DISSER Maria Jose Agostini COMPLETA - Renovação

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
LIÇÕES ACERCA DO ADVÉRBIO:
UMA VIAGEM DIACRÔNICA POR
GRAMÁTICAS DO PORTUGUÊS
MARIA JOSÉ AGOSTINI SAKSIDA
BELO HORIZONTE
2005
1
MARIA JOSÉ AGOSTINI SAKSIDA
LIÇÕES ACERCA DO ADVÉRBIO:
UMA VIAGEM DIACRÔNICA POR
GRAMÁTICAS DO PORTUGUÊS
Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Letras da Pontifícia
Universidade de Católica de Minas Gerais,
como parte dos requisitos para obtenção do
grau de Mestre em Língua Portuguesa.
Orientadora: Profa. Drª. Vanda de Oliveira
Bittencourt
BELO HORIZONTE
2005
2
Dissertação defendida publicamente no Programa de Pós-graduação em Letras da PUC
Minas e aprovada por Comissão Examinadora constituída pelos seguintes professores:
___________________________________________
Profa. Dr.ª Marlene Machado Zica Vianna
(UFMG)
___________________________________________
Prof. Dr. Johnny José Mafra
(PUC Minas)
____________________________________________
Profª. Drª. Vanda de Oliveira Bittencourt
(Orientadora – PUC Minas)
Belo Horizonte,
01 de julho
de 2005
______________________________________________
Prof. Dr. Hugo Mari
Coordenador do Programa de Pós-graduação em Letras da
PUC MINAS
3
Ao meu filho Rômulo Saksida Bittencourt de Souza.
À professora Drª. Vanda de Oliveira Bittencourt.
4
AGRADECIMENTOS
À Vanda de Oliveira Bittencourt, pela orientação segura e primaz.
A Rômulo Saksida Bittencourt de Souza, pela paciência e pelas horas
de convívio que lhe foram roubadas.
À Eliane Mourão, pelo incentivo primeiro.
À Luciane Dinardo Abreu, pelo carinho e pelas orações.
Ao Professor Johnny José Mafra, pelas valiosas observações e pela
atenção dispensada.
Aos Professores da Pós-graduação em Letras da PUC Minas, pelas
inúmeras lições de sabedoria.
Aos funcionários da Secretaria da Pós-graduação em Letras, pelo
carinho e disponibilidade.
Aos amigos Carla Cristina Viana, Aníbal Amaral de Barros, Welder de
Oliveira Melo, Yolanda Lopes, Pollyanne Bicalho e Geane Rodrigues
Ribeiro Leite, sem os quais este trabalho não teria sido realizado.
Aos companheiros de todas as horas Fábio Roque, Isabel Cristina
Martins e Maria Regina Gomes, pela voz estimuladora.
Aos colegas da E. E. Tito Fulgêncio e da Faculdade de Santa Luzia,
pelo apoio inestimável.
Aos meus “alunos-cobaia”, público-alvo deste trabalho.
5
Os lingüistas modernos tenderam muitas vezes a desconsiderar o
que chamam de gramática tradicional e a subestimar os pontos de
vista dos estudiosos da linguagem na era medieval e início da era
moderna (...) Apesar disso, as observações da gramática tradicional
são mais profundas e sua contribuição é maior do que tendem a
reconhecer seus críticos. É muito mais fácil fazer amplas críticas do
que avaliar séculos de trabalho cuidadosa e criteriosamente. À
medida que nossas teorias sobre as estruturas lingüísticas vão se
tornando mais sofisticadas, tonamon-nos mais conscientes de que os
gramáticos tradicionais não se distanciavam tanto da trilha.
(LANGACKER, 1972, p.17)
6
RESUMO
De caráter eminentemente metalingüístico, o presente trabalho busca realizar um estudo
descritivo e, na medida do possível,
crítico, de “lições” fornecidas por gramáticos –
portugueses e brasileiros – de “ontem” e de “hoje”, acerca da classificação de palavras, e,
principalmente, do tratamento conferido ao
advérbio. Dissimulada e camaleônica, essa
espécie lexical vem, ao longo do tempo, desafiando nossos lingüistas a delimitar, com a
devida precisão, os traços que lhe são peculiares, distinguindo-o, assim, dos demais tipos
vocabulares encontrados no português. Em oposição aos que consideram inócua qualquer
proposta taxonômica de ordem lingüística, defende-se, aqui, a importância da tarefa de
categorização para o conhecimento e descrição das línguas. Com base nesse pressuposto,
busca-se rastrear o percurso evolutivo dos “ensinamentos” em torno do advérbio, colhidos de
gramáticos considerados representativos de tempos pretéritos – séculos XVI e XIX –, e de
tempos mais recentes – séculos XX e XXI. Como contribuição própria, procura-se, ainda,
apontar: as convergências e as divergências entre as “lições” examinadas, os avanços
alcançados pelos autores, bem como os problemas que ainda demandam soluções mais
coerentes e precisas. Paralelamente a essas tarefas, tenta-se, à guisa de contraposição aos
ensinamentos apresentados, mostrar, a partir de dados empíricos, o uso real do “advérbio” no
português hodierno.
Palavras-chave: Gramáticas de língua portuguesa
Fases pretérita e contemporânea
Lições sobre a classificação de palavras
Lições sobre o advérbio
Linha de Pesquisa: Variação e Mudança Lingüística
7
RÉSUMÉ
Dans ce travail nous nous proposons d’ examiner des «leçons » données par nos
grammairiens – portugais et brésiliens –, d’ « hier » et d’ « aujourd’ hui » sur l’ adverbe. Ce
type de mot, appelé « maudit », constitue, le long du temps, un défi pour les linguistes qui
essayent de déterminer ses caractéristiques particulières, qui le distinguent des autres espèces
de mots trouvées dans la langue portugaise. Ainsi, au contraire de ceux qui considèrent
anodiene quelconque proposition taxonomique, nous cherchons à montrer ici l’importance de
la catégorisation pour la connaissance et la description des langues. Dans un « voyage » tout
au long de différents siècles, nous cherchons à déceler le parcours évolutif des
« enseignements » sur ce group vocabulaire, empruntés à quelques-uns de nos grammairiens
anciens – XVIème et XIXème siècles – et modernes – XXème et XXIème siècles. À titre de
contribution personnelle, nous tâchons de mettre en évidence les convergences et les
divergences entre les « leçons » ayant été examinées et les avancées de la pensée linguistique
qui ont eu lieu. Atravers de exemples empruntés au portugais courant, nous essayons, aussi, à
titre de contrapoint, de montrer l’usage réel de l’adverbe dans nos jours.
Mots-clé : Grammaires de la langue portugaise
Temps ancien et temps moderne
Leçons sur la classification des mots
Leçons sur l’adverbe
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
FIGURA 1 “Partes da oração”, segundo Fernão de Oliveira (1536/1975) ................. 56
FIGURA 2 “Partes da língua portuguesa”, segundo João de Barros (1540/1957) .... 62
FIGURA 3 “Sistema completo dos elementos da oração”, segundo Jeronymo Soares
Barbosa (1803/1881) ..................................................................................... 78
FIGURA 4 “Taxeonomia das palavras do português”, segundo Júlio Ribeiro (1882/
1884) ............................................................................................................. 87
FIGURA 5 “Taxionomia das palavras do português”, segundo José Oiticica (1919/
1923) ............................................................................................................ 104
FIGURA 6 As “espécies” de palavras do português, segundo Gladstone Chaves de
Melo (1970 e 1981) ..................................................................................... 115
FIGURA7 “Caracterização das categorias gramaticais” do português, segundo Mário
Vilela e Ingedore Villaça Koch (2001) ..................................................... 125
QUADROS
QUADRO 1 Lições sobre a caracterização dos advérbios em gramáticas dos séculos XVI
e XIX .................................................................................................
95
QUADRO 2 Lições sobre a distribuição dos advérbios em gramáticas dos séculos XVI e
XIX ............................................................................................................
96
QUADRO 3 Lições sobre a caracterização dos advérbios em gramáticas dos séculos XX
e XXI ..................................................................................................... 136
QUADRO 4 Lições sobre a distribuição dos advérbios em gramáticas dos séculos XX e
XXI ............................................................................................................ 137
9
LISTA DE ABREVIATURAS
Adj.
=
Adjetivo
Adv.
=
Advérbio
Art.
=
Artigo
Conj. = Conjunção
Coord. = Coordenativa
Inv.
=
Invariável
Prep. =
Preposição
Pron. =
Pronome
SN
Sintagma Nominal
=
SPred. =
Sintagma Predicativo
SPrep =
Sintagma Prepositivo
SAdj. =
Sintagma Adjetivo
SAdv. =
Sintagama Adverbial
Sub.
Subordinativa/ Subordinação
=
Subst. =
Substantivo
Var.
Variável
=
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO: “CATEGORIZAR É PRECISO”
1.1 Delimitação do objeto e justificativa ............................................................................ 12
1.2 Objetivos ...................................................................................................................... 20
1.3 Metodologia ................................................................................................................ 21
1.3.1 Seleção dos compêndios gramaticais .......................................................................... 21
1.3.1.1 Critérios adotados
................................................................................................. 21
1.3.1.2 Compêndios selecionados
..................................................................................... 22
1.3.1.2.1 De tempos pretéritos: séculos XVI e XIX
......................................................... 22
1.3.1.2.2 De tempos recentes: séculos XX e XXI ............................................................. 23
1.3.2 Caminhos de análise ................................................................................................ 24
1.4
Plano do trabalho ........................................................................................................ 25
2 O ADVÉRBIO: UM “ORNITORRINCO” DA GRAMÁTICA?
2.1 Introdução .................................................................................................................... 27
2.2 Problemas de definibilidade ......................................................................................... 29
2.3 Problemas de caracterização e de subclassificação ...................................................... 33
2.3.1 De natureza morfológica ........................................................................................... 33
2.3.2 De natureza sintática ................................................................................................. 35
2.3.3 De natureza semântica ............................................................................................... 42
2.4 Conclusão ..................................................................................................................... 45
3 LIÇÕES DE ANTANHO: O TRATAMENTO DO ADVÉRBIO EM
GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XVI E XIX
3.1 Introdução .................................................................................................................... 48
3.2 Lições primeiras: gramáticos do século XVI .............................................................. 50
3.2.1 Panorama lingüístico geral ....................................................................................... 50
3.2.2 Exame crítico das propostas analíticas selecionadas ...............................................
53
3.2.2.1 Fernão de Oliveira (1536) ..................................................................................... 53
3.2.2.2 João de Barros (1540) ..........................................................................................
60
3.3 Lições intermediárias: gramáticos dos séculos XVII e XVIII ....................................
68
11
3.3.1 Século XVII ............................................................................................................
68
3.3.2 Século XVIII ............................................................................................................
70
3.4 Lições finais: gramáticos do século XIX ....................................................................
73
3.4.1 Panorama lingüístico geral ......................................................................................
73
3.4.2 Exame crítico das propostas analíticas selecionadas ...............................................
73
3.4.2.1 Jeronymo Soares Barbosa (1803/1881) ...............................................................
73
3.4.2.2 Júlio Ribeiro (1882/1884) ....................................................................................
85
3.5 Conclusão ...................................................................................................................
94
4 LIÇÕES DA CONTEMPORANEIDADE: O TRATAMENTO DO
ADVÉRBIO EM GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XX E XXI
4.1 Introdução .................................................................................................................. 97
4.2 Lições de gramáticos dos séculos XX e XXI ............................................................ 99
4.2.1 Panorama lingüístico geral .....................................................................................
99
4.2.2 Exame crítico das propostas analíticas selecionadas ..............................................
102
4.2.2.1 Primeira “geração”: José Oiticica (1919/1923) ................................................... 103
4.2.2.2 Segunda “geração”: Gladstone Chaves de Melo (1951/1981 e 1968/1970) ........ 111
4.2.2.3 Terceira “geração”: Mário Vilela e Ingedore Villaça Koch (2001) ..................... 122
4.3 Conclusão .................................................................................................................. 134
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: DECIFRAR O ADVÉRBIO É PRECISO.... 138
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 145
12
1 INTRODUÇÃO: “CATEGORIZAR É PRECISO”
A linguagem, intérprete da intelligencia, é um instrumento de analyse: com effeito, as
palavras servem para distinguir os seres, os objectos, as qualidades, as substancias
reaes ou abstractas, as açções, os estados diversos das pessoas, das cousas, todas as
manifestações da vida, todos os phenomenos, até mesmo os que caem sob o domínio
da imaginação e do futuro, o contingente, o absurdo, o impossível. Ajuntem-se ainda
as relações innumeraveis de tempo e de logar, de gênero e de espécie, de numero e de
qualidade, de causa e de effeito; as relações e as correlações infinitas de tudo o que
existe, e que se pôde conceber (...). Pasmará a mente ante a simplicidade desse
mechanismo assombroso, ou ante dessa organização pujante, cujas funções múltiplas
se apresentam por meio de um número tão limitado de apparelhos. (RIBEIRO, 1884,
p. 57)
1.1 Delimitação do objeto e justificativa
Nas trilhas de gramáticos da envergadura de Said Ali (1969, 1971) e em oposição a
certos autores contemporâneos, Perini (1985, 1989, 1995, 1997, 2004), um de nossos
lingüistas mais empenhados em descrever o português à luz de novos modelos teóricos, ou
seja, suscetíveis de apresentar “maior responsabilidade teórica, maior rigor de raciocínio” e
“libertação do argumento da autoridade”(cf. PERINI, 1985, p. 7-8), defende, com a maior
veemência, a necessidade e a importância da categorização para melhor conhecimento, e
descrição mais eficaz das línguas.
Desse modo, baseando-se no exemplo dos zoólogos, que têm, como uma das molas
mestras de seus procedimentos investigatórios, a separação dos animais em classes, ordens,
espécies, etc., esse autor vem tentando levar à frente a tarefa, nada fácil, de classificação dos
vocábulos constitutivos do acervo lexical português. Certo dessa premência, ele nos aponta as
seguintes vantagens do recurso a esse instrumental de análise:
A primeira vantagem de se definir classes é que se torna possível fazer afirmações
gramaticais com o máximo de economia. (...) . A economia, no caso [ da
subclassificação de substantivos], pode parecer pequena, (...) mas as descrições
gramaticais se ocupam de línguas inteiras, e aí a economia pode ser muito grande.
Há outras razões (...) que têm a ver com fatores tais como: a depreensão dos grandes
13
traços da estrutura da língua, ou o estudo da organização da memória para
elementos lingüísticos. (PERINI, 1995, p. 307, 309)
Corroborando tal idéia, em sua obra Sofrendo a gramática, datada de 1997, esse
lingüista salienta que, na realidade, a tarefa de classificação, além de
promover diálogos
entre os cientistas, nada mais é do que o reflexo de um procedimento comum aos usuários da
língua, que, com base nas propriedades relevantes das palavras, por exemplo, identificam a
espécie a que pertencem.
Além de Perini, vale lembrar que lingüistas como Dubois et al (1993, p.108-109) já
defendiam a idéia de que “a noção de classe distribucional (...), frutífera em lingüística
estrutural em diversos níveis...”, tem o mérito de esclarecer “certas ambigüidades dos
enunciados realizados”. Prova disso, afirmam eles, é a dupla interpretação do elemento vou,
em frases como “Eu vou ver.”, em que esse item “pode indicar movimento (“Vou lá para
ver”) ou um futuro (“Eu verei dentro de pouco tempo”). No primeiro caso, o item verbal
“ver”, explicam eles, é interpretado como um item pertencente à classe dos verbos
denominados “plenos” pela tradição gramatical; no segundo, como integrante do grupo dos
auxiliares, que apresentam maior grau de gramaticalidade.
Apesar de toda uma tradição voltada para a taxonomia lexical − inaugurada, no século
IV a.C., nos Diálogos (Crátilo e Sofista) de Platão (séc. IV a. C) e reformulada,
posteriormente, por Aristóteles (séc. IV a. C) e outros sábios que o sucederam − , os seus
defensores sempre tiveram, e ainda têm, diante de si, problemas mais, ou menos, complexos a
enfrentar e a resolver. De natureza variada, essas dificuldades podem explicar a descrença de
tantos estudiosos na eficácia do recurso a procedimentos classificatórios, na descrição das
línguas. Dentre várias “aflições”, saliente-se, aqui, a que diz respeito à própria determinação
das espécies vocabulares. Dessas temos como uma das “vilãs a interjeição, nem sempre
considerada no mesmo nível das demais. Se, para manter o quadro de oito classes de palavras,
14
proposto pela primeira vez por Aristarco, os gramáticos latinos não hesitaram em inserir o
“bloco das interjeições” em substituição ao do “artigo”, presente na língua grega, mas
ausente na latina, o mesmo não se verifica em taxonomias postuladas por autores como Silva
Júnior e Andrade (1913, p. 127), que vêem na “interjeição” uma “forma rudimentar,
instinctiva”, que não exprime “como as outras palavras, idéias ou relações”.
Buscando explicar esse tipo de “desencontro” entre os autores, Vilela (1999, p. 52) nos
adverte que, como “há concepções e categorias diferentes de acordo com determinados
critérios (...), a divergência de concepção na classificação pode ser profunda”, e que “o
número de categorias gramaticais admitidas e mencionadas não é um sinal menor dessa
divergência”.
No estudo que faz do termo “categoria”, Abbagnano, em seu Dicionário de filosofia
(edição de 2000), reconhece o caráter intrinsecamente aberto de qualquer taxonomia. Em suas
palavras,
... cientistas, filósofos e pesquisadores em geral sempre exerceram o direito de propor
novas C. [ = categorias], isto é, novos instrumentos conceituais de investigação e de
expressão lingüística. Donde a necessidade de formular a noção de categoria
exatamente como a de tal instrumento: noção que, além de tudo, tem a vantagem de
caracterizar igualmente bem a função efetiva de todos os conceitos de C.
historicamente propostos. (ABBAGNANO, 2000, p. 124)
Um problema que vem desafiando os interessados em identificar e alistar os diferentes
grupos vocabulares pertencentes ao acervo lexical das diversas línguas decorre da dificuldade
de delimitação peculiares a cada um deles, feita de um modo mais generalizado possível.
Consciente de que a Lingüística, tal como a Zoologia, “também tem seus ornitorrincos”
(animais australianos que têm características de mamífero e réptil), Perini (1997, p. 42)
reconhece, dentre outras coisas, que a separação tradicional
entre “substantivos” e
“adjetivos” não é fácil de sustentar. Prova disso são ocorrências como a de abaixo, que,
transcrita desse autor (1997, p. 45), ilustra a possibilidade de “adjetivação” de substantivos,
no caso, representado pelo termo cabeça:
15
(1) “Ontem fui ver um filme muito cabeça.”
Acrescentando o “pronome” à sua lista de “termos problemáticos”, Perini (1997, p.
45) aponta que “não se conseguiu, até hoje, uma definição que separasse com clareza essas
três classes”, − substantivo, adjetivo e pronome −, que, na verdade, constituiriam, no seu
modo de ver, “uma grande classe, dentro da qual se distinguem muitos tipos de
comportamento gramatical” (PERINI, 1997, p. 45).
Também alocados por Perini (1997) no bloco dos ornitorrincos, os “adjetivos” traziam
dificuldades para autores antigos, que optavam por arrolá-los na mesma classe dos
“substantivos”, ou, então, na dos itens verbais. Confirme-se isso no seguinte excerto,
transcrito do Dicionário de lingüística de Zélio dos Santos Jota:
Para os antigos, os adjetivos eram capitulados entre os substantivos, porquanto com
estes concordam aqueles em gênero, caso, etc.; outros os incluíam entre os verbos,
por isso que ambos têm a função de predicado, ao passo que o substantivo tem a de
sujeito. (JOTA, 1981, p. 65)
Feitas essas considerações gerais, é chegada “a hora e a vez” de voltar a atenção para o
famigerado grupo dos advérbios, espécie lexical escolhida como objeto do estudo
metalingüístico aqui realizado. Para começar, indaguemos, antes de qualquer coisa, se, do
mesmo modo que o “adjetivo” ( e outras classes de palavras) de Perini (1997), seria esse
elemento também um “ornitorrinco” da gramática do português? Obviamente, essa pergunta
é inteiramente retórica, uma vez, que, desde os tempos de “antanho” até os de hoje, as formas
adverbiais, conforme se comprovará posteriormente, têm se constituído numa verdadeira “dor
de cabeça” para os lingüistas, que insistem em identificá-las como um bloco homogêneo,
procurando descobrir e apresentar os traços – morfológicos, sintáticos e semânticos – que lhes
seriam peculiares. Comprovam-nos essa preocupação a maneira com que autores como Elia
16
(1980, p. 254) analisa enunciados como os de abaixo, colhidos de nossa conversa espontânea.
No seu modo de ver, itens como felizmente, em situações como essa, não se configuraria
como um advérbio (no caso, de “modo”), mas, sim, como um elemento pertencente a uma
outra classe: a dos modalizadores, que atuam em outro nível da língua. Diferentemente dos
advérbios propriamente ditos, essa espécie – de modalizadores – constitui-se em “meios pelos
quais um locutor manifesta a maneira por que encara o seu próprio enunciado” (ELIA,
1980, p. 254):
(2) “ Felizmente, a Marta perdeu a eleição. Não dava mais prá continuar agüentando
aquela perua botoxeada, que nada fez por São Paulo.” (Exemplo coletado
informalmente; destaque meu.)
A propósito desse empenho em identificar o advérbio como uma classe autônoma,
cumpre-nos lembrar que a sua inclusão entre as “partes do discurso”, se deu no século II a.C.,
por iniciativa de Dionísio da Trácia (séc. II a. C.), que, conforme nos mostra Elia (1980, p.
223), intitulou-o epírrema e o definiu como “parte do discurso invariável, que modifica o
verbo ou a ele se ajunta” (destaques nossos). Por outro lado, pode-se testemunhar, no correr
dos séculos, a tentativa de alguns gramáticos - especialmente na Idade Média - de estabelecer
uma relação mais próxima entre o adjetivo e o advérbio, dada a capacidade comum aos dois
de exercerem um mesmo papel (sintático e semântico) de determinantes e modificadores,
respectivamente.
Todavia, o parentesco entre “advérbio” e “adjetivo”, acima mencionado, não é visto
consensualmente por todos os estudiosos. Tanto é que muitos buscam comprovar a distância
entre os dois, apontando, dentre outras coisas, a maior flexibilidade do primeiro,
relativamente à formação de novos itens lexicais. Evidenciam isso enunciados como (3), (4) e
17
(5) abaixo, em que há, respectivamente, casos de “adverbialização” de adjetivos tomados
numa forma neutra – masculina singular – ; de “adverbialização” de adjetivos por acréscimo
do sufixo –mente e, por fim, casos de “desadverbialização” – por gramaticalização e
discursivização –, de locuções como de repente, que, conforme demonstrado por Bittencourt
(1999) e Carvalho (2000), vem assumindo, pelo menos no português brasileiro oral
espontâneo, outros significados e funções , nos diferentes domínios – gramatical, discursivo,
conversacional, textual – onde passou a atuar:
(3) a- “Jogue limpo no trânsito.” (Língua escrita, excerto de publicidade.)
b- “Esta tartufada é uma receita tradicional italiana. Fatie duas trufas negras bem
fino.” (Língua escrita, excerto de receita.)
c- “João Leite perdeu feio em Belo Horizonte.” (Língua oral, comentário feito em
programa televisivo.)
(4) a- “Eu queria, assim... ser como o Ciro Gomes, que fala tão bonitamente!’
(Língua oral espontânea)
b- “Eu sei que me visto-me felomenalmente, mas o barão falou que o meu
charme está em eu ser eu mesmo.” (Fala do persongagem Giovanni Improtta,
da novela “Senhora do Destino”, da Rede Globo de Televisão)
c- “ Ela pensou que, falando interessantemente, ia me convencer em votar na tal
de Pacífico”. (Língua oral espontânea)
(5) a- “...trabalhar paráfrase nessa perspectiva, de repente... pode ser interessante.”
(Exemplo de CARVALHO, 2000, p. 75; destaque nosso)
18
b- “... eu não sei o grau de ferimento do homem... de repente a opinião dele é
muito importante.” (Exemplo de CARVALHO, 2000, p. 109; destaque da
autora).
c- “... o celular... de repente o celular do homem ... a mulher tava rezando... eu vi
que ela tava rezando... o celular dele toca...” (Exemplo de CARVALHO,
2000, p. 91; sublinhado nosso)
Diante disso e de outros problemas ainda não resolvidos, veio-nos o desejo
de
mostrar, de um modo mais pontual e sistemático, a complexidade dessa questão e, a partir
dela, comprovar a importância da categorização, no âmbito dos estudos lingüísticos. A fim
de atingir essa meta, optamos por apresentar e discutir, num estudo longilíneo, das soluções
propostas por gramáticos voltados para a descrição do português, para tanto foi necessária
uma “viagem” no tempo com duas grandes “paradas”: às primeiras “lições” gramaticais
acerca de nossa língua e outra, a “lições” mais recentes. Assim procedendo, pudemos rastrear
os problemas, as limitações e os avanços da análise preconizada por nossos autores, de
ontem e de hoje, relativamente à classificação de palavras, em especial, à do advérbio, que,
no dizer de Sílvio Elia (1980, p.221), uma das categorias mais “controvertidas” e difíceis de
delimitar.
Tomando a afirmação desse autor como uma espécie de desafio para os que, como
nós, ainda acreditam na importância do estudo do enunciado, dispusemo-nos a enfrentá-lo,
buscando oferecer, com isso, alguma contribuição para a historiografia dos estudos
lingüísticos, campo ainda pouco valorizado entre nós. Essa contribuição, conforme
mencionado acima, compreende, basicamente a discussão da procedência, ou não, das lições
contidas em compêndios gramaticais tidos, na literatura corrente, como representativos de sua
época − pretérita (séculos XVI e XIX) ou mais recente (séculos XX e XXI). Criticadas,
19
muitas vezes injustamente, essas lições apresentam problemas que, de acordo com Perini
(1985, p. 13), se resumiriam na “ausência de conscientização adequada do importe teórico
das afirmações” feitas pelos autores. Apesar disso, como não podia deixar de ser,
reconhecendo, como Langacker (1972), a grande contribuição dada por nossos gramáticos −
antigos, ou não − , apontam-se as idéias, as soluções, que, alicerçados na tradição gramatical,
se revelam precursoras de propostas de análise comprometidas com a Lingüística Moderna.
Ademais, esperamos que a opção por um estudo de caráter metalingüístico, possa
repercutir no modo de condução do processo de ensino/aprendizagem da nossa língua, uma
vez que serve para evidenciar a complexidade do sistema lingüístico, que, por vezes,
banalizado em sala de aula, tira do aluno a oportunidade de vê-lo como é, e, portanto de
conhecer melhor como o usamos em nossas interações. A partir do exame crítico das
taxonomias lexicais estabelecidas pelos gramáticos selecionados, e, sobretudo, do modo como
analisam a espécie adverbial, procuramos, de nossa parte, sempre que possível, nos posicionar
a respeito dessa questão, tomando como base − e como ponto de referência −, para o
confronto aqui efetuado, dados que, embora colhidos de um modo assistemático, refletem a
situação real vigente no português brasileiro hodierno.
Em suma, tentamos aqui oferecer a nossa parcela de contribuição, com a esperança de
dirimir a queixa de Perini (1995, p. 338), quanto à pouca atenção que se tem dado entre nós às
formas adverbiais tomadas em seu conjunto.
20
1.2
Objetivos
Tendo em mente os inúmeros e diferentes tipos de desafios impostos aos que se
interessam em delimitar, com o máximo possível de coerência e precisão, as diferentes classes
de palavras que compõem o acervo lexical de uma língua, o presente trabalho teve como
objetivo geral, examinar, crítica e comparativamente, o modo como alguns de nossos
gramáticos, situados em tempos mais antigos e mais recentes, procuraram, e ainda vêm
procurando, levar a termo essa tarefa de categorização de nosso acervo lexical e de apontar (e
justificar) a posição do advérbio em suas taxonomias.
De um modo especial, o nosso propósito foi:
a) mostrar, através de comparação intergramatical os critérios utilizados pelos autores
selecionados, na categorização das palavras no português;
b) indicar o(s) critério(s) tido(s) como de maior relevância pelos gramáticos na
identificação e subclassificação das formas adverbiais;
c) apontar os problemas que mais comprometeram a credibilidade da análise por eles
defendidas;
d) traçar um quadro que nos forneça uma idéia geral do percurso evolutivo de “lições”
em torno das formas adverbiais, contribuindo, assim, para a historiografia dos estudos
da linguagem entre nós;
e) apontar as soluções que, ancoradas numa visão tradicional, já assinalam avanços que
as aproximam da Lingüística Moderna;
f) resgatar, através do confronto entre o pensamento antigo e o moderno, o respeito às
lições de nossos gramáticos de linha tradicional, injustamente subestimados em nosso
meio acadêmico.
Subjacente a essas intenções, o fim último deste trabalho foi mostrar aos Professores
21
de Português as vantagens da tarefa de categorização para a análise linguística, bem como
para a necessidade de efetuá-la em coerência com a natureza dos fatos obsevados e do uso
real da lingua.
1.3 Metodologia
1.3.1
Seleção dos compêndios gramaticais
As “lições” taxonômicas aqui apreciadas não foram escolhidas aleatoriamente, mas
selecionadas a partir de propostas analíticas defendidas por gramáticos que, consagrados pela
tradição, postulam soluções diferentes tanto para a classificação geral das palavras de nossa
língua, quanto para a caracterização dos itens adverbiais. Abaixo, detalham-se os critérios
que orientaram essa escolha.
1.3.1.1 Critérios adotados
Fundamentada em compêndios gramaticais diversos (fonte secundária) e, quando
possível e pertinente, em dados do português em uso no Brasil (fonte primária), a análise
metalingüística aqui apresentada foi desenvolvida a partir de dois grandes recortes temporais:
um, pretérito (séculos XVI e XIX) e outro, presente (séculos XX e XXI). Esse último, por
abrigar maior número de publicações dessa natureza, foi dividido em três fases (ou gerações,
conforme preferimos nomeá-las), mais ou menos correspondentes às etapas de evolução dos
estudos lingüísticos, na época moderna. Assim a escolha das gramáticas se norteou por
critérios relativos ao tempo, à diferença de concepção de linguagem por parte dos autores e o
tipo de proposta analítica por eles defendida.
22
1.3.1.2 Compêndios selecionados
Com vistas a trazer à tona o pensamento dominante entre os gramáticos das diferentes
épocas enfocadas, acerca do advérbio no conjunto das espécies vocabulares por eles
discriminadas, optamos por fazê-lo em amostragem, consultando os mais conceituados no
meio acadêmico e, dentre esses, os defensores de soluções mais coerentes e/ou mais
avançados para questão tão intrincada.
Para tanto, valemo-nos das edições a que tivemos acesso, dando preferência às que
eram complementadas por comentários de especialistas devidamente abalizados, ou, então, às
que eram ampliadas por novos prefácios, lições, comentários ou notas. Para o seu registro no
corpo do trabalho, procuramos indicar, antes da data da versão consultada, a data de sua
primeira edição; excetuando, obviamente, os casos dos manuais mais recentes, ainda sem
reedição.
Eis, abaixo, a lista das obras examinadas, cujos dados bibliográficos completos são
fornecidos na parte das Referências.
1.3.1.2.1
De tempos pretéritos
A Século XVI
i- Gramática da lingoagem portuguesa, de Fernão de Oliveira (1536)
Edições aqui utilizadas: 1933, 1975.
ii- Gramática da língua portuguesa, de João de Barros (1540).
Edições aqui utilizadas:1957, 1971.
23
B Fase intermediária
a) Século XVII
i- Methodo grammatical para todas as linguas, de Amaro de Roboredo (1619/1623)
ii- Ortografia da lingua portuguesa, de João Franco Barretto (1671).
b) Século XVIII
i- Verdadeiro metodo de estudar, para ser util a republica e igreja: proporcionado
ao estilo e necessidade de Portugal, de L. A. Verney (1747).
ii- Compendio de orthografia, de Frei Luiz do Monte Carmelo (1767).
C Século XIX
i- Grammatica philosophica da língua portuguesa, de Jeronymo Soares Barbosa
(1803).
Edição aqui utilizada: 1881.
ii- Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro (1882).
