educação do campo e ensino geografia

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EDUCAÇÃO DO CAMPO E ENSINO GEOGRAFIA: ENTRAVES E PERSPECTIVAS
FIELD OF EDUCATION AND GEOGRAPHY EDUCATION: BARRIERS AND
PROSPECTS
Clóvis Costa dos Santos
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS/BA)
Mestrando em Planejamento Territorial
[email protected]
RESUMO
O trabalho em tela, resultado de trabalho monográfico, objetiva compreender os entraves e
perspectivas do ensinar-aprender e aprender-ensinar a Geografia no contexto das Escolas do Campo
do município de Santa Inês/BA, tendo como referência os determinantes, princípios e valores
preconizados no projeto da Educação do Campo. Metodologicamente, as discussões aqui apresentada
tomam por base análises bibliográficas e o trabalho de campo (observação, entrevista e questionários),
os quais fornecem os subsídios necessários ao propósito deste trabalho. O panorama das escolas do
campo aponta os fatores limitantes, ao mesmo tempo em que sinaliza as possibilidades, do processos
formativo contextualizado com as condições socioespaciais dos atores sociais que vivem e sobrevivem
no/do campo, de modo a transformar as escolas do campo em espaços de formação políticopedagógica de sujeitos emancipados.
Palavras-chave: Educação do Campo, Ensino, Geografia.
ABSTRACT
The screen work, the result of a research project, aims to understand the obstacles and perspectives of
teaching and learning and learning - teaching geography in the context of the municipality's Rural
Schools of St. Agnes / BA, with reference to the determinants, principles and recommended values the
Rural Education project. Methodologically, the discussions presented here are based on bibliographic
analysis and field work (observation, interviews and questionnaires), which provide the necessary
support to the purpose of this work. The overview of the field of schools indicates the limiting factors,
while signaling the possibilities of the formation processes contextualized with the socio-spatial
conditions of social actors who live and survive in / the field, in order to transform schools field into
spaces political and pedagogical training emancipated subjects.
Keywords: Rural Education, Education, Geography.
INTRODUÇÃO
O presente texto é parte do trabalho monográfico defendido no Curso de Licenciatura
em Geografia, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano – Campus
Santa Inês, no ano de 2015, que teve como lócus de estudo as Escolas do Campo do
município de Santa Inês/BA. Além disso, expressa o acúmulo de discussões nos espaços
coletivos da Educação do Campo no contexto de estudo, e do início de percurso no Curso de
Mestrado em Planejamento Territorial/UEFS, onde o autor procura compreender a Educação
camponesa como uma das dimensões fundamentais ao planejamento e ordenamento do
território.
Inicialmente, cabe resgatar, de forma breve, a evolução do pensamento geográfico no
contexto escolar, buscando os nexos para entender o papel/contribuição desta ciência para o
projeto popular da Educação do Campo. A geografia emerge como disciplina escolar baseada
na memorização, descrição e transmissão de informações, muitas vezes, dissociadas do
contexto de vida dos sujeitos e das contradições que produzem e organizam o espaço
geográfico. Serviu (ou ainda serve?) de instrumento para legitimar uma classe social
dominante e seu projeto de educação para o campo, e também a cidade, baseado, dentre
outras, na expropriação/subordinação dos trabalhadores/as visando a “modernização” da
agricultura e a expansão capitalista no campo.
No entanto, as profundas transformações sociais, econômicas, políticas e ambientais,
particularmente a partir da década de 60, desencadearam um processo de renovação e crítica à
produção do conhecimento geográfico de outrora. As implicações chegam à escola e a
Geografia enquanto ciência social prioriza a entender “como e porque os seres humanos
modificam os espaços em que habitam, conforme as relações sociais que estabelecem entre
si” (Kaercher, 2010, p. 11). A partir de então, intensifica-se a abordagem dos aspectos sociais
e ambientais no âmbito da Geografia, especialmente as abordagens de base marxista.
