Canadá vive lua de mel com o `Mujica do Norte`

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l Mundo l
Domingo 15 .5.2016
O GLOBO
l 43
AP/20-10-2015
Canadá vive
lua de mel
com o ‘Mujica
do Norte’
Há seis meses no poder, Justin
Trudeau dá nova cara ao país e
vê popularidade aumentar
HENRIQUE GOMES BATISTA
Correspondente
[email protected]
-WASHINGTON- Enquanto o mundo
desenvolvido flerta cada vez
mais com a direita e com o
conservadorismo, tanto na Europa como nos EUA do précandidato republicano Donald
Trump, os canadenses fizeram
o caminho contrário — e parecem felizes com isso. Após seis
meses de governo, o país ainda
segue em lua de mel com Justin Trudeau, o jovem primeiroministro que é a antítese de
seu antecessor e a toda hora é
comparado com o uruguaio
José Mujica e o americano Barack Obama.
Apesar de ter dado um novo
discurso para o país, ele ainda
tem grandes desafios, como na
economia e nos interesses da
poluidora indústria extrativista
canadense, que contrasta com
seu empenho em favor do meio
ambiente. Sua visão mais aberta às relações internacionais e
ao debate de temas como eutanásia e direitos indígenas o ajudaram a manter a popularidade
em alta. Segundo o instituto Ipsos, 66% dos canadenses aprovam o governo Trudeau — nada
mal para quem obteve, em outubro, a maioria do Parlamento,
mas com apenas 39,5% dos votos em seu partido.
— A maior conquista de Trudeau tem sido mudar o tom do
governo e fazê-lo parecer mais
ágil, aberto e transparente. Isso
ainda pode ser uma lua de mel,
mas há uma sensação de que o
novo governo está disposto a se
envolver com a sociedade civil
de uma forma mais significativa
e construtiva — afirmou Dane
Rowlands, diretor do Norman
Paterson School of International Affairs, de Ottawa.
O contraste com seu antecessor, Stephen Harper — que
comandou o país por quase
dez anos e era chamado de
“George W. Bush canadense”
— é total. Enquanto o conservador negava as mudanças climáticas, entrou nas guerras
americanas no Oriente Médio
e adotou uma política tributária que acabou ampliando a
desigualdade (para os padrões
canadenses), Trudeau se firma
como novo ícone da esquerda
global. Ao receber pessoalmente refugiados sírios e ir à
Nova York no mês passado assinar o acordo climático celebrado pela ONU em dezembro
em Paris, ajudou a dar uma nova cara ao país. Trudeau não só
recebeu os 25 mil refugiados,
como cumpriu essa meta até
fevereiro — em vez do Natal.
Ele planeja agora receber até
35 mil a mais este ano.
DIVERSIDADE NO GABINETE
Trudeau é um político da nova
geração. Com 4,3 milhões de
seguidores nas redes sociais —
metade deles no Facebook —,
seu balanço dos primeiros seis
meses de governo, completados em 4 de maio, foi divulgado em forma de um álbum de
fotos. Ele se assemelha a Obama, com quem se encontrou
em março, na primeira visita
de Estado de um mandatário
canadense à Casa Branca em
19 anos, em um clima de amizade explícito.
— Trudeau parece gostar de
pessoas e está disposto a usar
seu charme para ganhar amigos,
como o presidente americano —
afirmou Gary Levy, da Universidade Carleton, em Ottawa.
O canadense de 44 anos e pai
de três filhos, defende a legalização da maconha em seu país
— embora o grupo de trabalho
sobre este tema esteja atrasado.
Quer levar o projeto de lei ao
Parlamento no ano que vem,
quando ele e a maior parte dos
Carisma. Mulher beija Trudeau em estação do metrô de Montreal: especialistas destacam capacidade de fazer amigos, sejam eleitores ou chefes de Estado
“A questão
agora é ver
se essa
mudança não
será apenas
superficial”
Thomas Corrigan
Pesquisador do Atlantic Council,
nos Estados Unidos
analistas espera já ter aprovada
a nova regra para eutanásia. Admitindo ter fumando maconha,
é comparado ao icônico líder
uruguaio, sendo chamado de
“Mujica do Norte".