Edição aqui utilizada: 1884.
1.3.1.2.2
De tempos recentes: séculos XX e XXI
a) Primeira “geração”
Manual de análise, de José Oiticica (1919).
Edição aqui utilizada: 1923.
b) Segunda “geração”
Gramática fundamental da língua portuguesa, de Gladstone Chaves de Melo
(1968).
Edição aqui utilizada: 1970.
24
Iniciação à filologia portuguesa, de Gladstone Chaves de Melo (1951).
Edição aqui utilizada: 1981
c) Terceira “geração”
Gramática da língua portuguesa; gramática da palavra; gramática do texto;
gramática do discurso, de Mário Vilela e Ingedore Villaça Koch ( 2001) – 1ª edição.
.
1.3.2
Caminhos de análise
A pesquisa que aqui procuramos desenvolver implicará, conforme já mencionado, o
acompanhamento longitudinal de “lições” fornecidas, no passado e no presente, acerca da
classificação das palavras do português, em especial, sobre o enquadramento, ou não, do
advérbio entre os grupos considerados autônomos. Em vista disso, a análise aqui levada a
termo foi conduzida a partir dos seguintes procedimentos:
a) levantamento dos problemas vigentes até hoje na literatura específica, quanto às
vantagens, ou não, da tarefa de categorização de elementos/fatos lingüísticos, bem
como quanto aos critérios utilizados pelos gramáticos na delimitação do “advérbio”
como uma classe específica, ou não;
b) apresentação e comentário crítico dos conceitos, critérios e tipologias defendidos por
eles ao categorizar os vocábulos em geral, e mais especificamente o advérbio;
c) confronto das diferentes “lições” apreciadas, para a devida indicação dos pontos
convergentes e divergentes entre elas;
d) notificação do caráter inovador soluções propostas pelos autores mais antigos;
e) referência, quando possível, à situação vigente no português atual – vertente brasileira
–, quanto ao uso real dos advérbios.
25
4
Plano do trabalho
Além desta parte introdutória, na qual se procurou confirmar a validade ou mesmo a
necessidade da compartimentação conjunto lexical das línguas, delimitar o objeto de estudo,
justificar o tipo de investigação proposta, definir as metas desejadas e mostrar o caminho
metodológico seguido, o presente trabalho conta, ainda, com três capítulos, a que se seguem,
como fecho, as Considerações Finais e as Referências.
No capítulo subseqüente, de caráter mais teórico, procura-se averiguar até que ponto
se aplica ao advérbios a qualificação metafórica de “ornitorrinco”, emprestada por Perini
(1997) a outros autores, com vistas a traduzir as dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores
na tarefa de definição da classe dos adjetivos. Com base em dados do português brasileiro
atual, recolhidos quase sempre de conversas informais, discute-se a pertinência, ou não, dos
diferentes traços – morfológicos, sintáticos, semânticos e até discursivo-textuais – que,
indicados pelos autores aqui apreciados, deveriam, em princípio, servir para identificar, com a
devida precisão, o grupo dos “advérbios”.
No terceiro capítulo, de exame propriamente dito das lições gramaticais pretéritas,
focalizam-se, inicialmente, as duas primeiras gramáticas da língua portuguesa, que, datadas
do século XVI, integralmente ou não, a nova maneira de pensar instaurada no Renascimento.
A primeira, de Fernão de Oliveira (1536), por fixar-se, preferencialmente, em estudos da
fonética/fonologia do português da época, não fornece informações mais explícitas sobre os
critérios de classificação das palavras – referida na parte destinada à Morfologia − , e nem
mesmo sobre a concepção de “advérbio” adotada por ele. Com isso, as “lições” desse
estudioso, aqui registradas e comentadas, foram obtidas de um modo indireto, a partir de
referências esparsas encontradas ao longo de sua gramática. Diferentemente, a segunda, de
autoria de João de Barros (1540), avaliada no meio acadêmico como inferior à
primeira,
26
oferece maior contribuição nessa esfera, apresentando lições tanto a respeito da classificação
de palavras de um modo geral, quanto do estudo do “advérbio” per se.
Em prosseguimento à “viagem” feita no passado, faz-se breve referência a gramáticas
dos séculos XVII e XVIII, “portos de passagem” que, situados no que chamamos de “fase
intermediária”, procuramos examinar com o objetivo de evitar uma ruptura brusca entre as
lições concernentes aos séculos XVI e XIX, fases do período pretérito aqui apreciado.
Para finalizar a visita ao passado, examinam-se dois compêndios gramaticais do
século XIX, compostos, respectivamente, por Jeronymo Soares Barbosa (1803), que segue de
perto a perspectiva filosófica da Grammaire générale et raisonée, de Port-Royal (século
XVII- XVIII), e por Júlio Ribeiro (1882/1884), que constrói a sua gramática com base na
crença de que “o estudo da linguagem diz-nos muito sobre a natureza e a história do homem.”
(RIBEIRO, 1884, p. 2).
Também dedicado ao exame crítico das “lições” de nossos gramáticos acerca do
“advérbio” e da sua inserção, ou não, no quadro tipológico de palavras do português, o quarto
capítulo faz incursões em tempos mais recentes, examinando manuais do século XX e, até
mesmo, do começo do XXI. Nesse recorte temporal, examinam-se as “lições” de autores –
lusitanos e, sobretudo, brasileiros – mais recentes, distribuindo-os, conforme anunciado
anteriormente, em três grupos, rotulados de “primeira”, “segunda” e “terceira” gerações.
Dando fecho à pesquisa, segue-se a parte reservada às Considerações Finais, na qual se
busca pontuar os aspectos mais relevantes das análises investigadas, bem como delinear um
quadro-síntese, no qual se destacam os encontros e desencontros entre as “lições” fornecidas
pelos diferentes gramáticos aqui apreciados.
27
2 O ADVÉRBIO: UM “ORNITORRINCO” DA GRAMÁTICA?
Todos sabemos ser o advérbio uma das categorias léxicas mais controvertidas. Ora
recebe em demasia, ora quase tudo se lhe tira. Isso revela que se trata de categoria
mal definida, conquanto indispensável.
(ELIA, 1980, p. 221; destaques nossos)
2.1 Introdução
No intento de apontar, de um modo mais fiel possível, as dificuldades enfrentadas
pelos estudiosos na tentativa de definir e de indicar os diferentes tipos do famigerado bloco
dos advérbios – ou “tribo dos advérbios”, no dizer da boneca Emília, de Monteiro Lobato,
quando em visita ao mundo da gramática –, valemo-nos, no título acima, de um termo que,
emprestado à Zoologia, tem uma conotação de algo desconhecido e indefinível. Utilizado por
autores mais antigos com essa intenção, e retomado por Perini (1997), com vistas a mostrar
os “custos” do trabalho de identificação de outra classe de palavras, a dos adjetivos, o
vocábulo ornitorrinco tem aqui também o papel metonímico de expressar as dificuldades
dos investigadores da linguagem, em geral, frente aos “mistérios” que envolvem não só as
formas adverbiais e adjetivas, como os demais tipos de palavras de nossa e de outras línguas.
A propósito das formas adverbiais, objeto central de nossa investigação, pode-se
dizer que o próprio recorte analítico que alguns autores fazem, fixando-se em apenas um ou
alguns de seus traços, ou de sua distribuição em diferentes e numerosos subgrupos, configurase como prova testemunhal da dificuldade que se tem em delimitar tal categoria, em sua
abrangência e em seus desmembramentos. Dessa forma, nota-se que são muito mais
numerosos trabalhos como os de Parisi (1977), Saraiva (1978, 1983), Ilari (1993a, b), Pontes
(1992), Neves (1993), Martelotta (1993), e outros autores mais, que vêm concentrando o seu
olhar em apenas alguma(s) de suas subespécies. Assim, as duas primeiras autoras, Laura
28
Parisi e Maria Elizabeth Fonseca Saraiva, se concentram, especificamente, nos “advérbios de
“modo”, tido por muitos como o “elemento adverbial por excelência”. Por outro lado, o
terceiro autor, Rodolfo Ilari, se volta para os que atuam como “aspectuais” e “focalizadores”,
ao passo que a quarta e a quinta, Eunice Pontes e Maria Helena Moura Neves, para os de
“lugar” e “tempo” (também apontados na literatura corrente como “advérbios propriamente
ditos”, por seu caráter circunstanciador), e o sexto autor, Mário Eduardo Martelotta, para os
de “tempo”.
Ao contrário, repita-se, são bem mais raros trabalhos mais abrangentes, que focalizam,
com o maior apuro possível, o conjunto dos itens adverbiais de nossa língua. Fogem à regra,
porém, alguns estudos como os de Macedo (1954), Elia (1980), Martelotta (1986), Bomfim
(1988) e até mesmo de alguns de nossos gramáticos, que se preocupam em examinar mais
detidamente esse tipo vocabular. Ilustram isso obras gramaticais como as de Perini (1985,
1995), Vilela (1999), Neves (2000), Vilela e Koch (2001), dentre outras.
Encarando o “advérbio” português sob os dois ângulos, mais e menos abrangentes, no
presente capítulo − preparatório para os dois subseqüentes, que enfocam as “lições” dos
gramáticos aqui levados em conta −, buscamos, aqui, arrolar e comentar alguns dos
problemas que, desde “antanho”, vêm desafiando os que se dispõem a enfrentá-los.
Tratados em seções diferentes, o primeiro problema tem a ver com a própria definição
de “advérbio”, que, alicerçada, tradicionalmente, no critério semântico e/ou morfológico,
deixa a desejar, não só em relação ao número e tipos de traços apontados, como em relação ao
próprio grau de abrangência desses traços. Acresçam-se a isso a pouca atenção conferida aos
papéis exercidos por essa espécie de palavra em outras instâncias da língua, e a ausência de
explicação para a inclusão de certos termos e/ou expressões no rol dos advérbios.
Concernente à caracterização do “advérbio”, outro problema, de ordem gramatical e
discursiva, discutido na segunda seção, é abordado em quatro sub-seções distintas,
29
correspondentes a níveis lingüísticos diferentes: uma primeira, na qual se questiona seu
estatuto morfológico; uma segunda, na qual se enfoca seu estatuto sintático; uma terceira, em
que se apontam traços de caráter semântico, tidos como próprios a essa espécie de palavra, e
numa última, em que se indicam propriedades relativas ao nível extrafrásico ou exofrásico,
no qual o “advérbio” pode atuar, nível esse que extrapola o âmbito da sentença, unidade de
análise da gramática tradicional.
Por fim, em seção conclusiva, procede-se a uma síntese avaliativa dos problemas
arrolados, pontuando-se aqueles que continuam sem solução, ou cuja solução não é a mais
adequada. Encaremos, então, esse terreno ainda inquietante.
2.2 Problemas de definibilidade
Qualquer que seja o campo de estudos, uma das dificuldades com que se esbarra é a
definição do objeto/fato em estudo. No caso em pauta, as mesmas incertezas e perplexidades
observadas na categorização das palavras que compõem o
“macroconjunto” lexical das
línguas costumam incomodar os interessados em determinar as diferentes espécies próprias
de cada uma delas. Já na década de vinte, um de nossos grandes lingüistas, Sapir (1921, p.
117), reconhecia essa dificuldade, afirmando que “assim que testamos nosso vocabulário,
descobrimos que as classes de palavras estão longe de corresponder a uma análise da
realidade tão simples”.
Componente desse macroconjunto, nem mesmo o “advérbio”, assim como os demais
tipos vocabulares, foge à regra, continuando a desafiar, até hoje, os cientistas da linguagem.
Tanto é que, em tempos mais recentes, ao empreender sua análise acerca dos
“circunstanciadores de tempo”, Martelotta (1993, p. 21) reconhece que “o rótulo advérbio
designa um conceito fluido, que tende a se adaptar às intenções comunicativas envolvidas no
30
discurso” (negrito nosso). Comprova-nos essa assertiva o próprio título que esse pesquisador
confere ao seu trabalho – Os circunstanciadores temporais e sua ordenação: uma visão
funcional − , reunindo, sob a designação única de “circunstanciadores”, a função semântica
tida pelo autor como a mais apropriada para identificar os advérbios – oracionais ou não –,
bem como o papel de modalizadores, que podem exercer no discurso, conferindo-lhes, com
isso, maior carga de subjetividade.
Um mergulho no passado, particularmente na Antigüidade Clássica − fase
caracterizada por Câmara Jr, (1975, p. 15), como de estudos “paralingüísticos” −, também nos
revela a complexidade da tarefa de classificação, tanto no âmbito do vocabulário como um
todo, quanto no de uma de suas classes formantes, conforme se pode constatar em
investigações longitudinais como a realizada por Sílvio Elia (1980).
Num enfoque prático-teórico, Platão (século IV a.C.), um dos primeiros a propor um
quadro distributivo das palavras, arrola apenas dois grandes tipos: ónoma (substância) e
rhema (ação). Ampliando essa divisão, Aristóteles (século IV a.C.) acrescenta-lhe mais uma
classe, syndesmoi (conectivos), a que cabe expressar as relações entre os vocábulos.
Desmembrada em duas subsespécies pelos estóicos, essa classe abarca doi subtipos:
preposição e conjunção.
Somente no século II a. C., é que se tem, por proposta de Dionísio da Trácia, a
inclusão de uma nova classe, a do epírrema, definida por ele como parte do discurso que, de
caráter invariável, modifica o verbo ou a ele se ajunta. O primeiro emprego do termo
“advérbio” por Donato, no século IV, não trouxe novidades que alterassem a concepção até
então vigente desse espécie de palavra. Por sinal, o próprio Donato sequer faz referência ao
papel semântico como uma das propriedades passíveis de identificar os itens adverbiais.
Apesar dos diferentes tipos de pensamento que nortearam as análises subseqüentes –
de base metafísica, com os gramáticos especulativos na Idade Média e de base filosófica, no
31
período renascentista e pós-renascentista (séculos XVI e XVII) –, a definição do “advérbio”
permaneceu confusa e parcial.
Herdeira e continuadora da linha de estudos greco-latinos, a gramática tradicional,
com algumas exceções, acabou por acatar e repetir as lições deixadas pelos antigos, definindo
o “advérbio” sob um ponto de vista semântico, dando proeminência ao seu papel de
“circunstanciador”. Estendendo o olhar para os componentes morfológico e sintático, alguns
estudiosos levam em conta o seu estatuto formal de “palavra invariável” e de
modificadora/determinadora do verbo, do adjetivo e até mesmo de outro advérbio.
Independentemente do maior ou menor porte da matriz de traços apresentada, os autores, na
verdade, acabam deixando para o leitor o trabalho de interpretar, com a devida propriedade e
certeza, o que esses “atributos” significam e que tipos de advérbios abarcam. Alguns sequer
têm o cuidado de justificar a inclusão, em suas propostas taxonômicas, de vários itens
adverbiais que não se enquadrariam na definição que advogam. Ilustram isso enunciados
como os de abaixo, colhidos aleatoriamente, em que os itens grifados, tidos como advérbios
pela tradição gramatical, não indicam “circunstância”, se
entendermos como tal, as
informações relativas a tempo, lugar, causa, etc.:
(1) a- “Aquela Elisa do 8º Período de Letras é fabulosamente a melhor aluna da
turma.”
b- “Certamente, o Bush, agora, está com a corda toda para guerrear qualquer
país que lhe der na telha.”
(2) a- “Esse menino é tão prodígio que começou a falar bem cedinho.”
b- “Ela é o tipo de professora que, além de falar muito depressa, vai cuspindo por
tudo quanto é lado.”
32
Do mesmo modo, têm ficado sem explicação ocorrências como as de abaixo, tão
comuns no português, nas quais, um mesmo item adverbial pode atuar em níveis diferentes –
frásicos e exofrásicos –, aí assumindo valores semânticos e discursivos diferenciados – o que
nos leva a supor que não se trata de um mesmo item lexical, mas de vocábulos distintos
pertencentes a grupos ou subgrupos, também distintos entre si:
(3) a- “Esses políticos nunca falam francamente.”
b- “Francamente, esses políticos mentem demais.”
(4) a- “Mesmo ferido, ele conversou normalmente comigo.”
b- “Normalmente, os bebês só choram quando estão com fome.”
Outro fato empírico que causa transtornos à empresa da delimitação de uma “classe
adverbial” é a impossibilidade de ocorrência de alguns “advérbios de modo” também
terminados em –mente, como os de acima, em contextos como o de (3b) e (4b), conforme
mostrado por Saraiva (1978):
(5) a- “Depois da cirurgia, Adriana mudou o seu modo de vida completamente.”
b- (?) Completamente, Adriana mudou o seu modo de vida depois da cirurgia.
(6) a- “Infelizmente, ele morreu. (= Ele morreu, infelizmente.)
b- (?) Ele morreu infelizmente.
33
Um último obstáculo a uma definição mais apropriada do “advérbio”, a lembrar
aqui, tem a ver com os próprios termos empregados pelos autores na identificação da “classe
adverbial”, a partir do(s) papel(éis) que as formas adverbiais podem assumir. Assim é que não
se tem, por exemplo, uma idéia segura da distinção entre “circunstanciadores” e
“qualificadores”, ou entre “restritivos” e “modificadores”, ou, ainda, “qualificadores” e
“determinadores”. Optando por essa última dupla, Elia (1980) divide essa espécie lexical em
dois subgrupos: o dos “advérbios de modo”, de “quantidade” e de “intensidade”, a que rotula
como modificadores , uma vez que a determinação do significado do verbo é interna, ou seja,
incidente “sobre o núcleo sêmico do vocábulo”; e o dos demais advérbios, cuja “determinação
é externa ou circunstancial”. (cf. ELIA, 1980, p.253; destaques nossos).
Diferentemente, outros autores preferem qualificar como “circunstanciadores” apenas
as formas indicadoras de tempo e lugar, considerando os restantes como “qualificadores”, ou,
então como “modificadores”.
Vistos alguns dos problemas semânticos que demandam delimitação menos
“flutuante” e imprecisa de uma possível
classe adverbial, investiguemos, a seguir, as
dificuldades concernentes à sua caracterização formal.
2.3 Problemas de caracterização e de subclassificação
2.3.1
De natureza morfológica
Também insatisfatória é a definição do “advérbio” a partir de seu estatuto morfológico
de “palavra invariável”, critério tomado, às vezes, como único e absoluto em alguns de nossos
compêndios gramaticais, embora não se restrinja aos itens adverbiais e se estenda ao
macroconjunto conectivo, formado por conjunções e preposições.
34
Numa tentativa de classificar as palavras do português com base exclusiva no seu
estatuto morfológico, Schneider (1974), divide-os, primeiramente, em dois grandes grupos:
vocábulos passíveis de flexão (substantivo, adjetivo, numeral, pronome e verbo) e vocábulos
não sujeitos a flexão (advérbio, preposição, conjunção). Ao examinar no segundo grupo,
estabelecendo os limites entre cada um de seus formantes – advérbio, preposição e conjunção
- , a autora (p. 70) recorre a outro traço morfológico, de caráter derivacional, que ela assim
justifica: “a flexão, não podendo mais ser um elemento distintivo, cede lugar à derivação”.
(SCHNEIDER, 1974, p. 70). Com base em dados empíricos como:
perto/pertinho,
cedo/cedíssimo x a, de, com e que, e, nem, essa lingüista acredita ter, com isso, dado
solução definitiva à delimitação do grupo adverbial, único que pode resultar de processos de
sufixação.
Todavia, a nosso ver, o problema não é resolvido satisfatoriamente, uma vez que a
possibilidade de acréscimo sufixal não é extensiva a todos os itens adverbiais, mesmo que
alguns deles, especialmente os de “modo”, tenham resultado – e ainda resultem – da anexação
de um sufixo (-mente, no caso dos indiciadores de modo) a um “adjetivo”. Prova disso é a
impossibilidade de derivação sufixal de itens como: hoje(zinho), onten(zinho), depois(inho) e
outros mais.
Com isso, endossamos o pensamento de Perini (1985, p. 27-28), quando afirma que a
“classificação formal das palavras segundo sua variação morfológica é muitas vezes
impossível”.
35
2.3.2 De natureza sintática
No que tange às propriedades sintáticas do “advérbio”, também detectamos, na
literatura corrente, vários dissensos entre as obras examinadas. Dentre eles, focalizam-se,
aqui, os que nos pareceram mais perturbadores, ou pouco explorados (quando não
mencionados) pelos autores. São eles: os níveis de atuação dos itens adverbiais; sua extensão
funcional (segundo nomenclatura de Elia, 1980), ou escopo; seu grau de integração com o
verbo; sua força de recção, e, por fim, sua suscetibilidade a deslocamentos variados.
Começando pelo nível lingüístico em que pode atuar, constatamos que a idéia mais
comum entre os gramáticos é a de que as formas adverbiais se circunscrevem ao interior da
frase, configurando-se, pois, como componentes intrafrásicos, isto é, como modificadores de
determinados constituintes-núcleo da oração. Contudo, vários estudiosos – mais antigos, ou
não - fazem menção, mais ou menos breve, de papéis assumidos por certos “advérbios” na
instância extrafrásica, ou discursivo-textual, onde se configuram como modalizadores. Essa
alternativa de análise, entretanto, não é imune a críticas, sendo, por exemplo, rejeitada por
autores como Sílvio Elia (1980, p. 254), que, além de conferir um espaço diferente para os
modalizadores, em seu quadro taxonômico, inclui, dentre estes, os tradicionais advérbios de
negação, dúvida e afirmação, bem como os de modo, quando referentes à oração.
Do mesmo modo, no que diz respeito ao escopo do “advérbio”, fogem ao consenso as
opiniões dos lingüistas de ontem e de hoje. Prova disso é a cisão entre os que, restritos ao
nível intrafrásico, apontam o verbo como o único constituinte passível de ser modificado pelo
“advérbio”, e outros que entendem ser essa possibilidade extensiva a outros elementos da
oração. A própria listagem desses elementos nos remete a novas divergências de pensamento
entre os estudiosos, o que nos leva à sua distribuição em, pelo menos, dois blocos distintos:
um constituído pelos que não só apontam o verbo, o adjetivo e outro advérbio, como também
36
nomes substantivos como suscetíveis de modificação adverbial; outro formado pelos autores
que não admitem essa possibilidade.
A nosso ver, esse último grupo não deixa de ter certa razão, uma vez que a
determinação adverbial não incide pura e simplesmente sobre os substantivos como um todo,
mas, sim, sobre os substantivos que apresentam uma certa força adjetiva, conforme ilustrado
nos enunciados abaixo, coletados de fala espontânea, sendo o último exemplo um numeral:
(7) a- “Ele se diz muito homem, para ser dominado por mulheres.”
b- “Esse cara é muito cachorro, completamente cara de pau, pensando que pode
me enganar desse jeito. Ele que se cuide!”
c- “A Raissa, sim, é uma aluna muito dez, dez até demais.”
Outro tipo de problema - nem sempre levado em conta por nossos gramáticos correlacionado com a delimitação do escopo do “advérbio”, isto é, com o tipo de vocábulo
que lhe cabe modificar, é o seguinte: não são todos os advérbios que podem figurar como
modificadores de todos os tipos de constituintes oracionais apontados pelos gramáticos como
suscetíveis disso. Consciente dessa restrição, Vilela (1999), por exemplo, procura nos mostrar
que o tipo de modificação adverbial varia de acordo com a espécie de palavra modificada.
Assim, se, por um lado, o verbo pode ter como modificadores advérbios qualitativos (ou
modo), circunstanciais e intensivos, por outro, os adjetivos só admitem modificação adverbial
de caráter intensivo. Como argumento comprobatório disso, Vilela se vale de dados empíricos
como os de abaixo, ocorrentes no português lusitano (e também no brasileiro):
(8) a- “Ele é verdadeiramente inteligente.”
b- “Ela é particularmente inteligente.”
37
Segundo esse mesmo autor, “mesmo os advérbios derivados de adjectivos que não se
situam no domínio do ‘intensivo’ são arrastados para a intensificação (como largamente,
profundamente, altamente)”. (VILELA, 1999, p.243).
Também relacionada com o tipo de escopo admitido pelo “advérbio” é a questão a que
denominaremos grau de adverbialidade, que aparece implícita nas lições de gramáticos.do
presente e do passado. Segundo pudemos deduzir de afirmações como a de Mário Vilela,
transcrita abaixo, as formas adverbiais podem ser dispostos numa ordem escalar crescente,
que começa com as formas [- adverbiais] e termina com as [+ adverbiais]:
Os advérbios modificadores do verbo (e portanto dele dependentes) são os advérbios
propriamente ditos: são os que caracterizam o acontecer verbal em si, como se
fossem complementos ‘inerentes’ do próprio verbo. Isto é, o advérbio fica a fazer
parte do próprio predicado, acrescentando-lhe algo de novo, algo referencialmente
novo: ‘Ela falava maliciosamente com o namorado. (VILELA, 1999, p. 244; destaque
nosso)
Em face da exemplificação fornecida pelo autor na página 244 dessa mesma obra, na
qual o tipo de “advérbio” ocorrente é o de “modo”, concluímos que é essa subespécie que, a
seu ver, apresenta uma carga adverbial mais forte. Anteriormente à Vilela, Elia (1980, p. 252253) já asseverava que os advérbios de “modo”, ou “qualidade”, bem como os de
“quantidade/intensidade” têm uma relação de natureza interna com o verbo, uma vez que
incidem sobre o núcleo sêmico do lexema; diferentemente, os “circunstanciais” mantêm com
o verbo uma relação de natureza exocêntrica, uma vez que, de acordo com esse autor, não
pertencem ao mesmo sintagma. Em suma, segundo nossa interpretação, tanto para Sílvio Elia
quanto para Mário Vilela, o “advérbio de modo” seria o de maior força adverbial.
No tocante ao nível de integração das formas adverbiais com o verbo, constatamos
que, embora a NGB estipule que os verbos transitivos se distribuam em três grupos – direto,
indireto e direto e indireto –, autores como Kury (1970), Luft (1979), Bechara (1976/1999),
Saraiva (1983), dentre vários outros, acreditam que, na verdade, a situação do português é
38
mais complexa do que essa. No seu modo de ver, existem verbos de predicação incompleta
que, semanticamente caracterizados como indicadores de movimento ou de situação,
“exigem”, ou selecionam, um complemento de natureza adverbial, capaz de integralizar a
sua significação, tal como ocorre em enunciados como os de abaixo:
(9) a- “Acontece que ele não agüentou ficar nesta cidade maluca e deu um jeito de ir
morar no interior.”
b- “ Você não viu que o seu filho, mal chegou em casa, já tratou de ir para aquele
maldito boteco?”
O seguinte excerto, transcrito de Kury (1970), primeiro autor supracitado, nos dá uma
noção mais precisa desse modo de pensar:
... há verbos cuja idéia, em princípio, só se completa com a adjunção de um objeto
direto (fazer, vender), de um objeto indireto (pertencer a, servir-se de, pensar em,
concordar com), ou de um adjunto adverbial de lugar (ir a, vir de, ficar em): são
verbos de significação relativa, de predicação incompleta. (KURY, 1970, p. 44;
negrito nosso)
Procurando fugir da incoerência terminológica de autores que analisam como
“adjuntos” constituintes em função sintática completiva, Luft (1979) sugere que se incluam
os termos adverbiais de natureza completiva na classe dos “objetos indiretos”, que, segundo
ele, abarcaria, também, o “agente da passiva”. Uma proposta diferente é difendida por
Bechara (1976, p. 44), que, em nota de rodapé, sugere que se acresça ao quadro de recção
verbal do português, uma nova espécie, constituída por verbos transitivos adverbiais, que, de
acepção locativa ou direcional, selecionam
incoerentemente, por ele como “adjuntos adverbiais”.
complementos adverbiais, rotulados,
39
Acreditando que essa questão é ainda mais complicada, Saraiva (1983 ) nos mostra
que o rol dos “complementos adverbiais” não se restringe aos itens de acepção locativodirecional, mas se estendem a “advérbios de modo”, segundo nos comprovam dados como os
de abaixo, que, coletados por ela de nossa língua oral, deixam claro que a presença do
constituinte adverbial é de caráter obrigatório:
(10) a- “Esse aí é um daqueles sonsos que procedem bem em casa e fazem miséria na
rua.”
b- “Afinal, o que você quer dizer quando fala em ‘mulheres que procedem
mal’ ?”
(11) “Eu aceito ir à excursão com vocês, desde que todos procedam corretamente.”
Paralelamente a essa dificuldade (ou omissão) dos gramáticos em precisar os papéis
sintáticos que certos advérbios assumem por determinação da regência verbal, temos uma
outra, relativa à possibilidade de recção manifestada por alguns elementos (poucos) do grupo
adverbial. Menos lembrada do que a de acima, essa propriedade, registrada no uso real do
português (pelo menos em sua vertente brasileira) costuma gerar formas adverbiais como as
de abaixo, ainda não abalizadas oficialmente por nossos lexicógrafos:
(12) a- “Independentemente de sua aprovação pelo Congresso e Senado, essa
medida entrará em vigor mais dia, ou menos dia.
b- “Só de pirraça, ele usa roupa velha preferentemente às novas que as
voluntárias dão.”
40
c- “Diferentemente de outras cantoras, a Marisa Monte não aceita nunca
aparecer na televisão.”
Ancorada, teoricamente, na Gramática Gerativo-transformacional, Lemle (1984) é
uma das poucas a fazer referência a essa possível carga de transitividade de alguns itens
adverbiais. Com base na crença de que a classificação de palavras de uma língua se mostra
mais consistente e menos problemática, se alicerçada no princípio da rotulação categorial,
segundo o qual, a nomeação dos sintagmas deve ser feita com base na classe lexical de seu
núcleo, essa lingüista afirma que:
Um advérbio pode ter complementos e um advérbio mais os seus complementos perfaz um
sintagma adverbial. Portanto, se nos exemplos [abaixo] (...) os termos em a são
advérbios, os sintagmas em b são sintagmas adverbiais:
a.
b.
dentro
dentro da caixa
a.
depois
b. depois da festa
(LEMLE, 1984, p. 130; destaques nossos).
Contrariamente a essa autora, Vilela (1999), gramático lusitano, defende a idéia de
que:
Os advérbios são dependentes e intransitivos. Dependentes porque estão sujeitos à
compatibilidade semântica de outro elemento, verbo, adjectivo, grupo nominal, aliás,
sempre em dependência dos elementos que modificam. (...) Diz-se que os advérbios
são intransitivos, por nenhum elemento depender do advérbio. (Vilela, 1999, p.
240-241; destaque nosso)
Outro fato sintático ainda no “limbo” nas lições de nossos gramaticos
é o da
mobilidade ou deslocamento dos “advérbios” no interior da oração ou do período. Embora
alguns estudiosos o incluam no rol das propriedades passíveis de identificar a “espécie
adverbial”, preocupados em arrolar um traço mais abrangente aplicável a todos os itens
adverbiais, acabam cometendo algumas impropriedades. Uma delas é a inclusão de itens
41
adverbiais que se deslocam para poucos interstícios da oração, ou que têm uma posição fixa;
outra é a falta de associação entre a mobilidade dos advérbios e o tipo de constituinte de que
faz parte: SV (Sintagma Verbal), SPred (Sintagma Predicativo), ou S (Sentença). A falta de
correspondência semântica precisa entre as orações arroladas em (13 a), abaixo, e as arroladas
em (13 b, c e d), e, ainda, a “estranheza” (para não dizer a “agramaticalidade”) de enunciados
com advérbios de lugar deslocados, como os de (14 b e c), já demonstradas por Bittencourt
(1979), atesta o comportamento diferenciado dos itens “adverbiais” quanto à possibilidade
e/ou tipo de deslocamento a que estão sujeitos – o que compromete a eficácia de sua análise
na identificação desse grupo vocabular:
(13) a- “Umas novecentas mil pessoas estiveram em Aparecida do Norte ontem.”
b- Umas novecentas mil pessoas estiveram ontem em Aparecida do Norte.
c- Umas novecentas mil pessoas ontem estiveram em Aparecida do Norte.
d- Ontem umas novecentas mil pessoas estiveram em Aparecida do Norte.
(14) a- “Muitos professores têm caído desta escada.
b- (?) Muitos professores desta escada têm caído.
c- (?) Desta escada têm caído muitos professores.
