um público, uma multidão.
Não obstante a duração no tempo constitui um critério relativo que depende
absolutamente das características de cada grupo social, afinal uma temporalidade,
uma noção de tempo, se manifesta segundo uma pluralidade de tempos e uma pluralidade de ritmos de tempo inerentes aos grupos sociais e aos indivíduos pertencentes a tais grupos; considerando-se o processo de duração dos grupos sociais, em
termos de origem, estabilidade e extinção, é possível instituir-se uma tipologia, conforme um processo de duração e estabilidade. Assim, os grupos sociais podem ser
considerados como:
“Grupos sociais duradouros” – que desaparecem, não obstante tenham um
intervalo de tempo de existência maior, em decorrência de determinadas
ações, como a morte de alguém importante, a decisão adotada segundo uma
maioria, a separação, o divórcio etc.;
O grupo social como objeto de estudo
“Grupos sociais temporais”– formados para a realização de uma tarefa concreta e que se extinguem após atingir os objetivos para os quais se organizaram;
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“Grupos sociais permanentes” – cujos processos de dissipação não são prenunciados, não estão previstos, como é o caso do Estado e de algumas instituições sociais.
Consciência de grupo
Decorre da exigência do “grupo social” quanto à necessidade de que seus componentes se identifiquem a si mesmo como tais. É necessário que entre os integrantes exista uma consciência particular de grupo e, em decorrência, cada elemento
se perceba como parte constituinte de uma unidade diferenciada de outras tantas,
constituída a partir de certos padrões socioculturais e manifestada segundo um conjunto de símbolos coletivos, ideias, atitudes, ideologias etc.
O grupo social contribui para a construção de uma visão de si e de seus integrantes como um nó perfeitamente diferenciado de outros nós. Constrói-se a consciência a partir das relações de complementação ou oposição e repulsa; a partir da
oposição dos “nós” face a eles, aos outros.2
Reconhecimento social
O grupo social como objeto de estudo
O processo de construção da identidade dos grupos sociais tem, entre suas origens, a inter-relação entre consciência de grupo e o reconhecimento exterior.
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O reconhecimento é uma característica complementar à consciência do grupo.
A percepção da sociedade externa, da circunvizinhança, daqueles que não fazem
parte do grupo social, acerca desse próprio grupo social, constitui uma forma de
monitoramento e controle de suas atividades, discursos e práticas diferenciadoras.
Assim, assumir uma ideia de “nós” tendo como outros a sociedade, extrapola os limites da construção da identidade a partir dos elementos internos do grupo social,
ou seja, assumir um “nós”, passando, assim, a uma outra condição, onde o “universo”
reconhece um “vós”. O universo – a sociedade – reconhece, ao grupo social, como um
ente diferenciado e atribui a ele qualidades e propriedades diferenciadoras.
2
“Assim, por exemplo, os membros de uma sociedade beneficente pensam que os seus propósitos são os de auxiliar os indigentes. Para tanto criam certos
estereótipos ou imagens desiderativas que podem estar fora da realidade, superestimando a sua ação, ao mesmo tempo em que podem subestimar e responsabilizar, pela situação social dos indigentes, determinados programas políticos do governo ou certos grupos do poder”. (TRUJILLO FERRARI, 1983, p. 314)
Texto complementar
Grupamentos sociais
(MANDELBAUM, 1982, p. 381-386)
Há numerosas formas segundo as quais as pessoas se organizam para viver e trabalhar em conjunto. Cada um de nós pertence a vários grupos sociais diferentes. O grupo
consiste em um conjunto de indivíduos que cooperam entre si, tendo em vista o mesmo
objetivo. Em certos casos, o número de membros do grupo é pequeno e seu objetivo
muito específico, como na situação de um clube de futebol ou dos feirantes da rua. Em
outras circunstâncias, o número é muito grande e o objetivo de caráter mais geral, como
no caso de um grande estabelecimento de ensino ou de um governo nacional.
