Set, 2011 - A ESCOLA AUSTRÍACA COMO O NOVO

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A ESCOLA AUSTRÍACA COMO O NOVO PARADIGMA
Ubiratan J. Iorio
Os economistas e analistas de economia estão apresentando sintomas de que
estão completamente perdidos. Um economista famoso aqui no Brasil chegou a
confessar, em entrevista na TV, que “não está entendendo o que está se passando”, já
que, segundo ele, os governos vêm agindo de maneira correta nos Estados Unidos e na
Europa, injetando gastos, moeda e crédito nas suas economias, mas elas não dão sinais
de que estão saindo da crise...
Não tenho a menor dúvida de que o paradigma que vem reinando na teoria
econômica há muitos anos está sendo – para usar a linguagem de Karl Popper falsificado pelos fatos. Os governos vêm usando e abusando tanto do arsenal keynesiano
quanto da armaria monetarista em tentativas desesperadas para vencer a crise, mas a
frustração, no que se refere aos resultados dessas políticas sobre a recuperação das
economias, é patente e evidente. Os foguetes keynesianos e monetaristas vêm sendo
disparados em larga escala: os governos têm aumentado gastos, na tradição keynesiana
e os bancos centrais têm jogado liquidez nas economias, exatamente como Milton
Friedman e os monetaristas sempre recomendaram, tudo isso regado a taxas de juros
próximas de zero... Como deve ser do conhecimento do leitor, Keynes diagnosticou
como causa da Grande Depressão uma “insuficiência de demanda agregada”, o que o
levou a recomendar que os governos aumentassem os seus gastos e Friedman a
relacionou com uma pretensa timidez do Fed que, segundo ele, poderia ter evitado a
Grande Depressão, caso aumentasse a oferta monetária e de crédito.
O paradigma keynesiano-monetarista vem sendo usado tresloucadamente. Fala-se
em ampliação do limite para a relação dívida interna/PIB nos Estados Unidos;
estimulam-se rodadas sucessivas de QE (quantitative easing), ativa-se impostos sobre
operações financeiras e o setor real da economia não reage conforme os economistas
dos governos acham que devia reagir, ou seja, como aprenderam nos livros-texto e nos
papers em que estudaram.
Os gráficos seguintes mostram o expansionismo fiscal e monetário nos Estados
Unidos e na Europa. Vejam o crescimento da base monetária americana.
Figura 1 - Base monetária ajustada
E, nos dois gráficos seguintes, o crescimento do M1 e do M2 nos Estados Unidos...
Figura 2 - M1
Figura 3 - M2
E vejam como tem crescido o déficit do governo americano e a relação dívida
interna/PIB...
Figura 4 - Déficit público
Figura 5 - Dívida pública como % do PIB
Apesar dessas políticas expansionistas recomendadas pelos manuais de
Macroeconomia, as taxas de desemprego vêm aumentando desde a explosão da bolha
imobiliária em 2008...
Figura 6 - Taxa natural de desemprego
Na Zona do Euro, as coisas não têm sido diferentes, como mostram os gráficos
seguintes, extraídos do site do ECB (banco central europeu). Vejam o aprofundamento
do déficit público e da relação dívida interna/PIB...
Figura 7 - Déficit público
Figura 8 - Relação dívida interna/PIB
E também a frouxidão monetária que vem ocorrendo na Europa...
Figura 9 - M3
Apesar disso, o desemprego continua resistindo ao velho paradigma...
Figura 10 - Taxa de desemprego
O que está acontecendo? Por que os economistas parecem perdidos numa noite
suja? Como é possível que tudo o que aprenderam nos manuais macroeconômicos não
esteja funcionando? Para os economistas da tradição austríaca, a resposta é simples,
direta e chocante para o establishment acadêmico e profissional: o paradigma
keynesiano-monetarista não funciona, porque seus diagnósticos para os ciclos
econômicos, simplesmente, estão errados. E, quando o diagnóstico é falso, a terapia
indicada não tem como funcionar. Na verdade, estamos lidando com algo que
transcende a economia: o que está acontecendo é a falência múltipla da socialdemocracia, prevista por Mises, Hayek e outros austríacos, quando mostraram que os
sistemas mistos entre o capitalismo e o socialismo apresentam inconsistências internas
fatais e que, portanto, são inviáveis no longo prazo. E o longo prazo chegou.