Essa diferença de comportamento, vale dizer, não se restringe aos advérbios de tempo
e de lugar, mas se estende a outros tipos semânticos. No estudo que faz dos advérbios de
modo, Saraiva (1978), por exemplo, mostra a desigualdade que se verifica entre eles quanto à
admissão, ou não, de deslocamentos, ou, mesmo, quanto ao tipo de transporte a que estão
sujeitos. Os dados a seguir, transcritos dessa autora sob nova numeração, comprovam essa
diferença de comportamento entre advérbios de um mesmo naipe, no caso, modais:
42
(15) a- “João modificou completamente o horário.”
b- “João modificou o horário completamente.”
c- (?) Completamente João modificou o horário. (Exemplo nosso)
(16) a- “O negócio fracassou
totalmente.”
inteiramente
b- (?) “O negócio
totalmente
fracassou.”
inteiramente
c- “(?)
Totalmente o negócio fracassou.”
Inteiramente
Além desses problemas (e, certamente, de outros mais) de ordem sintática, que
dificultam a tarefa de identificação não só da “espécie adverbial” como a das demais classes
de palavras, os gramáticos têm se deparado com outras “pedras no caminho”, alocadas, no
caso, no território da semântica, que abordamos a seguir.
2.3.2
De natureza semântica
Do mesmo modo que os traços morfológicos – flexional e/ou derivacional - , o
critério semântico não é suficiente para identificar, com a devida precisão e abrangência, o
conjunto dos termos e expressões adverbiais, provocando, também, desentendimentos entre
os lingüistas.
Começando pela própria conceituação de “advérbio”, tomado no conjunto geral de
suas formas, detectamos vários tipos de dissenso, alguns dos quais, aqui já referidos. Um
primeiro desacordo diz respeito ao(s) traço(s) semântico(s) que, considerado(s) pelos autores
como peculiares à “classe adverbial”, dariam conta de distingui-la das demais espécies de
palavras de nossa língua. Dentre as propostas mais correntes, identificamos, pelo menos,
43
quatro blocos distintos: a) o de autores , como Câmara Jr. (1964, p. 53), que indicam um papel
semântico único mais geral, qual seja, o de servir de acréscimo à significação do constituinte
que determina; b) o de gramáticos, como Rocha Lima (1998), que vêem o “advérbio” como
palavra circunstanciadora; c) o de mestres, como Torres (1973), que acreditam que o papel
semântico do “advérbio” é de modificador; e, finalmente, d) o de estudiosos que, como Jota
(1981), entendem que os itens adverbiais se distribuem, semanticamente, em dois subgrupos:
o dos “circunstanciadores”, que expressam idéias de tempo, lugar, afirmação, negação,
dúvida, instrumento, etc., e o dos “modificadores”, que traduzem a idéia de “modo”, ou,
então, de modo e “intensidade”, como preferem, dentre outros, Cunha (1970, p. 499) e Kury
(1970, p. 163).
Para complicar ainda mais esse quadro, cumpre lembrar aqui que os próprios autores
costumam criticar e rejeitar, em sobreposição metalingüística, várias soluções defendidas por
seus pares. Comprova-nos isso, a opinião de autores como Elia (1980), que, integrante do
quarto grupo, qualifica como inadequada a indicação da propriedade [+circunstancial] –
defendida pelo segundo grupo – como suscetíveis de delimitar todo o conjunto das formas
adverbiais. Entendendo “circunstância” como “determinadas condições ou particularidades
que caracterizam o conteúdo expresso pelo termo ao qual o advérbio se refere”, esse autor
condena, nos seguintes termos, essa opção de análise: “Parece-nos (...) que há uma tendência
para identificar advérbio com circunstância, o que se nos afigura prejudicial” (ELIA, 1980,
p. 242; destaques do autor). Conseqüentemente, para esse autor, apenas os advérbios
codificadores de idéias relativas a tempo, lugar, freqüência e ordem se caracterizariam como
“circunstanciadores”. Os demais, de qualidade e de quantidade ou intensidade integrariam o
bloco distinto, dos modificativos. Por sua vez, as formas codificadoras de dúvida, afirmação,
negação, avaliação e outras que servem para expressar uma atitude ou posicionamento do
falante em relação ao que diz comporiam outra classe lexical, diversa da adverbial. Os dados
44
abaixo exemplificam essa diferença semântica entre os dois subconjuntos de advérbio e o
conjunto de modalizadores tidos por Sílvio Elia (1980) como uma classe lexical que atua num
plano lingüístico diferente:
(17) a- O Presidente Lula viaja amanhã.
b- O Presidente Lula veio a Ouro Preto.
c- O Presidente Lula viajou de helicóptero.
(18) a- Ele foi muito louco de saltar lá de cima.
b- Os cardeais escolheram esse novo Papa conscientemente.
c- Aquele segundo examinador foi bem severo em seu julgamento.
(19) a- Talvez o presidente Lula viaje amanhã.
b- Certamente, a protagonista de “Menina de Ouro”, fez jus ao Oscar que
recebeu.
c- O Presidente Lula não viajou de helicóptero.
Visto isso, cabe-nos advertir: os problemas, de ordem mais geral, aqui apontados não
são os únicos a desafiar os pesquisadores. De caráter mais específico, imposto aos
interessados no assunto, é o que concerne à subcategorização das diferentes formas
adverbiais. Dentre os desacordos de análise mais correntes, relevem-se, aqui, os seguintes: a)
o número e os tipos de “circunstâncias” que os itens adverbiais que exercem esse papel podem
assumir. Prova inequívoca disso é a diversidade qualitativa e numérica das listas constantes de
nossos compêndios gramaticais; b) a determinação do subgrupo a que pertencem certos
elementos tidos como de natureza adverbial – como, por exemplo, os classificados como
45
denotativos, ou como palavras de classificação à parte; c) a possibilidade – nem sempre
indicada pelos autores – que certas formas adverbiais têm de exercer dois ou mais papéis
semânticos; d) as incertezas dos mestres consultados quanto ao enquadramento, ou não, de
determinado(a)s termos/locuções no grupo dos advérbios, como, por exemplo, os de caráter
dêitico (aqui, cá, ali,lá, acolá, etc.), os de caráter anafórico (assim, então, etc.), e outros mais,
como os de afirmação, negação, dúvida, ou, então, de exclusão, inclusão e apresentação,
presentes ou ausentes na lista dos compêndios apreciados; e) o nível lingüístico – gramatical,
semântico, discursivo, textual – em que os diversos tipos de advérbio podem atuar, ou não,
dificuldade comprovada, por exemplo, no reconhecimento dos modalizadores (atuantes na
dimensão discursiva e índices de subjetividade) como constituintes adverbiais, ou não.
Cientes do tanto que ainda ficou por apontar e comentar, encerremos esta etapa de
“preparação de viagem”, com uma síntese do que foi visto.
2.4 Conclusão
Neste capítulo destinado aos preparativos para a viagem aqui realizada, procuramos
arrolar e, na medida do possível, comentar os inúmeros e diferentes problemas “infligidos”
aos pesquisadores que se dispõem a identificar, através de traços próprios e globais, o
“advérbio” como uma classe, ou não, distinta das demais que são encontradas no português.
A partir de uma metodologia de análise que considera separadamente os diversos
componentes da gramática das línguas, pudemos mostrar que a tentativa de delimitar um
grupo adverbial uno e coeso constitui-se, metaforicamente, uma verdadeira “luta”, cujas
“batalhas” se realizam em territórios diferenciados como: o fonológico, morfológico,
sintático, semântico e o discursivo-textual.
46
Lembrando, à guisa de síntese, alguns deles, vimos que, do ponto de vista
morfológico, a primeira “batalha” (de cunho mais geral) a vencer é a própria comprovação
de que estamos diante de uma “classe” autônoma de palavras, com traços peculiares, passíveis
de distingui-la dos demais grupos vocabulares. A divergência de opiniões entre os autores
quanto ao fato de que estaríamos diante de um conjunto de palavras com identidade própria,
ou, então, de um subtipo da classe dos “adjetivos”, ou, até mesmo, de uma série de
termos/locuções que não formam um conjunto unitário, constitui-se numa das provas do quão
complexa é a questão em si mesma.
Outro tipo de batalha, mais geral, ainda a enfrentar, desta vez, no campo da sintaxe,
diz respeito à delimitação do escopo do advérbio, que nos desafia a responder questões como:
a) o nível de atuação do advérbio seria apenas intrafrásico, ou se estenderia ao extrafrásico?
b) no plano intrafrásico, todos os itens adverbiais seriam licenciados para funcionar como
determinante de qualquer um dos constituintes oracionais a que se pode ligar? Não haveria
uma distribuição complementar quanto a isso e uma restrição dos tipos de constituintes
passíveis de serem determinados por eles?
c) na dimensão extrafrásica, seriam classificados como “advérbios” os elementos que atuam
no processo enunciativo, indicando, dentre outras coisas, vários tipos de modalização?
Uma terceira e última batalha, também de caráter mais abrangente, é a que, efetuada
no terreno da semântica, nos incita a apontar um traço, cujo grau de extensão seja suficiente
para abarcar todos os itens adverbiais. Assim, quem sabe terminariam as divergências entre os
autores que: a) ou se valem de um critério único que não dá conta de incluir todos os itens que
arrolam; b) ou partem, de antemão, de uma diferença entre formas circunstanciais e formas
modificadores; c) ou consideram um desses dois tipos – circunstanciais e modificadores –
como o único que pode ser verdadeiramente classificado como “advérbio”.
47
Certamente, as dificuldades enfrentadas quanto à identificação e à distribuição dos
“advérbios” na nossa língua, bem como nas demais línguas em que figuram,
não se
restringem às que se apontaram aqui. Contudo, tendo em vista a intenção deste capítulo, as
que foram indicadas e comentadas parecem-nos suficentes como preparadoras para o exame
feito, a seguir, das “lições” de alguns de nossos grandes “mestres da gramática” a respeito
dessa espécie lexical “ornitorrinca”.
48
3
LIÇÕES DE ANTANHO: O TRATAMENTO DO ADVÉRBIO EM
GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XVI E XIX
Assi que tem o averbio este poder, acrecenta, diminui e totalmente destruí a obra do
verbo a que se ajunta e ele é o que dá aos verbos cantidade ou calidade acidental,
como o ajetivo ao substantivo. E a cada um dos avérbios acontece estes acidentes:
espécie, figura, significação. (BARROS, 1971, p. 39; destaques nossos)
Advérbio não é outra coisa mais do que uma reducção, ou expressão abbreviada,
da preposição com seu complemento em uma só palavra indeclinável. Chama-se
advérbio porque, bem como a preposição com seu complemento se ajunta a
qualquer palavra de significação ou vaga ou relativa, para a modificar,
restringindo-a ou completando-a, o mesmo faz o advérbio com mais concisão e
brevidade.” (BARBOSA, 1881, p. 234; destaques do autor)
3.1 Introdução
Arrolados e discutidos alguns dos problemas que vêm desafiando os estudiosos
interessados na determinação dos traços identificadores do advérbio como uma das nossas
classes de palavras, ou não, neste capítulo, preocupamo-nos em descobrir e mostrar o modo
como esse desafio foi enfrentado por gramáticas relativas a dois momentos do
recorte
temporal pretérito aqui examinado: os séculos XVI e XIX.
Rompendo com a perspectiva metafísica adotada pelos gramáticos especulativos do
período medieval, os autores dessas duas fases – renascentista e pós-renascentista –,
resguardadas as diferenças entre seu tempo e suas idéias, procuraram estabelecer bases
filosóficas para a investigação lingüística, propiciando, com isso, certa continuidade do
pensamento norteador dos estudos gramaticais realizados na Antigüidade greco-romana.
No que diz respeito às gramáticas (e tratados ortográficos) voltadas, especificamente,
para o português, uma das línguas vernáculas originadas do latim, o século XVI constitui-se
num marco da publicação das primeiras obras dessa natureza, cujos autores, conforme dito
acima, já se achavam muito mais comprometidos com o antigo modo de conceber a
linguagem do que com o pensamento em voga no medievo. Esse novo-velho modo de
49
abordagem lingüística, vale lembrar, sofre desvios ainda mais radicais, no final do século XIX
e princípio do século XX, sobretudo a partir da inauguração e expansão das idéias
estruturalistas propugnadas pelo lingüista suíço Ferdinand de Saussure (1916 – obra
póstuma), considerado um dos fundadores da Lingüística Moderna.
Na tentativa de rastrear o percurso evolutivo das “lições” apresentadas por nossos
gramáticos – quinhentistas e oitocentistas – quanto à delimitação, ou não, do advérbio como
uma classe autônoma, bem como quanto aos seus possíveis desdobramentos em novos
subgrupos, fazemos, aqui, uma primeira “parada” em nossa “viagem lingüística”, a fim de
apreciar e comentar os ensinamentos de alguns de nossos autores de “antanho”.
Para melhor realização dessa tarefa, procuramos observar o seguinte roteiro: a) num
primeiro passo, apresentamos, à guisa de contextualização, uma síntese do pensamento
lingüístico em voga no século XVI, primeiro “tempo” visitado por nós, além de notícias
acerca do quadro sociocultural e lingüístico vigente na época; b) num segundo momento,
buscamos enfocar, com o devido espírito crítico, as “lições” dos dois primeiros gramáticos da
língua portuguesa – Fernão d’Oliveira (1536) e João de Barros (1540) – sobre a distribuição
geral das palavras do português e a posição nele conferida ao “advérbio”. A escolha desses
dois autores, em detrimento de outros como Pero Magalhães de Gândavo (Regras que
ensinam a maneira de escrever e ortografia da língua portuguesa, 1574) e Duarte Nunes
de Lião (Ortografia e origem da língua portuguesa, 1595) deveu-se, como já dito, ao fato
de os primeiros apresentarem uma descrição – parcial ou mais completa – da gramática do
português, diferentemente, pois, dos dois últimos, mais preocupados com aspectos de natureza
ortográfica; c) no intuito de evitar uma passagem abrupta para os compêndios do século XIX,
segundo momento pretérito aqui contemplado, buscamos enfocar, ainda que de passagem,
numa terceira etapa, as propostas analíticas de alguns gramáticos do século XVII, entre os
quais, Roboredo (1619) e Barreto (1671), Argote (1721), Verney (1746) e Monte Carmelo
50
(1767), do século XVIII, a respeito do “advérbio” como uma possível classe vocabular
autônoma. Para tanto, norteamos-nos, quando necessário, em estudos que, como o de
Hackerott (1989), também fazem esse percurso por compêndios gramaticais portugueses
produzidos no passado; d) procedendo, em seção subseqüente, ao estudo dos ensinamentos
em torno dessa questão, advindos do século XIX, último ponto de parada num passado mais
distante, enfocamos, primeiramente, um dos maiores representantes, senão o maior, de sua
fase inicial, Jeronymo Soares Barbosa. Conhecido autor da Grammatica philosophica da
língua portugueza, esse estudioso do português mostra ter aí absorvido “lições” da
Gramátca de Port-Royal (edição brasileira de 1992), ou Grammaire general raisonée, de
Arnauld (1612-1694) e Lancelot (1615?-1695). Aportando-nos, em sub-seção posterior, no
final desse mesmo século, buscamos apreciar a solução dada à questão – de classificação de
palavras e do destino dado ao “advérbio” – pelo gramático lusitano Júlio Ribeiro (1882),
cujas “lições” se perpetuam entre nós; e) como fecho dessa primeira parte da “viagem”, feita
em tempos de antanho, apresentamos um breve balanço das análises aqui apreciadas,
salientando os pontos de consenso e de dissenso entre seus proponentes e relevando os
avanços detectados.
3.2 Lições primeiras: gramáticos do século XVI
3.2.1 Panorama lingüístico geral
No intuito de compreender melhor as lições fornecidas pelos nossos mestres
quinhentistas, é imprescindível que tenhamos antes uma idéia do contexto histórico,
sociocultural e, sobretudo, lingüístico prevalecente na primeira metade do século XVI,
quando foram publicadas as duas primeiras gramáticas de língua portuguesa.
51
Apesar da manutenção de alguns vínculos com a vertente filosófica humanista dos
séculos XIV e XV, esse período já apresentava inovações próprias à nova maneira de pensar
dos renascentistas, que, retomando os
modelos artísticos da Antigüidade Clássica,
complementaram-nos, alteraram-nos e imprimiram neles a sua marca própria. Tal retorno à
Antigüidade, segundo nos mostram os historiadores, adveio, dentre outras coisas, da
necessidade da burguesia – então, cada vez mais crescente de se munir de conhecimentos
que a habilitassem não só a gerir como a aumentar a fortuna que ia adquirindo.
Nesse contexto, em que um dos objetivos de maior peso era facilitar a aquisição de
conhecimentos profissionais e a adoção de atitudes mais “terrestres” e menos “celestiais” que
a do homem medieval, o homem renascentista deu novo rumo aos seus estudos, orientando-se
pela leitura de autores antigos e bebendo-lhes os ensinamentos de gramática,
retórica,
história, filosofia, ética, etc.
No caso específico de Portugal, percebe-se que, paralelamente ao ensino e ao uso mais
constante da língua latina, havia uma preocupação pedagógica dos intelectuais em propiciar
aos alunos o contato com textos na nova língua – emergente daquela –, conhecida como
“vulgar” ou “vernácula”. Esse desejo foi concretizado através da publicação de cartilhas, que,
escritas em português, aproveitavam o conhecimento que os estudantes já tinham da língua
materna. Tais publicações, saliente-se, segundo os especialistas, buscavam tornar o
aprendizado da escrita mais acessível não só aos homens como às mulheres, menos
consideradas socialmente, provocando, assim, um novo e mais acentuado interesse pela
literatura, nas rodas sociais da época.
Diante da valorização da “língua vulgar” (extensiva às demais línguas românicas), era
natural o surgimento de gramáticas, que, por apresentarem uma descrição da língua nativa,
configuravam-se como um dos instrumentos por excelência de exaltação da grandeza de
52
Portugal e como material pedagógico facilitador da imposição do português aos povos dos
diferentes territórios conquistados.
Contudo, esse quadro se altera com os reveses que sofre a partir da implantação da
Santa Inquisição, pelo rei Dom João III, em 1536. Um deles é a censura imposta à imprensa, e
outro a entrega do sistema educacional português nas mãos dos jesuítas, por volta da segunda
metade do século XVI. Era de se esperar que os efeitos dessa nova situação atingissem o
quadro lingüístico vigente, uma vez que passa a imperar o temor ao poder eclesiástico, que
perseguia ou até mesmo mandava para a fogueira quem ousasse desrespeitar a rigidez de suas
normas. Revigoram-se, então, o emprego e o ensino do latim e condena-se o uso da língua
“vulgar”, diminuindo-se, assim, a força dos meios de propagação do movimento da Reforma,
iniciado por Martin Lutero.
Esse estado de coisas se agrava ainda mais com a morte do rei D. Manuel I e a
assunção ao trono, na qualidade de regentes, da sua viúva, rainha D. Catharina e, depois, do
seu filho, Cardeal D. Henrique (1512-1580), que, acatam, servil e totalmente, as decisões do
Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563. Dentre as várias deliberações tomadas por
seus partícipes, uma delas dispunha que a missa fosse celebrada em latim e o uso da língua
vulgar se restringisse às pregações. Em conseqüência disso, as lições dos gramáticos
humanistas, já então, marginalizados, deixaram de compor o conjunto de disciplinas
ministradas nas escolas.
Apresentados, ainda que sucintamente, alguns dados contextuais relativos ao século
XVI, procedamos, a seguir, ao exame propriamente dito das “lições” deixadas por nossos dois
primeiros gramáticos, pioneiros, muitas vezes, de idéias desenvolvidas sob uma orientação
lingüística mais moderna.
53
3.2.2 Exame crítico das propostas analíticas selecionadas
3.2.2.1 Fernão de Oliveira (1536)
Adepto do pensamento humanista próprio ao Renascimento, o padre Fernão de
Oliveira (ou Fernão d’Oliveira), em sua Grammatica da lingoagem portuguesa, publicada
em 1536, e aqui estudada principalmente através da edição preparada por Buescu (1975), mais
do que uma descrição, apresenta-nos um verdadeiro manifesto de valorização da língua
portuguesa. Esse ato encomiástico, “praticado” por outros gramáticos e ortógrafos da época,
contribuiu para que se valorizassem as línguas modernas, denominadas “vulgares”, até então
consideradas meros instrumentos de evangelização da massa iletrada. Nesse contexto, os
lingüistas lusitanos como o Padre Fernão, sobressaíam em seu ufanismo lingüístico, já que
consideravam a sua língua, portuguesa, bem superior às demais.
No que diz respeito ao caminho de descrição lingüística adotado por nosso primeiro
gramático, pode-se dizer que, embora, mantivesse alinhado ao pensamento tradicional, ele
possuía e seguia idéias próprias, cujo valor, ainda hoje, é reconhecido em nosso meio
acadêmico. Um dos muitos exemplo de sua independência de pensamento é a sua posição
contrária à situação (paradoxal) em vigor no Renascimento, na qual vários intelectuais
estimulavam o recrudescimento do uso e do ensino do latim, justamente numa fase em que as
línguas modernas, ou “vulgares”, dele originadas iam atingindo a sua maturidade.
Concebendo a linguagem como figura do entendimento e acreditando que: “os homens
fazem a língua, e não a língua os homens” (OLIVEIRA, 1975, p. 43), esse religioso
presenteou alguns de seus compatriotas com um compêndio gramatical (datado de 1536), com
o qual procurava, segundo palavras próprias, mostrar que “nossos homens também sabem
falar e têm concerto na sua língua” (OLIVEIRA, 1975, p. 102).
54
Na obra gramatical desse autor, somos agraciados com “lições” primorosas a respeito,
sobretudo, do sistema sonoro do português em uso em seu tempo, “lições” essas qualificadas
pelos entendidos como um verdadeiro tratado de fonética e fonologia. Conquanto privilegie
esse componente, o Padre Fernão não se esquece de fazer, ao longo do seu texto, comentários
de ordem morfológica, ou morfossintática. Isso sem falar na sua argúcia sociolingüista,
revelada, por exemplo, nos registros que faz de casos de variação e mudança em curso no
português em uso em sua época. Em razão dessa sensibilidade, a que se acresce seu empenho
em valorizar a língua oral, nosso primeiro gramático é considerado por vários autores
contemporâneos como um dos precursores da Sociolingüística, que somente no século XX
seria definida e sistematizada em seus princípios, postulados e procedimentos metodológicos
pelo lingüista americano William Labov (1972), inaugurador da linha Quantitativa ou
Variacionista.
Qualificando a sua gramática como “uma primeira anotação”, esse autor, em operação
autocrítica reveladora de sua humildade, reconhece, no trecho reproduzido abaixo, suas faltas,
das quais procura se desculpar:
Ser eu curto em meu escrever e não ser mui ordenado com bons exemplos, e a falta
de algumas coisas que devera escrever e não fiz, e a dissonância de alguns termos
novos nesta arte que pus, usando vozes próprias da nossa língua, tudo ante quem
não folga de dizer mal terá escusa com olhar a novidade da obra, e como escrevi
sem ter outro exemplo antes de mim.(OLIVEIRA, 1975, p. 125-126)
Embora, conforme já dito, invista mais na descrição do componente fonéticofonológico, esse autor não deixa de se referir, mesmo que superficialmente, ao problema da
classificação de palavras, dentre as quais, o próprio “advérbio” – o que é de lamentar, pois,
com sua capacidade de percepção lingüística, evidenciada no tratamento do sub-sistema
sonoro, poderiam advir lições, que, contemplando outros componentes da gramática
portuguesa, certamente, seriam de grande proveito para todos nós.
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Resta-nos, pois, contentarmo-nos com o que é ensinado por nosso padre gramático
relativamente ao assunto aqui pesquisado, assunto esse que ficou apenas na promessa que fez,
em sua primeira obra gramatical, de aborda-lo, juntamente a outros deixados para trás.
Apesar dessa lacuna, examinemos o material que ele nos oferece na gramática que
escreveu, concentrando-nos, inicialmente, na questão relativa à distribuição das palavras do
português. Em notícias dadas em forma de flashes, detectamos ensinamentos breves, como os
constantes no segmento abaixo, que, transcrito do Capítulo XXX de sua Grammatica,
contém as primeiras reflexões desse autor a propósito de sua concepção acerca de palavra,
dicção ou vocábulo, e, ainda de sua distribuição em três grupos distintos, segundo se refiram a
coisa, acto, ou modo:
Dicção, vocábulo ou palavra, tudo quer dizer uma coisa. E podemos assim dar sua
definição: palavra é voz que significa coisa ou acto ou modo: coisa, como artigo e
nome; acto, como verbo; modo, como qualquer outra parte da oração...
(OLIVEIRA, 1975, p. 81; negrito nosso)
Embora nos advirta de que, nessa parte de sua Grammatica, dedicada ao estudo da
Morfologia, tratará apenas de questões relativas à formação das palavras e à suas origens e
data de surgimento, deixando para enfocar, em outra parte do compêndio, aspectos de
natureza semântica, o mestre Fernão, no próprio trecho acima, deixa claro que toma como
base esse tipo de critério para classificar as palavras de nossa língua. Valendo-se desse
componente, ele apresenta, conforme entrevisto acima, uma taxonomia composta de três
grupos lexicais: os que se referem a coisas, os que codificam atos e os que expressam modo.
Contudo, se por um lado, ele se dedica, em capítulo especial (nº XLIII), a explorar um
pouco mais os conjuntos de palavras indiciadores de coisa e de acto, por outro, com exceção
do “artigo’, alocado no primeiro grupo, ele pouco fala dos grupos vocabulares que, a seu ver,
expressam modo (termo que não é devidamente explicado).
A despeito do caráter incompleto da taxonomia estabelecida por nosso padregramático, atrevemo-nos a sintetizá-la aqui, em formato de esquema, que foi, na medida do
56
possível, acrescido das informações que, embora apresentadas de um modo esparso ao longo
do texto, conseguimos colher e ajuntar. Para melhor identificação desse tipo de coleta, obtida
de uma forma descontínua, os dados que a ela concernem são apresentados entre parênteses:
1- TERMOS ALUSIVOS
2- TERMOS ALUSIVOS
3- TERMOS ALUSIVOS
A “COISAS”
A “ACTOS”
A “MODO”
( Variáveis )
(Variável)
Artigo (Pronome) Nome
(Subst.) (Adj.)
FIGURA 1-
Demais Partes da Oração
Verbo
Pessoal Impessoal
(Invariáveis)
(Advérbio) (Preposição)
“PARTES DA ORAÇÃO”, SEGUNDO FERNÃO DE
OLIVEIRA (1536/1975)
O envolvimento de Fernão de Oliveira com a descrição fonético-fonológica do
português usado em seu tempo também deve explicar a pouca atenção dada ao grupo dos
advérbios, que, de acordo com seu quadro taxonômico, integraria a classe das palavras
indicadoras de modo. Apesar dessa lacuna, deparamo-nos, também de uma forma esparsa,
com algumas referências a esse tipo lexical, em comentários de natureza ortográfica, ou às
vezes, morfológica. Ilustram-nos isso observações como as transcritas abaixo, em que,
preocupado em mostrar a pronúncia correta da letra “h”, nosso gramático nos deixa entrever
uma das subclassificações semânticas do conjunto adverbial:
Mas (...) hi e ahi, advérbios de lugar (...), só de costume os escrevemos, sem mais
outra necessidade. (OLIVEIRA, 1975, p.57; destaques nossos).
Do mesmo modo, ao discorrer, em capítulo dedicado à Morfologia, sobre o significado
e as regras de uso de prefixos formadores de novas palavras no português, Fernão de Oliveira
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(1536/1975) volta a fazer alusão ao “advérbio”, quando notifica a variação de pronúncia – até
e té – do termo “até”, entre os falantes e até mesmo escritores de sua época. Nesse contexto,
ele deixa claro que considera tal vocábulo – até – como elemento adverbial, opinião da qual
divergem autores mais atuais. Alguns desses últimos, pautando-se pela NGB, incluem esse
tipo de palavra e outros similares no grupo dos termos de classificação à parte, e outros como
Elia (1980), que, conforme referido no capítulo anterior, prefere incluí-lo numa classe
especial, que denomina de “termos denotativos”. Eis, abaixo, o trecho que nos mostra a
posição defendida por Fernão de Oliveira:
Este advérbio [até], digo, alguns o pronunciam conform ao costume da nossa
língua, que é amiga de abrir a boca, e dão-lhe aquela letra a, que digo, no começo.
Mas outros lhe tiram esse a e não dizem até, mas dizem te, não mais, começando em
t. (OLIVEIRA, 1975, p. 91; sublinhado nosso)
Nessa mesma passagem, temos, ainda, a oportunidade de testemunhar a “veia
sociolingüística” desse gramático, que, além de valorizar a língua oral, se mostra interessado
em detectar e apontar casos de variação como a de acima, chegando, muitas vezes, a nos dar
informações acerca do grau de extensão do uso das variantes – antigas e inovadoras – em coocorrência no português de seu tempo.
A par dessas “lições” de caráter indireto, encontramos, na Grammatica da lingoagem
portuguesa de Fernão de Oliveira ensinamentos diretamente relacionados com o advérbio
per se. Atentemos, então, para o que nos foi dado colher a respeito de sua caracterização e
distribuição.
No tocante ao componente morfológico, nosso autor faz algumas considerações – de
ordem derivacional – sobre a formação dos itens adverbiais, separando as formas primeiras
(‘primitivas’) das formas tiradas (‘derivadas’).
Nas trilhas do gramático latino Varrão, que divide as declinações em dois tipos,
voluntárias – produzidas segundo a vontade de cada usuário – e naturais – sujeitas a regras e
leis –, o Padre Fernão assim se refere ao “advérbio’: “Na declinação natural, onde falamos
58
das dicções tiradas [‘derivadas’], podemos também meter os advérbios, os quais, quando são
tirados, pela maior parte ou sempre acabam em mente, como compridamente, abastadamente
e chãmente” (OLIVEIRA, 1975, p. 108; negrito nosso). Indo um pouco mais além, ele nos
lembra a existência de itens adverbiais não derivados, ou cuja história derivacional já não é
mais percebida, como: antes, depois, asinha, logo, cedo e tarde, que diferem dos
reconhecidamente derivados.
Além dessas subcategorizações de ordem morfológica, o nosso gramático lusitano faz
breve alusão a outra possibilidade de subagrupamento, que envolve, desta vez, traços de
natureza semântica. Tal desmembramento nos remete à distribuição morfológica dos
advérbios nos dois subtipos acima apontados: o dos advérbios terminados em mente e o das
demais formas :
... e quase podemos notar que os advérbios acabados em mente significam
qualidade, e não todos os que significam qualidade acabam em mente, porque já
agora não diremos prestesmente, como disseram os velhos, nem raramente , os
quais velhos também foram amigos de pronunciar uns certos nomes verbais em
mento, como comprimento e aperfeiçoamento, e outros que já agora não usamos.”
(OLIVEIRA, 1975, p. 108; destaques nossos)
Nesse trecho, tal como no anterior, podemos, mais uma vez, testemunhar uma
abordagem “pancrônica” nas lições do nosso primeiro gramático. Assim é que, quando se
refere a certos termos adverbiais em uso no seu tempo, também traz à tona formas resultantes
de uma operação derivacional, que, continuada, acabou culminando na gramaticalização do
substantivo –mente, cuja carga referencial, nesse contexto, já se encontrava em franca
obsolescência.
Essa preocupação com o fenômeno da variação e mudança lingüísticas é manifestada,
ainda, no quadragésimo nono capítulo da Grammatica de Fernão de Oliveira, dedicado à
“composição ou concerto que as partes ou dicções da nossa língua têm entre si” (OLIVEIRA,
1975, p. 123). É nesse componente de nossa gramática, de construição, ou sintaxe, que,
segundo nosso autor, “mais que em alguma outra guardamos nós certas leis e regras”
59
(OLIVEIRA, 1975, p. 123). Avaliando positivamente essa tendência do português à
“retenção”, esse autor interpreta-a como um dos elementos comprobatórios da superioridade
da língua portuguesa relativamente à latina e à grega. Essas línguas “mui gabadas” segundo
afirma em tom irônico, trocam e mudam, muitas vezes, advérbios por preposições e outras
partes da oração – processo que, a seu ver, “... se não faz na nossa língua: ao menos tão
ameude ... “ (OLIVEIRA, 1975, p. 124)
Todavia, ao levar em conta o uso real do português de sua época, ao qual sempre
procura dar atenção, esse estudioso não deixa de reconhecer a possibilidade que alguns
advérbios e preposições têm de assumir ofícios superpostos entre si, ou “duplo ofício” –
sintático e semântico. Em termos morfológicos, verifica-se, nesses casos, o deslizamento de
uma classe vocabular para outra. Como evidência empírica disso, Oliveira nos lembra de
certos vocábulos que “.. se servem em dois ofícios, como esta parte por, a qual às vezes é
preposição e às vezes advérbio e outro tanto esta antes, depois e até e outras muitas que têm
dois ofícios.” (OLIVEIRA, 1975, p. 124; destaques nossos).
