O GLOBO 30 ● ● ECONOMIA ● PRETO/BRANCO PÁGINA 30 - Edição: 18/10/2009 - Impresso: 17/10/2009 — 01: 38 h ECONOMIA Domingo, 18 de outubro de 2009 O GLOBO . ‘CRASH’ HISTÓRICO: Taxas de juros estão baixas por muito tempo, diz analista MÍRIAM LEITÃO PANORAMA ECONÔMICO Tudo no clima Cape Farewell faz eventos culturais ligados à mudança climática. Futerra é uma agência de marketing sobre o tema. IPPR é um centro de estudos com várias pesquisas sobre o problema. The Climate Group, criado por Tony Blair, identifica negócios na área. The Carbon Trust dá selo de qualidade de baixo carbono. Na casa do príncipe Charles se organiza um fundo de proteção de florestas tropicais. ● Os negócios, empresas, instituições ligados à mudança climática em Londres estão em todas as áreas, e ao visitá-las, não ouvi falar em crise econômica. O diretor de Cape Farewell, David Buckland, me contou que sua agenda está lotada até 2011. O grupo se define como “um centro de resposta cultural” ao risco da mudança climática. Com um ar de rebelde eterno, usando pantufas cor de laranja, numa enorme sala de trabalho com paredes cobertas por cartazes de eventos, David conta que põe juntos para pensar, como numa expedição ao Ártico, cientistas e artistas. Desses encontros saem exposições, produções musicais, peças de teatros, programas de rádio, festival de filmes. — Este não é um problema científico apenas. É político, econômico, social. É o maior problema que a humanidade enfrenta e eu convoco os artistas ao trabalho — diz. Solitaire Towsand era atriz e traz a vivacidade do palco para o mundo dos negócios. Criou a Futerra em 2001, que hoje já é uma multinacional. É uma empresa especializada em comunicação da mudança climática. Tem negócios em vários países e ensina empresas, órgãos governamentais e instituições a passar de forma viva e convincente a mensagem da mudança climática. Em estudos com psicólogos e sociólogos em grupos focais, identificou resistências ao tema. Razão? Ninguém quer ouvir falar do fim do mundo: — Pode falar da tragédia, mas prometa o céu primeiro. Dê ao ouvinte a visão de como pode ser o futuro. Mostre que a Humanidade já mudou várias vezes, ela pode mudar. A narrativa tem que ser diferente. Os especialistas falam em derretimento de gelo, elevação do nível do mar, e tragédias que vão acontecer em 30 anos. Ninguém quer saber. As pessoas não têm empatia por um bloco de gelo. Tem por pessoas, por animais. O sonho mobiliza. Por isso, é preciso primeiro mostrar o sonho e mostrar que o estilo de vida sustentável é mais elegante e desejável — explicou ela. Dimitri Zenghelis chegou pedalando sua bicicleta, trocou o tênis por sapato, e veio para um almoço comigo. Ele é economista-chefe da Cisco Systems e foi contratado pelos trabalhos em mudança climática que desenvolve no grupo de Nicholas Stern e na London School of Economics. — Londres é a capital da mudança climática — me disse ele. Se não é, parece. Na semana que passei em Londres, vi uma sucessão de negócios e iniciativas que estão surgindo debaixo do guarda-chuva da mudança climática. Para Dimitri, a mudança climática é uma questão econômica. O Institute for Public Policy Research (IPPR) é considerado o melhor think tank (centro de estudos) do Reino Unido. Nos últimos tempos, ele tem se concentrado em estudos relacionados à área de mudança climática, como pesquisas com consumidores, projeções sobre criação de emprego verde, estudos de problemas sociais como migração em massa. Andrew Pendletton, coordenador da Rede de Mudança Climática, contou que em suas pesquisas, tem sido detectado que o cidadão comum se preocupa com o tema, mas não apoia certas políticas para combatê-las. Uma é a transferência de recursos para outros países. O Carbon Trust é uma instituição criada por fundos governamentais e privados e que presta uma série de serviços para acelerar a transição da economia para um padrão de baixo carbono. Se alguns desses serviços parecem abstratos, outros são bem concretos. Um dos participantes da diretoria chegou com uma grande bolsa para a reunião. Abriu e foi tirando embalagens de leite, de suco de laranja, de batata frita e enfileirando em cima da mesa. O que elas tinham em comum? O selo do Carbon Trust que exibe o cálculo de quanto cada produto emitiu de carbono e como estava compensando. Essa é a nova informação que o consumidor procura nas embalagens. No The Climate Group, criado por Tony Blair, fala-se de negócios. Eles identificam oportunidades que surgem na nova era do baixo carbono e fazem as ligações entre quem está interessado em negócios como eficiência energética, novas fontes de energia, construção de prédios sustentáveis. Eles montam as redes entre empresas, cidades e governos interessados nessas soluções. Na Clarence House, casa do Príncipe Charles, funciona outro projeto de enorme dimensão. É o The Prince’s Rainforests Project, projeto da Floresta Tropical que projeta transferir recursos em volumes gigantescos: de 15 a 25 bilhões de