Como disse Helio Beltrão em palestra na FGV de São
(http://mises.org.br/FileUp.aspx?id=26): “você não acha que há algo de errado:
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


Paulo
na prescrição keynesiana de o governo mandar cavar buracos e em
seguida tapá-los caso a economia entre em recessão?
que todos os governos do mundo façam questão de ter o monopólio da
moeda, mas divirjam sobre outros monopólios (correios, estradas,
siderurgia)?
que tenhamos bolhas , crises e depressões sem que haja uma explicação
satisfatória sobre as causas?
que a queda de preços de produtos seja excelente para seu bolso, mas
considerada inaceitável para os economistas mainstream?
que nos livros e na teoria os economistas defendam o livre comércio,
mas na prática sempre defendem um amplo leque de “exceções” e
“salvaguardas”?
que o aumento de salário mínimo seja defendido como benéfico para a
“economia” ou para os assalariados de baixa renda?
que “monopólios” privados sejam considerados nefastos e inaceitáveis,
mas que monopólios governamentais sejam aceitos sem questionamento
(da moeda, do tráfego aéreo, da justiça, do espectro eletromagnético, do
subsolo, das jazidas minerais , dos rios, estradas e ruas, da segurança
pública) ?
que seja um crime em quase todos os países alguém espalhar um rumor
sobre um banco em dificuldades, mas não sobre empresas?
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que o ouro seja considerado uma “relíquia bárbara”, mas seja o ativo
financeiro preferido em momentos de crise?
que o valor do dólar em 1900 (pouco antes da criação do Fed) era o
mesmo que em 1800, mas que o valor do dólar hoje é apenas 4% daquele
de 1900?
que a roda tenha sido inventada mesmo sem a proteção da lei de
patentes?
não há algo errado no comportamento dos economistas de plantão, que
se portam como “arquitetos” do mundo ideal”?
A essas pertinentes indagações podemos acrescentar algumas outras: você
também não acha que há algo de errado:
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
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
com a macroeconomia, que considera o estoque de capital como sendo
uma “constante”?
consequentemente, que as análises sejam conduzidas sem uma teoria do
capital que as sustente?
que o acúmulo de déficits por parte dos governos estimula o crescimento
da relação dívida/PIB e que isso é imoral, porque significa que gerações
passam ônus para as gerações seguintes, sucessivamente?
que estimular gastos e acreditar que a formação de poupança gera
“desemprego” é “bom” para a economia?
quando o governo da Alemanha, por exemplo, cria um imposto para
ajudar o governo grego a pagar a farra orçamentária, punindo os
pagadores de tributos alemães?
quando os bancos centrais salvam bancos para evitar que os investidores
percam com as bolhas?
O erro fatal dos economistas da mainstream é que eles, sejam adeptos de Keynes
ou de Friedman, tendem a acreditar demais no poder dos governos e na fraqueza dos
mercados!
Não tenho a menor dúvida de que o novo paradigma é a Escola Austríaca de
Economia. A ABCT (Austrian Business Cycles Theory), ou, em português, TACE
(Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos), foi desenhada por Mises em seu tratado de
1912, posteriormente desenvolvida por Hayek nos anos 30 e depois aperfeiçoada por
outros economistas da tradição de Menger, dos quais o mais criativo é o americano
Roger Garrison.
Quando o governo injeta dinheiro na economia (via mesa de open market do
BC), a taxa de juros cai artificialmente abaixo da taxa natural de juros. Os
empreendedores entendem que há mais poupança do que realmente há e a demanda por
investimentos de longo prazo será maior do que deveria (“boom”). Os investimentos em
excesso, mais cedo ou mais tarde, fracassarão e a conseqüente recessão e
“desalavancagem” “purificará” e “liquidará” tais excessos.
A TACE é, ao mesmo tempo, uma teoria da moeda, do capital e dos ciclos
econômicos. Mostra como a emissão de moeda produz o efeito de diminuir a taxa de
juros e, inicialmente, enganar os agentes – que, acreditando que existe maior poupança,
embarcam em investimentos de maturação mais longa, alargando, assim, a estrutura de
capital da economia. Posteriormente, quando esses agentes descobrem que na realidade
não se tratava de poupança, mas de moeda “fantasiada” de poupança, a taxa de juros
sobe e isso leva a um encolhimento da estrutura de produção, fenômeno que produz
desemprego (e que ficou conhecido como efeito concertina ou efeito sanfona), que é
maior nos setores mais afastados da produção de bens finais, que foram exatamente
aqueles setores inicialmente beneficiados pela expansão monetária.
Quando os bancos centrais percebem a tendência de alta das taxas de juros e
reagem fixando-as por decreto em níveis ainda mais artificialmente baixos, a crise
parece amenizar, mas logo retorna, mais forte e mais rígida. Aumentar gastos públicos e
emitir moeda para debelar uma crise como a atual tem o mesmo efeito que receitar
doses de açúcar para um paciente diabético.