Em sua maioria, os grupos a que uma pessoa pertence existiam antes de sua participação e continuarão a existir depois que ela se for. Essas unidades sociais instituídas
são, de certa forma, como o time de futebol de um colégio: os jogadores, individualmente, entram para o quadro e depois saem, mas o time continua.
A natureza dos grupos a que um indivíduo normalmente pertence varia entre os
diferentes povos do mundo. O membro de uma tribo australiana, um dos aborígenes
daquela ilha continental, interessa-se pelos grupamentos e subgrupamentos dos companheiros de tribo que considera seus parentes. Sua própria posição nesses intrincados
grupos de parentes determina com quem pode casar e que cerimônias pode realizar. O
habitante de uma vila do sul da Índia sabe, desde os dias de sua infância, que pertence a
um grupo chamado casta. Sua participação hereditária nesse grupo não apenas determina com quem pode casar, mas regula também diversos assuntos, como a profissão ou
o negócio a que pode dedicar-se, os tipos de alimentos que pode comer e em companhia de quem pode fazer suas refeições.
O grupo social como objeto de estudo
[...] Qualquer que seja a diversidade entre os grupamentos sociais em todo o mundo,
existem pelo menos dois tipos que são encontrados em toda sociedade humana. A família é um deles […]. Em todas as terras, entre todos os povos, a criança é normalmente
criada e educada dentro de uma família. E a família é o primeiro grupo social que ela vem
a conhecer.
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O outro tipo de agrupamento humano universal – e, na maioria dos casos, o segundo que a criança começa a reconhecer – é a comunidade local. Da mesma maneira que
normalmente nenhuma pessoa vive toda sua vida isolada, privada de qualquer família, também, normalmente, nenhuma família vive inteiramente só, à parte de qualquer
outro grupo local. Todos nós – você, eu, o aborígine da Austrália e o homem da vila no
sul da Índia – temos vizinhos.
Vivemos com relação a esses vizinhos segundo regras e normas de comportamento
estabelecidas por nossas respectivas sociedades. E nossos vizinhos têm comportamento
semelhante, recíproco, em relação a nós. Essas regras e normas – padrões de comportamento, como podem ser chamadas – quase nunca são conscientemente reconhecidas
ou escritas. [...] No entanto, os padrões são fixados e sancionados, embora não estejam
relacionados e classificados em um livro de regras. Em certas partes da Austrália, espera-se de cada boximane, e ele assim o faz, que defenda a área de caça compartilhada com
seus vizinhos contra intrusos não pertencentes ao seu grupo local.
O grupo social como objeto de estudo
[...] O grupo local é conhecido por vários nomes. É chamado horda nas descrições
da organização social dos aborígines da Austrália. Bando é outro termo frequentemente
empregado, especialmente em livros que tratam dos índios americanos. Entre as antigas
civilizações da Europa e do Oriente, a comunidade local é mais conhecida por vila. Nos
Estados Unidos é geralmente referida como vizinhança (neighborhood).
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O conceito básico, qualquer que seja o termo usado, é o de um grupo de pessoas,
todas vivendo dentro de área limitada e cooperando entre si até certo ponto. A área
pode ser um vale, as praias de um lago ou o quarteirão de uma cidade, mas as famílias
aí localizadas geralmente se conhecem, ou pelo menos identificam suficientes interesses comuns que as levam a atuar em conjunto, por certas formas, a fim de resolver problemas mútuos. Essa atuação recíproca para enfrentar problemas tem alcance maior
do que a simples realização de alguns objetivos específicos. Renova a solidariedade
das pessoas do grupo, preparando-as para novas atuações em conjunto. Porquanto,
ao atuarem em grupo, sentem-se recompensadas por fazê-lo, dispondo-se a trabalhar
juntas no futuro.
Cada família dentro de um grupo local tem determinados hábitos que são diferentes daqueles de seus vizinhos, mas todas têm certas maneiras comuns, especialmente umas em relação às outras. Da mesma forma, num conjunto de grupos locais, cada
grupo tem particularidades próprias, mas todo o conjunto age de maneira idêntica no
que diz respeito a certos aspectos importantes, particularmente quanto aos aspectos
que determinam as relações entre os grupos. O tamanho do grupo local e a extensão
da área que ocupa dependem em grande parte da forma pela qual a comunidade se
sustenta. Um bando de índios crees das planícies, no Canadá ocidental, necessitava de
um vasto território para perseguir o búfalo migratório. Mas uma vila nas áreas mais férteis da Índia não precisa mais do que alguns poucos quilômetros quadrados onde possa
plantar arroz em quantidades suficientes para alimentar sua população.