Nessa perspectiva, entende-se que pensar a relação indissociável do ensino e
aprendizagem da Geografia nas escolas do campo e no contexto do Movimento por uma
Educação do Campo coloca em cena as condições concretas dos sujeitos sociais do campo e o
projeto contra hegemônico de transformação social, um projeto multidimensional e
pluriescalar, onde a Educação, no sentido ampliado do termo, apresenta-se como alternativa
de formação emancipatória de sujeitos. Nesse cenário, a construção do conhecimento
geográfico deve, necessariamente, está vinculada ao debate da Reforma Agrária; dos
paradigmas na produção do conhecimento que norteia modelos de “desenvolvimento”; aos
saberes tradicionais da população camponesa e às perspectivas do projeto societário que
emerge da resistência e luta dos trabalhadores.
Portanto, a Geografia enquanto área do conhecimento, assim como as demais ciências,
tem como objetivo central contribuir no processo de emancipação dos sujeitos e
transformação social referendada nas experiências dos trabalhadores e suas organizações
sociais, tal qual a Educação do Campo.
OBJETIVOS
Dentre os objetivos, no limite deste texto, destaca-se: a) compreender a relação entre
os princípios da Educação do Campo e a realidade das escolas campesinas do município de
Santa Inês, focalizando na relação ensino-aprendizagem da ciência geográfica; b) e, analisar a
importância e contribuição do conhecimento geográfico ao projeto popular da Educação do
Campo.
METODOLOGIA
Metodologicamente, o estudo baseou-se nos seguintes procedimentos teóricometodológicos: 1) análises bibliográficas: através do levantamento, seleção, análise e
sistematização de livros, artigos, periódicos e demais referenciais sobre a Educação do Campo
e o ensino de Geografia; 2) trabalho de campo: coleta de dados in loco para subsidiar as
discussões sobre a temática pesquisada, utilizando os seguintes instrumentos de pesquisa: a)
observação: contraposição dos referenciais teóricos com a realidade socioespacial estudada,
bem como a participação em reuniões pedagógicas, de pais e/ou responsáveis e nas atividades
de discussão e planejamento das atividades pedagógicas; b) entrevista estruturada: foram
entrevistados os professores que atuam nas escolas do campo, além do coordenador
pedagógico e diretora destas escolas, no intuito de compreender sob diferentes perspectivas a
problemática estudada e; c) aplicação de questionários: com os educadores e gestores das
escolas focalizadas.
As atividades de campo foram realizadas nas três escolas municipais localizadas
geograficamente no campo, são elas: Escola Antenor Rangel1, povoado de Lagoa Queimada;
Escola Judite Lima da Hora e o anexo Marisa Lula, povoado de Bela Mira, sendo que a última
está localizada em assentamento de reforma agrária; e Escola Riacho do Torre, Fazenda
Riacho do Torre, também área de reforma agrária.
1
A citada escola concentra as atividades de gestão, planejamento e acompanhamento pedagógico das demais
unidades escolares do campo de Santa Inês/BA. As reuniões e encontros pedagógicos acontecem semanalmente
com a presença de todos os educadores que atuam nas escolas do campo, no ensino fundamental nas séries
iniciais, sob a supervisão da coordenação pedagógica e diretora das escolas do campo.
MARCO TEÓRICO
Antes de iniciarmos a discussão particular sobre o ensino de Geografia nas Escolas do
Campo, é necessário apresentar aos leitores os conceitos que embasam este trabalho. Assim,
cabe as indagações: O que é Escola do Campo? Em que medida a Educação do Campo se
difere das pedagogias hegemônicas? E, qual a importância social do conhecimento geográfico
no contexto das Escolas /Educação do Campo? Definido essas questões, acredita-se que será
possível compreender as implicações aos processos formativos dos sujeitos camponeses2 do
município de Santa Inês/BA (Figura 1).
