Artigo RESOLUÇÃO CONAMA Nº 357 E TÉCNICAS ESPECTROANALÍTICAS: MEIOS ADEQUADOS AOS FINS? Resumo Atualmente, a poluição ambiental é uma das grandes preocupações da sociedade. O descarte inadequado de matéria ou energia no ambiente, oriundos de processos naturais ou antrópicos, causam prejuízos à natureza e à saúde humana, prejudicando o ambiente e o bem-estar da população. Recentemente, o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), órgão oficial que estabelece as normas de qualidade do meio ambiente, principalmente dos recursos hídricos no Brasil, apresentou a resolução no. 357 tratando da classificação dos corpos de água e do tratamento de efluentes. Comparando-se com a resolução anterior, no. 20 de 1986, constata-se que os limites estabelecidos são ainda mais rígidos e, conseqüentemente, exigem procedimentos e técnicas analíticas com melhores limites de detecção. O presente trabalho avalia diferentes técnicas espectroanalíticas freqüentemente aplicadas para a determinação de elementos químicos em águas, incluindo também espécies químicas que podem apresentar diferenças de toxicidade e que vêm sendo alvo de estudos nas últimas décadas. Entre as técnicas abordadas, a espectrometria de massa com plasma acoplado indutivamente, ICP-MS, atinge os menores limites de detecção e possibilita a especiação química quando associada à técnicas de separação. Palavras-chave: água, CONAMA, resolução no. 357, técnicas espectroanalíticas, especiação química Fabiana Rosini, Wladiana O. Matos, Mirian C. Santos e Joaquim A. Nóbrega* Universidade Federal de São Carlos Depto. de Química – Grupo de Análise Instrumental Aplicada (GAIA) *Autor para correspondência: Universidade Federal de São Carlos, Grupo de Análise Instrumental Aplicada (GAIA), Departamento de Química Caixa Postal 676 CEP: 13560-970. São Carlos. SP Fone: (16) 3351-8088 Fax: (16) 3351-8350 E-mail:[email protected] Summary Nowadays the environmental pollution is one of the great concerns of the society. Unsuitable discard of matter or energy in the environment, generated by natural or anthropic processes, can cause damages to nature and human health, harming the environment and well-being of population. Recently, CONAMA (National Council of the Environment), that establishes governmental rules of quality for the environment in Brazil, mainly for water resources, presented a new resolution no. 357 dealing with the classification of water bodies and waste water treatment. Compared to the previous legislation (CONAMA Resolution no. 20, 1986), it can be concluded that the established concentration limits are more stringent and, consequently, requires analytical procedures and techniques with better limits of detection. The present work evaluates the suitability of frequently employed spectroanalytical techniques for reaching the required standards for determination of elements in waters, also including their chemical species, which can present different toxicities and that are being studied in the last decades. Inductively coupled plasma mass spectrometry, ICP-MS, attains the lowest detection limits and allows chemical speciation when properly hyphenated with separation techniques Keywords: CONAMA, resolution no 357, spectroanalytical techniques, chemical speciation 74 Revista Analytica•Abril/Maio 2006•Nº22 Introdução A preservação ambiental é uma preocupação da sociedade moderna. subprodutos gerados por atividades industriais são inevitáveis, mas a forma como esses resíduos são descartados na natureza deve ser cuidadosamente avaliada. O controle da poluição ambiental tem sido realizado por meio de reciclagem, reutilização, desenvolvimento de novos processos químicos industriais com emprego e geração de substâncias menos tóxicas e, principalmente, pelo estabelecimento de leis ambientais que buscam manter a qualidade dos recursos naturais. Poluição ambiental pode ser definida como a introdução de descartes na forma de matéria ou energia no ambiente por processos naturais ou antrópicos, que direta ou indiretamente causam prejuízos à natureza criando condições adversas às atividades sociais e econômicas, prejudicando a saúde, segurança e o bem estar da população, afetando de maneira desfavorável a biota e comprometendo as condições sanitárias do ambiente. Em função dos tipos de poluentes pode ocorrer poluição física, química, biológica e radioativa. A contaminação por esses poluentes atinge recursos naturais incluindo solo, água, ar, plantas etc. As principais fontes de poluição são as indústrias de uma maneira geral, mineração, pesticidas utilizados na agricultura e esgotos domésticos (1,2). No Brasil, o CONAMA, Conselho Nacional do Meio Ambiente, é o órgão oficial responsável pelo estabelecimento de normas e padrões relativos ao controle de qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente hídricos. As resoluções do