Mas as semelhanças com
Mujica param por aí. Filho do
ex-premier Pierre Trudeau, o
jovem primeiro-ministro faz
parte da elite de seu país. Já viajou a mais de cem países e se
sobressai nos debates globais.
No Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça), roubou a
cena ao defender o feminismo.
Seu gabinete tem igual número de homens e mulheres —
uma delas, Jody Wilson-Raybould, ministra da Justiça, é in-
dígena. Há, também, ministros
assumidamente gays, um cadeirante e muçulmanos — algo que faria Trump ter urticária, provavelmente.
Mas nem tudo são flores. O
professor Dane Rowlands afirma que talvez ele não imaginasse obter a maioria folgada entre
os deputados, e fez promessas
demais, imaginando que um
Parlamento hostil seria a desculpa perfeita caso não consiga
concluir sua agenda.
— O governo conseguiu andar numa corda bamba entre a
responsabilidade fiscal (sem
aumento da dívida em relação
ao PIB) e uma promessa de estímulo — afirmou o especialista da Norman Paterson School,
lembrando que ele pretende
investir em infraestrutura do
país para gerar empregos e
oportunidades.
Além disso, precisa modernizar a economia canadense:
— Trudeau quer investir em
inovação tecnológica de forma
sem precedentes para consolidar uma economia do conhecimento. Mas isso é algo de
longo prazo e seu governo deve esperar o preço do petróleo
se recuperar para manter a popularidade — afirma Thomas
Corrigan, pesquisador especializado em Canadá do Atlantic
Council, nos Estados Unidos.
Ele vê, até agora, grande
parte da popularidade de
Trudeau se devendo ao con-
Referendo divide as ruas de Caracas
Defensores e opositores do
presidente Nicolás Maduro foram às
ruas de Caracas ontem em duas marchas que tiveram como principal tema
o referendo revocatório que a oposição
venezuelana busca realizar até o fim do
ano, numa tentativa de remover o presidente do cargo antes do fim de seu
mandato, em 2019.
Pela manhã, a Mesa de Unidade Democrática (MUD), principal coalizão
de oposição do país, realizou uma marcha marcada por fortes críticas ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE), sobre o
qual tenta exercer pressão para que reconheça as assinaturas coletadas e leve
adiante o processo do referendo.
— A estratégia do governo é bem clara: farão de tudo para retardar o referendo — afirmou o deputado oposicionista Juan Requesens, que marchou
carregando nas mãos uma cópia da
Constituição venezuelana.
Em discurso, o presidente da Assembleia Nacional (AN), Henry Ramos Allup, comentou rumores de que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) teria uma
medida preparada para destituir o Parlamento por desacato.
— Soube que já há uma sentença redigida, esperando para ser publicada
— afirmou Allup. — Fomos eleitos pelo
POLÊMICA COM ARÁBIA SAUDITA
Até o seu discurso pacifista está sendo, aos poucos, colocado
à prova:
— Uma questão que embaraçou o governo é que ele aprovou a venda de US$ 15 bilhões
em veículos blindados para a
Arábia Saudita, apesar da situação sombria dos direitos humanos no país. E o Canadá tem
uma lei que exige que tais vendas passem por uma avaliação
do país destinatário — explicou ao GLOBO Nelson Wiseman, diretor do Departamento
de Ciência Política da Universidade de Toronto.
Daniel Cerqueira, brasileiro
da ONG Fundação do Devido
Processo Legal (DPLF, na sigla
em inglês), lembra que mais
de 180 ONGs fizeram petição
para que o governo canadense
mude de postura e apoie mais
os direitos humanos:
— O país vive um paradoxo:
é um dos grandes doadores internacionais para os direitos
humanos, mas tem empresas
de exploração de minérios e
petróleo que sistematicamente
cometem irregularidades,
principalmente em países po-
NA WEB
http://glo.bo/24QSAQf
Seis motivos para
gostar do premier
Justin Trudeau
Adeus a símbolos da
era Kirchner
Macri inicia reformas
para despolitizar
centros culturais
-CARACAS-
-BUENOS AIRES-
O
Oposição. Manifestantes contrários ao governo de Maduro protestam na capital da Venezuela
povo e só o povo pode reverter nossas
decisões. O governo tem realizado emboscadas sistemáticas contra a AN porque sabe que somos o único poder autônomo que ele jamais controlará.