Segundo Molina e Sá (2012), a concepção de Escola do Campo está atrelada ao
movimento da Educação do Campo, “a partir das experiências de formação desenvolvidas no
contexto de luta dos movimentos sociais camponeses por terra e educação” (p. 326).
Evidenciam as experiências educativas dos trabalhadores do campo e suas organizações,
vincula-se, necessariamente, às contradições enfrentadas por esses sujeitos na luta pelas
condições de sua existência social no/do campo. Evidencia o caráter de contraposição aos
modelos
de
escola
e
de
educação
ofertada
à
classe
trabalhadora,
os
quais
desconsidera/marginaliza e desterritorializa os sujeitos sociais do campo.
2
Ver mais em: COSTA, Francisco de Assis; CARVALHO, Horácio Martins de. Campesinato. In: CALDART,
Roseli Salete; PEREIRA Isabel Brasil; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTO, Gaudêncio (organizadores).
Dicionário da Educação do Campo. – Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio, Popular, 2012.
A expressão “Escolas do Campo” possui figura jurídica legalmente reconhecida em
diversas normativas que tratam da referida temática, dentre elas, as “diretrizes operacionais
para a educação básica das escolas do campo”, conquistada em abril de 2002. Nela, está
definida a identidade das escolas do campo,
[…] a identidade das escolas do campo é definida pela sua vinculação às
questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes
próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de
ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em
defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à
qualidade social da vida coletiva no País. (Brasil, 2002)
Já o decreto nº 7.352/2010, que “dispõe sobre a Política de Educação do Campo e o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA”, em seu artigo primeiro,
define as escolas do campo como “aquela situada em área rural, conforme definida pela
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, ou aquela situada em área
urbana, desde que atenda predominantemente a populações do campo” (Brasil, 2010). Apesar
das discordâncias quanto aos critérios oficiais na definição do que é urbano e rural,
reconhece-se as escolas do campo no âmbito de uma política pública, cuja gênese está no
protagonismo dos trabalhadores/as e Movimentos Sociais (do campo), na reivindicação do
direito constitucional de acesso à escola e ao conhecimento como instrumentos indispensáveis
à transformação da realidade em que vive.
Nessa questão reside uma importante constatação: o projeto popular de Educação do
Campo não é “campocêntrico”, ou seja, não nega a existência da cidade, tampouco a
considera em oposição ao campo. No entanto, defende que as escolas do campo devem
vincular-se organicamente com a luta pela transformação social da realidade camponesa,
possibilitando o libertar-se dos sujeitos para que estes participem da construção de seus
destinos, seja na cidade ou no campo.
Nesse cenário, é fundamental que as escolas do campo sejam “ocupadas” pelos
princípios e determinantes da Educação do Campo na perspectiva do projeto emancipatório
dos sujeitos sociais. Atrela-se à complexidade da luta pela Reforma Agrária, pelo direito a
terra e pelo direito a educação enquanto processo formativo protagonizado pelos
trabalhadores e trabalhadoras do campo e suas organizações e movimentos sociais. Expressa
as contradições da questão agrária brasileira, dentre elas: os projetos de desenvolvimento e de
produção que estão em disputa no campo; das relações de trabalho; dos personagens que
ocupam e produzem seus espaços e territórios no campo; das relações de uso e apropriação da
natureza, e da forma e conteúdo dos processos de formação político-pedagógica dos atores
sociais.
Representa, assim, uma forma de luta e resistência aos “pacotes” pedagógicos da
educação rural e aos interesses e valores externos disseminados pela visão “urbanocêntrica”
de desenvolvimento, formação e relações sociais. Desse modo, a Educação do Campo
representa todas as formas de luta pela valorização e recriação do modo de vida camponês,
sua cultura, simbologias e formas de produção do espaço geográfico. Sobre isso, Caldart
(2012) afirma que,
Objetivo e sujeitos [da Educação do Campo] a remetem às questões
do trabalho, da cultura, do conhecimento e das lutas sociais dos
camponeses e ao embate (de classe) entre projetos de campo e entre
lógicas de agricultura que têm implicações no projeto de país e de
sociedade e nas concepções de política pública, de educação e de
formação humana (p. 259, acréscimo nosso).