Em suma, pelo que pudemos constatar, o primeiro gramático da língua portuguesa,
embora não nos forneça “lições” que enfoquem de um modo específico o “advérbio”, acaba
fazendo alguma referência a ele, em passagens diversas e breves de sua obra.
Admirador de sua língua, no legado gramatical que nos deixou, ele faz referência a
várias modalidades do português, encontradas em sua época, valorizando sobretudo, a língua
oral, relegada a segundo plano, em favor da escrita, até pouco tempo atrás.
Outro aspecto interessante (e precursor) de seus estudos gramaticais é a importância
que dá tanto ao enfoque sincrônico quanto ao diacrônico, de que se vale quando necessário e
pertinente. Essa proposta “pancrônica”, vale lembrar, tem sido defendida, em tempos
modernos, por correntes como a da Gramática Funcional, tanto de linha americana quanto
européia.
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3.2.2.2 João de Barros (1540)
Em edição comentada (aqui seguida, juntamente com a edição simplificada de
Rodrigues de Sá Nogueira, 1957) da Grammatica da língua portuguesa, de João de Barros,
Buescu (1971, p. I do Prefácio) assim se manifesta a seu respeito: “encerra um imenso valor
intrínseco, porque define o âmbito da gramática renascentista entre nós, e porque cria uma
perdurável tradição gramatical portuguesa, que vai manter-se até ao século XIX”.
Com vistas a confirmar o valor das “lições” desse nosso segundo gramático da língua
portuguesa, valemo-nos, aqui, tanto da edição preparada por José Pedro Machado, datada de
1957, quanto da edição elaborada por Buescu (1971), que, a par do texto atualizado e dos
comentários que faz, apresenta uma versão em fac-símile do compêndio gramatical desse
autor. Para facilitar o contato da instância receptora com esse material, lavrado em português
mais antigo, optamos por transcrever os trechos aqui citados, em português moderno.
Disputando com Fernão de Oliveira o posto de primeiro gramático da língua
portuguesa, João de Barros (1540), que, no ano anterior trouxera a público a sua Cartinha
para aprender a ler (1539), na opinião dos entendidos, segue, com mais fidelidade, o
modelo
gramatical greco-latino, procurando destacar, como o primeiro, algumas das
particularidades do seu idioma pátrio, ausentes das línguas clássicas. Para tanto, limita,
segundo suas próprias palavras o corpus que se dispõe a examinar ao “modo certo e justo de
falar e escrever colheito do uso e autoridade dos barões doutos” (BARROS, 1957, p.1; grifos
nossos). Com uma obra gramatical mais completa, Barros (1540) divide suas “lições” em
cinco partes: ortografia, prosódia, etimologia, sintaxe e figuras de linguagem.
No que se refere à classificação dos vocábulos portugueses, assunto que nos interessa
mais de perto, esse autor (1957, p.1), em metáfora retomada, posteriormente, por Saussure
61
(1916/1970), compara as “linguagens” a um jogo de xadrez, no qual identifica nove tipos de
“peças”, “postas”, segundo ele, “em casas próprias e ordenadas, com leis do que cada uma
deve fazer (segundo o ofício que lhe foi dado). São elas: o “nome”, o “verbo”, o “pronome”, o
“advérbio”, o “particípio”, o “artigo”, a “preposição”, a “conjunção” e a “interjeição”.
Com base no “ofício que lhes foi dado” e numa comparação metafórica com o jogo de
xadrez, esse autor (1957, p.1) distribui os vocábulos do português em três grandes
conjuntos.Expostos abaixo, eles aparecem, aqui, numa ordem que leva em conta a relevância
e a espécie de papel que exercem na oração:
a) vocábulos reis: “nome” e “verbo”, que, “concordes em ofício”, diferem quanto ao
gênero;
b) vocábulos damas: “pronome” ( dama do “nome”) e advérbio (dama do “verbo”);
c) vocábulos peões, que servem aos dois poderosos reis – “nome” e “verbo” – , quais
sejam: o “particípio”, o “artigo”, a “conjunção”, a “preposição” e a “interjeição”.
A partir dessa comparação figurativa, podemos deduzir que esse gramático, além de
de considerar tal “officio”, ou função sintática, como traço passível de identificar as diferentes
classes de palavras, o vê como condição necessária (e primeira) para o prosseguimento do
“jogo” da linguagem.
Para fornecer uma visão global da taxonomia estabelecida por João de Barros (1540),
completando-a com as subdivisões que ele aponta, quando examina, de um modo localizado,
cada uma das classes em particular, apresentamos abaixo, em forma esquemática, as “lições”
do autor a esse respeito:
62
1-
VOCÁBULOS
“REIS”
Variáveis
Nome
Verbo
2- VOCÁBULOS
“DAMAS”
Do Nome
Do Verbo
Variável
Invariável
Pronome
3- VOCÁBULOS
“CAPITÃES”
Variáveis
Advérbio Particípio Artigo
Invariáveis
Preposição
Conjunção
Subst.Adj. Ativo Neutro Impessoal
Interjeição
FIGURA 2- “PARTES DA LÍNGUA PORTUGUESA”, SEGUNDO
JOÃO DE BARROS (1540/1971)
Confrontando essa lição com a de autores que o sucederam, constata-se um dissenso
da parte desse gramático quinhentista, que entende como sendo dama do “nome” o
“pronome”, e não o “adjetivo”, como aqueles. Por outro lado, fazendo coro a muitos desses
estudiosos, João de Barros classifica o “advérbio” como uma dama do verbo, restringindo,
com isso, de um modo mais indireto, o seu escopo a um único constituinte.
Ainda que de forma breve, esse estudioso de nossa língua, diferentemente de Fernão
de Oliveira, apresenta, em sua Grammatica, um capítulo dedicado especialmente ao estudo
do advérbio, capítulo esse que leva o seguinte título: “Do avérbio e suas partes”.
Introduzindo-o com uma “lição” acerca da etimologia do termo, ele deixa mais explícita a
definição acima mencionada, defendendo, através de dados empíricos, a importância dessa
espécie lexical no quadro de palavras da nossa língua, conforme nos revela o segmento abaixo
transcrito:
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Avérbio é uma das nove partes da oração que sempre anda conjunta e coseita com
o verbo e daqui tomou o nome, porque ad quer dizer “cerca” e composto com
verbum fica adverbium, que quer dizer “acerca do verbo”.
Foi esta parte muito necessária, ca por ela se denota a eficácia ou remissão do
verbo, porque quando digo eu amo a verdade demonstro, que simplesmente faço
esta obra de amar, mas dizendo eu amo muito a verdade, per este avérbio muito
denota a cantidade de amor que tenho à cousa. E se disser amo pouco a verdade
desfaço toda a obra de amar. (BARROS, 1957, p.39; negritos nossos)
Nesse mesmo capítulo, Barros (1957, p. 39), fundamentado em critérios morfológicos
e semânticos, procura distribuir as diferentes formas adverbiais em subconjuntos variados.
Assim, como traços (ou “acidentes”) morfológicos próprios ao “advérbio”, ele aponta a
espécie, que tem a ver com o estatuto derivacional dos itens – primitivos ou derivados – , e as
figuras, que concernem ao seu estatuto configuracional – simples ou composto. Como
exemplos de formas primitivas, ele arrola os itens muito e pouco, e de advérbios derivados,
apenas o vocábulo bem, que “se deriva de bom”, e mal , que “se deriva de mau” . Por sua vez,
como exemplos de forma simples, o autor aponta
o vocábulo ontem, e, como forma
composta, o vocábulo “antontem, que quer dizer ‘ante de ontem’.” (BARROS, 1957, p. 39)
Num confronto entre essa “lição” de morfologia adverbial com a de Fernão de
Oliveira (1540/1975) e outros estudiosos vistos no capítulo anterior, podemos constatar, pelos
dados fornecidos por João de Barros (1540/1957), que a distribuição morfológica que propõe
não coincide com a daqueles, que preferem distribuir os itens adverbiais em dois grupos
distintos, segundo tenham recuperada, ou não, pelos usuários de hoje sua história
derivacional.
Outro critério apontado por esse gramático como suscetível de delimitar a “classe” dos
advérbios é o que diz respeito ao seu estatuto semântico. Nos termos de Barros, tal tipo
vocabular “acrescenta, diminui e totalmente destrui a obra do verbo a que se ajunta”
O mesmo critério semântico o leva a dividir o macroconjunto adverbial em dois tipos
(subgrupos) distintos, em que o primeiro é “o que dá aos verbos cantidade”, e o segundo, “o
que lhe dá “calidade acidental, como o ajetivo ao substantivo” (BARROS, 1957, p.39).
64
Deduz-se daí que nosso segundo gramático se insere no grupo dos autores que, conforme
visto no capítulo anterior, distinguem, com maior ou menor rigidez, o advérbio de modo dos
demais, que atuam como circunstanciadores.
Nesse mesmo território da significação, João de Barros também faz alusão à
diversidade de sentido que alguns itens adverbiais podem expressar. Contudo, em face do
emaranhado resultante dessa possibilidade de deslizamento semântico, reconhece que “não
podemos compreender todas pera as reduzir a regras gerais”, e “põer em ordem” alguns
deles, “conformando-se”, pois, em seguir “a ordem dos latinos” (BARROS, 1957, p. 39). Se,
por um lado, tal opção o afasta do modelo de estudo vigente no Renascimento, por outro,
contenta os membros da Inquisição, que já haviam reduzido, através de cortes não explicados,
as “lições” dadas por João de Barros em seu compêndio gramatical.
Com base, pois, nos parâmetros da gramática latina, nosso estudioso identifica os
seguintes subgrupos semânticos, que integram, segundo ele, o quadro geral dos advérbios de
nossa língua (BARROS, 1957, p. 40):
a) De lugar: aqui, aí, ali, cá lá acolá, algures;
b) De tempo: anteontem, ontem, hoje, agora, depois, cedo, tarde, nunca;
c) De qualidade: bem, mal;
d) De afirmar: certo, si;
e) De negar: não, nen;
f)
De duvidar: quiçá, per ventura;
g) De demonstrar: eis, ei-lo, ei-la;
h) De chamar: ó, olá;
i) De desejar: ose (sic), Oxalá;
j) De ordenar: idem, depois;
65
k) De perguntar: como, porque;
l) De ajuntar: juntamente, em soma;
m) De apartar: àparte, afora;
n) De jurar: certo, em verdade;
o) De despertar: eia, sus, asinha;
p) De comparar: assi, assi como, bem como;
q) De acabar: em conclusão, finalmente.
Num primeiro exame dessa extensa lista apresentada por Barros (1957), podemos
perceber uma incoerência em sua análise, uma vez que, embora tenha proposto uma divisão
binária, arrolando em grupos diferentes os advérbios indiciadores de qualidade e os advérbios
codificadores de circunstância, ao arrolar os diferentes tipos semânticos do grupo adverbial,
ele acaba colocando os dois tipos num mesmo e único bloco.
A par disso, enquadra ainda, no grupo dos advérbios, itens que, hoje, a NGB prefere
qualificar como de “classificação à parte”, tais como: eis, ei-lo, ei-la (formas de
“demonstrar”) e afora, aparte (formas de “apartar”, ou “excluir”). Opta também por incluir,
entre os membros dessa classe, termos de caráter vocativo/interjetivo como ó e olá e eia e sus,
de grande relevância para processo de interação verbal em si.
No mesmo quadro taxonômico, chama-nos a atenção, ainda, uma referência – única –
feita por esse autor a formas possivelmente relacionadas a fases distintas do português , tais
como: assim como e bem como, que, embora não tivessem perdido de todo a sua acepção
adverbial, já deviam ter se cristalizado, formalmente, na língua, por meio do processo de
gramaticalização (sintatização → morfologização), como “locuções conjuncionais”,
configurando-se, pois, como marcadores de nexo interoracional.
66
Naturalmente, essa opção classificatória repercute no componente sintático, no qual,
os advérbios assumem dois papéis distintos: o de “adjunto” e o de “conectivo”. Nesse mesmo
plano gramatical, podem-se detectar outros problemas enfrentados ( e nem sempre resolvidos
a contento) por João de Barros, alguns dos quais relativos ao próprio escopo do advérbio, que,
segundo ele constitui-se numa “ das partes da oração que sempre anda conjunta e coseita
com o verbo” (BARROS, 1957, p. 39; destaques nossos). A deduzir de sua classificação
semântica, porém, constata-se que vários subtipos referidos e exemplificados pelo autor não
correspondem a esse padrão sintático. Que o digam os advérbios “discursivos”, apontados
acima, e outros como bem e mal, ou como em verdade e certo, que expressam juízos,
avaliações e opiniões do falante acerca do que diz. Do mesmo modo, itens como finalmente,
em conclusão, idem e depois, classificados pelo nosso gramático como advérbios “de acabar”
e de “ordenar’, respectivamente, não se limitam a determinar o núcleo verbal. Além de
atuarem como marcadores textuais, ajudando, metalingüisticamente, a construir/manter a
coesão do discurso – oral ou escrito –, eles servem para organizar ou colocar em ordem o
fluxo informacional ou argumentativo de um texto.
Ainda que não comentado pelo autor, no caso específico de depois, “relativo ao curso
dos eventos”, no dizer de Ilari (1991, p. 68), verifica-se uma possibilidade dupla de “extensão
funcional”, a saber: a de delimitar a acepção verbal, ou a de se referir a toda a oração,
expressando não só “tempo” como “lugar”, conforme nos ilustram os seguintes enunciados
colhidos do português atual:
(1) a- Ele jantou, comeu a sobremesa e morreu depois.
b- Sabe aquela notícia dos tsunamis? Eu não consegui dormir depois.
(2) a- Aqui ficam a praça e depois o palácio do governador
b- Essa rua fica logo depois da Santa Casa.
67
Da mesma maneira, o subgrupo rotulado pelo autor como “de jurar”, ilustrado
por formas como por certo e em verdade, nos remete à instância do enunciador. Tanto é que
o próprio autor aloca o item adverbial certo também no conjunto dos advérbios que traduzem
o ato de fala “de afirmar”.
Outra propriedade (ou acidente, nos termos do autor) sintática referida por esse
mestre em capítulo subseqüente, diz respeito ao “regimento do avérbio” (BARROS, 1957, p.
45-46). Além de mencionar as possibilidades de associação de formas adverbiais com outras
classes de palavras, ele nos mostra que “alguns têm força de regerem casos como: assaz de
dinheiro; muito disto, pouco de proveito” (BARROS, 1957, p. 46; destaques nossos) –
possibilidade essa nem sempre lembrada pelos estudiosos, segundo observado no capítulo
anterior.
Apontados e comentados esses ensinamentos de nosso segundo gramático
de língua portuguesa, façamos, a seguir, a fim de evitar uma ruptura intertemporal, e à guisa
de continuum, uma breve parada nos séculos que separam os gramáticos quinhentistas dos
gramáticos oitocentistas, último grupo de “antanho” a ser enfocado.
3.3 Lições intermediárias: gramáticos dos séculos XVII e XVIII
Durante os séculos XVII e XVIII, a forte censura imposta pela Inquisição prejudicou
a produção/publicação de compêndios gramaticais, em detrimento de tratados ortográficos,
que, não obstante o seu valor, contêm um número bem menor de descrições das línguas
modernas que se iam firmando na Europa.
68
Como “porto de passagem” para o estudo das lições em torno do “advérbio”,
focalizamos, aqui, alguns dos compêndios que conseguiram, nesse contexto de ameaças e
perseguições, trazer à tona estudos relativos ao sistema lingüístico português.
3.3.1 Século XVII
Entre os gramáticos do século XVII, tem merecido destaque a obra Amaro de
Roboredo, que, no seu Methodo gramatical para todas as línguas (1619), no qual nos
concentramos, deixa patente o seu comprometimento com as idéias lingüísticas grecoromanas, defendendo, por exemplo, a necessidade e a vantagem de ensinar o latim e sua
gramática, através do estudo da própria língua “vernácula”.
Questionando, pouco tempo depois a relevância do estudo da gramática, no processo
de ensino-aprendizagem da língua nativa, Roboredo reconhece, em sua obra Portas de
línguas (1623), que se tratava de uma estratégia de grande valia, capaz de
influir
positivamente no desempenho dos alunos em termos de escrita e leitura, bem como de treinálos no bom uso de sua própria língua e na aprendizagem de outros idiomas distintos do seu.
Tal preocupação com a relação interlingüística e a linha teórica adotada, aproximam
as idéias desse estudioso das de lingüistas que, alicerçados em princípios formalistas, levam
em conta a equivalência lógica entre as línguas. Com isso, além de distingui-lo de seus pares
coevos, as idéias lingüísticas aplicadas e apregoadas por esse mestre sinalizam seu avançar
em direção a uma gramática de cunho mais formal.
Restringindo-nos, no caso em questão, ao tratamento conferido ao advérbio − objeto
específico do presente estudo − por Roboredo (1619.), aproveitando o estudo desenvolvido
por Hackerott (1989), mencionemos algumas das “lições” que ele nos deixou acerca dessa
69
espécie lexical. Começando pelo plano semântico, constatamos que esse autor concebia as
formas adverbiais como elementos que servem para alterar o significado dos termos a que se
podem ligar.
Apesar de ampla e vaga, esta definição contém embutida, uma das características
sintáticas desse tipo lexical, qual seja o seu escopo. Embora não discrimine os tipos
vocabulares que pode determinar, deduz-se de suas palavras que eles não se limitam aos itens
verbais.
O mesmo critério semântico prevalece na subclassificação dos diferentes itens
adverbiais apresentada por Roboredo (1619). Similar à taxonomia de outros autores, ele faz
referência aos subconjuntos indiciadores de tempo, lugar, modo, etc. dentre os quais inclui o
elemento que, quando subseqüente ao verbo, e às formas interjectivas.
Ainda no século XVII, enfocado por Hackerott (1989), Fávero (1996), Bastos &
Palma (2004) e outros estudiosos mais, contamos, ainda, com as “lições” de autores como
João Franco Barreto, que, em seu trabalho intitulado Ortographia da lingua portugueza,
datado de 1671, considera os advérbios como palavras que se juntam aos “verbos” e aos
“adjetivos”, a fim de conferir maior perfeição à sentença.
Em sua primeira parte, vê-se que a caracterização dos advérbios é feita com base em
seu escopo (critério sintático), que compreende, no caso, o “verbo” e o “adjetivo”. Na
segunda parte, essa caracterização é de cunho estilístico-normativo, uma vez que prevê os
efeitos expressivos do advérbio e seu papel na produção de sentenças-modelo.
Em trecho subseqüente, Barreto (1671) complementa as suas “lições”, repartindo o
macroconjunto de advérbios em dois blocos semanticamente distintos: o dos advérbios de
modo, que, representados por bem e mal se constituem, segundo ele, em advérbios
propriamente ditos (ou prototípicos, em terminologia mais moderna); de outro, as demais
formas. Com este tipo de lição, Barreto se aproxima de uma boa parte dos gramáticos que o
70
sucedem, mas se afasta de muito deles ao incluir, no segundo subgrupo – de advérbios não
modais − os itens que expressam negação, ou seja, que privam o verbo de significação, como,
por exemplo, o vocábulo não. Polêmica em tempos passados, a definição da classe que
abrigaria as formas negativas, afirmativas, dubitativas, etc. continua até hoje provocando
cisão entre os gramáticos.
Fornecida uma idéia geral (e superficial) do pensamento de gramáticas do século
XVII, vejamos, a seguir, também de uma forma sintética, o que nos ensinam alguns mestres
do século XVIII.
3.3.2 Século XVIII
No século XVIII, marcado, em Portugal e outros países por problemas de toda a
natureza, o enfraquecimento da autoridade do poder real e da hegemonia eclesiástica, até
então vigentes, levou à implementação de ações que culminaram na diminuição dos
rendimentos da Coroa. Ascendendo ao trono português em 1750, D. José I, na tentativa de
resgatar o velho poder do Estado absolutista, nomeou, como primeiro-ministro, Sebastião José
Carvalho e Melo, mais tarde, Marquês de Pombal.
Figura de importância inconteste na história de Portugal e até mesmo do Brasil, o
Marquês de Pombal via, nos jesuítas, até então responsáveis pela catequização dos índios e
pelo ensino do português, um empecilho para a realização de seus intentos. Com vistas a tirarlhes o poder e a credibilidade, ele passa a acusá-los de vários crimes, conseguindo, tempos
depois, expulsá-los das terras de Portugal e de suas colônias. Não satisfeito, para justificar
seus impulsos de perseguição e obter o aval do povo, ele acusou os membros da Companhia
de Jesus de se fecharem às novas idéias em ebulição na Europa, atribuindo-lhes, por causa
dessa omissão, a responsabilidade pela decadência do ensino vigente no país.
71
Nesse clima de efervescência política e cultural, são publicados alguns manuais de
gramática, uns de linha mais tradicional, outros de caráter mais ousado. Nesse cenário, a obra
intitulada Verdadeiro methodo de estudar, de autoria de Verney, é publicada em 1746,
sendo vista como um dos marcos da ruptura definitiva dos gramáticos com as idéias
lingüísticas e pedagógicas dos padres jesuítas.
Nas diferentes “lições” encontradas nessa e em outras obras, como as de Argote
(1721) e Figueiredo (1752), ressentimo-nos da pouca ou nenhuma atenção dada ao problema
da classificação das palavras, em especial, à delimitação da classe dos advérbios.
Concentrando-nos, particularmente, nessa espécie, constatamos que a maioria dos
autores setecentistas consultados caracteriza o “advérbio” a partir do(s) papel(éis) semânticos
que assume, relativamente ao termo que determina. Além dessa delimitação, assim como
outros estudiosos, não se preocupam em esclarecer o significado dos termos que empregam
em suas definições, do mesmo modo que não se importam em ilustrar suas “lições” com
exemplos que elucidem e comprovem suas conclusões.
Parcimoniosos como os demais,
Argote (1721) e Verney (1747), supracitados,
definem, semântica e sintaticamente, o “advérbio” como uma palavra que serve para
determinar e clarear outras palavras, deixando, pois, a cargo do leitor a tarefa de interpretar o
que querem dizer com “determinar” e “clarear outras palavras”, cuja classe não especificam.
Esse mesmo tipo de lacuna é encontrado na definição de “advérbio”, defendida por
outro renomado mestre desse período, Frei Luiz do Monte Carmelo. Em seu Compêndio de
Ortographia, publicado em 1767, esse mestre conceitua o advérbio como um modo de
significar o “nome”, o “verbo” e o “conceito” (as demais classes de palavras). Quanto à
caracterização sintática, esse autor, pelo que se pode ver, se atém ao escopo do “advérbio”,
que, além de incidir sobre o “verbo”, se estende ao “nome” e a uma categoria vaga, dita
“conceito”, que torna a definição ainda mais obscura.
72
Pelo que se pode perceber o traço semântico – “modo de significar” - que esse autor
aponta como próprio ao “advérbio” não nos diz nada, a não ser que o autor estivesse se
referindo aos “advérbios de modo” – o que não passa de mera suposição.
Em suma, dos ensinamentos que recebemos dos gramáticos dos séculos aqui
considerados por razões didáticas, de um modo mais superficial, releve-se o seguinte:
a)
embora façam alusão à heterogeneidade – semântica e sintática – das formas
adverbiais, os autores consultados nos fornecem definições muito vagas e difíceis
de interpretação;
b)
nenhum deles apresenta um quadro classificatório que dê pelo menos uma idéia
das possibilidades distribucionais desse tipo de vocábulo;
c)
a dificuldade de depreensão dos traços peculiares ao advérbio pode ser
comprovada pela inclusão, em seu quadro geral, de componentes de outras classes
de palavras, como a dos “pronomes”, “preposições”, “conjunções”, “interjeições”,
mencionados de novo nos capítulos em que se estuda, separadamente, cada uma
delas.
Efetuada, mesmo que de passagem, a travessia da fase quinhentista para a oitocentista,
cabe-nos, agora, enfocar esta última examinando o que nos dizem seus autores a respeito da
classificação de palavras e do advérbio.
73
3.4 Lições finais: gramáticos do século XIX
3.4.1 Panorama lingüístico geral
No século XIX, último dos “tempos de antanho” aqui enfocado, recebemos lições
preciosas de gramáticos expoentes como Jeronymo Soares Barbosa e Júlio Ribeiro, cujas
obras, Grammatica philosophica da língua portuguesa (1803) e Grammatica portugueza
(1882), respectivamente, foram aqui selecionadas como representativas desse período. O
primeiro, Soares Barbosa, é tido, na literatura corrente, como o grande representante de uma
era em que predominavam compêndios gramaticais de linha mais filosófica; o segundo, Júlio
Ribeiro, nos leva de volta a uma abordagem mais tradicional do português, menos arrojada,
pois, mas tão valiosa quanto a de Barbosa, que segue de perto as idéias lingüísticas defendidas
na Gramática de Port-Royal (1992, ed. brasileira).
Com base nas edições datadas de 1881 (gramática de Jeronymo Soares) e de 1884
(gramática de Júlio Ribeiro), apresentamos e comentamos, a seguir, as “lições” que ambos
nos deixaram.
3.4.2 Exame crítico das propostas analíticas selecionadas
3.4.2.1 Jeronymo Soares Barbosa (1803)
Como era de esperar, Jeronymo Soares Barbosa (1803/1881) tem uma concepção
mais racionalista de linguagem, que faz coro tanto com alguns de seus pares coevos, quanto
com a de Arnauld e Lancelot, autores da Grammaire générale et raisonée, traduzida para o
português com o título de Gramática de Port-Royal (1992).
74
Defensor, pois, dessa linha de pensamento, Barbosa (1881) acredita que exprimimos
as nossas percepções do real por meio do discurso, o qual, por sua vez, pode ser atualizado de
dois modos distintos. O primeiro deles, natural e sumário, serve para expressar por
intermédio de palavras interjectivas, o estado de espírito do ser humano; o segundo, dito
artificial e analítico, codificado pelas outras espécies vocabulares, traduziria as demais
funções da linguagem. Na maneira de ver desse gramático-filósofo “destes dois modos
contrários de dar a conhecer pela linguagem os nossos pensamentos, nasce a divisão a mais
geral das palavras em classes” (BARBOSA, 1881, p.70).
Pelo que se pode ver, transparecem nessa divisão de ordem mais abrangente, alguns
dos critérios que lhe pareciam adequados para a delimitação das classes de palavras
integrantes do acervo lexical do português. E mais: por intermédio dessas idéias, e de outras
que vão sendo expostas nas “lições” específicas a cada grupo vocabular, ficamos a par do
modelo de gramática adotado por esse autor, que, por exemplo, assim se manifesta a respeito
das “interjeições”: “ao sentimento pois pertence o proferil-as a proposito, e à Gramática o
recel-as do uso, contal-as, e notar algumas differenças mais geraes que as distinguem”
(BARBOSA, 1881, p. 71; destaques nossos).
Nessa passagem, em que nosso autor se mostra
afinado com o pensamento de
estudiosos de seu tempo, fica patente o seu projeto de “gramática”, a que cabe, segundo ele,
no que diz respeito ao estudo do conjunto vocabular das línguas, “descrever, a partir do uso,
o comportamento das palavras, para, então, distingui-las, enumerá-las e classificá-las”
(BARBOSA, 1881, p. 71).
Para melhor compreensão de seus ensinamentos sobre o “advérbio”, apreciemos antes
o seu quadro distributivo do conjunto vocabular do português, tarefa que ocupa um bom
espaço de sua Grammatica. Alicerçado na idéia de que existem “modos contrários de dar a
conhecer pela linguagem os nossos pensamentos” –
um, que representa “todas estas
75
percepções e sentimentos que a nossa alma experimenta tulmutuariamente”, e outro, que
representa as percepções que temos dos objetos, “separando-as e fazendo-as succeder umas
às outras” , esse mestre acredita que disso deriva uma “divisão a mais geral das palavras
em duas classes: uma, das palavras interjectivas ou exclamativas, e outra das discursivas ou
analyticas” (BARBOSA, 1881, p.70; destaques nossos).
Em seu ponto de vista, as “interjeições” configuram-se como “partículas desligadas
do contexto da oração”, que, expressões da “linguagem primitiva que a natureza mesma
ensina a todos os homens logo que nascem”, servem para indicar “o estado ou de dor ou de
prazer interior em que sua alma se acha, e por isso mesmo devem ter o primeiro lugar na
ordem das partes da oração” (BARBOSA, 1881, p. 70).
Por outro lado, as “discursivas”, ou “analíticas”, servem para exprimir as duas
“coisas” que o nosso espírito, tal como a natureza, contém: as idéias, que nada mais são do
que reflexos da primeira operação – de percepção ou concepção – do nosso entendimento, e,
também suas diferentes combinações, reflexos da segunda operação do nosso entendimento,
qual seja, o juízo. Tem-se, aí, pois, uma nova subdivisão, que, atinente às palavras
“discursivas”, nos remetem a duas grandes subclasses, correspondentes às duas operações
supracitadas que o pensamento pode realizar: as palavras nominativas
e as palavras
combinatórias (ou “conjunctivas”, nos termos do autor), conforme exposto abaixo:
as palavras discursivas que os exprimem, de necessidade se devem também reduzir
a duas classes geraes, como nos methodos analyticos do calculo; umas que
caracterizam e nomeiam as idéias, e outras que as combinam entre si.
(BARBOSA, 1881, p. 74; destaques nossos)
Todavia, conforme reconhece o próprio gramático, essa bipartição não é a única que se
verifica no acervo lexical das línguas, uma vez que “as idéias que se nomeiam e as suas
combinações são de diferentes espécies” (BARBOSA, 1881, p. 74). Assim sendo, tanto os
termos nominativos quanto os combinatórios se desmembram em outros tipos vocabulares.
76
Ciente de que:
a) a distribuição dual acima – de palavras nominativas x palavras combinatórias (ou
conjunctivas) – não dá conta de mostrar, com a devida precisão, as diversas
possibilidades de “nomeação” e as diferentes espécies de “combinação”;
b) a determinação dessa tipologia é essencial “para se saber quaes são exactamente as
partes elementares e indispensáveis do discurso;
c) “n’este ponto [classificação de palavras] tem havido quasi tantas opiniões quanto
são os grammaticos”;
d) uma palavra só pode ser considerada como elemento de uma oração, desde que:
1º - “seja simples e irresolúvel”, ou seja, que apresente traços inerentes que as
distingam de outras palavras;
2º -
“seja necessária e indispensável à enunciação dos nossos pensamentos,
de tal sorte que não haja lingua alguma que a não tenha”;
3º - exerça no discurso uma funcção essencialmente differente da(s) que cabe a
outras palavras exercer (BARBOSA, 1881, p. 74),
esse autor, diversamente de outros que não explicitam os critérios norteadores de seu quadro
taxonômico, aponta e identifica as seguintes sub-espécies concernentes às duas grandes
classes de palavras nominativas e combinatórias acima referidas:
A - Palavras nominativas (de número infinito e de massa fônica mais extensa) :
a) nome substantivo – a que cabe expressar as idéias principais;
b) nome adjetivo – a que cabe exprimir “as idéias acessórias como objeto dos nossos
discursos para se combinarem e se compararem” (BARBOSA, 1881, 74)
B – Palavras combinatórias: ( de número reduzido e de pouca massa fônica):
a) verbo substantivo – a que cabe combinar e ajuntar idéias acessórias com a principal;
77
b) preposição – a que cabe combinar “entre si duas idéias principaes, fazendo de uma
complemento da outra” (BARBOSA, 1881, p. 74);
c) conjunção – a que cabe combinar, ligar e ordenar as orações.