[...] O grupo local é de grande importância para os homens em todo o mundo, não
somente porque assinala a área dentro da qual a família reside e trabalha, mas também
porque é o lugar de cada um de seus membros. Dentro do território de sua comunidade,
uma pessoa conhece a disposição do terreno, sabe dos montes e caminhos, está familiarizada com plantas e animais, reconhece quais são úteis e quais são perigosos. Na vida
urbana, o membro do grupo local conhece as ruas e lojas do lugar, estando familiarizado
com os sítios bons e aqueles que devem ser evitados. Além do mais, conhece as pessoas
e seus modos de ser. Em suas relações com vizinhos de quem não gosta, sabem em que
condições podem tornar-se desagradáveis. Ali se encontram seus amigos, e ele conhece
seus gestos e suas vozes; na Austrália central conhece até suas pegadas. É lá que geralmente se sente mais à vontade, mais seguro. Lá está em casa.
Desses sentimentos participam tribos que têm sido chamadas de selvagens.
Mesmo as pessoas com modos mais simples e rudes não vagueiam a esmo pelas
florestas ou através dos campos. As tribos australianas possuem tão poucas ferramentas e bens quanto qualquer outro povo primitivo. No entanto, têm noção clara e
segura sobre o território de um grupo e sobre as famílias que, por direito, pertencem
a ele. Para os nativos australianos, como para a maioria dos homens, praticamente
toda a sociedade e toda a sua cultura está contida na comunidade local. A maioria das pessoas que conhecem e estimam os costumes, as crenças e maneiras que
adotam existem dentro de sua comunidade.
O grupo social como objeto de estudo
Aliás, é somente nas grandes cidades de origem recente, em nossa civilização, que
o grupo local perdeu parte da sua importância. O habitante de uma cidade pode não
conhecer quem mora na casa ou apartamento ao lado, e assim pouco se importa com a
vizinhança, ou dela pouco participa. Talvez seja exatamente por essa razão que existem
tantos esforços, sob a forma de centros de comunidade, clubes locais, associações regionais, com o objetivo de restabelecer o cordial espírito de vizinhança perdido no curso do
rápido crescimento da metrópole. Muitas pessoas, que hoje vivem em cidades, cresceram em vizinhanças unidas e tradicionais, e sentem falta das lealdades do grupo local.
Geralmente transferem a sua solidariedade para o grupo maior mais próximo, a própria
cidade. Tendem a se tornar seus grandes defensores e são devotos fanáticos de algum
símbolo da cidade, por exemplo, um prestigioso clube de futebol.
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Ampliando conhecimentos
TROPA de elite. Direção de José Padilha. Brasil: 2007. Atores: Wagner Moura, Caio Junqueira, André Ramiro, Milhem Cortaz, Fernanda de Freitas. Duração: 1h58min.
CIDADE de Deus. Direção de Fernando Meirelles. Brasil: 2002. Atores: Matheus Nachtergaele, Seu Jorge, Alexandre Rodrigues, Leandro Firmino da Hora, Roberta Rodrigues.
Duração: 2h15min.
Os filmes Tropa de Elite e Cidade de Deus, na abordagem de suas temáticas apresentam um conjunto de grupos sociais: usuários de drogas, traficantes que vendem
drogas ilegais, a polícia e o Estado. Nos contextos sociais abordados, os diversos grupos
sociais atuam e desenvolvem suas ações no sentido de realização de seus objetivos,
deixando à mostra elementos inerentes ao seu processo de constituição e diferenciação, em termos estruturais, funcionais, valores, consciência de grupo.