Desse modo, o conceito de Educação do Campo, ainda que em construção, evidencia
aspectos intrínsecos ao conjunto de práticas e relações sociais específicas de determinados
sujeitos e organizações sociais. Surge a partir das inquietações
da população
desterritorializadas pelo capital; do sentimento de “basta” à marginalização e invisibilidade;
da resistência aos processos hegemônicos de formação da classe trabalhadora do campo; da
necessidade de empreender estratégias para garantir a existência de um modo de vida, de
trabalho, de cultura, de educação. Esses aspectos são fundamentais para perceber que a
materialidade da Educação do Campo é “a sociedade brasileira atual e a dinâmica específica
que envolve os sujeitos sociais do campo” (CALDART, 2007, p. 2).
Entende-se, portanto, que estes elementos são a gênese da Educação no e do Campo,
de modo que a práxis das escolas do campo engendra, ou deve engendrar, as condições
subjetivas e materiais para a transformação social da realidade campesina. São essas as
premissas quanto ao ensino e aprendizagem da Geografia no contexto da educação no/do
campo. Em síntese, o conhecimento geográfico deve contribuir na formação de sujeitos
políticos e sociais na perspectiva de conhecer, intervir e transformar o espaço geográfico.
Nessa perspectiva, Camacho (2011, p. 28), afirma que “a Geografia deve estar
relacionada à realidade socioespacial do aluno”. Com isso, é preciso considerar o contexto de
vida dos sujeitos como ponto de partida e problematização para a construção do
conhecimento. Nesse sentido, a Geografia no âmbito das Escolas do Campo e da Educação do
Campo deve contribuir para análise crítica da realidade, através da compreensão dos
elementos que interagem na construção dos seu território. Sobre a aprendizagem de maneira
crítica da Geografia, Paulo Freire ratifica:
Educador que, ensinando geografia, “castra” a curiosidade do
educando em nome da eficácia da memorização mecânica do ensino
dos conteúdos tolhe a liberdade do educando, a sua capacidade de
aventurar-se. Tal qual quem assume a ideologia fatalista embutida no
discurso neoliberal. (FREIRE, 1999, p. 63).
Sendo assim, o desafio desta ciência está em revelar a essencialidade dos processos
históricos e socioespaciais, através da imbricada relação sociedade-natureza, além de fazer o
contraponto “à educação neoliberal e urbanizada praticada, até então, no campo e na cidade”
(CAMACHO, 2011, p. 26). A Geografia e a Educação do Campo se encontram na interseção
entre processo formativo e mudanças sociais, bem como, o olhar projetivo na transformação
da realidade. Assim, acredita-se que o campo, espaço de conflitos e disputas, suas nuances e
especificidades deve ser o tema gerador do processo de ensinar-aprender e aprender-ensinar
comprometido com os valores, princípios e modos de vida dos sujeitos que constituem as
escolas/educação do campo.
PANORAMA DO ENSINO DE GEOGRAFIA NAS ESCOLAS DO CAMPO DE
SANTA INÊS/BA
Sabe-se que os entraves ao processo pedagógico não se restringem às escolas do
campo, embora nestes espaços se revelem consideravelmente acentuados. A educação pública
brasileira padece de um mal histórico cuja síntese se expressa na falta de planejamento e
gestão de políticas públicas que garantam o pleno acesso e permanência à escola em todos os
níveis; na negação de um projeto de educação de base popular pensado a partir das
necessidades e potencialidades do território nacional; na marginalização e invisibilidade
intencional dos camponeses (ribeirinhos, quilombolas, assentados, indígenas e demais
comunidades tradicionais); e, consequentemente, na subordinação aos organismos
internacionais que definem os objetivos, metas e programas a serem implementados nas
escolas brasileiras.