euros para países que preservem as matas. O fundo ainda está sendo formatado, mas o endereço não podia ser mais real. Uma escada em caracol leva ao terceiro andar onde conversei com o diretor executivo do projeto, Tony Juniper. A ideia não é emprestar recursos, mas transferi-los para países por serviços prestados pela conservação, através de mecanismos financeiros que podem ser o REDD (Redução de Emissão por Desmatamento Evitado) ou outros. Recentemente, o príncipe Charles se reuniu com 35 países para avançar no projeto. A Clarence House tem perto de 200 anos e é vizinha do Palácio St. James, de 500 anos. Com o sólido alicerce desse passado, se discute a proteção do futuro do Planeta. Tudo a partir do pedaço da Terra onde estamos. O Brasil tem a maior floresta tropical do mundo, e como ouvi insistentemente por lá: pode e deve ter papel de liderança na luta contra a ameaça que paira sobre a Terra. oglobo.com.br/miriamleitao • e-mail: [email protected] COM ALVARO GRIBEL Oitenta anos depois da crise de 1929, efeitos menos profundos e novos erros Desemprego chegou a 25% nos EUA na década de 30 e levou muitos a fome Danielle Nogueira ● A turbulência econômica internacional fez ressurgir o temor de uma nova Grande Depressão — como são chamados os longos anos de retração econômica e desemprego que se seguiram ao crash de 1929, que completa 80 anos este mês. Mas, apesar do paralelo feito entre as duas crises, elas guardam mais diferenças que semelhanças, dizem especialistas. Embora a especulação financeira tenha ocupado papel chave em ambos os casos, as consequências foram mais devastadoras no passado. E, mesmo que a resposta dos governos tenha sido mais ágil desta vez, as implicações para a economia internacional tendem a ser menos profundas. As diferenças entre as duas crises começam pela origem. A atual tem raízes nas hipotecas subprime (concedidas a clientes de elevado risco) e em operações feitas no mercado financeiro lastreadas nesses empréstimos. O ápice foi a quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008. Uma das explicações para a crise de 1929 é o descompasso entre o ritmo de produção da indústria e do consumo nos EUA, que levou ao desaquecimento da atividade industrial e a uma corrida à Bolsa de Valores de Nova York para venda de ações. O movimento culminou na quintafeira e terça-feira negras, em 24 e 29 de outubro daquele ano, quando foram vendidos volumes recordes de papéis. A Bolsa chegou a cair 11,7%, instalando o pânico entre os investidores. — Nos anos 20, a produção de bens de consumo duráveis explodiu, mas a renda das famílias não acompanhou essa expansão — diz o historiador da Uni-Rio Flávio Limoncic, um dos organizadores do livro “A grande depressão: política e economia na década de 1930 - Europa, Américas, África e Ásia”, que será lançado no fim do mês. O setor automobilístico é o melhor retrato dessa situação. Em 1913, quando Henry Ford — fundador da empresa que leva seu nome — introduziu a linha de montagem, foram fabricados 485 mil veículos nos EUA. Em 1928, a produção havia saltado para 4,4 milhões. Após o crash de 1929, com o desemprego nas alturas, vendiam-se carros a US$ 100. Os efeitos da crise de 1929 foram arrasadores. O desemprego nos EUA atingiu um quarto da população em 1933. Filas por um prato de sopa dobravam quarteirões. Hoje, a taxa de desemprego beira os 10%. Não por acaso, leis previstas no New Deal — plano econômico lançado por Franklin Roosevelt em 1933 — visavam a estimular a organização sindical, para aumentar o poder de barganha do trabalhador. Maior regulação econômica e obras públicas também integravam o programa. Resposta mais ágil à crise conteve efeitos Mas o New Deal demorou quatro anos para ser implantado. Na crise atual, os governos foram ágeis, contendo os efeitos. — Além da maior capacidade de intervenção, os governos de hoje tinham uma teoria que legitimava suas ações. (o economista britânico John Maynard Keynes publicou Teoria Geral do Emprego, em que recomendava maior intervenção estatal na economia, em 1936) — lembra o economista Luiz Carlos Prado, da UFRJ. Para ele, a crise atual não será capaz de desorganizar a economia mundial a ponto de promover um novo Bretton Woods (reunião em 1944 que relançou as bases no capitalismo): — O mundo só se recuperou da crise de 1929 com a Segunda Guerra. É mais fácil impor um novo sistema quando há perdedores. Os erros também não são os mesmos. Se no passado os bancos centrais erraram por aperto da política monetária, agora, pecam por manter os juros baixos por muito tempo, na avaliação de José Alfredo Lamy, sócio-diretor da Cenário Investimentos: — Essa política monetária frouxa causa distorções que podem levar a uma nova bolha. ■ O GLOBO NA INTERNET GALERIA Imagens da crise de 1929 oglobo.com.br/economia No Brasil, queima de café salvou economia Agora e no passado, país foi um dois primeiros a sair da turbulência No Brasil, tanto nos anos 30 como agora as políticas adotadas pelo governo