ARTIGO ROBSON SEMANA HUMANIDADES

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O USO DE MODALIZADORES NA ARGUMENTAÇÃO DE
SENTENÇAS JUDICIAIS
SOUZA, Robson Grey Freitas1
[email protected]
FABIANO, Sulemi2
[email protected]
RESUMO: No presente artigo, iremos observar sentenças judiciais relatadas por juízes
de diferentes Juizados Especiais e analisar os empregos dos modalizadores como
técnicas argumentativas desses textos forenses, os quais são muito bem marcados no
que diz respeito aos argumentos propostos. E, para isso, os juristas empregam nesses
discursos forenses, segundo Koch (2000) “marcas linguísticas”, as quais indicam os
diversos modos de se dizer algo que leve o falante a conquistar a adesão daquele
auditório, e esses diversos modos de se apresentar o conteúdo argumentativo são
indicados por meio dessas marcas modais ou modalizadores que são decisivos para que
o falante possa conquistar a adesão dos receptores, através de argumentos consistentes e
bem fundamentados, ou seja, sem deixar marcas de dúvida ou suposição. Neste
trabalho, faremos uma análise do modo como se processa a utilização dessas “marcas
linguísticas da argumentação” em sentenças judiciais, apontando nessas sentenças os
principais recursos de modalização do discurso argumentativo que faz uso o falante
desses textos forenses.
PALAVRAS-CHAVE: discurso jurídico; modalizadores argumentativos; sentenças
judiciais.
INTRODUÇÃO
Este artigo faz parte da metodologia avaliativa da disciplina Leitura e Produção de
Texto Argumentativo, a qual tem o foco de ensino-aprendizagem que visa trabalhar nos
alunos a escrita acadêmica, bem como a compreensão e a descoberta através da pesquisa
de teorias argumentativas, especificamente as teorias de Koch (1999; 2000) no que diz
respeito às marcas linguísticas ou modalizadores na argumentação e as discussões de
Henriques (2008), referentes à argumentação e o discurso jurídico.
Temos, portanto, como objetivos, praticar o olhar crítico-científico sobre o uso
dos modalizadores argumentativos em sentenças judiciais; verificar cada uma dessas
marcas modais em fragmentos retirados dos três textos escolhidos e analisar a maneira
como se processa a utilização dessas marcas de modalidade argumentativa em sentenças
1
Graduando em licenciatura em letras – língua portuguesa na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte.
2
Orientadora Profª. Drª. do Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da
Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Líder do Grupo de Pesquisa em Estudos do
Texto e do Discurso- GETED e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise
– GEPPEP/USP.
judiciais, apontando nessas sentenças os principais tipos de modalidade discursiva, seu
contexto de uso e as pretensões do falante ao empregar esses recursos argumentativos
nesses textos forenses.
Para isso trabalharemos com 03 sentenças com tipologia criminal distintas, as
quais foram escolhidas de forma aleatória dentre um total de 10 que foram observadas
inicialmente. A sentença 01 será aqui denominada de extravio de bagagem, a qual relata
a decisão judicial da Juíza P. M. M. T. sobre o recurso da Empresa M. e B. LTDA que
pretende isentar-se da responsabilidade pelos danos causados à da Senhora A. R. M. L.
que teve sua bagagem extraviada em vôo internacional fretado pela Empresa
supracitada. A sentença 02 será chamada dano moral e relata a decisão do Juiz V. M. C.
L. sobre o recurso originado pelo Banco Real S/A contra a decisão anterior que fora
favorável à senhora M. A. M. de M., a qual teve seu cheque especial “indevidamente”
cancelado sem qualquer aviso da instituição financeira supracitada. E por fim teremos a
sentença 03, a qual denominaremos aqui mora do segurado e que relata a decisão do
Juiz J. I. de P. G. sobre o recurso originado pelo senhor E. S. L. contra a Empresa
Sulamérica Seguros Gerais que se nega a pagar o prêmio do seguro ao seu cliente por
não ter pago a última parcela e estar inadimplente.