Nesse complexo processo de relações socioespaciais, a Geografia, dentre outras
ciências, apresenta-se como indispensável à formação pedagógica e política capaz de
subsidiar os atores sociais na compreensão da dinâmica territorial, através da indissociável
análise multidimensional do espaço geográfico. De modo que o ensino e aprendizagem desta
ciência não acontecem em separado das condições concretas e subjetivas da realidade dos
sujeitos, as limitações e possibilidades da ciência geográfica no contexto das escolas do
campo são os próprios limites e perspectivas da superação dos entraves que hoje estão
candentes na questão agrária e educacional brasileira.
Nesse quadro, nas escolas e comunidades estudadas existem questões cruciais
elencadas pelos educadores e observadas no decorrer da pesquisa que sinalizam o cenário da
Educação do Campo no contexto local e suas implicações sobre o ensino e aprendizagem da
Geografia nas escolas do campo. A carência de materiais didáticos foi apontada como um
dos principais entraves encontrados para a realização do trabalho pedagógico, essa percepção
dos educadores corrobora com as observações realizadas em campo e com os dados de fontes
secundárias já discutidas anteriormente.
Os entraves do ensino e aprendizagem da Geografia no contexto das escolas estudadas
se expressam também quando os educadores afirmam ter dificuldade para contextualizar o
conteúdo da Geografia com a realidade dos educandos, somam-se a isso às dificuldades na
realização de uma metodologia específica e as dificuldades em compreender a proposta de
Educação do Campo. A partir destes aspectos é necessário tecer algumas considerações
centrais para o nosso objeto de estudo.
Os educadores não têm formação específica para atuar no contexto das escolas
campesinas, logo há um problema de qualificação que se acentua na medida em que constatase a ausência de ações/programas/projetos de formação continuada para estes sujeitos. Daí,
um dos desafios candentes nas escolas do campo: garantir a implementação das políticas
públicas até então conquistadas.
Camacho (2008) acrescenta que os educadores são atores sociais fundamentais para a
construção de um processo educativo emancipatório, autônomo e transformador.
Por isso, necessitam de uma formação que permita ler a realidade para além
do discurso neoliberal, compreendendo a realidade dos seus educandos e
possibilitando que estes possam adquirir uma consciência crítica que lhes dê
autonomia intelectual de observar, analisar, questionar e transformar a
realidade (CAMACHO, 2008, p. 8).
Parte-se do pressuposto, conforme apontado anteriormente, que o ensino da Geografia
na perspectiva da Educação do Campo contribui para problematizar as vivências concretas
dos sujeitos camponeses. Portanto, é imperativo que os educadores compreendam a
concepção da Educação do Campo e do ensino de Geografia como instrumentos de
transformação social, considerando a necessidade de “[…] trabalhar as especificidades dos
moradores do espaço rural, respeitando seu saber popular e auxiliando na luta contra a
territorialização do capital no campo e a sujeição da renda camponesa ao capital”
(CAMACHO, 2008, p. 7).
Nesta direção, as possibilidades do ensino de Geografia no presente objeto de estudo
remetem às condições territoriais dos camponeses que constituem a escola. A Geografia, nas
palavras de Camacho (2008), estuda a sociedade por meio do espaço, as relações sociais estão
de algum modo, materializadas no espaço geográfico, de forma que a disciplina de Geografia
tem como principal contribuição auxiliar os atores sociais a perceber as inter-relações
territoriais, bem como o seu papel enquanto agentes de transformação.
Logo, as vivências e “leitura de mundo” dos educandos e demais integrantes da
comunidade são elementos indispensáveis à construção da identidade da escola e da prática
político-pedagógica dos educadores no contexto do campo. No entanto, ao longo da pesquisa
constatou-se que o ensino e aprendizagem da Geografia desenvolvida nas escolas estudadas,
no que pese os avanços pontuais e da disposição dos educadores em aprofundar as reflexões
sobre a práxis, dos objetivos e da necessidade de aproximação com as condições
socioespaciais da comunidade, há um desafio a ser superado: transformá-las em espaços de
formação enraizados e territorializados pelas práticas sociais camponesas.