Atividades
O grupo social como objeto de estudo
1. Por que as categorias conceituais “grupo humano”, “grupo psicológico” e “grupo
social” são consideradas mais que conceitos referenciais das Ciências Sociais?
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2. Como Zimmerman diferencia os termos “grupo social” e “agrupamento social”?
3. Se nem todo agrupamento humano constitui um “grupo social”, por que a categoria conceitual “grupos sociais” se aplica tão somente à sociedade humana?
O grupo social como objeto de estudo
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Referências
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ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Tradução de: FLAKSMAN,
Dora. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
COSTA, Wedja Granja. Socionomia. In: COSTA, Wedja Granja; RIQUET, Silvia H.; ANDRADE, Lêda A. Cronosplatia Holográfica Universal – Projeto Águas Belas. Transtornos
Psicoafetivos. Fortaleza: Fundação de Estudos e Pesquisas Socionômicas do Brasil,
2000.
DURKHEIM, Émile. A Divisão Social do Trabalho. Lisboa: Presença, 1984.
GILLIN, John P.; GILLIN, John L. Sociología Cultural. Madrid: Instituto de Estudios Políticos y Sociales, 1961.
MANDELBAUM, David G. In: SHAPIRO, Harry L. (Org.). Homem, Cultura e Sociedade.
Tradução de: CORACY, G. Robert; CORACY, Joana E.; OLIVA Margarida Maria C. . 3. ed.
bras. rev. e ampliada. São Paulo: Martins fontes, 1982. p. 381-386.
MILLS, Theodore M. Sociologia dos Pequenos Grupos. Biblioteca Pioneira de Ciências
Sociais. São Paulo: Pioneira, 1970.
MORAES Filho, Evaristo de. O Sindicato Único no Brasil. São Paulo: Alfa-ômega, 1978.
PICHON-RIVIÉRE, E. O Processo Grupal. Tradução de: VELLOSO, Marco Aurélio Fernandes. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
SIMMEL, Georg. Questões Fundamentais da Sociologia – indivíduo e sociedade. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. Coleção Nova Biblioteca de Ciências Sociais.
O grupo social como objeto de estudo
TRUJILLO FERRARI, Alfonso. Fundamentos de Sociologia. São Paulo: McGraw-Hill do
Brasil, 1983.
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TSCHIEDEL, R. G. O Grupo como Espaço de Construção da Heterogeneidade à Heterogênese. Dissertação de Mestrado não publicada. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1998.
ZANELLA, Andréa V.; PEREIRA, Renata S. Constituir-se enquanto grupo: a ação de sujeitos na produção do coletivo. Estud. Psicol. Natal, Natal, v.6, n.1, jan./jun., 2001.
Gabarito
1. Porque possibilitam apreender a sociedade não como um conjunto de indivíduos, e sim como um conjunto de grupos que se manifestam enquanto fenômenos sociais e psicossociais, passíveis de estudos e análises de naturezas
qualitativa e quantitativa.
2. O fato de um conjunto de pessoas compartilharem um mesmo espaço e possuírem interesses comuns não as torna de imediato um “grupo social”. Zimmerman, considerando o conteúdo inerente a ambos os termos, afirma que a
passagem de “agrupamento social” a “grupo social”, propriamente dito, resulta
da transformação dos interesses comuns em interesses em comum, ou seja, os
integrantes de um grupo reúnem-se em torno de uma tarefa e de um objetivo
comum aos interesses de todos.
3. Não obstante seja possível atribuir a certos conjuntos de animais ou insetos a
existência de relações sociais ou subsociais entre seus integrantes, como por
exemplo as formigas e as abelhas, tal condição não é suficiente para definir
tal universo como constituindo um “grupo social” semelhante aos seres humanos, haja vista se levarmos em conta não só a condição humana, já por si
só distinta dos demais animais, mas também as características inerentes aos
grupos sociais, tais como o seu caráter estrutural e funcional, o significado,
os processos de integração e interação entre os integrantes, a condição de
compartilhamento de objetivos, valores e crenças, a noção de temporalidade
e estabilidade, a consciência de grupo, a percepção de pertencimento, de reconhecimento social.
O grupo social como objeto de estudo
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