Paralelamente a essa distribuição de ordem mais cognitiva, semântica e sintática, o
autor faz menção de outros tipos em que se podem reunir, de forma cruzada, palavras de
caráter discursivo e exclamativo.
Quanto ao estatuto morfológico, o autor faz referência aos dois conjuntos vocabulares,
que apresentados abaixo, se distinguem um do outro, segundo admitam, ou não, variação
flexional de gênero, número e pessoa (no caso do verbo):
A) Palavras Variáveis
B) Palavras Invariáveis
Substantivo
Interjeição
Adjetivo
Preposição
Verbo
Conjunção
Para uma idéia mais completa e detalhada do quadro classificatório proposto por esse
gramático, veja-se o esquema abaixo, no qual procuramos deixar claros os critérios
cognitivos, semânticos, sintáticos, morfológicos, fônicos e quantitativos, tidos pelo autor
como pertinentes para determinar “quaes são exactamente as partes elementares e
indispensáveis do discurso” (BARROS, 1881, p. 74; destaque do autor).
78
1-
PALAVRAS
DISCURSIVAS
VARIÁVEIS
(“Partes”)
2-
INVARIÁVEIS
(“Partículas”)
Nominativas
Adjetivo
Interjeição
Combinatórias
[ + numerosas ]
[ + extensas ]
[ + polissêmicas ]
Substantivo
PALAVRAS
NÂO DISCURSIVAS
OU EXCLAMATIVAS
[ - numerosas ]
[ - extensas ]
[ - polissêmicas ]
Verbo (subst.)
Art . Pron. Part.
Preposição
Conjunção
Advérbio
FIGURA 3- “SISTEMA COMPLETO DOS ELEMENTOS DA ORAÇÃO”,
SEGUNDO JERONYMO SOARES BARBOSA (1803/1881)
O exame do Quadro acima nos revela problemas mais ou menos sérios de várias
naturezas, relativos não só à identificação das “formas adverbiais”, como à das demais
espécies vocabulares. Um deles, por exemplo, diz respeito ao verbo, que, por figurar no bloco
das palavras conjuntivas, portar os traços [ - numerosos ], [- extensos ], [+ monossêmicos ],
peculiares a esse grupo.
Deixando para outra oportunidade, ou para outros estudiosos, a tarefa de avaliar, com
o devido apuro, a pertinência, ou não, dos traços apontados pelo nosso filósofo-gramático
como identificadores dos diferentes tipos de vocábulos do português, apreciemos, a seguir,
79
as “lições” de Jeronymo Soares Barbosa (1803/1881) acerca da caracterização do advérbio,
espécie vocabular que constitui o objeto desta pesquisa.
Pelo que nos é dado ver na Figura nº 1 acima, esse tipo de palavra é tida pelo autor
como um dos subgrupos do “macroconjunto” das preposições. Com tal distribuição, Barbosa
(1881) deixa claro que as formas adverbiais não formam uma “classe” autônoma de palavras,
independente, pois, das demais.
Do mesmo modo, não está livre de questionamentos a concepção de “advérbio”
defendida por esse autor, exposta no Capítulo V de sua Grammatica (ed. de 1881, p. 218 a
243), dedicado ao estudo da “preposição”. Naquele capítulo, depois dos ensinamentos a
respeito da classe das “preposições”, nosso mestre se volta, de um modo particular, para o
advérbio, que, na sua opinião, nada mais é do que o resultado de uma redução ocorrida no
interior dos Sintagmas Prepositivos (SPreps), ou seja, de um processo de abreviação do
conjunto formado pela “preposição” e seu complemento em uma única palavra,
morfologicamente, indeclinável. Essa associação, afirma-nos o autor (1881, p. 235), está
inscrita no próprio nome advérbio (termo originado do latim adverbium), que significa
‘adjunto ao verbo’, entendendo-se, no caso, o termo verbo em seu sentido lato de “qualquer
palavra capaz de modificação”. Dessa maneira, segundo esse estudioso, não só advérbios de
acepção locativa ou temporal, como: de cima, acerca, abaixo, debaixo, acima, etc, mas
também os advérbios de qualidade terminados em –mente se mostrariam ainda
preposicionados, tal como no seu passado latino. O excerto abaixo, transcrito de Soares
Barbosa, nos dá uma idéia mais clara do alcance dessa relação “Advérbio” – “Sintagma
Prepositivo”, que ele se preocupa em apontar:
Quer eu diga pela preposição com o seu complemento: obrar com prudencia; quer
reduzindo a coisa a menor expressão diga: obrar prudentemente; a significação
vaga do verbo obrar fica egualmente modificada e determinada pelo advérbio,
como pela preposição com seu complemento. (BARBOSA, ed. de 1881, p.
234-235; destaques do autor)
80
Aqui, Barbosa, fazendo jus à sua idéia de que uma palavra, para que possa ser
considerada como elementar à oração, deve exercer no discurso uma função diferente das
exercidas por outras palavras, mostra que esse não é o caso do advérbio. Antes, a função
adverbial é perfeitamente desempenhada, segundo o autor, por uma preposição combinada a
um substantivo.
Com tal proposta analítica, evidencia-se mais uma vez a ligação desse gramático
português com os mestres de Port-Royal, cujas “lições foram retomadas e revistas, em tempos
modernos pelo lingüista americano Noam Chomsky, com sua proposta de uma gramática
gerativo-transformacional. Para este autor, os “advérbios” nada mais seriam que formas
resultantes da ação do Princípio da Economia, explorado de outra maneira, nos nossos dias,
por adeptos da Gramática Funcional.
A par do recurso a esse critério de cunho mais etimológico − que serve para justificar
o caráter invariável dos “advérbios” e revelar diferenças entre eles e a classe dos “nomes
adjetivos” (declináveis) − registram-se, em seu compêndio gramatical, casos de
subagrupamento de itens adverbiais, que, dependendo dos traços que portam, se entrecruzam
uns com os outros, dando, assim, origem a vários tipos de distribuição.
Explorando tais possibilidades, Barbosa (1881) aponta várias subespécies de
advérbios, distintas umas das outras não só em termos semânticos e formais, como em termos
discursivos, numéricos, etc. Com base na “estrutura subjacente” das formas adverbiais –
simples ou funcionais – esse gramático identifica três grandes subgrupos adverbiais: o dos
advérbios propriamente ditos, o dos nomes adverbiados e o das fórmulas adverbiais.
Todavia, se levarmos em conta os próprios traços que aponta, poderíamos reduzir esses três
blocos a dois, diferenciados um do outro por sua configuração estrutural, a saber: um, que
abarca as formas adverbiais com preposição subentendida e outro, que contém as formas
adverbiais com preposição expressa.
81
Paralelamente a essa distribuição bipolar que sugerimos, detectamos ramificações e subramificações de menor porte. Dentre elas, mencione-se, aqui, o desmembramento do que
chamamos formas com preposição subentendida em dois subtipos: um, designado pelo
autor como advérbio propriamente dito, no qual o termo (único) que o compõe é,
flexionalmente, invariável – o que restringe o seu uso a um único contexto;
correspondente aos
outro,
nomes adverbiados, nos quais o termo único de que é formado,
contrariamente ao que se dá com o grupo anterior, caracteriza-se como variável, (ou
declinável), como prefere o autor, sendo, assim, “susceptível de outro emprego na enunciação
do pensamento” (BARBOSA, p. 235). Como ilustração do primeiro subtipo, esse autor
aponta o advérbio locativo “indeclinável” aqui, que, segundo ele, “comprehende em si a
preposição em, e seu complemento é, este logar, como se disséssemos: n’este logar“
(BARBOSA, 1881, P. 235). Por sua vez, como exemplo de itens adverbiais do segundo
subtipo, ele menciona o vocábulo certo, que, embora sujeito à variação de gênero e número,
em contextos em que funciona como adjetivo se caracteriza como invariável no exercício de
função adverbial, ilustrada, pelo autor, em enunciados como: “Certo sei.” “Certo que isto é
mal feito”, nos quais, o vocábulo certo equivale a certamente.
Outra ramificação mencionada por Barbosa (1881) incide sobre o conjunto composto
por formas com preposição expressa, que se subdivide em duas subespécies: as que
apresentam preposição incorporada ao seu complemento, e as que não apresentam; como
exemplo de fórmulas adverbiais com preposição incorporada, o gramático em pauta arrola,
na página 236, itens como d’aqui, d’alli, d’aquem, d’além, equivalentes, no seu modo de ver,
a: d’este logar, d’aquelle logar, da parte de cá, da parte de lá. Por outro lado, locuções como:
às avessas, à direita, às claras, às escondidas, são apontadas por ele como casos ilustrativos
do subconjunto fórmulas adverbiais com preposição separada.
82
Esquematizando essas “lições” a respeito da (sub)categorização dos “advérbios”, tudo
temos o seguinte resultado:
A- Formas com preposição subentendida
a) advérbios propriamente ditos
b) nomes adverbiados
B- Formas com preposição expressa
a) itens aglutinados ao termo determinado
b) itens separadas do termo determinado
Ao insistir na idéia de que “o advérbio, propriamente dito, é uma palavras só, e essa
indeclinável, e destinada pelo uso para exprimir com mais brevidade uma preposição com
seu complemento”, Soares Barbosa (1881, p. 236-237), de certa maneira, nos remete a outro
tipo de rearranjo do conjunto adverbial, decorrente do tempo de entrada dos termos adverbiais
em nossa língua. A partir desse critério cronológico, ele separa, de um lado, as formas
adverbiais que vieram, como tais, do latim. Rotuladas, nas gramáticas históricas, como formas
hereditárias, esse bloco, de acordo com o nosso mestre, abarcaria, predominantemente, os
advérbios de lugar, tempo e quantidade. Por sua vez, os advérbios de modo e qualidade, que,
formados, segundo o autor por analogia, constituiriam vocábulos mais novos, ou formações
românicas (no caso, portuguesas). No esquema abaixo, em que se reproduz a exemplificação
fornecida por nosso gramático, temos uma síntese dessa redistribuição cronológica dos itens
adverbiais vigentes em nossa língua:
A - Formas hereditárias
Constituídas, preferentemente, de advérbios de:
a) de lugar: onde, algures, alhures, nenhures, aqui, ahi, dahi, aquém, além, cá,
lá,acolá, arriba, cerca, dentro, fora, diante, traz (sic), longe, perto;
83
b) de tempo: quando, sempre, nunca, então, agora, avante, antes, depois, hontem, hoje,
logo, já, ainda, cedo, azinha.
c) de quantidade (registrado, por engano, como de “qualidade”): tão, quão, mui, mais,
quase, cerca,apenas.
B – Formações românicas (portuguesas)
Advérbios de modo e qualidade: sim, não, assim, como, talvez, eis.
Como fecho a este exame das “lições adverbiais” dadas por Jeronymo Soares Barbosa
(1881), transcrevemos, a seguir, um excerto no qual
critica os demais gramáticos pela
incoerência da taxonomia que apresentam:
Esquecendo-se (...) das definições que dão do advérbio, que dizem ser uma voz
indeclinável, [nossos gramáticos] mettem nesta conta expressões que nada tem de
adverbiaes; porque são ao meros complementos com suas preposições, que não há
mais razão para pôr na classe dos advérbios do que qualquer outro substantivo com
a sua preposição junta; o que seria uma estranha confusão.(BARBOSA, 1881,
p. 236 )
Isso posto, salientem-se, aqui,
os seguintes pontos da proposta analítica desse
expoente no campo dos estudos da língua portuguesa, que, independente em seu modo de ver,
aponta solução próprias para os inúmeros problemas que enfrenta. Mesmo que não os tenha
resolvido inteiramente, ou que não os tenha resolvido a contento, conforme avaliação de Elia
(1980), esse mestre da gramática deixou abertos novos caminhos, que nos desafiam a
prosseguir nessa viagem por terras “adverbiais”.
Assim, no que tange à classificação das palavras, ressaltem-se os seguintes
ensinamentos:
a) a distribuição das palavras em duas dimensões lingüísticas distintas: palavras discursivas
x palavras exclamativas (não discursivas);
b) a subdivisão do primeiro bloco em subtipos também desmembráveis em outras
subespécies, a saber:
i) o desmembramento das palavras discursivas, em variáveis (substantivo, adjetivo,
84
adjetivo e verbo) e invariáveis (preposição e conjunção);
ii) a repartição (diferente da primeira) dos termos discursivos em: palavras nominatiavas
(variáveis) versus palavras conjunctivas (invariáveis);
iii) o desdobramento do subgrupo: o nominativo em nomes substantivos e adjetivos, e do
combinatório, ou conjuntivo, em verbos, preposições e conjunções;
iv) a distribuição do subconjunto de conjuntivas em dois subgrupos, segundo passíveis ou
não, de variação e flexão: o das formas invariáveis (conjunção e preposição) e o das
variáveis, do qual faz parte o verbo, tido por nosso autor como nominativo e conjuntivo,
ao mesmo tempo;
v) outro tipo de subcategorização incide sobre o conjunto dos adjetivos, que podem se
desdobrar em: particípio, artigo e pronome.
Embora atraente pelas novidades que apresenta, o quadro de Jeronymo Soares
Barbosa, não deixa de suscitar questionamentos e contraposições, decorrentes, muitas vezes,
de sua despreocupação com o esclarecimento de certas noções, emprestadas de outros, ou
não, e de justificativas teórica e empiricamente mais seguras. Com isso, o modelo de análise
sugerido por Soares Barbosa não raro se mostra confuso e até mesmo inadequado, conforme
nos demonstram críticas como a que faz Sílvio Elia, para quem, “o gramático-filósofo antes
escureceu que iluminou a questão” (no caso, a delimitação do escopo do advérbio). (ELIA,,
1980, p.23).
No que concerne às lições sobre o advérbio, nosso gramático de novo se destaca por
suas idéias inéditas, dentre as quais pontuamos: a) a definição do “advérbio” com base no
estatuto configuracional que apresenta em sua Estrutura Profunda, e/ou com base na sua
forma analítica vigente em fases pretéritas; b) a alocação do advérbio no rol das palavras
“invariáveis”, o que leva ao seu deslocamento para o subgrupo das palavras conjuntivas; c) a
85
visão sintática do advérbio como elemento configuracionalmente similar ao Sprep; d) o
reconhecimento de uma abrangência maior do escopo dos itens adverbiais; e) a apresentação
de vários tipos de subdivisões a que estão sujeitas as formas adverbiais, tanto no plano
semântico quanto no formal.
Vistas essas “lições” advindas do início do século XIX, encerremos este capítulo,
voltado para os tempos de antanho, com o exame das idéias “adverbiais” de Júlio Ribeiro,
que se propõe, em sua Grammatica portugueza (1882/1884), afastar-se das antigas, que, a
seu ver, “eram mais dissertações de metaphysica do que exposições dos usos da língua”, e
mostrando “com clareza as leis deduzidas dos factos e do fallar vernáculo (RIBEIRO, 1884,
p. I; destaque nosso).
3.4.2.2 As lições de Júlio Ribeiro (1882)
Afirmando, na Introdução de sua obra, que “a grammatica não faz leis e regras para a
linguagem”, mas “expõe os factos della, ordenados de modo que possam ser aprendidos com
facilidade” Júlio Ribeiro (1884, p. 1; grifos nossos), revela-se, de antemão, um defensor da
idéia (de cunho pedagógico) de que “o estudo da grammatica não tem por principal objecto a
correção da llinguagem”, embora possa contribuir para isso. (RIBEIRO, 1884, p.1).
Embora mais envolvido com as idéias gramaticais da tradição greco-latina do que
Jeronymo Soares Barbosa, esse gramático brasileiro sofre influências do cientificismo
predominante em sua época, conforme nos
comprova o seguinte excerto, transcrito da
“Secção Primeira” (Taxeonomia) do “Primeiro livro” em que se divide o seu compêndio:
A linguagem, interprete da intelligencia, é um instrumento de analyse: com effeito,
as palavras servem para distinguir os seres, os objectos, as qualidades, as
substancias reais ou abstractas, as açções, os estados diversos das pessoas, das
cousas, todas as manifestações da vida, todos os phenomenos, até mesmo os que
caem sob o domínio da imaginação e do futuro, o contigente, o absurdo, o
impossível. (RIBEIRO, ed. de 1884, p.57)
86
Em consonância com a linha darwinista, esse autor (1884, p. 57) concebe a linguagem
como uma “expressão do pensamento” e defende a idéia de que a distribuição das
palavras em grupos, só pode ser feita a partir dos “grupos de idéias que compõem o
pensamento”. Com base nisso, Júlio Ribeiro (1884, p. 57) identifica, na nossa língua, oito
categorias de vocábulos, que, em termos da propriedade sintática [±dependência], podem ser
distribuídas em três grandes grupos, aqui apresentados em forma de esquema:
A- Formas independentes – que correspondem às palavras “capazes de formar sentenças
por si e entre si”: o “substantivo”, o “pronome” e o “verbo”. (RIBEIRO, 1884, p.57).
B- Formas qualificadoras – que se caracterizam como dependentes de outra palavra que
descrevem ou limitam: o “artigo”, o “adjetivo” e o advérbio.
C- Formas conectivas – que englobam as palavras que servem para juntar um termo com
outro, ou uma oração com outra: a “preposição” e a “conjunção”.
Pelo que se pode ver acima, Ribeiro não inclui em seu quadro a interjeição, atitude
também assumida por alguns autores da atualidade, considerando-a como um simples “grito
involuntario, instinctivo, animal”, que não tem nenhuma ligação com o pensamento. Em
outras palavras, para ele, essa espécie vocabular não deve ser tomada como parte do discurso,
mas, sim, como mera expressão do sentimento humano. Embora de um modo menos radical,
essa idéia coincide com a de vários autores, entre os quais, o próprio Soares Barbosa
(1803/1881), que, conforme vimos, arrola as interjeições, num grupo especial, de palavras
não discursivas, ou seja, não passíveis de engendrar as idéias contidas no pensamento.
Outro tipo de distribuição de palavras encontrado no manual de Júlio Ribeiro (1884),
leva em conta o traço morfológico [ ± flexão ], que dá origem ao seguinte subquadro:
87
A- Formas variáveis
B- Formas invariáveis
Substantivo
Advérbio
Adjetivo
Preposição
Verbo
Conjunção
Artigo
Pronome
Dividido em dois subtipos, esse “conjunto”, lembra-nos esse gramático, já foi
“unitário” no passado, uma vez que as “palavras invariáveis”, integrantes do segundo grupo,
“já gosaram de vida, já tiveram fôrmas móveis nas línguas matrizes: são (...) organismos
inferiores (...), cujas partes fluidas se solidificaram por uma como crystallização
lingüística”(RIBEIRO, 1884, p. 57).
A título de síntese e para melhor visualização dessa taxonomia, apresentamos o
seguinte Quadro:
1-
PALAVRAS
2-
INDEPENDENTES
Variáveis
PALAVRAS
DEPENDENTES
Variáveis
Substantivo Pronome Verbo Artigo Adjetivo
Advérbio
3-
PALAVRAS
CONECTIVAS
Invariáveis
Preposição
Invariáveis
Conjunção
FIGURA 4 – “TAXEONOMIA” DAS PALAVRAS DO PORTUGUÊS,
SEGUNDO JÚLIO RIBEIRO (1882/1884)
88
No que tange, particularmente, ao advérbio, as lições de nosso gramático brasileiro,
embora se ressintam de maior sistematicidade, contêm novidades e interpretações pessoais,
ainda a confirmar.
Examinemos algumas delas, começando pela definição que o autor nos fornece, na
primeira seção (intitulada “Taxeonomia”) do “Livro Segundo” do seu compêndio: “advérbio
é uma palavra que modifica um verbo, um adjetivo ou um outro advérbio” (RIBEIRO, 1884,
p. 70; destaque do autor). Ainda que sintética, essa definição, corrente na literatura, se baseia
em dois traços de natureza distinta: um semântico, concernente ao papel de modificador do
“advérbio”. outro, sintático, relativo ao seu escopo, que além de abarcar o “verbo”, atinge,
também, o “adjetivo” e mesmo outro “advérbio”.
A par desse traço sintático de delimitação do escopo do “advérbio”, no “Livro
Quarto” de sua Gramática − reservado, exclusivamente, ao estudo da Sintaxe −, temos uma
alusão a outro traço próprio ao “advérbio”, nem sempre lembrado pelos autores, qual seja, a
sua posição ocupada na oração “ junto da palavra por elle modificada”. Como comprovação
empírica disso, seu proponente arrola os seguintes exemplos: Homem muito illustrado;
Pedro escreve rápido; César escreveu muito concisamente (RIBEIRO, 1884, p. 314).
Quanto à caracterização semântica do advérbio, além do papel de modificador do
termo a que se liga, referido na definição, o gramático menciona outros, mais esporádicos, já
que restritos a determinados itens. Um deles é o de indiciador de intensidade, que as formas
locativas cá e lá, por exemplo, podem exercer (em decorrência de um processo de
metaforização), quando ligadas, respectivamente, à primeira e às demais pessoas do discurso.
Como exemplo, o autor arrola os seguintes dados: Eu cá julgo que elle não vem; Nós cá
queremos; Tu lá sabes; Vós lá podeis; Elle lá tem; Elles lá são ricos (RIBEIRO, 1884, p. 315;
destaques nossos).
Além desse tipo de ocorrência – encontrado até hoje na nossa língua –, esse mesmo
estudioso nos lembra a possibilidade de emprego do locativo lá com valor dubitativo,
89
reforçado por entoação própria. Exemplos: “Eu lá sei; Nós lá queremos isso” (RIBEIRO,
1884, p. 315; destaques nossos).
Revolvendo estágios passados de nossa língua, esse mestre faz alusão, ainda, à
mudança de sentido de “advérbios pronominais” como onde, que, afastando-se de seu
significado original – latim unde, ‘lugar de onde’ – acabou se fixando no português como
índice de “lugar onde”. Isso sem falar em outros resultantes de gramaticalização ou de
discursivização, verificadas em diferentes estágios de sua evolução, conforme mostrado por
Bittencourt (1999, 2003, 2004), Marinho (1999) e outros.
No tocante aos traços morfológicos do “advérbio”, investigados com maior apuro por
Júlio Ribeiro, contamos com ensinamentos tanto de natureza sincrônica quanto diacrônica.
Assim é que, em outra parte de seu compêndio, à luz dessa última perspectiva, diacrônica, ele
mostra que, em termos flexionais, essa espécie vocabular tida como invaríavel, na verdade,
“marca a transição das palavras variáveis para invariáveis” (RIBEIRO, 1884, p. 152). Prova
disso, nos diz ele, é “o fato de [o advérbio] admitir graus de comparação (lindamente, mais
lindamente, lindissimamente, boamente, melhormente, optimamente)” o que “evidencia ter
sido o advérbio palavra flexional nas antigas línguas indo-germânicas, fontes da portuguesa”
(RIBEIRO, 1884, p. 152).
Vistos os traços que esse mestre considera como peculiares do “advérbio”,
investiguemos, agora, os tipos de subclassificação adverbial apontadas por ele. Um deles, já
referido acima, é a que concerne à expressão de grau. Com base nesse traço, Ribeiro (1884,
p. 152) distingue dois conjuntos distintos:
a) o constituído por itens que admitem graus de comparação x o constituído por
advérbios que não o admitem;
b) o integrado por itens que, em forma diminutiva, exprimem grau superlativo x o
integrado por itens que não assumem forma diminutiva.
90
O grau comparativo, esclarece-nos esse autor, é expresso principalmente por advérbios
de modo terminados em –mente, ao passo que o superlativo é indicado por adjetivos
adverbiados e por locuções adverbiais: “Levantei-me cedinho; Falou baixinho” (RIBEIRO,
1884, p.152-153; grifos nossos).
Levando em conta “a natureza da modificação que exprime” Ribeiro (1884, p. 70-71)
identifica dez subtipos diferentes em termos semânticos:
a) de tempo: agora, ainda, nunca, jamais, etc.;
b) de lugar: onde, aqui, aí, ali, cá, lá, etc;
c) de ordem: primeiramente, ultimamente, depois;
d) de modo: bem, mal, assim, como, acintemente, e os terminados em mente;
e) de conclusão lógica: conseguintemente, conseqüentemente;
f) de quantidade: muito, pouco, assás, mais, menos, quase, etc.;
g) de afirmação: sim, verdadeiramente, efetivamente, realmente, certamente, etc.;
h) de negação: nada, não, menos, nunca, jamais;
i) de dúvida: talvez, acaso, quiçá;
j) de exclusão: só, somente, apenas, unicamente, sequer, senão;
l) de designação: eis.
Outro traço responsável por novos tipos de desdobramento do “advérbio” é, segundo
nosso autor, o que diz respeito à origem dos diferentes itens e locuções que integram esse
grupo. Conjugando sincronia com diacronia, ele chega ao seguinte quadro, que, organizado à
nossa maneira, fornece uma visão mais abrangente da subcategorização, apresentada por ele:
a) formas adverbiais hereditárias
b) formas adverbiais vernáculas;
c) formas adverbiais importadas.
91
Como parte do conjunto de advérbios herdados da língua latina – constitutivos da
camada hereditária, o autor arrola cerca de cinqüenta e três itens, acompanhados de suas
respectivas formas latinas, fornecendo-nos, assim, dados para uma pesquisa nessa área. Dessa
lista fazem parte termos como: acaso, acima, acolá, alhures, bem, cedo, dentro, donde, eis,
então, fora, hoje, hontem, já, jamis, lá, logo, mais muito, não, nunca, onde, ora, quão,
quando, sim, só, tão, tanto, etc.
Quanto aos itens de constituição vernácula, admitem, segundo esse mestre, em termos
morfológicos, um desdobramento em
subgrupos, dos quais o primeiro comporta nova
subdivisão. Abaixo, temos, em forma de esquema, esses dois quadros distributivos:
a) adjetivos adverbializados
(i)
em sua forma invariável, isto é, masculina.
Exemplos do autor (p. 219): Fallar alto; gostar immenso.
(ii)
por acréscimo do sufixo –mente à sua forma feminina.
Exemplos do autor (p. 220): primeiramente, pudicamente.
b) locuções constituídas por aglutinação de palavras do cabedal próprio do português.
Exemplos do autor: outrora, talvez, tampouco.
No tocante aos advérbios importados, último subconjunto alistado, sob o ponto de
vista da formação lexical, Ribeiro (1884) cita, como exemplo, apenas o vocábulo quiçá,
originado do italiano chi sa (‘quem sabe’).
A par desses tipos de formação, nosso gramático faz referência às seguintes
possibilidades: i) a adverbialização de adjetivos em função predicativa, como em: Ella soffre
calada; Os turcos atacaram resollutos. (RIBEIRO, 1884, p. 314; destaques nossos); ii) os
deslizamentos de sentido, aqui já mencionados, que atingem itens, como cá e lá, ou não e
nem, que de locativos e negativos, respectivamente, passam a intensificadores, conforme se
pode ver nos seguintes exemplos: “Nós cá queremos”, “Eles lá são vivos” ; “Quantos a estas
92
horas não estão mortos?” “Por ventura, a necessidade será lá tamanha, nem esmola tão bem
empregada?” (RIBEIRO, 1884, p.315).
Para encerrar o exame aqui efetuado acerca das “lições categoriais e adverbiais” de
Júlio Ribeiro, apresentamos uma síntese, na qual se pontuam aquelas que traduzem o seu
modo de pensar e/ou suscitam polêmica:
a) do ponto de vista morfológico, mais especificamente, da possibilidade de flexão,
esse gramático considera os advérbios como elementos intermediários, entre as
palavras variáveis e invariáveis. Apesar de a sua justificativa pautar-se no fato
diacrônico, segundo o qual, “no admittir graus de comparação (lindamente, mais
lindamente) (...) revela o advérbio ter sido palavra flexional nas antigas línguas
indo-germânicas...” (RIBEIRO, 1884, 152), ao reconhecer a existência de formas
adverbiais “intermediárias”, ele estaria, prospectivamente, defendendo a idéia da
existência de um continuum entre os diferentes tipos de categoria lingüística, idéia
essa que se constitui num dos pilares das análises de linha funcionalista;
b) em coerência com a concepção de palavra defendida pelo autor, segundo a qual,
como reflexo da inteligência humana, serve para distinguir os seres, as coisas, as
ações, os processos, etc., bem como as inumeráveis relações e correlações de tudo o
que existe, o advérbio se caracteriza, semanticamente, como palavra modificadora
− traço que, extensivo ao “adjetivo”, ao “artigo”, “aos pronomes adjetivos”, se
mostra, a nosso ver, incapaz de identificá-lo como classe autônoma;
c) no mesmo território da semântica, detectamos possíveis equívocos de interpretação
por parte de nosso gramático. Em nosso entender, as formas que ele arrola, sob a
letra (e), como componentes do subgrupo indiciador de conclusão lógica (ausente
da taxonomia apresentada pelos gramáticos em geral), por exemplo, se caracterizam
93
muito mais como conectivos de força argumentativa, do que como modificadores de
verbos, adjetivos, ou outros advérbios, conforme ele postula. Comprova-nos isso a
impossibilidade (ou, pelo menos, estranheza) do emprego de itens como
conseguintemente e conseqüentemente na função de modificadores de “verbos”,
“adjetivos” e até “advérbios”;
d) tal como o de acima, o traço sintático relativo ao escopo, ou seja, às espécies
vocabulares a que o “advérbio” pode se associar, não dá conta dessa tarefa. Embora
aponte uma lista maior, que, a par do verbo, abarca o “adjetivo” e o “próprio
advérbio”. Ribeiro (1884) não consegue resolver o problema, uma vez nem todos os
itens tidos como adverbiais admitem esse tipo de modificação. Em outras palavras,
as três classes arroladas acima – verbo, adjetivo, advérbio – “selecionam” tipos
diferentes de “modificadores” adverbiais;
e) um dos poucos autores a mencionar o traço sintático relativo ao posicionamento do
advérbio na oração, nosso gramático não dá o devido trato a essa questão, deixando
de apontar, dentre outras coisas, as formas adverbiais suscetíveis de deslocamento;
os lugares onde elas podem “pousar”; as alterações semânticas e/ou estilísticas
decorrentes do deslocamento, etc;
f) ainda na esfera da sintaxe, infere-se que, diferentemente de seus pares, Júlio Ribeiro
analisa como complementos adverbiais, e, não, como objeto indireto, agente da
passiva, ou, então, como complemento de infinitivo, os S Preps que figuram em
contextos como: i) “Paulo gosta de frutas”; ii) “César foi louvado por Cícero” iii)
“Farto de brincar” ( RIBEIRO, 1884, p. 226; destaques nossos). Defendida, em
tempos modernos, por autores como Luft (1979), Saraiva (1983), nos estudos que
empreendem sobre os advérbios de lugar e os advérbios de modo, respectivamente,
94
essa proposta de análise traz à tona não só a questão da identificação de uma classe
adverbial, como a da própria definição de objeto indireto;
g) ao apontar o caráter intensificador de advérbios de lugar, como cá e lá, e de negação
como não e nem, esse gramático acaba contradizendo sua própria análise, que não
prevê a modificação por advérbio de elementos das classes nominal e pronominal, e
sim de constituintes como o verbo, o adjetivo e o advérbio.
Embora aponte alguns problemas nas “lições” fornecidas por Júlio Ribeiro (1884), o
balanço acima, na verdade, constitui-se num “argumento por exemplo” que serve para
demonstrar/comprovar a complexidade da tarefa de categorização, relativa, no caso em pauta,
ao acervo lexical do português, com ênfase nas formas adverbiais.
Dito isso, encerremos esta primeira etapa de nossa viagem.
3.5 Conclusão
No intuito de oferecer uma visão conjunta das “lições” pretéritas aqui examinadas,
apresentamos, abaixo, um quadro-síntese, que, além de evidenciar os critérios utilizados pelos
autores na categorização das palavras de nossa língua e na identificação do advérbio como
uma classe autônoma independente, facilita o confronto entre as propostas analíticas aqui
apreciadas.
95
QUADRO 1
LIÇÕES SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DOS ADVÉRBIOS EM
GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XVI E XIX
SÉCULO GRAMÁTICOS
CARACTERÍSTICAS DOS ADVÉRBIOS
MORFOLÓGICAS
FERNÃO DE
OLIVEIRA
(1536)
Estatuto taxonômico
Palavra
de
“declinação natural”
SINTÁTICAS
__
SEMÂNTICAS
__
XVI
JOÃO DE
BARROS
(1540)
JERONYMO
SOARES
BARBOSA
(1803)
XIX
JÚLIO RIBEIRO
(1884)
Estatuto taxonômico Função:
Uma
das
nove determinante
“partes” da oração
do verbo.