Aponta-se a necessidade de os Movimentos Sociais (do campo), trabalhadores,
crianças, jovens e adultos ocuparem a escola no sentido de participar ativamente em todas as
etapas do processo de planejamento, execução, avaliação, auto avaliação e reflexão das ações
pedagógicas, administrativas e financeiras das escolas do campo. Nota-se, mesmo nas escolas
localizadas em áreas de reforma agrária, o distanciamento dos Movimentos no dia-a-dia da
escola. Esta é uma questão que precisa ser aprofundada em pesquisas posteriores, de modo a
compreender a dinâmica específica da Educação do Campo para além dos limites territoriais
do município, abarcando as discussões que estão emergindo a nível do Território de
Identidade Vale do Jiquiriçá3.
O processo de transformação das escolas do campo, tendo por base a Educação no/do
Campo, perpassa por alguns elementos já apontados em estudos anteriores de Arroyo, Caldart,
Molina (2004) e de algum modo sinalizados em linhas anteriores, são eles:
3
Esse Território, entendido como a regionalização oficial do Estado da Bahia, abarca os municípios de
Amargosa, Brejões, Cravolândia, Elísio Medrado, Irajuba, Itaquara, Itiruçú, Jaguaquara, Jiquiriçá, Lafayete
Coutinho, Laje, Lajedo do Tabocal, Maracás, Milagres, Mutuípe, Nova Itarana, Planaltino, Santa Inês, São
Miguel das Matas e Ubaíra (SEI, 2014).
I - transformação no papel da escola: assumir o compromisso com a intervenção social; o
compromisso com os princípios e valores camponeses expressos na caminhada da educação
do campo; e o compromisso com a cultura do povo do campo.
II - transformação na gestão da escola: ampliação do acesso (qualitativamente e
quantitativamente); maior participação da comunidade na tomada de decisão. Observa-se que
a participação da comunidade na gestão escolar, no planejamento, na definição de ações e no
acompanhamento dos processos pedagógico, administrativos e financeiros ainda é modesta;
maior participação dos alunos/das alunas na gestão escolar, através do fomento aos espaços e
tempos de organização estudantil, possibilitando canais efetivos de diálogo com os
estudantes.
III - transformação da pedagogia: o jeito de conduzir a formação do ser humano é
fundamentalmente um processo de construção de identidades, por isso mesmo, as múltiplas
dimensões da produção da existência social são indissociáveis do percurso formativo dos
sujeitos camponeses. As escolas do campo de Santa Inês não são iguais, elas estão localizadas
em comunidades que possuem singularidades que as diferenciam, tanto nas formas de acesso
à terra, quanto na organização interna da comunidade e, por conseguinte, da escola. Assim, os
processos de construção da identidade formativa das escolas camponesas dependem da
articulação dos sujeitos na gestão de alternativas pedagógicas a partir das práticas e vivências
particulares dos trabalhadores camponeses.
IV - transformação do currículo escolar: estreitar as relações do currículo escolar com o
trabalho na terra. Os resultados do diagnóstico sobre o ensino de Geografia junto aos
educandos, evidenciou a relação de proximidade com o trabalho na terra, eles vivenciam
cotidianamente o trabalhado familiar, conseguem narrar as etapas da produção agrícola, as
formas de plantar, colher, comercializar. Estão a todo o momento construindo identidade com
a terra, através das formas camponesas de relacionar-se com a “terra-mãe”, aprendendo e
ensinando a ser camponês. Sobre a pedagogia da terra, Caldart diz que,
(...) ela brota da mistura do ser humano com a terra: ela é mãe e, se somos
filhos e filhas da terra, nós também somos terra. Por isso precisamos
aprender a sabedoria de trabalhar a terra, cuidar da vida: a vida terra (Gaia),
nossa grande mãe, a nossa vida. A terra é ao mesmo tempo o lugar de morar,
de trabalhar, de produzir, de viver, de morrer e cultuar os mortos,
especialmente os que a regaram com o seu sangue, para que ela retornasse
aos que nela se reconhecem (CALDART, 2004, p. 97)
Portanto, transformar o currículo significa fazer do “vivido” parte essencial do
ensinado e do ensinado a estratégia fundamental para valorizar, manter e (re) significar o
campesinato.