brasileiro para estimular a economia ajudaram o país a ser um dos primeiros a sair da turbulência. Mas as consequências atuais foram menos profundas que no passado. Há 80 anos, a redução da demanda externa pelo café — então principal item de exportação do país — fez o preço do grão despencar. Com o objetivo de evitar o desemprego e manter o nível da renda dos trabalhadores nas fazendas, o então presidente, Getúlio Vargas, comprou a produção dos cafeicultores para depois queimála. Entre 1931 e 1944, período em que vigorou essa política, foram queimadas 78 milhões de sacas do grão. O governo também desvalorizou ● a moeda e ampliou a política de substituição de importações, diversificando a economia nacional e fomentando a industrialização. — A crise fez a elite ganhar confiança para promover mudanças necessárias — diz o economista Pedro Dutra da Fonseca, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especialista em economia brasileira dos anos 30. Na crise atual, o Brasil estava em uma posição mais sólida, com mercado mais regulado e menos dependente das exportações. Além disso, o governo ampliou o leque de medidas, reduzindo impostos e lançando pacotes de estímulo. Se a economia andou para trás dois anos na década de 30, na crise atual foram apenas dois trimestres de retração. (D.N.) . Reprodução do livro Os inventores do New Deal HISTÓRIAS DIFERENTES O QUE ACONTECEU NA QUINTA-FEIRA NEGRA Em 24 de outubro de 1929, o volume de negociação em Wall Street atingiu o recorde de 12,8 milhões de ações, levando o principal índice da Bolsa a cair 3,1% Seguiram-se dias de forte instabilidade na Bolsa, que culminaram na chamada Terça-Feira Negra. Um volume ainda maior de papéis foi negociado (16 milhões), fazendo o índice Dow Jones despencar históricos 11,7%. O 29 de outubro é considerado o marco inicial da crise de 1929. Crise de 1929 ORIGEM Um Uma das explicações para a crise de 19 1929 é o descompasso entre o ritmo de produção da indústria e do ri consumo nos EUA, o que levou à retração da atividade industrial e a uma corrida de investidores à Bolsa de Valores de Nova York, que culminou com a quinta-feira e a terça-feira negras, em 24 e 29 de outubro daquele ano. O mundo mergulhou na Grande Depressão, da qual só sairia na Segunda Guerra Mundial Crise atual A crise atual tem origem no setor se imobiliário. Com a taxa de juros baixa, os bancos Fila de desempregados concederam crédito a clientes durante a Grande com mau histórico de Depressão pagamento. Eram as hipotecas subprime (de alto risco), que foram transformadas em títulos amplamente negociadas no mercado financeiro. Com a alta dos juros, as prestações encareceram e houve uma onda de inadimplência. O calote levou vários bancos à bancarrota, entre eles o Lehman Brothers, que pediu concordata em 15 de setembro de 2008 Americano vende um carro por US$ 100 depois da quebra da Bolsa CONSEQUÊNCIAS Durante a Grande Depressão, o desemprego atingiu o pico de 25% em 1933 nos EUA. Hoje, a taxa está em patamar bem inferior: beira os 10%. Do início da crise de 1929 até 1933, houve 10.797 falências ou fusões no setor bancário. Desde a quebra do Lehman Brothers até o último 6 de outubro, 116 bancos, a maioria regionais, foram à falência Franklin Roosevelt anuncia as medidas contra a depressão, em 1932 Mundo Brasil Corrida de investidores à Bolsa de Nova York O Brasil entrou em forte período de deflação nos anos 30. Em 1930, a inflação foi de -8,99%. O índice só voltaria a ficar positivo em 1932. Em 2008, a inflação oficial ficou em 5,9%. Para este ano, o mercado espera desaceleração para 4,29%. O PIB brasileiro caiu 2,1% em 1930 e 3,3% em 1931, recuperando-se em 1932. Na crise atual, a expectativa para 2009 é de leve alta de 0,1%, segundo a pesquisa Focus, ante crescimento de 5,1% em 2008. O país teve apenas dois trimestres de retração, caracterizando recessão técnica MEDIDAS O New Deal, plano idealizado pelo presidente Franklin Roosevelt, foi lançado apenas em 1933. O foco era a criação de programas assistenciais, maior regulação da economia e obras públicas para estimular a atividade econômica e criar empregos. Na crise do subprime, os governos responderam rapidamente à turbulência, cortando juros e injetando bilhões de dólares no sistema financeiro No Brasil dos anos 30, o governo Vargas respondeu à crise queimando sacas de café. O Queima de café objetivo era segurar promovida pelo governo Vargas os preços e evitar o desemprego. Entre 1931 e 1944, foram queimadas 78 milhões de sacas do grão. O governo também desvalorizou a moeda e ampliou a política de substituição de importações. Na crise atual, o governo ampliou o leque de medidas: reduziu impostos, diminuiu recolhimento compulsório dos bancos (para aumentar a liquidez do sistema) e lançou pacotes de estímulo, como o habitacional, de R$ 34 bilhões Fontes: Dicionário da História Americana, História do Povo Americano, Luiz Carlos Prado (UFRJ), Pedro Dutra da Fonseca (UFRGS) e agências internacionais