Analisaremos, a seguir, o uso dos modalizadores nas três sentenças judiciais
mencionadas anteriormente e suas contribuições para que o falante consiga esclarecer o
auditório com suas palavras e que seus fatos narrados possam levar o auditório ao
convencimento devido à consistência e o bom embasamento de seu conteúdo
argumentativo. Falaremos inicialmente sobre as idéias de Koch (1999; 2000)
concernentes ao emprego das marcas linguísticas da argumentação, e traremos algumas
discussões de Henriques (2008), referentes à argumentação e o discurso jurídico para
que possamos transmitir um pouco das teorias referentes aos modalizadores
argumentativos. Logo, após a apresentação dos fundamentos teóricos inerentes ao tema
proposto, colocaremos alguns fragmentos do texto forense e analisaremos o contexto de
uso dessas marcas modais e a contribuição argumentativa de cada uma delas. E, por fim,
comentaremos as ocorrências dessas marcas linguísticas, as possíveis pretensões
argumentativas do falante ao escolher tais expressões e os prováveis resultados a serem
obtidos pelo jurista relator daquela sentença.
Com base em comparações feitas entre os modalizadores da argumentação
observados em 03 sentenças judiciais que analisamos e os conceitos sobre as
modalidades do discurso mencionados por Koch (1999) chegamos a uma conclusão
parcial de que as marcas da argumentação nos discursos de sentenças judiciais
contribuem de maneira significativa para levar o auditório ao convencimento e para
evitar que o falante possa perder a confiança e aceitabilidade do auditório no que diz
respeito aos fatos relatados na decisão sentencial, pois qualquer dúvida razoável,
mínima que seja, implica possibilidade de que os fatos narrados nessa decisão venham a
ser refutados devido a alguma inconsistência argumentativa ou até mesmo contradição
nos argumentos propostos pelo jurista.
OS MODALIZADORES DO DISCURSO
Segundo Koch (2000), os indicadores modais, também chamados modalizadores
em sentido estrito, são importantes na construção do sentido do discurso e na
sinalização do modo como aquilo que se diz é dito.
Ainda, segundo a teórica, um mesmo conteúdo proposicional pode ser veiculado
sob modalidades diferentes. Por exemplo, (p. 48):
É necessário que a guerra termine.
É possível que a guerra termine.
É certo que a guerra vai terminar.
É provável que a guerra termine.
Nos exemplos citados, as modalidades estão lexicalizadas sob formas de
expressões cristalizadas do tipo “é + adjetivo”. Porém, Koch (2000) afirma que
também existem diversas outras formas de expressão da modalidade: certos advérbios
ou locuções adverbiais (talvez, provavelmente, certamente, possivelmente, etc); verbos
auxiliares modais (poder, dever, etc.); construções de auxiliar + infinitivo [ter de +
infinitivo, precisar (necessitar) + infinitivo; dever + infinitivo, etc.]; “orações
modalizadoras” (tenho a certeza de que..., não há dúvida de que..., há possibilidade
de..., todos sabem que...,etc.)
Podemos perceber várias diferenças entre as quatro frases exemplificadas por
Koch (2000), e essas diferenças são marcadas por uma simples escolha de um verbo
(modalizador). Se a escolha de um verbo pode proporcionar toda essa diferença,
imaginemos o que pode fazer a utilização de vários desses modalizadores do discurso de
forma bem empregada e bem articulada como ocorre nos discursos jurídicos. É o que
veremos em seguida, com exemplos retirados de sentenças judiciais, dos quais
separamos alguns modalizadores que chamem atenção pela estratégia de uso que o
falante pode ter escolhido para usá-lo ou não.
OS MODALIZADORES NO DISCURSO JURÍDICO
A forma como os modalizadores do discurso são utilizados vai influenciar
decisivamente na credibilidade ou não aceitação do auditório daquele argumento
proposto pelo jurista. Por isso, o falante tem que ter muita cautela ao escolher os termos
a serem empregados em seus argumentos. Conforme Henriques (2008; p. 12) “a
persuasão ou discurso estabelece um pacto de credibilidade entre duas partes, ou seja,
entre o pactante e o pactário. O primeiro é o orador/falante e o segundo o auditório, a
saber, o ouvinte.”