Papéis:
• Acrescenta
• Subtrai
•“Destrui”
o
Escopo: o verbo.
significado do verbo.
Etimologia:
Posição: junto ao Adverbium = ‘acerca
verbo.
do verbo’
Estatuto taxonômico Estatuto oracional Estatuto taxonômico
das
Subclasse
das “Parte” Subclasse
preposições
Preposições
elementar
- Palavra discursiva
Escopo:
Qualquer palavra
capaz
de
modificação
Configuração formal (apellativos,verbos,
Expressão abreviada adjetivos e outros
de
um
Sprep advérbios)
(preposição + seu
complemento)
Flexão:
- Indeclinável
- Invariável
Estatuto taxonômico
- Uma das nossas
oito classes de
palavras.
Forma prototípica
O advérbio de modo
Flexão:
- Forma intermediária
entre as palavras
variáveis
e
invariáveis.
- Forma variável em
grau [sic].
Papéis:
• Modifica
• Restringe
• Completa
qualquer palavra de
significado vago ou
relativo
.
Estatuto oracional Papel:
Palavra discursiva Palavra qualificadora
Função oracional: Palavra modificadora
Conjuntiva
Escopo:
• Verbo
• Adjetivo
• Outro advérbio
Posição:
Junto
do
modificado.
96
QUADRO 2
LIÇÕES SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DOS ADVÉRBIOS EM
GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XVI E XIX
SEC.
GRAMÁTICOS
CRITÉRIOS DE DISTRIBUIÇÃO
MORFOLÓGICOS SINTÁTICOS SEMÂNTICOS
Estatuto formal
-
Papéis:
“Primeiros
x
Qualitativos –
tirados”
FERNÃO DE
OLIVEIRA
(1536)
-
Formas
OUTROS
em
formas em –mente
__
“mente” x demais
formas
x
__
Gramaticalização
- Formas Passíveis
Não Qualitativos
x
Não passíveis de se
transformarem
XVI
em
preposições.
Configuração formal
JOÃO DE
BARROS
(1540)
JERONYMO
SOARES
BARBOS
XIX
(1803)
JÚLIO
RIBEIRO
(1882)
-
Formas Simples
x
Formas Compostas
-
Formas Primitivas
x
Formas Derivadas
Configuração formal
-Advérbios propria –
mente ditos.
-Nomes adverbiados.
__
__
-Fórmulas adver-
Espécies
de
modificação:
Quantitativos
x
Qualitativos
Subespécies:
de
lugar,
tempo,
qualidade,quantidade,afirmação,
negação, dúvida,
demonstração,
chamamento,
desejo,
ordem,
pergunta, ajuntamento, separação,
juramento,
despertador,
comparação,
conclusão.
Espécies
de
modificação:
Tempo
Lugar
Qualidade e Modo
Qualidade
biais.
Formação vernacular:
- Adjetivos na forma
masculina.
-Adjetivos + -mente
-Aglutinação
de
palavras do cabedal
próprio
da
língua
(locuções)
__
Espécies de modificação:
tempo,
lugar,
ordem,
modo,
conclusão lógica,
quantidade, afirmação,
dúvida,
exclusão,
designação.
Cronologia:
Formas em uso
x
Formas obsoletas
Cronologia:
Formas em uso
X Formas obsoletas.
Origem:
Formas
hereditárias X
Analógicas
Fonte originária
-Latina
-Vernácula
-Importação
estrangeira
__
97
4
LIÇÕES DA CONTEMPORANEIDADE: O TRATAMENTO DO
ADVÉRBIO EM GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XX E XXI
O advérbio modifica o verbo exprimindo as circunstâncias que cercam ou precisam
uma acção; modifica o adjectivo ou o advérbio exprimindo o grau de intensidade
do característico ou da circunstância. Assim, só modificam adjectivo ou advérbio
os advérbios de intensidade...(OITICICA, 1923, p. 26; destaques do autor)
O advérbio é um determinante do verbo ou do predicado, que concretiza mais a ação
ou a afirmação, situando-o no tempo ou no espaço, indicando-lhe a modalidade, a
gradação, a intensidade, a freqüência, a duração.Ou é um determinante do nome,
do pronome ou de outro advérbio, para matizar ou enfatizar, intensificar, focalizar,
destacar, incluindo ou excluindo. (MELO, 1981, p. 142; destaques do autor)
Precisamente por a classe “advérbio” ser capaz de modificar elementos
individuais, estados de coisas e textos, é que esta classe se torna tão difícil de
enquadrar e de explicar de modo sistemático. (VILELA e KOCH, 2001, p.
255)
4.1 Introdução
As “lições” gramaticais de “antanho”, focalizadas no capítulo anterior, confirmam as
dificuldades impostas aos que consideram importante para os estudos lingüísticos a tarefa de
subcategorização de elementos, no caso em apreço, de itens lexicais, segundo as propriedades
que lhes são inerentes. Os vários pontos de divergência entre as taxonomias propostas pelos
gramáticos selecionados não deixam dúvida quanto à dificuldade dessa empresa. Dentre os
grupos vocabulares mais polêmicos, ressalta-se o dos advérbios, cuja definição,
categorização e desmembramento tipológico costuma diferir de autor para autor. Assim é que,
para alguns, trata-se de uma classe autônoma, específica, identificável através de traços
próprios; já para outros, o “advérbio” nada mais é do que uma subclasse de conjuntos lexicais
de maior porte, como o dos nomes adjetivos – do qual se distinguiria apenas quanto ao tipo
de vocábulo que pode determinar –, ou dos Sintagmas Prepositivos (SPreps), mesmo nos
casos de formas reduzidas, ou seja, em que a preposição regente não apareça mais expressa,
conforme se dava em fases anteriores da língua. Outro desacordo “adverbial” diz respeito à
98
possibilidade que algumas de suas formas têm de apresentar variação flexional – o que
negaria a sua caracterização como “palavra invariável”. Contudo, viu-se, é questionável essa
colocação, uma vez que baseia-se na idéia equivocada de que a “variação” de grau, admitida
por certos itens adverbiais, seria de natureza flexional, tal como a de gênero e número,
própria dos nomes.
Com a disposição de prosseguir nessa incursão por “terreno” ainda tão inóspito,
procuramos, neste capítulo, aportar em época mais recente, examinando e discutindo as
“lições” de gramáticos mais ou menos comprometidos com alguma das correntes da
Lingüística Moderna.
Para melhor realização desta empresa, observamos o mesmo plano organizacional do
capítulo anterior, cumprindo o seguinte roteiro: a) num primeiro momento, de
contextualização, procuramos delinear um panorama geral dos estudos lingüísticos
contemporâneos, que nos mostram, de um lado, tendências renovadoras e, de outro, a
persistência de uma tradição, que, conforme pudemos mostrar, já tinha sido questionada, em
vários pontos, por alguns de seus adeptos; b) num segundo tempo, de enfoque metalingüístico
propriamente dito, são examinadas “lições” concernentes à classificação geral de palavras do
português e, de um modo particular, o tratamento conferido aos advérbios. Essas “lições”, já
se esclareceu aqui, foram distribuídas, cronologicamente, em três grupos, sendo o primeiro – a
que chamamos de primeira geração – constituído de compêndios gramaticais publicados no
início do século XX; o segundo – de segunda geração – de gramáticas produzidas em
meados desse mesmo século; o último – de terceira geração – de manuais editados no final
do século XX e princípio do atual; c) numa terceira e derradeira etapa, procede-se a um
confronto entre as “lições adverbiais” fornecidas pelas três “gerações” examinadas, com
vistas a apontar não só os consensos e dissensos observados entre elas, como, também, os
99
problemas
que
restaram
pendentes.
Desembarquemos,
pois,
na
estação
da
contemporaneidade.
4.2 Lições de gramáticos dos séculos XX e XXI
4.2.1
Panorama lingüístico geral
Conforme sabemos, o século XX foi marcado por profundas modificações em todas as
áreas do conhecimento humano, que, tal como a ciência da linguagem, passaram a ser
consideradas à luz de novas óticas de abordagem e conduzidas através de novas propostas
metodológicas, cada vez mais aprimoradas com os avanços tecnológicos alcançados em
nossos tempos. No caso particular dos estudos lingüísticos, vê-se aumentada a sua
credibilidade, e, por conseguinte, a sua cientificidade, pela interação que passa a ter com
áreas propiciadoras de resultados mais concretos e exatos, como, por exemplo, a da Biologia,
Matemática, Estatística, Informática, etc. Isso sem falar no rigor metodológico, que lhe
permite, no caso das linhas de caráter empírico, uma coleta e um tratamento mais preciso dos
dados, bem como a organização de material aparentemente caótico.
Naturalmente, tudo isso está ligado a uma mudança de perspectiva na própria
concepção do objeto de estudo, no caso, a linguagem/língua, que passa a ser focalizada muito
mais em seu processamento do que em sua sistematização. Com esse novo perfil, a
Lingüística de hoje se distancia da Tradicional, alicerçada no modelo greco-latino, passando a
abordar a língua não tanto como produto, mas como um construto social, próprio à
comunicação entre emissores e receptores, ou, conforme nomenclatura mais recente, entre
enunciadores e enunciatários.
A ruptura com o modelo greco-latino, sabe-se, foi oficialmente instaurada no final do
século XIX e começo do XX com as lições de Saussure (1916/1970), que, diferentemente dos
100
gramáticos e neogramáticos, concebia e tratava a língua como um sistema de caráter social −
o que levou autores como Tarallo (1985, p.7) a qualificá-lo como um verdadeiro
sociolingüista −, a ser abordado com base na priorização do todo em relação aos elementos
que o compõem (cf. BENVENISTE, 1989), e também do estágio sincrônico. Essas duas faces,
contrapostas, na compilação organizada e publicada por Charles Bally e Albert Sechehaye
(Curso de lingüística geral, 1916/1970), à parole e à diacronia, respectivamente, vinham
sendo interpretadas de um modo radical como dicotômicas entre si – o que foi reconsiderado,
posteriormente, com releituras ou leituras mais cuidadosas do Cours de linguistique e,
principalmente, com a publicação das notas
deixadas em cadernos por esse autor.
Descobertas recentemente, elas foram ordenadas e publicadas por Simon Bouquet e Rudolf
Engler (cf. SAUSSURE, 2004).
O modelo de análise propugnado por Saussure, conhecido como “estruturalista”, foi
complementado e modificado por muitos autores que o adotaram. Priorizando o estudo do
subsistema fonético, num primeiro momento, os estruturalistas conferiram espaço próprio à
língua oral, até então deixada à margem, em favor da escrita. Menos explorados nessa
primeira fase, os componentes morfológico e sintático mereceram, depois, a mesma atenção e
tratamento dados ao fonético-fonológico.
Em versão renovada, a corrente estruturalista teve levado o seu formalismo às últimas
conseqüências pela Gramática Gerativa, introduzida por Noam Chomsky, sobretudo a partir
de sua obra Aspects of the theory of syntax, datada de 1965, e adotada, com diferentes tipos
de reformulação, por outros lingüistas do Massachusetts Institute of Technology.
Fundamentada em princípios e regras – gerativas e transformacionais – passíveis de definir as
seqüências de palavras ou de sons permitidos numa língua, essa nova gramática, também
centrada no estudo da frase, como a Tradicional, propunha-se descrever e explicar a geração
das sentenças, a partir da conjugação dos três componentes do sistema lingüístico: sintático
101
(mais importante), semântico (de caráter interpretativo) e o fonológico (também de cunho
interpretativo).
Diversamente dessa linha, que defendia o inatismo da linguagem humana, o novo
modelo teórico-metodológico, inaugurado pelo lingüista americano William Labov (1972),
qual seja, o da Sociolingüística (Quantitativa, ou Variacionista), propõe outros caminhos de
análise, embora, como os demais, guardem reminescências dos anteriores. Voltados,
exclusivamente, para o vernáculo, essa linha busca associar, tal como os estruturalistas, língua
e sociedade, propondo o método da quantificação, como passível de detectar as diferentes
“gramáticas” de uma língua, as formas e fatos em variação, os fatores – externos e internos –
que condicionam as preferências de uso nos vários estratos sociais, buscando, ainda,
prognosticar as mudanças que se insinuam no quadro da variação.
Também preocupados com aspectos sociais, outros modelos de abordagem lingüística,
num viés distinto da Sociolingüística, ganham espaço e relevo em tempos recentes. Dando
ênfase, ou exclusividade, à produção da linguagem, preferentemente ao seu produto,
privilegiado pela Gramática Tradicional, as novas propostas analíticas voltam o seu olhar
para o contexto externo – situacional e sócio-histórico-cultural –, tido como parte constitutiva
da linguagem. Esse novo modo de conceber a linguagem e de examinar as línguas possibilita
o aparecimento de novas disciplinas como: a Lingüística da Enunciação, a Lingüística
Textual, a Análise do Discurso ( em suas diversas correntes), a Análise da Conversação, a
Teoria dos Atos de Fala, etc., que, embora distintas quanto ao modo de olhar o seu objeto de
estudos e quanto aos objetivos pretendidos, se interessam em mostrar o modo como se dá a
interação humana por meio da linguagem.
Numa posição que consideramos intermediária, outra linha de estudos, conhecida
como Gramática Funcional, em suas diferentes versões – americana, inglesa, holandesa, etc.,
não descarta o estudo do sistema lingüístico em si, mas procura examiná-lo a partir da idéia de
102
que ele vai se construindo e se renovando na ação intersubjetiva empreendida por indivíduos
alocados em duas instâncias: a da produção e a da recepção. Em outras palavras, os estudos
funcionalistas
consideram o ato interacional como inerente ao sistema lingüístico e a
interação verbal como resultado de uma competência comunicativa que se realiza por meio de
textos.
A nosso ver, essas e outras perspectivas teóricas não anulam as “lições” gramaticais
antigas, uma vez que, conforme se procurou mostrar no capítulo anterior, não só lhes
oferecem subsídios para o desenvolvimento de seu projeto de análise, como deixam entrever
novos caminhos, passíveis de levar a soluções analíticas mais plausíveis. Além disso, essas
lições persistem nas instituições escolares, porém, no mais das vezes, de um modo
conservador, que não admite a incorporação dos avanços de pensamento detectados nos
próprios autores dos compêndios que adotam.
Vistos esses dados contextuais preliminares, apreciemos, a seguir, o tratamento
conferido ao “advérbio”, bem como à classificação de palavras em seu todo, por alguns de
nossos gramáticos contemporâneos, mais ou menos receptivos aos avanços alcançados e
propugnados pela “Nova Lingüística”. Nos mesmos moldes da indicação bibliográfica feita
no capítulo anterior, procuramos indicar, entre parênteses, a primeira edição das obras
selecionadas para estudo, e logo depois, a utilizada como fonte de consulta.
4.2.2
Exame crítico das propostas analíticas selecionadas
Conforme anunciado na seção introdutória deste capítulo, as “lições” de autores da
contemporaneidade são apresentadas e discutidas, abaixo, em três etapas (seções) distintas,
correspondentes ao que chamamos de três “gerações” de autores escolhidos como
representantes de três momentos da história dos estudos lingüísticos entre nós:
uma,
103
concernente ao início do século XX; outra, à sua fase intermediária, e, uma última, ao fim do
século XX e início do XXI. Comecemos, pois, pelo exame dos ensinamentos deixados pela
nossa “primeira geração” de autores contemporâneos.
4.2.2.1 Primeira “geração”: José Oiticica (1919)
Como representante das primeiras décadas do século XX, procuramos escolher algum
autor que mantivesse fortes elos com a tradição gramatical greco-latina. Foram selecionados,
num primeiro momento, Alfredo Gomes, com sua Grammatica portugueza (1913), e José
Oiticica, com seu Manual de análise (1919). Confrontadas as lições desses dois gramáticos
brasileiros, optamos pelo segundo, por apontar soluções próprias e pioneiras acerca do
assunto aqui investigado.
José Rodrigues Leite e Oiticica, mais conhecido como José (de) Oiticica, é famoso, no
“país da gramática”, por suas idéias inovadoras a respeito da correlação (OITICICA, 1952),
processo de articulação interoracional que, segundo ele, se distingue, em vários aspectos, da
juntura por coordenação e subordinação. Concebendo a linguagem como “manifestação do
pensamento ou do sentimento pela fala” (OITICICA, 1923, p. 7; destaques nossos), esse
mestre identifica, em seu Manual de análise (léxica e sintática), três grandes classes de
palavras em nossa língua, que, por sua vez, apresentam desmembramentos próprios. Na
Figura abaixo, reproduzimos o quadro distributivo estabelecido por esse autor (OITICICA,
1923., p. 32), quadro esse que, aqui complementado segundo as alterações feitas pelo próprio
autor ao longo do compêndio (quase sempre em notas de rodapé), nos mostra a posição
conferida ao “advérbio”, no conjunto lexical português:
104
NOMINATIVAS
Substantivo
Variáveis
Verbo
MODIFICATIVAS
1 PALAVRAS
Variáveis
Adjetivo
Invariáveis
Advérbio
IDEATIVAS
Pronome
Variáveis
Verbo vicário
PRONOMINATIVAS
Invariáveis
Advérbio dêitico
Advérbio indefinido
CONECTIVAS
Preposição
Invariáveis
Conjunção
2 PALAVRAS
INTERJECTIVAS
EMOTIVAS
Invariáveis
Variáveis
INTENSITIVAS
Invariáveis
3 PALAVRAS
aditivas, afirmativas, afirmativas negativas, concessivas, correctivas,
DENOTATIVAS
designativas, expletivas, explicativas, inclusivas, sintéticas
FIGURA 5 - “TAXIONOMIA” DAS PALAVRAS DO PORTUGUÊS,
SEGUNDO JOSÉ OITICICA (1919/1923)
FONTE (aqui reorganizada e aumentada): Oiticica (1923, p. 32)
105
Divergindo, em vários pontos, das propostas classificatórias de seus pares –
antecessores e sucessores –, nosso gramático, pelo que se pôde constatar acima, distingue,
numa primeira categorização, três macroconjuntos de palavras: as ideativas (representantes de
idéias), as emotivas e as denotativas. A inclusão dos dois últimos nos revela que o autor
confere o mesmo grau de importância a certos elementos lexicais, considerados à parte por
outros estudiosos, por incidirem em território externo à gramática. Com essa proposta, José
Oiticica admite, de um modo mais categórico, o uso de critérios de natureza discursiva na
classificação das palavras – o que nos mostra a sua preocupação em descrever os fatos reais
da língua portuguesa considerada em seu todo. Segundo ele, “tais palavras não exprimem
nenhuma idéia propriamente, mas indicam certos movimentos ou operações subjetivas e
indispensáveis à compreensão do pensamento ou às suas cambiantes” (OITICICA, 1923, p.
50; destaques nossos). Completando seu pensamento, esse gramático assim critica os seus
pares que preferem ignorar as interjeições:
Na impossibilidade de reconhecerem idéa nas interjeições, [ os gramáticos]
suprimiram-nas da taxionomia, considerando-as simples gritos da alma, sem
reflectirem que há expressões interjectivas e frases interjectivas com
pensamento analisável, como: raios te partam! (OITICICA, 1923, p. 31;
destaques do autor)
Embora não esclareça, conforme esperado, todas as categorias e subcategorias lexicais
a que faz referência, ele assim define as que compõem o macroconjunto ideativo: o nome
constitui-se na “palavra que resume os caracteres essenciais ou diferenciais de uma entidade,
fenômeno ou acção”; o modificativo, na “palavra que indica um dos modos pellos quais
consideramos um nome”; o conectivo , na “palavra que indica a interdependência de dois
nomes ou duas frases”, finalmente, o pronome, na “palavra que evita um nome” (OITICICA,
1923, p. 14).
106
Em seu quadro, acima exposto com a devida complementação de nossa parte, pode-se
ver que nosso autor, diversamente de outros, aloca os verbos em dois grupos lexicais distintos,
segundo o seu caráter dêitico (próprio dos que substituem outros para evitar que se repitam),
ou não. O primeiro tipo integra o conjunto dos vocábulos pronominativos, e o segundo, o dos
nominativos. No mesmo quadro, percebe-se que também os advérbios se dividem em dois
blocos, de acordo com o papel semântico ou discursivo que exercem, a saber: o subgrupo dos
modificadores, integrantes do macroconjunto das palavras modificativas, e o subconjunto
pronominativo (ou “dêitico”), que, composto por termos como cá, lá, aqui, aí, acolá, ali, etc.,
se refere às pessoas responsáveis pelo ato interlocutório (OITICICA, p. 15, Nota nº 2). No
mesmo subgrupo pronominativo, esse autor (1923, p. 25) ainda inclui outra subespécie
adverbial, composta, segundo ele, por formas como: comigo, contigo, consigo, conosco,
convosco.
No que toca, particularmente à definição do “advérbio”, objeto central de nossa
investigação, nosso mestre-gramático, na mesma linha de outros, afirma que se trata de
“palavra modificadora do verbo, do adjectivo ou de outro advérbio” (OITICICA, 1923, p.
25) – o que nos remete a uma caracterização da classe adverbial alicerçada em dois critérios
distintos: um semântico e outro sintático.
No caso específico do primeiro, semântico, percebe-se, no excerto acima, que o autor
se limita a apontar sua função mais geral, qual seja, a de elemento modificador. Todavia,
logo no parágrafo seguinte, ele discrimina os tipos de modificação expressos pelos itens
adverbiais, distribuídos segundo o constituinte a que pode se referir: o verbo, o adjetivo ou
outro advérbio. Nessa associação – função temática x escopo – , temos um avanço na análise
lingüística desse autor, relativamente a outros que nos deixam entender que todas as formas
adverbiais são suscetíveis de modificar qualquer um dos constituintes a que se associe.
107
Quanto ao último critério, de natureza sintática, nosso mestre se restringe a mencionar
o traço relativo ao escopo do “advérbio’, ou seja, o traço que determina as classes de palavras
que o advérbio pode “modificar” – verbo, adjetivo, ou outro advérbio.
Esse mesmo componente sintático permite ao autor o estabelecimento de outros tipos
de desdobramentos a que estão sujeitos os elementos adverbiais. Um deles resulta da
conjugação entre o tipo de escopo admitido pelo advérbio – verbo, adjetivo, ou outro advérbio
– e o tipo de relação semântica que mantém com cada um de seus possíveis determinados.
Com base nessa inter-relação, Oiticica (1923) distingue duas subespécies de advérbios os
circunstanciais, que “cercam ou precisam uma ação”, ou seja, modificam o verbo ; os
intensificadores (mais, menos, tão, muito, pouco, quase, nada, etc.), que, segundo ele,
exprimem “o grau de intensidade do característico [adjetivo] ou da circunstância [
advérbio]” (OITICICA, 1923, p. 26; destaques nossos).
Uma ressalva a fazer quanto à exploração desse traço é que, embora o autor reconheça
que as formas adverbiais que atuam como determinantes do verbo não são as mesmas que
servem para determinar o adjetivo e advérbio, não chega a alistar os itens correspondentes a
uma ou outra subespécie – o que, certamente, lhe serviria para comprovar, empiricamente, a
distribuição que defende.
O mesmo traço escopo é ainda utilizado pelo autor como um dos fatores responsáveis
pela ausência, em sua lista de formas adverbiais, das palavras que indicam exclusão e
inclusão, uma vez que não determinam o verbo, o adjetivo, ou advérbio, mas, sim, o
substantivo – o que constitui um ponto de divergência entre ele e os gramáticos que optam
por resolver a questão, estendendo o âmbito de atuação do advérbio a outras classes de
palavras.
No que toca ao componente semântico, tomado isoladamente ou em associação com
o sintático, registram-se, num confronto com outras taxonomias, algumas novidades no
108
quadro de Oiticica (1923). Uma delas, de âmbito mais abrangente, tem a ver com a diferença
de nível – gramatical ou discursivo – em que os termos adverbiais podem atuar. Tal diferença,
indicada na Figura nº 5 acima, nos remete a duas subespécies adverbiais arroladas por ele: a
dos modificativos, que acrescentam informações ao conteúdo de seus determinados, e a dos
pronominais, ou dêitico −, que, atuantes no plano da referenciação, evitam, por anáfora ou
por catáfora, a repetição de termo enunciado anteriormente, ou, então, a esclarecer, por
antecipação, outro que o suceda.
Mais detalhado e ilustrado, o segundo tipo de subcategorização dos advérbios
mencionada por nosso mestre, assim como por seus pares, é de base semântica, isto é,
determinado pelas diferentes nuances que os itens do subgrupo modificativo podem expressar.
Abaixo, reproduzimos, com cortes na exemplificação, as espécies identificadas por Oiticica
(1923, p. 46-49; destaques nossos):
a) dúvida: talvez, quiçá, acaso, por ventura;
b) freqüência: diariamente, quotidianamente, semanalmente, mensalmente, nunca,
jamais, sempre, às vezes, raramente, uma vez, sucessivamente, constantemente;
c) intenção: acinte, acintemente, adrede, intencionalmente, propositadamente,
premeditadamente, acaso, casualmente;
d) intensidade: muito, assaz, bastante, excessivamente, demais, demasiadamente,
pouco, mais, menos, tão, tanto, quão, quási, meio, depressa, devagar,
demoradamente.;
e) lugar: abaixo, acima, arriba, aquém, além, aqui, ali, cá, lá, acolá, avante, atrás,
algures, alhures, nenhures, diante, detrás, dentro fora, longe perto, onde.;
f) modo: atoa, bem, certo, mal, errado, tristemente (e muitos adjetivos
adverbializados com o sufixo –mente ou sem ele);
g) ordem ( no tempo ou no espaço): primeiramente, anteriormente, depois,
posteriormente, antes, atrás, adiante;
h) tempo: ainda, agora, amanhã, dantes, cedo, então, hoje, ontem, já, logo, tarde,
outrora, immediatamente, etc.
109
Um olhar mais atento dessa listagem nos leva a detectar algumas dissidências entre
Oiticica (1923) e outros mestres da gramática. Dentre elas, vale ressaltar, a ausência de itens
indiciadores de afirmação e negação, que, segundo ele, não devem ser classificados como de
natureza adverbial. Condenando os autores que defendem tal idéia, nosso autor contraargumenta, afirmando que, na verdade, estamos diante de itens “inclassificáveis no quadro
tradicional”. A sua inserção no bloco dos advérbios, acredita ele, só serviria para comprovar a
“insuficiência da taxionomia fixada pelos gramáticos antigos”, insuficiência essa
testemunhada por “todos os professores que se vêm atordoados, muitas vezes, com as
classificações em aula, e os próprios gramáticos nas suas estranhas divergências”
(OITICICA, 1923, p. 30).
Apreciadas as “lições” de José Oiticica (1919/1923), finalizemos esta seção,
pontuando, de uma forma crítica, os aspectos que nos pareceram mais relevantes.
A) Quanto à definição do “advérbio”
i-
ainda que se restrinja, no enunciado em que define essa espécie
vocabular (cf. OITICICA, 1923, p.26), a um único traço de natureza
semântica (palavra modificadora) e também a um único de caráter
sintático (o seu escopo), no correr de sua análise, esse autor, como
quase todos os outros, caracteriza-a, ainda, do ponto de vista
morfológico, como invariável em sua flexão, embora alguns de seus
formantes lexicais sejam suscetíveis de gradação, categoria que se
distingue da anterior;
ii-
num passo além, esse mestre faz incursões em territórios externos ao
nível gramatical, apontando papéis exercidos por certos advérbios no
campo da correferenciação (nível textual) e no da indiciação dos
actantes do processo enunciativo (nível discursivo).
B) Quanto à distribuição de palavras no português:
i-
como critério de identificação dos três macroconjuntos de palavras que
detecta – ideativas, emotivas e denotativas –, o autor leva em conta
110
dois níveis lingüísticos diferentes: o gramatical e o discursivo, que nos
remetem, respectivamente, ao sistema lingüístico em si e ao processo
de sua produção;
ii-
no caso particular de identificação do subconjunto das palavras
ideativas, ele se baseia, sem maiores explicações, em critérios de
natureza distinta, tais como: o da
referenciação externa (palavras
nominativas), o do papel semântico-sintático (palavras modificativas), o
da referenciação dêitica, ou fórica (palavras pronominais), e, ainda, o
da conexão interoracional;
iii-
da mesma forma, no caso específico do último subconjunto – de
vocábulos denotativos – Oiticica (1923, p. 26) sugere o acréscimo de
uma
nova
subespécie,
a
que
denomina
partículas.
Embora
“numerosíssimas (...) e de suma importância”, essas partículas, que
englobam as formas afirmativas – positivas e negativas –, segundo ele,
têm sido “muito descuradas dos gramáticos” (OITICICA, 1923, p. 26),
inclusive, a nosso ver ele próprio, que não esclarece e nem justifica sua
proposta, contrariando, pois, a seguinte afirmação que faz em outra
passagem de sua obra: “É indispensável (...) e urgente, completar o
quadro da taxonomia [ das palavras do português], criando outras
categorias gramaticais” (OITICICA, 1923, p. 30).
Apresentados e comentados os ensinamentos de Oiticica (1923) a respeito da
categorização das palavras de nossa língua, bem como da definição e subcategorização dos
advérbios, estendamos um pouco mais essa viagem pelo século XX, examinando as “lições
adverbiais” de outro gramático brasileiro, Gladstone Chaves de Melo (1951 e 1958), aqui
selecionado como representante de um período intermediário, que vai de 1950 a 1980, mais
111
ou menos. Essa escolha, em detrimento de autores como Said Ali, Celso Cunha, Rocha Lima,
Evanildo Bechara e outros expoentes dos estudos de nossa língua, se deve ao seu empenho em
apresentar “lições” diversas das que seriam propostas pela NGB e, principalmente, pelo
testemunho que, a partir das dificuldades que enfrenta e do número de critérios que conjuga,
nos dá um testemunho inquestionável da complexidade do assunto.
4.2.2.2 Segunda “geração”: Gladstone Chaves de Melo (1951 e 1968)
Embora reconheçamos a contribuição inestimável de nossos gramáticos, nessa e em
outras áreas de estudos de nossa língua, dentre os quais, expoentes como Said Ali (1931,
1969), Evanildo Bechara (1963), Rocha Lima (1967), Celso Cunha (1970), e outros que
tivemos o cuidado de consultar numa primeira fase da pesquisa, selecionamos as “lições” de
Gladstone Chaves de Melo, (1951 e 1968), em razão da exigüidade do tempo (e da própria
extensão do texto), que nos impediu de considerar todos esses nomes, bem como do nosso
propósito de privilegiar a análise de autores que deflagrassem maiores discussões, permitindonos, assim, projetar os problemas a serem retomados por lingüistas modernos (3ª “geração”),
a serem também contemplados aqui. A par disso, levamos em conta o caráter didático da
Gramática fundamental da língua portuguesa (1968) escrita por esse nosso filólogo, que
faz questão de salientá-lo, em diversas passagens de sua obra, dentre as quais, o início de seu
Prefácio, em que mostra a gênese do seu compêndio:
Planejado e iniciado há bastante tempo, só agora se conclui este livrinho. Deveria ele
fazer parte de uma coleção didática, imaginada pela saudosa Madre Maria Adolfo de
Sion, para melhorar o ensino e adequadamente compô-lo com a educação, coisas
que andam dissociadas, ou mal sinonimizadas. (MELO, 1968, p. 3; destaques
nossos)
Conforme mencionado no capítulo introdutório, o estudo das “lições” desse autor será
feito com base na segunda edição (1970) desse manual e na sexta edição – revista e
melhorada – de outra produção sua, Iniciação à filologia portuguesa, datada de 1981, e
112
rebatizada na última edição com o título de Iniciação à lingüística e à filologia portuguesa.
Diferentemente da primeira, de “tom extremamente didático”, essa última obra nos permite
um aprofundamento de vários aspectos e fatos do português, conforme referido pelo próprio
autor na sua Gramática fundamental (MELO, 1970, p.7, nota de rodapé). De nossa parte,
procuramos reproduzir e comentar aqui os ensinamentos que, contidos nesses dois manuais,
nos mostram o pensamento desse autor acerca da categorização dos itens lexicais de nossa
língua, em especial, o “advérbio”.