Criticando o decreto de Estado de Exceção e Emergência Econômica anunciado por Maduro na noite de sexta-feira, o governador do estado de Miranda
e líder da oposição, Henrique Capriles,
convocou manifestantes a marcharem
novamente na próxima quarta-feira
para pressionar o CNE.
— Maduro deveria usar seu decreto
como papel higiênico, porque é para isso que ele serve — afirmou Capriles.
bres. Enfrentar este grupo,
muito importante para a economia local, não é algo simples — disse.
Outros pontos deste continental país de 36 milhões de
habitantes, contudo, parecem
ajudar Trudeau, oriundo do lado francês:
— Pela primeira vez, a divisão linguística do Canadá não
está causando problemas. O
separatismo em Quebec está
em seu ponto mais baixo em
50 anos — afirmou Robert Bothwell, professor de História da
Universidade de Toronto.
Ele não acredita que este novo momento do Canadá deva
ter grandes impactos para o
Brasil ou para a América Latina, talvez um pouco para o
México, seu parceiro no Nafta,
junto com os EUA, e um pouco
para os países caribenhos.
Quando a lua de mel acabar e
as cobranças crescerem, é bom
que Trudeau tenha algo a apresentar além de fotos e carisma:
— Embora o Partido Conservador esteja sem um líder, ainda
é forte. Há todas as razões para
se pensar que os conservadores
serão competitivos na próxima
eleição — afirmou Stephen Azzi,
da Universidade Carleton. l
MUSEUS ARGENTINOS
ARIANA CUBILLOS/AP
Marchas contra e a favor
do governo ocupam a
capital da Venezuela
traste com o governo anterior.
Um dos desafios mais difíceis
é modernizar a legislação
eleitoral do Canadá:
— A questão agora é ver se
essa mudança não será apenas
superficial — disse.
Já durante a tarde, foi a vez de chavistas se reunirem no centro de Caracas
para um evento que contou com a presença do presidente. Em discurso, Maduro voltou a atacar a direita sul-americana, a quem acusa de conspirar contra
o Executivo, defendeu seu plano de
economia comunal e mandou recados
aos opositores. Jorge Rodríguez, presidente da comissão para verificação de
assinaturas acusou a oposição de usar
nomes de “mortos, menores de idade e
estrangeiros sem documentos”.
— Não recolheram nem a metade das
assinaturas necessárias — declarou
Rodríguez. l
presidente da Argentina, Mauricio
Macri, decidiu
despolitizar os
centros culturais do país de
símbolos da era kirchnerista
(2003-2015). O governo encerrou exposições e realocou bustos, quadros e lembranças do ex-presidente
Néstor Kirchner.
Inaugurado pela ex-presidente Cristina Kirchner
(2007-2015) em maio de
2011, o Museu do Bicentenário da Casa Rosada exibia
roupas, sapatos e discursos
de seu falecido marido, ao
lado de outros personagens
históricos. As exposições no
Bicentenário tinham uma
acentuada marca peronista.
O museu foi fechado para
reforma na semana passada. Porém, segundo a agência de notícias AFP, nenhuma autoridade confirmou
se o objetivo é retirar as exposições referentes ao que
consideram como proselitismo kirchnerista.
Fontes oficiais que pediram para não serem identificadas disseram ao jornal
“La Nación” que “as peças
partidárias não vão ficar no
museu”. Segundo o jornal,
“Macri ordenou fechar o
Museu do Bicentenário para 'deskirchnerizá-lo”.
Entre as peças históricas
que permanecerão expostas e que superam diferenças ideológicas, está um
mural de 1933 do artista
mexicano David Alfaro Siqueiros. No Centro Cultural
Kirchner foi desmontada a
sala Experiência Néstor Kirchner. O espaço sintetizava
o pensamento e as obras do
presidente falecido em outubro de 2010. l
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