E ainda para Henriques (2008; p. 32),
em se tratando de um discurso persuasivo, cuja pretensão é buscar a
adesão de um auditório, à Retórica compete achar os meios de
convencê-lo, ou seja, cabe-lhe argumentar e utilizar os meios de que
se serve a Retórica para atingir o alvo proposto... E nesta tentativa de
adaptação ao auditório, o orador/falante há de ter em conta certos
requisitos, como a extensão do auditório, o conteúdo, a forma, a
ordem dos argumentos, a reação possível do auditório e outros fatores.
Vejamos na prática como se processa esses cuidados, pretensões e escolhas feitas
pelos relatores de três sentenças judiciais de Juizados especiais distintos no tocante ao
emprego das modalidades discursivas dos argumentos lançados por esses juristas.
Na sentença 01 (Extravio de Bagagem) observamos em um determinado
enunciado o uso de uma expressão que tem grande relevância para a mensagem final
que a Juíza relatora quer passar e que modaliza o discurso argumentativo. Vejamos sua
utilização no fragmento abaixo:
“O fato é que a M. Turismo atua como mera agenciadora, agindo em nome e por
conta da operadora.”
A expressão mera no contexto de uso no enunciado é empregada pelo falante
como um recurso para marcar o seu discurso de maneira que consiga convencer o
auditório que a M. Turismo não é responsável pelo extravio da bagagem da Senhora A.
R. M. L., pois ela é uma simples agenciadora, ou seja, ela apenas agencia a relação de
contratação entre a pessoa interessada e a empresa aérea, e, por isso, não deve ser
responsabilizada por algo que não lhe compete.
Segundo Koch (1999), os operadores, que são morfemas responsáveis pela relação
de tipicidade bem precisa do enunciado, também são usados como marcas de
modalidade discursiva e é o caso da palavra mera que significa simples e que é muito
bem empregada pelo falante do texto forense em questão, pois ela não só modaliza o
discurso como também o fortalece e atrai a confiança do auditório.
Façamos uma comparação entre a frase do mesmo jeito que o falante enunciou e
uma outra frase sem o modalizador em questão:
Frase 1: “O fato é que a M. Turismo atua como mera agenciadora, agindo em
nome e por conta da operadora.”
Frase 2: “O fato é que a M. Turismo atua como agenciadora, agindo em nome e
por conta da operadora.”
Podemos perceber que há uma enorme diferença entre as duas frases. E é essa
diferença que um modalizador pode causar se for bem empregado.
Aproveitando o exemplo do uso de operadores argumentativos como
modalizadores do discurso, vejamos, no fragmento abaixo, retirado da mesma sentença,
o uso do modalizador discursivo apenas:
“...extrai que o vôo foi fretado, isto é, alugada a aeronave, pela recorrente, para
transporte apenas das pessoas que haviam adquirido o pacote turístico a ela,
operadora.”
A expressão apenas também funciona como modalizador e é da mesma classe do
mera, ou seja, é um operador argumentativo que modaliza muito bem o discurso do
falante.
E novamente esse modalizador tem a finalidade de expressar a pouca
responsabilidade ou quase nenhuma da agência de turismo M. Turismo. Pois esse termo
linguístico, segundo a classificação feita por Koch (1999), é um operador argumentativo
que denota exclusão e que pertence à mesma classe do só, somente, senão,
simplesmente, etc. E é realmente essa a intenção do falante no fragmento em questão,
pois ele procura excluir as possibilidades de acusarem a agência de turismo de algo pelo
qual ela não é responsável. E se o falante não fizesse uso desse modalizador, a
probabilidade de ele conseguir convencer o auditório seria muito pouca.
Koch (1999) fala sobre dois tipos de modalidades que são o epistêmico e o
deôntico, o primeiro refere-se ao eixo da crença, reportando-se ao conhecimento que
temos de um estado de coisas e o segundo refere-se ao eixo da conduta, isto é, à
linguagem das normas, àquilo que se deve fazer.
Porém, algumas modalidades, como o verbo dever, podem fazer parte tanto da
categoria do epistêmico como da categoria do deôntico. Vejamos como isso pode
ocorrer na explicação abaixo.