Tendo em conta que o problema da classificação das palavras como algo que
“pertence muito mais à Lógica do que à Gramática” pelo próprio fato de “que se trata de
classificação” (MELO, 1981, p.137), nosso gramático-filólogo acredita que tal empresa só
pode ser bem sucedida em termos gramaticais, se norteada por um bom critério. No seu modo
de pensar, o critério ideal para qualquer tipo de classificação é “aquele que atenta para a
natureza da coisa”. Como, no que tange às línguas, a natureza da palavra é ser justamente
portadora de uma significação, o autor deduz que o melhor critério para “se classificarem as
palavras é o que tenha em vista a significação” (MELO, 1970, p. 70).
Em crítica às propostas taxonômicas, que, “encasteladas na inércia” (MELO, 1981, p.
136), teimam em se pautar no modelo dos antigos, nosso mestre deixa clara, em passagens
como as de abaixo, a sua pretensão de seguir caminhos mais modernos :
A classificação tradicional, fundada já remotamente na especulação de Aristóteles, e
estabelecida sobre as línguas clássicas, só poderia, quando muito, aplicar-se às
línguas indo-européias, de estrutura mais ou menos idêntica à do grego e do latim,
mas não se ajustava razoavelmente, para todos os detalhes, a outras línguas de tipo
inteiramente diverso, como o chinês ou o tupi (MELO, 1981, p. 137).
Levando em conta os dois aspectos que lhe parecem fundamentais em qualquer língua,
quais sejam, a nomenclatura e a estrutura, ele defende, num primeiro momento de suas
“lições” acerca da classificação de palavras no português, o mesmo agrupamento tripartido
proposto pelo lingüista francês Vendryès (1921). À luz de uma perspectiva mais voltada para
a língua em si, do que para a lógica, esse autor procurou expandir a bipartição propugnada, na
113
Antigüidade, por Aristóteles, que separava, de um lado, o conjunto categoremático e, de
outro o sincategoremático, cabendo ao primeiro – também conhecido como grupo de
palavras lexicográficas ou nocionais –, traduzir idéias, e ao último – constituído de palavras
ou instrumentos gramaticais –, indicar “ as relações entre as palavras”, ou
“traduzir
situações ou conceitos puramente lingüísticos” (MELO, 1981, p. 138). Postulando uma
divisão tripartida, ao invés de bipartida, Vendryès procura desmembrar o primeiro bloco
apontado por Aristóteles, de palavras lexicográficas, chegando, pois, a um quadro constituído
pelas seguintes classes de palavras: o nome, o verbo e os instrumentos gramaticais. Diversa,
pois, do modelo greco-latino, essa proposta, segundo Chaves de Melo, tem o mérito de
abarcar “não apenas as línguas da família árica mas também as de outros ramos e de
diferentes estruturas” (MELO, 1981, p. 138) – o que, certamente, inclui as neolatinas e, por
conseguinte, o português.
Com base na classificação do lingüista francês e na conjugação (que ele não justifica)
de critérios de natureza distinta, nosso gramático (1970,1981) procura, em sua segunda
“lição”, reagrupar as dez partes do discurso identificadas pela gramática tradicional –
substantivo, verbo, adjetivo, pronome, numeral, artigo, advérbio, preposição, conjunção e
interjeição (ausente em algumas taxonomias) – em apenas cinco classes, que formariam um
quadro “mais simples e mais lógico” (MELO, 1981, p. 141). São elas: o nome, o
determinante, o pronome e o verbo e o conectivo. Nessa subdivisão, segundo reconhece nosso
gramático, “se se conservam alguns nomes, se renovam conceitos e se aproximam coisas
semelhantes” (MELO, 1981, p. 141). Se relacionarmos essa redistribuição defendida por esse
autor aos macroconjuntos supracitados, veremos que culminam em seis (e não cinco, como
ele anuncia) classes, a saber: a) o subgrupo lexicográfico, constituído de elementos que
dizem respeito à nomenclatura, quais sejam: os nomes (substantivo, qualificativo, numeral e
adverbial), os pronomes (dêiticos ou fóricos) que exercem funções nominais, e os verbos; b) o
114
subgrupo gramatical, composto por itens ligados à estrutura da frase, ou seja,
determinantes,
os
que, diferentemente dos qualitativos, “não esclarecem as idéias em si
mesmas, porém indicam a relação entre elas, ou as concretizam um pouco, retirando-as da
abstração pura em que se encontrariam” (MELO, 1981, p. 141); os pronomes em função
relativa, ou dêitica (indiciadora de pessoa discursiva), e os conectivos, “que materializam as
grandes relações sintáticas de coordenação e subordinação, ou, então, expressam uma
espécie de “finca-pé para um salto que vai acabar no segundo termo”. Exemplo do autor:
“Como choveu muito, as casas se destelharam.” (MELO, 1981, p. 145 e 146).
Retomando cada uma dessas classes, separadamente, esse estudioso nos aponta, com
base na mesma conjugação de critérios distintos, acima referida, os possíveis desdobramentos
que cada uma delas admite. Na Figura abaixo, transcrevemos, com a devida inserção dos
dados de natureza morfológica referidos em outras passagens de seu compêndio gramatical, o
quadro distributivo desse autor. Nele, é possível atestar que as propostas renovadoras (nem
sempre explicadas) de Gladstone Chaves, de certo modo, contradizem a opinião que expressa
na Gramática secundária, segundo a qual, em gramáticas desse tipo – elementar e didática –,
problemas como o da classificação de palavras devem ser encarados à luz de novo
equacionamento, conforme veremos no quadro abaixo (Figura 6), uma vez que “ não se pode
propor uma solução revolucionária em relação ao que está mais ou menos consagrado”
(MELO, 1970, p. 71):
115
DICOTOMIA
CLASSES
SUBCLASSES
FLEXÃO
FUNDAMENTAL
NOME
1- PALAVRAS
PRONOME
LEXICOGRÁ-
FICAS
substantivo
qualificativo
numeral
adverbial ideativo
Variáveis
Invariável
pessoal
demonstrativo
possessivo
indefinido
numeral
Variáveis
relativo
Invariável
VERBO
DETERMINANTE
Variável
especificativo ( artigo)
demonstrativo
possessivo
indefinido
numeral quantitativo
adverbial dêitico
2 INSTRUMENTOS
PRONOME
Variáveis
Invariáveis
relativo
Invariável
morfema de pessoa
Variável
GRAMATICAIS
CONECTIVO
coordenante
conjunção
coordenativa
subordinante
conjunção sub.
preposição
.
-
Invariá
veis
correlativo
consecutivo
paralelístico
alternativo
FIGURA 6 - AS “ESPÉCIES” DE PALAVRAS DO PORTUGUÊS, SEGUNDO
GLADSTONE CHAVES DE MELO (1970 e 1981)
FONTE (aqui reorganizada e complementada): Melo (1970, p. 77, e 1981, p. 147)
116
Passemos, agora, às “lições” relativas ao advérbio per se . Consciente de que, “sob o
nome de advérbio se capitulam palavras de densidades diferentes”, nosso gramático (1970, p.
75) nos dá uma primeira idéia da versatilidade dessa espécie vocabular, no Quadro geral
exposto acima, que abarca os demais tipos de palavras encontrados em nossa língua. Nele,
constatamos a presença do “advérbio” em duas subclasses distintas: a dos nomes, que
integram o macroconjunto lexicográfico, e a dos determinantes, que compõem o
macroconjunto dos instrumentos gramaticais. Essa dupla categorização está associada a dois
traços de natureza diferente, tidos por esse autor como peculiares aos advérbios: um, que
concerne ao seu estatuto semântico – referencial e dêitico – e outro, que tem a ver com a
função sintática que exercem – de determinante das palavras a que se podem associar. Essa
repartição nos leva a inferir que Gladstone Chaves de Melo compartilha da opinião de outros
gramáticos, segundo os quais o advérbio não constitui uma classe em si mesma, diversa das
demais, mas, sim, uma subespécie de duas classes autônomas: a dos nomes e a dos
determinantes.
Na definição propriamente dita, Melo (1970, p. 78) se propõe seguir a NGB,
buscando modificá-la e atualizá-la à luz de uma “doutrina lingüística melhor e mais
acertada”. Assim sendo, ele considera o “advérbio”
um determinante de natureza nominal (sàbiamente) ou pronominal (aqui, ali), que se
refere, circunstanciando ou intensificando, a um verbo (dança bem), adjetivo (homem
muito alto) outro advérbio (corre bastante depressa) ou pronome (até êle chorou)”
(MELO, 1970, p. 79; destaques do autor).
Pelo que nos é dado perceber, segundo nosso filólogo mineiro, a “doutrina lingüística
melhor e mais acertada” para identificar essa espécie lexical é a que reúne três critérios
correspondentes a dois módulos lingüísticos distintos: um gramatical, constituído, no caso,
pelos componentes morfológico e sintático, e outro semântico. No primeiro, de caracterização
morfológica, o alocamento do
“advérbio” em dois macroconjuntos vocabulares –
lexicográfico (subclasse dos nomes) e de instrumentos gramaticais (subclasse dos
117
determinantes) – não deve ser interpretado como índice de uma cisão em termos flexionais,
uma vez que essa espécie de palavra é sempre invariável. No segundo, de caracterização
sintática, os traços arrolados por Melo (1970, 1981) dizem respeito tanto à função (de
determinante) exercida pelo “advérbio” relativamente ao elemento a que se refere, quanto à
espécie vocabular (escopo) passível de ser determinada por ele – verbo (ou todo o predicado),
adjetivo, pronome ou outro advérbio. Por último, no terceiro, de caracterização semântica,
esse autor faz menção de dois papéis próprios aos “advérbios”: o de circunstanciador e o de
intensificador. No seu modo de pensar, o advérbio “é um determinante, mas determinante
rico, vário e sui generis, muitas vezes com conotação ideativa, freqüentemente com
morfologia própria, razão por que os gramáticos acham que deve constituir classe á parte”
(MELO, 1981, p. 142).
Paralelamente a essas “lições”, encontramos outras, que, apresentadas ao longo das
duas obras ou em capítulos diferentes de seu manual de gramática, complementam, ou, até
mesmo, alteram a definição aqui discutida, conforme nos comprova o seguinte excerto:
Como tal [advérbio] se tem entendido a palavra que se refere ao verbo, modificandolhe a significação, e também a palavra que intensifica ou atenua a significação de um
adjetivo, de outro advérbio, de um pronome e. em certa perspectiva, de um
substantivo.” ( MELO, 1970, p. 75; destaques nossos)
Registradas por nós, na Figura 6, as de ordem morfológica servem para enquadrar os
“advérbios”, no subgrupo (novo) das palavras invariáveis,ou seja, que não admitem flexão.
Por seu lado, as de ordem sintática e semântica distinguem os papéis semânticos exercidos
pelos advérbios, segundo a classe de palavra a que se liga, ou seja, o seu escopo, quais sejam:
o de “modificador” do verbo (advérbios circunstanciais) e o de “intensificador” ou
“atenuador” da significação do adjetivo, de outro advérbio, de um pronome, e até de um
substantivo (advérbios intensificadores) – o que nos demonstra, ainda, que nosso gramático
admite uma extensão maior do escopo do advérbio do que o referido na definição
propriamente dita.
118
Em uma das observações (de nº 2) constantes de sua Gramática, em capítulo
reservado, exclusivamente, ao estudo do “advérbio”, nosso mestre expande ainda mais o
escopo do “advérbio’, mostrando que ele pode se referir a uma oração inteira, traduzindo, com
isso, a “ressonância afetiva dêsse mesmo enunciado no sujeito falante”(MELO, 1970, p. 168).
Dessa sorte, vemos aumentada a lista dos gramáticos que, não encontrando respostas para
certos problemas que enfrentam na descrição da língua como sistema, fazem incursões no
território do discurso, num prenúncio dos rumos que a Lingüística Moderna iria tomar.
Naturalmente, a definição de “advérbio” que acabamos de apresentar e discutir, nos
fornece subsídios para a realização da segunda tarefa que nos propusemos realizar aqui, qual
seja, a de examinar as “lições” relativas à subcategorização dos itens adverbiais.
Começando pelo componente morfológico, podemos constatar que o “advérbio’,
palavra invariável, que, segundo Gladstone Chaves de Melo (1970 e 1981), compartilha de
traços próprios aos nomes, já que dotado de conteúdo nocional, e aos pronomes, pelo caráter
dêitico de algumas de suas formas, se desdobra, em termos de seu estatuto configuracional,
em três subespécies: a das formas expressas num constituinte único (bem, mal, assim,
também, provavelmente, muito, pouco, etc.); a das palavras adverbiadas através da
cristalização de adjetivos em sua forma de masculino singular, e a das locuções adverbiais,
resultantes, segundo ele, “de combinações de palavras, fixadas por largo uso” (MELO, 1970,
p. 165).
Outro desdobramento verificado nesse mesmo nível gramatical é o que diz respeito à
possibilidade de graduação por parte de alguns itens adverbiais, ou seja, nas palavras do
autor, da possibilidade que alguns advérbios têm de “exprimir modulações na maneira de
circunstanciar ou de intensificar” seus respectivos determinados. (MELO, 1970, p. 170).
Deduz-se daí um desdobramento adverbial em formas que admitem gradação superlativa
119
(muito claramente, fortissimamente) ou comparativa (mais/menos que; tão ... quanto), e em
formas que não são sujeitas a nenhum tipo de gradação.
Do mesmo modo que o morfológico, o critério semântico permite ao nosso gramático
identificar outros tipos de subcategorização a que o advérbio é afeito. Um deles, concernente
ao tipo de modificação expresso pelo item adverbial, permite ao nosso autor estabelecer duas
subespécies de advérbio, aqui já referidas: a dos que exercem o papel de modificador ou de
circunstanciador, e a dos que, de acepção dêitica, nos remetem aos actantes do discurso (aqui,
aí, lá, ali, etc.).
Nesse mesmo plano, Melo (1970, p. 167-168) identifica seis subtipos de formas
adverbiais, diversos uns dos outros, pelas nuances semânticas que expressam:
a) de lugar: aqui, cá, aí, ali, acolá, aquém, além, etc.;
b) de tempo: hoje, amanhã, ontem, agora, depois, cedo, tarde, etc.;
c) de modo: bem, mal, assim, também e quase todos os advérbios em –mente;
d) de dúvida: talvez, acaso, provavelmente, possivelmente, etc.
e) de intensidade: muito, pouco, assaz, bastante, mais, menos,etc.;
f) de afirmação: sim, certamente, indubitavelmente, etc.
Procedendo, agora, a uma avaliação geral dos ensinamentos fornecidos por Gladstone
Chaves de Melo, em suas duas obras – de 1970 e de 1981 – frisemos os seguintes aspectos:
a) escritas em meados do século passado, as “lições” fornecidas pelo lingüista-filólogo
aqui examinado, nos revelam um estudioso em conflito, sobretudo, em sua Gramática
fundamental, que, conforme ele próprio anuncia, é de natureza didática. Esse conflito,
certamente o mesmo vivenciado por muitos de nossos Professores de Português,
provoca um estado de tensão nesse gramático, que, dotado de idéias próprias, de
espírito crítico, de uma visão mais ampla dos fatos lingüísticos, de uma ânsia de
buscar soluções mais plausíveis e concordes com novos modelos de análise, ainda se
120
sente obrigado a acatar e a repetir certas “lições” da NGB, das quais discorda, por sua
distância em relação ao uso real de nossa língua. No segmento transcrito abaixo, o
autor confessa, explicitamente, a difícil situação “lingüística” por que ele e alguns de
seus pares passam, situação essa que não lhe tira a força de combate em favor de uma
gramática que busque sistematizar “
os fatos contemporâneos de uma língua”
(MELO, 1970, p. 8):
Quando rapidamente discutimos o problema da classificação das palavras, vimos que
sob o nome de “advérbio” se abrigam valores significativos diversos (...) Atendendo,
porém, à natureza didática deste livro, resolvemos adotar a NGB, desde que ela não
fira doutrina por nós considerada indiscutível, desde que, em suma, não deixe de ser
“nomenclatura” para ser teoria. (MELO, 1970, p. 167)
b) um dos exemplos de desobediência à NGB, a classificação de palavras
estabelecida por esse autor expressa, iconicamente, se se pode dizer assim, a
complexidade imposta por qualquer tipo de classificação de elementos, no caso em
pauta, dos que compõem o acervo lexical das línguas. Uma das provas das
dificuldades enfrentadas por nosso gramático se mostra patente na sua taxonomia,
acima aqui transcrita e complementada com informações dadas em outras passagens
de seus estudos na Figura nº 6. Embora preocupado em apresentar uma distribuição
mais geral, passível de reunir os vocábulos que têm propriedades comuns a outras, a
nosso ver, ele não consegue fazê-lo, uma vez que prefere alocar, sem uma justificativa
convincente, uma mesma espécie vocabular, como o “advérbio” e certos tipos de
pronomes em duas subclasses distintas – de nome e de determinante, no caso do
primeiro, e de pronome e determinante, no caso do segundo. Subclasses essas que, por
sua vez, integram dois macroconjuntos vocabulares diferentes: o das palavras
lexicográficas e o dos instrumentos gramaticais, ao invés de observar o mesmo
procedimento de identificar os possíveis desdobramentos de cada um desses tipos
lexicais, nos moldes dos critérios – de natureza morfológica, sintática, semântica e até
121
discursiva – que aplica na subcategorização de outras espécies de palavras, dentre as
quais, o próprio “advérbio”;
c) esse modo de proceder nos deixa em dúvida, no caso específico do “advérbio’, se o
autor o considera uma classe autônoma e distinta das demais, como nos deixa entrever
na parte descritiva de sua análise, ou se acata a opinião dos gramáticos que, de certo
modo, critica, e que preferem analisar o advérbio como outra classe;
d) no entanto, se considerarmos esses ensinamentos sob outra perspectiva, que projeta
novos rumos de pensamento, é possível perceber, em meio ao caos, o reconhecimento
por parte de Melo (1970, 1981) da importância de estratégias de referenciação como a
dêitica e a fórica; da impossibilidade de uma delimitação rígida entre as diferentes
classes de palavras, ou, em outras palavras, da existência de um continuum (um dos
princípios básicos do Funcionalismo) intercategorial; e da versatilidade morfológica,
sintática, semântica e discursiva da espécie adverbial, tomada nos diferentes itens que
a integram, etc.
e) igualmente, no que tange aos advérbios per se, se, por um lado, não temos uma
caracterização mais precisa e nem igual nas duas obras de nosso mestre, por outro,
recebemos dele “lições” que nos levam, dentre outras coisas, a:
i-
constatar, tal como o fazem outros autores, que a heterogeneidade dessa
espécie vocabular, na verdade, se constitui numa das evidências de que
não deve ser identificado como uma classe autônoma;
ii-
perceber que a alocação dos “advérbios” na classe dos nomes e, ao
mesmo tempo, dos determinantes, exprime uma distinção entre as
formas que se configuram como ideativas, ou seja, como nocionais, e
as que funcionam como dêiticos, já que atuam no plano discursivo,
122
enunciativo – fato que tem levado autores como Ilari (1993) a concluir
que se trata de elementos tipologicamente distintos um do outro;
iii-
enfim, nos conscientizar da necessidade de revisão de nossas idéias
acerca da operação classificatória, admitindo, como Perini (1995), que
ela varia de acordo com o(s) objetivo(s) pretendido(s) por quem dela se
vale.
Examinadas, dentro de nossas possibilidades , as “lições” de Gladstone Chaves de
Melo (1970, 1981), a respeito da categorização lexical e, sobretudo, do modo como vê o
“advérbio”, finalizemos, a seguir, nossa viagem, apresentando e comentando, em sua última
etapa, as idéias defendidas a respeito dessas duas questões por autores mais comprometidos
com a Lingüística Moderna.
4.2.2.3 Terceira “geração”: Mário Vilela e Ingedore Villaça Koch (2001)
A título de contraposição entre as “lições” que dão continuidade a um modelo mais
tradicional de abordagem da língua e as “lições” que encampam o pensamento vigente nos
diversos quadros da Lingüística Moderna,
selecionamos, como representante da época
contemporânea, ou de “3ª geração”, um compêndio gramatical, que, datado de 2001 e escrito
a “quatro mãos”, reúne ensinamentos de “nacionalidades” diferentes: lusitanos, da parte de
Mário Vilela, e brasileiros, da parte de Ingedore Villaça Koch. Com o olhar que ultrapassa o
sentencial, privilegiado pela “gramática de palavras”, esses estudiosos, conforme anunciado
no subtítulo de sua obra, não só o enfocam sob novas luzes teóricas – da gramática de
valências, por exemplo – como constroem uma “gramática do texto” ou do “discurso”.
Obviamente, tal escolha teve o seu custo, uma vez que nos impediu de examinar,
conforme programamos, propostas de análise reconhecidamente valiosas como as de Mateus
123
et al. (1983), Bechara (1999), Perini (1989, 1995), Neves (2000), etc., que, embora não
apresentem soluções definitivas sobre o tema aqui abordado, conseguem acenar com idéias
capazes de diminuir a nebulosidade decorrente da própria complexidade da tarefa de
categorização e dos fatos da língua.
Começando pelo quadro mais geral, vejamos o que pensam esses dois lingüistas a
respeito da classificação de palavras no português:
A maior parte das palavras do português são enquadráveis, mesmo fora do discurso,
em classes formais e em classes funcionais, que designamos por categorias gramaticais
ou partes do discurso. Há assim categorias lingüísticas diferentes, quer no sentido
amplo, quer no sentido estrito. Contudo, há concepções e categorizações diferentes de
acordo com determinados critérios, e a divergência de concepção na classificação
pode ser profunda ... (VILELA e KOCH, 2001, p. 56).
Embora afirmem que a maior parte das palavras de nossa língua é suscetível de
enquadramento em classes e subclasses distintas, esses dois mestres acabam reconhecendo
que, na realidade, isso não é assim tão fácil, uma vez que os traços tidos como peculiares a
algumas delas não se aplicam a todas as formas tidas, em princípio, como seus membros.
Assim sendo, se, de uma parte, os verbos, os substantivos e até mesmo os adjetivos
constituem classes mais bem definidas e delimitadas, por outra, elementos como os artigos, os
pronomes, os numerais “acarretam problemas e surgem sob diferentes designações consoante
as escolas ” que os examinam (VILELA e KOCH, 2001, p. 61). Integrantes desse último
grupo, os advérbios, afirmam os autores, “constituem a classe mais heterogênea e mais difícil
de caracterizar” (VILELA e KOCH, 2001, p. 61).
Certos de que o melhor critério para a classificação das “categorias gramaticais” é o que
conjuga traços sintáticos (ponto de partida) aos formais e semânticos, esses autores,
diferentemente de outros que, como Perini (1995), levam em conta apenas um deles (no caso
desse último autor, o sintático), distribuem os vocábulos de nossa língua, conjugando os
seguintes aspectos:
124
A – Quanto ao “significado categorial”:
a) Palavras representantes de “objetos”;
b) Palavras representantes de “processos”;
c) Palavras representantes de “propriedades”;
d) Palavras representantes de “relações”
B - Quanto ao estatuto “formal”
a) Palavras variáveis x palavras invariáveis;
b) Palavras conjugáveis;
c) Palavras “graduáveis”
C- Quanto ao estatuto “sintático”
a) Função própria a cada categoria;
b) Distribuição
c) Posição na frase
d) Regência, etc.
No esquema a seguir, procuramos reunir e organizar a proposta classificatória desses
dois estudiosos, completando-a com outras informações pertinentes, recolhidas ao longo da de
sua obra:
125
1- CARACTERIZAÇÃO
SEMÂNTICA
CARACTERIZAÇÃO
FORMAL
Substantivo
(objeto)
Palavras
CARACTERIZAÇÃO
SINTÁTICA
Núcleo de SN
Passível de determinação
De grande mobilidade posicional
Verbo
(processo)
Conjugável
Variáveis
Núcleo de SV
Passível de Determinação
Graduável
Qualificador
Passível de Determinação
Lexicais
Adjetivo
(propriedade,
qualidade)
Palavras
Relacionais
Pronome
Advérbio pronominal
Núcleo de SN
Determinante de N
Relacionador dêitico
Relacionador anafórico
Advérbio frásico
Invariáveis
Palavras
Intrapredicativo
Intrafrásico
Conjunção
de Ligação
coord. subord.
Preposição
Partículas
Modais
Capacidade de regência
Advérbio extrafrásico
Do dictum
Avaliativos Assertivos
De enunciação
Do dizer
ordenação
distribuição
analogia
oposição
operação metalingüística
Do querer dizer
ligados a atos ilocutórios
FIGURA 7 – “CARACTERIZAÇÃO DAS CATEGORIAS GRAMATICAIS” DO PORTUGUÊS,
SEGUNDO VILELA E KOCH (2001)
FONTE (aqui organizada e complementada): Vilela e Koch (2001, p. 55-64 )
126
Quanto ao advérbio per se, é caracterizado pelos dois gramáticos de um modo mais
detalhadamente possível e em coerência com a idéia defendida por ambos de que o melhor
critério é o que combina características semânticas, formais e sintáticas. Cientes, como
muitos dos autores aqui apreciados, de que “não há nenhum traço que delimite de modo claro
e definitivo qualquer classe”, Vilela e Koch (2001, p. 60) buscam obter maior sucesso de
análise, cruzando os critérios em que se apóiam. Contudo, reconheça-se, apesar dos avanços
obtidos em sua análise, nem todas as idéias defendidas por eles são inéditas. Olhando para
trás, deparamo-nos, por exemplo, com “lições” (muitas vezes apresentadas em notas de
rodapé) de autores mais antigos, que têm vários pontos em comum com as deles, dentre os
quais, salientamos: o reconhecimento de uma possível atuação do “advérbio” no plano da
enunciação (elementos dêiticos), a relação de Sintagmas Adverbiais com Sintagmas
Prepositivos, a percepção da diferença de papéis semânticos entre os “advérbios” associados a
verbos e “advérbios” associados a adjetivos, etc.
Esse “diálogo” inter-autoral se manifesta na própria definição de “advérbio”
propugnada por Vilela e Koch (2001), que ora transcrevemos: “os advérbios acompanham e
determinam verbos, substantivos, adjetivos, pronomes e outros advérbios” (VILELA e
KOCH, 2001, p. 62). Embora admitam que certos substantivos possam ser modificados
adverbialmente (como em “Só Deus é justo”), esses dois autores deixam claro que a marca
categorial do “advérbio” é a de modificar o verbo, a frase, o adjetivo, o próprio advérbio, ou a
enunciação
Pelo que nos é dado ver, nessa definição, os mestres, aqui em apreço, não foram tão
felizes quanto nas “lições” subseqüentes, nas quais, apontam várias características do
“advérbio”, vistas separadamente umas das outras, ou, então, cruzadas entre si. Na definição
acima, é o critério sintático que norteia, quase de um modo absoluto, a identificação do
“advérbio”, através da exploração de três de seus traços: um, concernente ao escopo – verbo,
127
adjetivo, substantivo, pronome, advérbio –, outro, ao papel de determinante do elemento a
que se ajunta, e um terceiro, à posição que ocupa em relação ao termo que determina.
Em face dessa restrição, procuramos nos enveredar por outras partes da Gramática,
desses autores, em busca de outras “lições” a respeito do “advérbio”. Nelas, pudemos
constatar que, do ponto de vista morfológico, Vilela e Koch (2001), da mesma forma que os
gramáticos de linha tradicional, consideram o “advérbio” uma subespécie do grupo de
palavras invariáveis, única, por sinal, passível de gradação e derivação. Outra característica
morfológica diz respeito ao estatuto configuracional dos itens adverbiais, que, segundo
observam nossos dois mestres, correspondem, de um modo geral, a formas compostas ou a
locuções, como: anteontem,doravante, lado a lado, à toa, pouco a pouco, etc. Acresça-se a
isso a menção dos dois autores ao fato – diacrônico – de que os poucos advérbios simples
encontrados na nossa língua, e em outras línguas românicas, derivam, quase sempre, de
formas compostas, tal como se verifica em : in tuc > então; admane > amanhã; hoc die > hoje,
etc. (VILELA e KOCH, 2001, p. 245).
Em complementação às informações de ordem sintática constantes da definição,
Vilela e Kock (2001) nos chamam a atenção, em outras passagem de sua obra, para a
mobilidade dos termos adverbiais no interior da oração, processo que não incide sobre os
demais “elementos de ligação”. Outra propriedade, também sintática, é a que concerne à força
de recção verificada em certos itens adverbiais, força essa referida no Capítulo 2 desta
dissertação e mencionada em algumas das “lições” de “antanho” aqui examinadas. Contudo,
vale ressalvar, essa força, no modo de ver de nossos autores, na verdade, é muito mais de
natureza semântica que sintática, ou seja, os advérbios se constituiriam em formas
sintaticamente intransitivas e semanticamente dependentes dos elementos que modificam.
Assim sendo, em frases como:
(1) a- “Votou contrariamente ao que se havia estabelecido.”
128
b- "Manifestou-se favoravelmente à absolvição.”
Vilela e Kock (2001, p. 246; destaques nossos) nos mostram que, na realidade, estamos diante
de casos de persistência da “valência” dos adjetivos-fonte contrário a e favorável a,
respectivamente.
Quanto à caracterização semântica, é referida pelos autores (2001, p. 245) na
definição acima reproduzida, segundo a qual “a marca categorial do advérbio é a de
modificar o verbo, a frase, o adjetivo, o próprio advérbio ou a enunciação” e, em alguns
casos, o substantivo (como em: “Só Deus é justo.”). Contudo, a extensão desse papel a tantos
constituintes oracionais é revista por eles, quando, em outro excerto de seu compêndio,
afirmam que os verdadeiros advérbios são os que se referem ao verbo, ou seja, os que se
referem ao “acontecer verbal em si”, configurando-se, pois, como uma espécie de
complemento que, inerente ao verbo, faz parte do todo predicativo. Em outras palavras, os
conjuntos formados por “verbo + advérbio” constituem um SPred, sendo o item adverbial
selecionado pelo verbo. Exemplos fornecidos pelos autores (VILELA e KOCH, 2001, p.249):
(2) a- “Ela falava maliciosamente com o namorado.”
b- “A serpente deslizava sorrateiramente à procura do seu almoço.”
Com base nessas propriedades – e em outras de caráter discursivo –, tomadas
individualmente ou cruzadas entre si, nossos lingüistas estabelecem diversos tipos de
subagrupamentos adverbiais, correspondentes a níveis lingüísticos diferenciados.
Em termos morfológicos, por exemplo, pudemos ver que eles os subdividem, do
ponto de vista configuracional, em dois subconjuntos: o das formas simples (menos
numerosas e, em geral, herdadas ao latim) e o das formas compostas de elementos que
129
figuram integrados, ou não, entre si. Exemplos do primeiro tipo: hac hora > agora; hoc die >
hoje. Exemplos do último: anteontem, doravante, formalmente, intensamente, lado a lado, a
tempo e hora, etc. (VILELA e KOCH, 2001, p. 245).
Num nível mais baixo dessa distribuição hierárquica, os dois pesquisadores
identificam, na subespécie constituída pelos adjetivos adverbializados, um novo
desmembramento, que tem a ver com o modo de formação dos advérbios, a saber: os que se
originam de adjetivos cristalizados no masculino singular e os que resultam da aposição do
sufixo –mente a itens adjetivos (processo mais produtivo), conforme ilustrado abaixo:
(3) a- “Mãe e filha falavam tão alto que se ouvia do outro lado da rua.” – Adjetivo
cristalizado como advérbio.
b- Ele fala javanês correntemente. – Adjetivo adverbializado por aposição do
sufixo –mente.
Similarmente às propriedades morfológicas, as sintáticas permitem outros tipos de
distribuição dos itens adverbiais. Num nível mais abrangente, por exemplo, nossos gramáticos
detectam, no nível da gramática dois grandes grupos: os advérbios frásicos, que atuam dentro
do domínio da frase, e os advérbios extrafrásicos, que não participam da referência frásica,
mas, sim, do processo discursivo, no qual atuam como modalizadores, ou seja, como índices
do sentimento, da emoção, da avaliação, etc. apresentados pelo locutor. Exemplos (VILELA
e KOCH, 2001, p. 249 e 251):
(4) a- “Ela falava maliciosamente com o namorado”. – Advérbio frásico, modificador
do verbo.