Assim, a inflação – ou seja, aquela quantidade adicional de moeda que entrou na
economia sem lastro – acabará provocando o desemprego de fatores de produção. Como
disse Hayek, não há escolha entre comer demais (emitir moeda sem lastro real) e ter
indigestão (recessão), porque ambas são inseparáveis, a primeira acarretando a segunda.
Essa conclusão – de que o desemprego é o efeito natural da inflação – mostra quão
equivocadas são as análises keynesianas que ficaram conhecidas como a curva de
Phillips, que postulavam a existência de um trade off ou dilema entre inflação e
desemprego, de modo que, se algum governo desejasse combater a inflação, teria que
aceitar uma taxa de desemprego de mão de obra maior ou, se quisesse reduzir o
desemprego, seria forçado a aceitar uma taxa de inflação mais elevada.
E por que, até o momento, apesar do espantoso crescimento da oferta monetária
sem lastro, a inflação não explodiu? Uma boa parte da explicação é que as empresas
chinesas têm tido uma espantosa produtividade nos últimos 15 anos, fazendo com que
os preços de computadores, eletrônicos, e outros produtos de exportação tivessem
contínua queda de preços. Como observa Beltrão no trabalho acima citado, “esse efeito
deflacionário da China mascarou a inflação de ativos criada pelo Fed”. Além desse
efeito-produtividade, não podemos também deixar de considerar a forte deflação nos
preços dos ativos financeiros, provocada pelas sucessivas “bolhas”.
Para Keynes, a Grande Depressão foi provocada por poupança demais e
investimento de menos; para nós, austríacos, é exatamente o oposto: poupança de
menos e investimento demais, ou seja, não lastreado em poupança genuína, mas na
emissão de papéis com o rosto de George Washington ou de qualquer outro herói
nacional (no Brasil, de tanto o governo emitir e trocar de moeda, nossos heróis se
extinguiram e hoje vemos onças, macacos e outros bichos). Qualquer dia desses, nosso
Bacen imprimirá cédulas com estampas de pulgas, baratas, mosquitos e aranhas...
Investimentos não lastreados em poupança não têm sustentação. Imagine que
Robinson Crusoé pesque três peixes diariamente, mergulhando e pegando-os com as
mãos e que, no final da tarde, os asse e coma. Imagine agora que, pensando em
aumentar a sua produtividade, ele passe três dias seguidos comendo dois (ao invés de
três) peixes. Com isso, no quarto dia ele já acordará com três peixes e terá, portanto, o
dia inteiro para construir uma rede de pesca, que lhe permitirá pegar muito mais peixes
por dia, trabalhando menos tempo. Em suma, ao renunciar a um peixe por dia, ele
poupou, o que lhe permitiu investir e, assim, melhorar o seu padrão de vida.
Essa é a essência da poupança: para ter mais peixes no futuro, você
necessariamente tem que renunciar a comer peixes no presente. Aliás, essa é a essência
da própria teoria do capital e do próprio crescimento econômico, que Keynes subverteu,
com seu tão famoso quanto falacioso conceito de “paradoxo da poupança”. Não existe
paradoxo algum, o que há são governos que gastam demais e emitem moeda de maneira
irresponsável.
A Escola Austríaca é a mais antiga na história do pensamento econômico, pois
remonta a São Tomás de Aquino e aos escolásticos tardios; é a menor, porque o
ambiente intervencionista sempre a tratou como se fosse apenas uma “coisa do
passado”, sem aplicação ao mundo real; mas é, seguramente, a que mais vem crescendo
nesses tempos de crise mundial, porque é a única que conseguiu prever corretamente a
crise (embora a fama tenha ficado para o economista Nouriel Roubini, que
simplesmente, a advinhou e que atualmente está tão perdido quanto seus colegas de
establishment), a única que afirmou que as medidas adotadas pelos governos nos
Estados Unidos, na Europa e no Japão a partir de setembro de 2008 apenas agravariam a
crise e, por fim, a única que tem a solução para o problema: a economia de livremercado, baseada na propriedade privada e na liberdade individual e de trocas, a
extinção dos bancos centrais e sua substituição por um sistema de moedas competitivas
(free banking), com lastro em ouro.
No novo paradigma, expressões como “política fiscal”, “política monetária”,
“política cambial”, “política tributária”, “políticas de rendas”, “políticas de preços” e
outras semelhantes desaparecerão completamente. Os indivíduos – e não os governos –
é que comandarão suas próprias vidas.
A social-democracia está falida! E enquanto não entenderem isto e insistirem
nelas, com pajelanças fiscais e monetárias, seu passivo só irá aumentar.
Nós, os austríacos, chegamos para ficar!
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