Na sentença 02 (dano moral) temos o uso dessa expressão com o sentido de
conduta ou norma (deôntico), em dois fragmentos da mesma sentença, vejamos:
Fragmento 1: “Não se deve cogitar da ilegitimidade de qualquer das demandadas
para figura no pólo da presente lide”
Fragmento 2: “Para que se evitem tais dissabores é necessário que se desenvolva
um esforço comum, que nasce com o titular do cartão que tem o dever de guardá-lo
consigo...”
Já no caso desse outro exemplo abaixo temos o mesmo verbo se enquadrando na
categoria do epistêmico. Vejamos como se processa:
Ex.“O tempo deve melhorar amanhã.”
O verbo segundo Koch (1999) revela a atitude de conhecimento do locutor, sua
manifestação de crença em relação ao conteúdo veiculado.
Como podemos perceber, os juristas valorizam muito o emprego dos termos
ligados às normas, pois nos dois fragmentos retirados da sentença 02 tivemos o uso
desse modalizador no sentido de conduta ou norma. Como eles não querem deixar
marcas de dúvidas ou se utilizar de “achismos” eles preferem fazer uso de expressões
que leve o auditório a confiar naqueles relatos, tal qual como se processa nos dois
exemplos retirados da sentença em tela. Já o exemplo em que o verbo dever que se
enquadra na categoria do epistêmico não é tirado de nenhuma sentença jurídica e sim
em Koch (2000) ao explicar as diferentes modalidades em que um verbo pode se inserir.
Outro modalizador interessante é o verbo poder que também pode se enquadrar
em diferentes modalidades. Vejamos as possibilidades nos exemplos abaixo:
Ex.1: Os candidatos podem apresentar-se em traje esportivo (= é facultativo).
Ex.2: Os preços podem cair nos próximos meses (= é possível).
O exemplo 3 e 4 que colocaremos a seguir foram retirados da sentença 03 (mora
do segurado).
Ex.3:
Fragmento 1: “Não se podem afastar as considerações ali lançadas...”
Ex.4:
Fragmento 2: “Conforme se pode constatar pelos documentos de fls. 51 dos
autos.”
Nos dois primeiros exemplos temos a utilização do verbo poder em dois tipos de
modalidades diferentes, o primeiro com sentido facultativo e também fazendo parte da
categoria do deôntico, por tratar de uma conduta ou norma que diz ser facultativo
“apresentar-se em traje esportivo”; e o segundo com sentido de possibilidade
circunstancial, ou seja, que é provável que caia, porém não se sabe ao certo se irá
acontecer. E por se tratar de manifestação de crença em relação ao conteúdo veiculado
esse verbo se enquadra na categoria do epistêmico.
Nos dois exemplos retirados da sentença 03 temos o primeiro verbo denotando
orientação por conduta ou norma, pois informa que não se pode fazer algo, ou seja, que
é proibido; e o segundo com um sentido que pode confundir bastante, pois é bem
parecido com o exemplo 2 (Os preços podem cair nos próximos meses). Porém, se nos
esforçarmos em analisar o que cada frase consegue passar chegaremos à conclusão de
que há uma diferença bem sutil entre essas duas modalidades de emprego do verbo
poder. Vejamos na explicação abaixo:
Quando se diz “Conforme se pode constatar pelos documentos de fls. 51 dos
autos” há a intenção comunicativa de dizer que se os autos foram consultados no local
especificado é certo que será constatado como o falante garante. Porém quando na frase
“Os preços podem cair nos próximos meses” o falante emprega o verbo poder, ele
transmite uma idéia de incerteza, pois não é certo que os preços venham a cair, é só a
opinião do locutor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos, com isso, que o uso dos modalizadores no discurso jurídico
contribui de maneira significativa para levar o auditório ao convencimento e para evitar
que o falante possa perder a confiança e aceitabilidade do auditório no que diz respeito
aos fatos relatados na decisão sentencial, pois qualquer sinal de dúvida razoável,
mínima que seja, implica possibilidade de que os fatos narrados nessa decisão venham a
ser refutados devido a alguma inconsistência argumentativa ou até mesmo contradição
nos argumentos propostos pelo jurista.
REFERÊNCIAS
HENRIQUES, Antônio. Argumentação e discurso jurídico. São Paulo: Atlas, 2008.
KOCH, I. G. V. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 2000.
KOCH, I. G. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 1999.
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