130
b- “Ele é verdadeiramente / realmente inteligente.” – Advérbio frásico,
modificador de adjetivo.
(5) a- “Francamente, nunca mais aprendes!” – Advérbio extrafrásico.
b- “Brutalmente, ela veio e desfez tudo.” – Advérbio extrafrásico.
Restringindo-se ao primeiro tipo, de advérbio frásico, esses lingüistas mostram que
pode se distribuir em dois subtipos, de acordo com o seu escopo: se incidem sobre o verbo,
como no exemplo (4a) acima, configuram-se como “advérbios intrapredicativos”; se afetam
o verbo juntamente com algum de seus argumentos – verbo e sujeito” (indiciadores de
“vontade”, ou “causa”), ou
“verbo e complementos ”–,
constituem-se em “advérbios
intrafrásicos. Vejamos alguns dos exemplos fornecidos por esses autores (cf. VILELA e
KOCH, 2001, p. 250):
(6) “O tiro feriu-o mortalmente. “
(7) a- “Ele abdicou voluntariamente.“
(Advérbio intrapredicativo)
(Advérbio intrafrásico, voltado para o
verbo e o SN sujeito)
b- “ Ele escreve legivelmente as coisas.” (Advérbio intrafrásico, voltado para o
verbo e seu objeto)
A par dos critérios de natureza morfológica e
sintática, o de cunho semântico
propicia diferentes desmembramentos do “macroconjunto” adverbial. Um primeiro, mais
amplo, é o que leva em conta o papel (semântico) básico exercido pelos diferentes itens
adverbiais, que se repartem em dois blocos: o dos advérbios intensificadores – ligados, mais
131
comumente, a adjetivos – e o dos advérbios propriamente ditos, que, conforme mencionado
acima, caracterizam o acontecer verbal em si, conforme exemplificado abaixo:
(8) a- Essa nova atriz da Globo é bem feinha, não? (Dado de coleta informal)
b- “Ela gritava desalmadamente no meio da noite. “ (Dado dos autores, 2001, p.
249)
Focalizando o
processo referencial, nossos gramáticos fazem menção ao caráter
pronominal de certos itens adverbiais, que podem, anafórica ou cataforicamente, atuar como
pró-palavras, pró-frases e, até mesmo, pró-textos. Exemplos dos autores (2001, p. 254):
(9) a- “A filha foi passar dez dias no Algarve. Só então, os pais foram para férias”Advérbio pró-frásico.
b- “Cá no Porto, lá em Lisboa,(...) cá dentro!” – Advérbios pró-sintagmáticos.
Visto como “categoria gramatical”, o “advérbio”, segundo nossos dois gramáticos,
admite, ainda, uma subclassificação de ordem semântica, de que resultam numerosos e
variados subtipos, sujeitos a se superpor uns aos outros. São eles:
a) advérbios de tempo: agora, ainda, hoje, amanhã, já, nunca, cedo, tarde, etc.
b) advérbios de lugar: abaixo, acima, adiante, atrás, cá, defronte, dentro, fora, etc
c) advérbios de afirmação: sim, certamente, realmente, efetivamente, etc.
d) advérbios de dúvida: acaso, porventura, talvez, quiçá, possivelmente, etc.
e) advérbios de intensificação: bastante, bem, mais, menos, muito, pouco,etc.
f) advérbios de modo: assim, mal, melhor, pior, etc.
g) advérbios de negação: não, nunca
h) advérbios de inclusão: até, mesmo, também
i) advérbios de exclusão: só, apenas, somente, salvo
j) advérbios de designação: eis
132
k) advérbios de interrogação: por que (causa), como (modo), onde (lugar), quando
(temporal) (VILELA e KOCH, 2001, p. 247-248).
Para finalizar, mencionemos, outra subdivisão detectada por esses dois gramáticos
(2001, p. 251-253), com base no nível lingüístico em que as formas adverbiais podem atuar.
No plano gramatical, já vimos, temos o subgrupo dos advérbios frásicos, que, por sua vez,
abarcam duas subespécies: a dos advérbios intrapredicativos (exemplo nº 6), relacionados a
“verbos”, e a dos adverbiais intrafrásicos (exemplos sob o nº 7), associados ao verbo e, ao
mesmo tempo, a algum de seus argumentos. Fora do domínio da frase, encontramos os
advérbios extrafrásicos, ou de enunciação, que, de sua parte, também podem se desdobram
em novos subtipos, conforme incidam sobre: o dictum, o dicere, ou o querer dizer.
Em desdobramento próprio, o primeiro deles, de advérbios relacionados ao dictum,
admite a seguinte subdivisão (VILELA e KOCH, 2001, p. 252):
a) os avaliativos, que expressam o sentimento de apreciação do enunciador acerca do
conteúdo da proposição. Exemplo: “Infelizmente, ela não veio.”;
b) os assertivos, que dizem respeito ao valor de verdade da proposição, indicando
possibilidade, probabilidade, certeza, etc. Exemplo: “Certamente, eles virão às sete da tarde.”
O segundo, que, constituído de advérbios ligados ao dicere, ou seja, ao agenciamento do
discurso, pode implicar:
a) uma ordenação discursiva:
primeiramente, finalmente, antes, depois, etc.),
analogia (igualmente, simultaneamente, etc.;
b) uma distribuição: respectivamente, sucessivamente, etc.;
c) uma analogia: igualmente, paralelamente, etc.;
d) uma oposição: contrariamente;
e) uma operação metalingüística: literalmente, textualmente, mais exatamente, etc.
(VILELA e KOCH, 2001, p. 252).
133
Por fim, o terceiro subgrupo é formado por advérbios que incidem sobre a intenção
comunicativa, isto é, sobre o querer dizer, expressando algo acerca do ato ilocutório em si.
Exemplos: confidencialmente, francamente, sinceramente, pessoalmente, honestamente,
seriamente, etc. (VILELA e KOCH, 2001, p. 253).
Vistas essas “lições”, apresentemos, agora, uma síntese da proposta analítica
defendida por nossos dois gramáticos sobre o “advérbio” no português:
a) mais detalhado, o estudo empreendido por esses gramáticos, ultrapassa, conforme já
referido, os limites da gramática, estendendo-se ao discurso e ao texto (visto como
resultado da ação desenvolvida naquele);
b) esse detalhamento não os impede de fazer algumas generalizações, que nos
remetem a distribuições de alcance mais amplo, que, de caráter morfológico,
sintático, semântico, ou, então, discursivo-textual, nos remetem a blocos mais
compactos em que se distribuem seus componentes adverbiais;
c) os critérios adotados e os traços próprios a cada um deles são apontados
explicitamente e examinados um a um;
d) a
complexidade da operação classificatória pôde ser detectada a partir das
dificuldades que os autores enfrentaram na resolução de problemas que não
resolveram adequadamente, ou que deixaram de resolver.
A par de tudo isso, chamou-nos especial atenção o fato de esses dois autores, adeptos
de correntes lingüísticas mais modernas, não desmerecerem, em momento algum, as “lições”
deixadas pelos nossos “velhos” gramáticos, cujo valor reconhecem, segundo nos comprova o
seguinte excerto, transcrito de sua Gramática da língua portuguesa:
Como vemos, os critérios sintáticos, semânticos e morfológicos são usados, ou de
modo exclusivo, ou em complementaridade. O método greco-latino tem-se mostrado
funcional e pedagogicamente correto. O uso dos diferentes critérios – em exclusivo ou
em complementaridade – é lingüística e cientificamente correto. (VILELA e
KOCH, 2001, p. 64)
134
4.3 Conclusão
Conforme anunciado na seção introdutória deste capítulo, cumpre-nos, agora, o cotejo
entre as “lições” dos gramáticos aqui escolhidos como representantes das três gerações da
contemporaneidade.
Vimos que, mesmo hoje, no início do século XXI, a discriminação das classes de
palavras e a identificação do advérbio como um grupo autônomo, continuam problemáticos.
As dificuldades enfrentadas por nossos lingüistas continuam, na verdade, a esbarrar nos
critérios passíveis de definir as diferentes classes como autônomas e independentes umas das
outras. Isso porque, como se viu, as taxonomias apresentadas não se concentram num
objetivo, que é o que determinará o ponto de vista a ser priorizado na operação classificatória
de qualquer elemento ou fato.
Assim, pudemos ver que, no começo do século XX, José Oiticica (1919/1923), em
completo descompasso com seus coevos e mesmo com mestres mais antigos, ultrapassa as
fronteiras da frase, mostrando que certos itens adverbiais podem atuar em instâncias
extrafrásicas, dentre as quais a da enunciação. Pena que nosso mestre tenha deixado de
sistematizar e justificar suas propostas, deixando para os leitores a tarefa de inferi-las.
Com a visão abrangente de Oiticica (1923) acerca da classificação de palavras,
Gladstone Chaves de Melo (1951 e 1968), também ultrapassando os limites da “gramática da
frase”, tenta buscar, em outras esferas, soluções para fatos ainda não explicados nesse
território. Com esse objetivo, esse autor propõe um reagrupamento das dez classes de palavras
estabelecidas pela tradição gramatical, considerando, por exemplo, o o advérbio não como
uma classe autônoma, mas subespécie de outras com que coincide em alguns traços.
Por fim, as “lições” conjuntas do português Mário Vilela e da brasileira Ingedore Kock
(2001) nos deixam entrever os avanços propiciados, sobretudo, por um trabalho mais
sistematizado. Ao se estender, conscientemente, a planos extrafrásicos – discursivo e textual
135
– consegue trazer alguma luz para a solução de problemas lingüísticos, de que o advérbio é
um exemplar mínimo. Com base em objetivos mais específicos, critérios mais bem definidos
e em dados da língua oral e escrita de hoje, eles acabam nos fornecendo um quadro mais
preciso, embora ainda sujeito a muitos questionamentos.
Para que tenhamos uma visão conjunta das “lições” dos gramáticos contemporâneos
aqui examinados, apresentamos a seguir, tal como feito no final do Capítulo 3, dois quadrossíntese, que nos dão uma idéia do pensamento de três “gerações” de lingüistas a respeito do
estatuto do “advérbio”, no conjunto vocabular do português (Quadro 3) e de suas
possibilidades distributivas (Quadro 4).
136
QUADRO 3
LIÇÕES SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DOS ADVÉRBIOS EM
GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XX E XXI
SEC./
GRAMÁTICOS
GER.
JOSÉ DE
OITICICA
(1919/1923)
CARACTERÍSTICAS DOS ADVÉRBIOS
MORFOLÓGICAS
SINTÁTICAS SEMÂNTICAS
Estatuto taxonômico:
- subclasse dos termos
modificativas
- subclasse das palavras
prominativas
Flexão:
palavra invariável.
Função:
- determinante do
verbo.
- indiciador de
grau de adjetivos
e advérbios.
Escopo: o verbo
Função:
exprimir as
circunstâncias
verbais.
Estatuto taxonômico:
- Natureza: nominal e
pronominal.
- Flexão:
palavra invariável
Função:
determinante
do verbo,
adjetivo e
pronome.
Escopo:
verbo,
adjetivo,
advérbio,
pronome,
substantivo,
oração inteira
Estatuto taxonõmico:
subclasse dos nomes
e dos determinantes.
Papéis:
1ª geração
XX
GLADSTONE
CHAVES DE
MELO
(1970/1981)
2ª geração
MÁRIO
VILELA E
XXI
INGEDORE V.
KOCK
(2001)
3ª geração
Estatuto taxonômico:
- Subespécie do grupo
de ligação.
- Partícula modal
Flexão:
- Subespécie do grupo
vocabular invariável
- Passível de gradação e
derivação
Função:
determinante de
verbo, substantivo, adjetivo,
pronome, outro
advérbio, frase.
Posição:
passível de
mobilidade na
frase.
Regência:
intransitivo
(força de recção
ligada à valência
do adjetivo que
determina)
- modificadores
(circunstanciadore
s) de verbo;
- intensificadores
de adjetivos,
advérbios,
pronomes e
substantivos
Papéis:
modificadores de
verbo, adjetivo,
advérbio, substantivo, SPred., frase e
enunciado
Valência:
dependente dos
elementos que modica (a aparente
capacidade de
regência deve-se à
valência dos adjetivos que determina)
137
QUADRO 4
LIÇÕES SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DOS ADVÉRBIOS EM
GRAMÁTICAS DOS SÉCULOS XX E XXI
SÉC./
GER.
GRAMÁTICOS
JOSÉ DE
OITICICA
(1919/1923)
1ª geração
XX
GLADSTONE
CHAVES DE
MELO
(1970/1981)
2ª geração
XXI
MÁRIO
VILELA E
INGEDORE
V. KOCK
(2001)
3ª geração
CRITERIOS DE DISTRIBUIÇÃO
MORFOLÓGICOS
SINTÁTICOS
SEMÂNTICOS
Estatuto formal:
Intensificadores:
de adjetivo e de
advérbio
Papéis:
- termo nuclear;
- palavras adverbiadas (adj. +
-mente; adj. gênero masc. plural);
- expressões e
locuções adverbiais;
-orações adverbiais (des./red.)
Estatuto formal:
- termo nuclear;
- termo derivado de
adj. + mente;
- palavras adverbiadas (adj. gênero masc. plural);
- formas passíveis de gradação
superlativa e
comparativa
X
locuções não
passíveis de
gradação
comparativa e
superlativa
Estatuto formal:
- Formas simples
X
Formas compostas
Formação:
-Adjetivos
adverbializados
(adj. + –mente ou
adj. no gênero
masc. plural)
OUTROS
Plano da referenciação:
- Modificativo de alguns itens
fóricos
verbo
- Pronominais
elemento dêitico
Subespécies:
dúvida, freqüência, intenção, intensidade, lugar,
modo, ordem e
tempo
___
Papéis:
Modificadores
(circunstanciais)
X
termos
relacionais
(dêiticos)
Subespécies:
de lugar, tempo,
modo, dúvida,
intensidade e
afirmação.
Frásicos:
-intrafrásicos
-intrapredicativos.
Extrafrásicos:
- referentes ao
todo sentencial
- referentes à
enunciação
Dois tipos:
-Circunstanciadores:
ligados ao
verbo.
-Intensificadores
ligados a adj. e
advérbios.
Subespécies:
de tempo, lugar,
afirmação, dúvida, intensificação, modo, negação, inclusão,
exclusão, designação, interrogação.
Plano
referencial:
alguns itens
fóricos
Plano
discursivo:
alguns itens
dêiticos
Processamento
referencial:
atuam como:
pró-palavras;
pró-frases;
pró-textos.
Extrafrásicos:
Discursivos
quanto ao dictum
– avaliativos, assertivos
quanto ao dicere
– ordenação, distribuição, analogia,
oposição,
operação metalingüística
quanto ao querer
dizer –
expressões e ato
ilocutório em si.
138
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: “DECIFRAR O ADVÉRBIO É PRECISO”
A chamada gramática tradicional, tal como a concebemos, um corpo organizado de
princípios lingüísticos, só pode ser entendida e avaliada se examinarmos o caminho
por ela percorrido através do tempo, já que suas características principais são fruto
não só de um longo processo de reflexão teórica e de vivência, mas também de
adequação ou resposta a acontecimentos sociais, políticos, econômicos e culturais
que enfrentou. (FÁVERO, 1996, p. 19; destaque da autora).
É mais do que tempo, reconhecemos, de dar fecho a esta viagem, retomando, para
tanto, o nosso “diário de bordo”, a fim de procedermos ao acerto final necessário.
Antes de fazer isso, contudo, cumpre-nos ressaltar que essa foi uma aventura deveras
enriquecedora, ao longo da qual, pudemos colher “lições”, que, dentre tantas outras coisas,
nos
deram um testemunho vivo do quanto de perspicácia, paciência, bom senso,
conhecimento e boa vontade nos impinge a tarefa de categorização – lingüística, ou não.
No estudo aqui em pauta, voltado para a classificação de palavras, um dos maiores
exemplos dessa exigência é, com toda a certeza, a identificação e subcategorização do
“famigerado” grupo
dos advérbios, sabidamente tinhoso, escorregadio, malandro,
camaleônico, que nem ele só.
Correndo o risco de sermos mal interpretadas, ou até mesmo mal vistas pelo tipo de
trabalho de compilação crítica, aqui empreendido, decidimos “enfrentar as intempéries”,
buscando nos “feitos lingüísticos” de nossos lingüistas – antepassados e contemporâneos –
alguma luz que nos pudesse ajudar na compreensão de fatos lingüísticos como o da
distribuição vocabular – o que, sem dúvida, nos permitiria uma melhor condução do processo
de ensino/aprendizagem do português.
Como esse problema já nos vinha “atormentando” e, conseqüentemente, dificultando
nossa atividade docente havia algum tempo, não tivemos dúvida em elegê-lo como objeto de
estudo. Buscando enfrentar face a face a questão, procuramos, num primeiro momento,
registrar e analisar as ocorrências adverbiais (que sempre nos desafiaram) a partir da coleta de
139
dados reais da nossa língua. Durante a realização dessa empresa,
percebemos que
precisávamos, o quanto antes, nos munir de lições alheias que nos permitissem saber um
pouco mais sobre o estatuto – gramatical, ou não - desse tipo de vocábulo, bem como do seu
uso real em nossa língua e, assim, quem sabe, encará-lo posteriormente com olhos próprios e
com maior consciência do grau de sua heterogeneidade.
Numa consulta preliminar às gramáticas a que tivemos acesso, nos surpreendeu o
esforço de nossos autores em decifrar seus mistérios, seus deslizamentos semânticos, sua
atuação no âmbito frásico e extra-frásico. Enquanto apreciávamos as propostas de análise
apresentadas por autores do passado e do presente, percebemos que, na verdade, já tínhamos
em mãos o início de uma pesquisa, que, de caráter metalingüístico, poderia trazer alguma
contribuição para a historiografia lingüística, nem sempre valorizada em nosso meio
acadêmico. Estava, pois, decidido: a pesquisa que nos cabia realizar passou a ser considerada
como uma primeira etapa de outra que, de nossa própria responsabilidade, nos levará a
encarar de frente uma espécie vocabular tão “camaleônica” como a adverbial.
Disposta a levar em frente esse tipo de trabalho, independentemente de opiniões
contrárias, começamos a executá-lo, procedendo, primeiramente, à seleção de gramáticas
pretéritas e contemporâneas, e, posteriormente a recortes que deveriam ser feitos nesses dois
períodos. Dessa sorte, começamos pelo exame das “lições” fornecidas por nosso “primeiro
gramático”, Fernão de Oliveira (1536), e terminamos com o estudo das lições de dois
lingüistas contemporâneos, Vilela e Koch (2001). Com isso, passamos de uma “gramática de
palavras” a uma “gramática de palavras”, “de frases” e “de textos”, realizando uma viagem
longilínea, que, recortada, por limitação do tempo que tínhamos e do acesso aos compêndios
gramaticais/ortográficos mais antigos, acabou privilegiando os ensinamentos gramaticais de
autores do século XVI (fase pretérita) e dos séculos XIX, XX e XXI (fase contemporânea).
140
Como bons viajantes, rememoremos, agora, o que mais nos impressionou nessa
viagem, retomando o título dado à Introdução - parte destinada aos preparativos da viagem na qual nos perguntamos: “Categorizar é preciso?”. Pelos tempos visitados, pelos autores
contatados, pode-se deduzir que a resposta a essa questão é positiva. A própria discussão do
assunto, a apresentação de quadros classificatórios específicos, ou não, do “advérbio”, bem
como o tratamento especial conferido a esse tipo lexical pelos autores consultados, mesmo
com poucos consensos e muitos dissensos, constituem uma prova da importância dessa
tarefa e da sua repercussão pedagógica.
Com um título em forma de interrogação (“O advérbio: um “ornitorrinco da
gramática?”), que, verdadeiro ato de fala, interpela diretamente o leitor e exige dele uma
resposta, o capítulo seguinte, de preparação de bagagem teórica, além de delimitar
explicitamente o nosso objeto central de pesquisa, qual seja, o advérbio, nos dá uma idéia das
inúmeras e diferentes dificuldades enfrentadas pelos que se aventuram a “decifrá-lo”.
Em face de problemas como:
desencontros das taxonomias estabelecidas pelos
diversos autores; as soluções insatisfatórias; os problemas ainda em pendência; a falta de uma
indicação mais precisa dos critérios suscetíveis de definir a espécie adverbial, em seu todo e
em sua rede distributiva, bem como a inadequação e/ou ausência de exemplos representativos
do uso real de nossa língua, a resposta à pergunta inserida no título, sem dúvida alguma, é,
mais uma vez, sim. “Camaleônico’, polissêmico, sintaticamente volúvel, extremamente
“gramaticalizável” e invasor de instâncias extra-gramaticais, o advérbio, tal como outros
tipos de palavras, é tido pelos lingüistas como um verdadeiro ornitorrinco, tanto no sentido
denotativo do termo quanto no conotativo.
Contudo, o verdadeiro viés, a partir do qual essa afirmação deve ser feita, não é tanto
o das “lições” a seu respeito, mas o do seu próprio estatuto formal, funcional e semântico, de
grande maleabilidade. Tanto é que o critério semântico, considerado pelos estudiosos como o
141
mais adequado e abrangente para defini-lo, não é nem uno, nem absoluto. Prova disso é que
nem todos os itens adverbiais têm valor “qualificativo”, “intensivo” ou “circunstancial”,
segundo admitido pelos próprios autores aqui consultados.
Do mesmo modo, o critério sintático, considerado por autores como João de Barros
(1540/1971) como o de maior eficiência e amplitude, não é suficientemente forte para abarcar
todas as formas ditas adverbiais. Que o diga o seu próprio escopo, que varia segundo o tipo de
vocábulo a que as diferentes formas adverbiais podem se associar.
Nem mesmo o critério morfológico, único utilizado por Schneider (1974),
tem
condições de resolver o problema. Evidência disso é a idéia defendida por gramáticos como
Jeronymo Soares Barbosa (1803/1881) ou Alfredo Gomes (1913) – consultado num primeiro
levantamento bibliográfico – , que enquadram, configuracionalmente, todos os termos
adverbiais - de constituição simples ou composta (locuções adverbiais) - no rol dos SPreps.
Todavia, um dos dissensos mais comuns e marcantes entre os estudiosos é o que diz
respeito às diferentes possibilidades de desdobramento do “advérbio” em subtipos
diversificados e alocados em níveis hierárquicos distintos. Um dos exemplos prototípicos
desse desencontro de idéias, pôde-se ver, é o que diz respeito ao seu desmembramento
semântico, distinto, tanto em termos quantitativos quanto em termos qualitativos dos demais
tipos. Um deles, por exemplo, tem a ver com a diferença numérica dos critérios taxonômicos
utilizados pelos gramáticos para defini-lo, e, mais ainda, pela extensão – maior ou menor – da
lista referente aos traços semânticos que lhe são peculiares. Outro é detectado no desencontro
da opinião dos gramáticos quanto aos componentes dos vários grupos e subgrupos,
desencontro esse mais marcante na análise das formas negativas, afirmativas, inclusivas,
exclusivas, etc., tidas por uma boa parte de nossos mestres como de natureza não adverbial.
Confirmada a idéia de que o advérbio é, sim, uma espécie de “ornitorrinco”
lingüístico, respondamos, agora, se, além de comprovar a complexidade própria a operações
142
classificatórias, os nossos mestres-gramáticos, rastreados num percurso temporal iniciado no
século XVI e terminado nesse início do XXI, demonstraram avanços na sua tentativa de
deciframento dos enigmas contidos na “esfinge adverbial”.
Começando pelos mestres de antanho, ressaltem-se as seguintes “novidades”, que,
muitas vezes criticadas por outros estudiosos, representam alternativas de solução para os
problemas constantes do modelo gramatical greco-latino, além de indicar, prospectivamente,
soluções, retomadas, revistas, exploradas, ou complementadas, posteriormente, por adeptos
de correntes da Lingüística Moderna: a) o reconhecimento da inexistência de limites fixos e
absolutos entre as diversas espécies vocabulares, dentre as quais, os advérbios; b) a
preocupação, por parte de alguns autores, em apresentar quadros distributivos mais
generalizantes, em que se evidenciam os laços, mais, ou menos frouxos, entre os
macroconjuntos e seus subconjuntos, como, por exemplo, o paralelismo funcional entre o
advérbio e o adjetivo; c) a associação entre o significado do constituinte determinado e o tipo
de advérbio passível de determiná-lo; d) o registro da multifuncionalidade de um mesmo item
adverbial, tanto num mesmo nível da lingüístico, quanto em níveis diferentes – gramatical,
semântico e discursivo; e) a indicação, ainda que implícita, de casos de gramaticalização/
discursivização de algumas formas adverbiais, que de caráter modalizador, são vistas por
alguns autores como uma classe à parte.
No que toca às “lições” dos gramáticos contemporâneos, mais, ou menos ligados à
tradição greco-latina, podem-se salientar “avanços” como: a) maior consciência da
complexidade de operações de natureza classificatória; b) uma insistência em demonstrar a
importância e a eficácia da categorização de elementos e fatos lingüísticos àqueles que negam
o seu valor; c) a preocupação de alguns desses mestres, em apresentar, preferentemente,
taxonomias parciais, que reflitam o ponto de vista, o objetivo da classificação pretendida, que,
por exemplo, se for o de descrever o estatuto morfológico das palavras de nossa língua, deve
143
levar em consideração aspectos de ordem lexical (processos de formação de palavras e seu
grau de produtividade, tipos de formantes que compõem os vocábulos, etc.) e aspectos de
ordem flexional (categorias de gênero, número, pessoa, tempo, etc.); d) a separação,
sobretudo por parte dos seguidores de correntes modernas, entre advérbios propriamente ditos
e termos modalizadores, restritos à dimensão do discurso, da enunciação; e) o reconhecimento
da existência, no universo lingüístico, de um continuum entre seus diferentes componentes, o
que, no caso do objeto de estudo em pauta, significa admitir que o advérbio é uma classe
intermediária entre várias outras, embora Júlio Ribeiro (1884), prefira vê-la como uma
transição entre o grupo de palavras variáveis e o de palavras invariáveis; f) o fornecimento
de uma exemplificação mais rica e elucidativa, que passou a incluir dados de língua oral; g) a
proposta de quadros distributivos mais funcionais e orgânicos, como, por exemplo, os de
Vilela e Koch (2001) e de Neves (1999), em que a explicitação dos diferentes critérios
utilizados e a indicação de seus desdobramentos servem para colocar certa ordem no caos
observado em taxonomias mais antigas.
A partir deste sumário, destinado a frisar alguns dos pontos relevantes das “lições”
aqui apreciadas, cumpre-nos a obrigação de responder se houve, ou não, ao longo do tempo,
algum avanço nas “lições taxonômicas” de nossos gramáticos, relativamente ao acervo lexical
do português como um todo, e, de um modo especial, ao advérbio. Para não fugir à regra,
podemos, mais uma vez, dizer sim. A par das deficiências, algumas das quais aqui apontadas,
cumpre-nos fazer justiça a nossos mestres – de “ontem” e de “hoje” –, reconhecendo a
contribuição que deram para esclarecer problemas lingüísticos tão intrincados.
Contudo, reconheça-se, ainda estamos longe de ver solucionados, a contento, esse e
outros problemas que vêm, de longa data, fustigando nossos lingüistas – o que, de certo modo,
nos ajuda a repensar as exigências feitas aos alunos, no processo de ensino-aprendizagem de
nossa língua.
144
Por fim, numa remissão ao título destas Considerações Finais, deixamos no ar a
seguinte indagação: as formas adverbiais constituem um grupo lexical autônomo, ou não?
Independentemente da resposta, a grande lição que se pode tirar desta viagem metalingüística
por compêndios gramaticais de tempos distintos é a seguinte: mesmo que detectemos todos os
traços suscetíveis de identificar uma determinada classe de palavras, é o nosso ponto de vista,
e o objetivo que pretendemos alcançar que determinarão a sua relevância, ou não.
À guisa de despedida, gostaríamos de esclarecer que, por menor que tenha sido a
contribuição que procuramos dar para a historiografia lingüística, o trabalho aqui realizado
nos demandou grandes esforços, ao mesmo tempo que acirrou o nosso desejo de estreitar,
cada vez mais, os laços entre a academia e as instituições de ensino, principalmente as
públicas, que, embora sejam, ainda, hoje, responsáveis pela educação da maior parte dos
nossos jovens, são as que menos acatam os avanços alcançados pela ciência.
Para selar o fim desta dissertação, retornemos, num movimento circular, ao nosso
primeiro gramático, Fernão de Oliveira, fazendo nosso o pedido que ele faz em sua famosa
frase: “Antes peço a quem conhecer meus erros que os emende...” (OLIVEIRA, 1975, p.
125).
145
REFERÊNCIAS
1 GRAMÁTICAS SELECIONADAS PARA ANÁLISE
1.1 SÉCULO XVI
BARROS, João de. Gramática da língua portuguesa. 3 ed. Org. de José Pedro Machado.
Lisboa: Centro de Estudos Filológicos, 1957.
BARROS, João de. Gramática da lingua portuguesa; cartinha, gramática, diálogo em
louvor da nossa linguagem e diálogo da viciosa vergonha. . 4 ed. Reprodução facsimilada,
leitura, introdução e anotações por Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Universidade de
Lisboa, 1971.
OLIVEIRA, Fernão de (1536). Grammatica da lingoagem portuguesa. 3 ed. por Rodrigo de
Sá Nogueira. Lisboa: Ed. de José Fernandes Júnior, 1933.
OLIVEIRA, Fernão de. Gramática da linguagem portuguesa. Introdução, leitura
actualizada e notas por Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da
Moeda, 1975.
1.2 FASE INTERMEDIÁRIA: SÉCULOS XVII E XVIII
ARGOTE, J. C. Regras de língua portugueza, espelho da língua latina ou disposiçam
para facilitar o ensino da língua latina pelas regras da portugueza. Lisboa: Officina de
Mathias Pereira da Silva, 1721.
BARRETTO, João Franco. Ortografia da língua portugueza. Lisboa: Officina de João da
Costa, 1671.
MONTE CARMELO, Frei Luiz do. Compendio de orthographia. Lisboa: Officina de
Antonio Dias Galhardo, 1767.
ROBOREDO, Amaro de. Methodo grammatical para todas as línguas. Lisboa: Officina de
Pedro Craesbeeck, 1619.
VERNEY, L A . Verdadeiro metodo de estudar, para ser útil a Republica e Igreja:
proporcionado ao estilo e necessidade de Portugal. Valensa: Officiana de Antonio Balle,
1747.
146
1.3 SÉCULO XIX
BARBOSA, Jeronymo Soares (1803). Grammatica philosophica da língua portuguesa.
Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1881.
RIBEIRO, Júlio (1882). Grammatica portugueza. 7 ed. São Paulo: N. Falcone e
Companhia, 1884.
1.4 SÉCULOS XX E XXI
1.4.1
Primeira “geração”
OITICICA, José (1919). Manual de análise. 5 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1923.
1.4.2
Segunda “geração”
MELO, Gladstone Chaves de (1949). Iniciação à lingüística e à filologia portuguesa. Rio de
Janeiro: Ao Livro Técnico, 1981.
MELO, Gladstone Chaves de (1967). Gramática fundamental da língua portuguesa. Rio
de Janeiro: Acadêmica, 1970.
1.4.3
Terceira “geração”
VILELA, Mário; KOCH, Ingedore Villaça. Gramática da língua portuguesa; gramática da
palavra; gramática do texto; gramática do discurso. Coimbra: Almedina, 2001.
2
OUTRAS OBRAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4 ed. Trad. Alfredo Bosi. Revisão da trad. e
trad. dos novos textos por Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ARNAULD e LANCELOT. Gramática de Port-Royal. Trad. Bruno Fregni Bassetto e
Henrique Marciano Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BASTOS, Neusa Barbosa; PALMA, Dieli Vesaro (Org.). História entrelaçada; a construção
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BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 5 ed. Rio de Janeiro: Companhia
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BITTENCOURT, Vanda de Oliveira. A posposição do sujeito em português. 1979 –
Dissertação (Mestrado). Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG.
147
BITTENCOURT, Vanda de Oliveira. Gramaticalização e discursivização no português
oral do Brasil: o caso “tipo (assim)”. Scripta, Belo Horizonte, v. 2, n.4, p. 39-53, 1º
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