V - Transformação dos educadores/das educadoras: no contexto socioespacial do presente
estudo, a qualificação dos educadores e a implementação de programas contínuos de
formação são os principais aspectos a serem considerados no processo de transformação
destes sujeitos. Nesse aspecto, as possíveis mudanças vão depender da articulação entre os
diferentes atores sociais que estão produzindo o cenário da educação do campo nas
comunidades, no município, no território de Identidade e no país, na medida em que as
problemáticas da educação campesina estão articuladas ao contexto social do campo, em suas
variadas escalas e dimensões, às políticas públicas de caráter local, regional e nacional. Os
educadores e educadoras são atores políticos, cuja prática pode ser direcionada, de forma
consciente ou não, no sentido de formar sujeitos críticos, autônomos e conscientes de seu
papel na sociedade ou, do contrário, legitimar o discurso neoliberal de educação, cujas
premissas são a subordinação e exploração alienada pelo capital. Como diria o saudoso
Florestan Fernandes (1989), “o professor na sala de aula precisa ser um cidadão e um ser
humano rebelde”.
Pelo exposto, as contradições do modelo societário em que vivemos, no qual projeta
para o campo, e a cidade, um modelo social baseado na falácia da modernização das relações
produtivas, de organização social e desenvolvimento, mas que, ao mesmo tempo, revela-se
contraditório, desigual e extremamente desumano, também engendra as condições concretas
para a resistência dos camponeses, na luta por Reforma Agrária em seu aspecto pleno e
constitucional, por educação, trabalho, cultura e lazer, pelo direito de continuar a existir
enquanto camponês.
Os entraves, limites e possibilidades do ensino de Geografia no âmbito da Educação
no/do Campo coloca como questão central a vinculação da escola com os fenômenos da
realidade do campo brasileiro. Pois, “é na complexidade da vida que as pessoas podem
entender e compreender que constroem seu espaço, a sua história e a sociedade em que
vivem” (CALLAI, H. e CALLAI, J., 2010, p. 66).
Os trabalhadores, homens e mulheres do campo, aprendem e ensinam Geografia nos
diferentes espaços sociais à medida que interagem com a natureza produzindo as condições
necessárias à sua existência social. Na escola, a tarefa e o desafio do “caminhar educativo” é
intencionalmente organizar a vivência de mundo de forma articulada com os conhecimentos
científicos historicamente produzidos, possibilitando a construção de novos saberes e à
compreensão e transformação da realidade.
CONCLUSÕES
A análise geográfica da Educação no/do Campo revelou os limites de uma prática
formativa em consonância com a realidade dos sujeitos sociais, uma vez que as condições
concretas das escolas estudadas e da concepção formativa não contemplam as dimensões
históricas do projeto popular de desenvolvimento e organização social preconizada nos
princípios da Educação do Campo. Contudo, acreditamos na potencialidade e capacidade
transformadora da Educação e de seus sujeitos, em especial, aquela construída no calor das
lutas dos trabalhadores para garantir as condições específicas de sua existência social.
Assim, pensamos o ensino e aprendizagem de Geografia como auxiliar no complexo
processo de formação emancipatório, humano e autônomo dos atores sociais do campo, e da
cidade, na perspectiva de reconhecer-se enquanto sujeito ativo na construção da história
individual e coletiva.
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