CONAMA são importantes instrumentos normativos para a gestão ambiental em busca do crescimento sustentável. Recentemente, em 17 de março de 2005, o CONAMA apresentou nova resolução no. 357 que trata da classificação e diretrizes ambientais para o enquadramento dos corpos de água e também estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes (3,4). A água é um recurso vital, indispensável ao homem como bebida e como alimento, para sua higiene e como fonte de energia, matéria-prima de produção etc (2). Por isso, a qualidade da água, representada por suas características intrínsecas de natureza física, química e biológica, é uma questão relevante. A conservação das características da água em certos limites garante a sua qualidade e deve satisfazer as exigências de saúde pública. Os metais ocorrem nos corpos de água devido aos despejos decorrentes principalmente de processos industriais na forma de substâncias químicas orgânicas e/ou inorgânicas (2). Muitos desses metais em variadas concentrações entram no ambiente aquático e podem causar efeitos drásticos. Exemplos que podem ser citados dessas contaminações são: mercúrio e cádmio no Japão, alumínio na Inglaterra, arsênio na Índia etc (1). De acordo com a nova resolução no. 357 CONAMA (3), de uma maneira geral, os teores de metais permitidos em água são ainda mais baixos que aqueles estabelecidos pela Revista Analytica•Abril/Maio 2006•Nº22 resolução anterior de 1986 (4), o que requer procedimentos e técnicas analíticas com alta sensibilidade e baixos limites de detecção. Por exemplo, para corpos de água doce classificados como Classe I apenas 0,2µg L-1 de Hg e 1,0µg L-1 de Cd são permitidos como concentrações máximas (3). Conseqüentemente, as técnicas instrumentais empregadas na análise de amostras ambientais devem proporcionar elevada sensibilidade para a maioria dos elementos químicos, além de viabilizar medidas rápidas e confiáveis (1). A química analítica dispõe de algumas técnicas espectroanalíticas que alcançam baixos limites de detecção para diversos elementos químicos, tais como a espectrometria de absorção atômica com chama (FAAS), a espectrometria de absorção atômica com forno de grafite (GFAAS), a espectrometria de emissão óptica com plasma acoplado indutivamente (ICP OES) e a espectrometria de massa com plasma acoplado indutivamente (ICP-MS). Visão geral de técnicas espectroanalíticas Em uma análise química, a escolha de uma técnica apropriada para a determinação de um elemento específico requer um claro entendimento sobre as capacidades e as limitações das diferentes opções disponíveis (5). A FAAS é uma técnica tipicamente monoelementar, de fácil operação e com um custo relativamente reduzido (6). O princípio da técnica baseia-se na medida da absorção da radiação eletromagnética, proveniente de uma fonte de radiação, por átomos gasosos no estado fundamental gerados em uma chama com temperatura inferior a 3000 K (7). Na FAAS, cerca de 90% da amostra introduzida é perdida devido ao ineficiente processo de nebulização e o tempo médio de residência dos átomos gasosos na região de observação é baixo. Esses dois fatores afetam negativamente a sensibilidade da técnica, principalmente para os elementos mais refratários (7). Assim, trata-se uma técnica ideal para análise elementar em níveis de mg L-1 quando é necessária a determinação de poucos elementos em um grande número de amostras (5). A GFAAS também é uma técnica geralmente monoelementar e se baseia no mesmo princípio que a FAAS. Caracteriza-se pelo mesmo tipo de instrumentação, diferindo principalmente no sistema de introdução de amostras e na célula de atomização, que ao invés de uma chama, consiste em um tubo de grafite pirolítico com 2 a 4cm de comprimento (5,8). O tubo de grafite é posicionado no lugar do queimador do sistema FAAS, de forma que o feixe de radiação passe através do interior do mesmo. A amostra é introduzida no tubo com o auxílio de uma micropipeta ou de um amostrador automático, não havendo perdas durante o processo de introdução. A GFAAS apresenta limites de detecção da ordem de µg L-1 e, além da sensibilidade, apresenta vantagens em relação à 75 Artigo FAAS pelo reduzido volume de amostra requerido e também pelo baixo consumo de gases (Ar(g)). Além disso, apresenta capacidade de análise direta de amostras sólidas. No passado, GFAAS era considerada uma técnica afetada por severas interferências químicas e espectrais, que gradativamente foram sendo corrigidas com o uso de estratégias combinadas, tais como o sistema de correção de fundo e modificadores químicos (5). A ICP OES é uma técnica multielementar, capaz de determinar mais de 70 elementos em menos de 2 min dependendo do equipamento utilizado. O princípio da técnica se baseia na excitação de elementos em um plasma de argônio (9). O plasma é um gás parcialmente ionizado constituído por elétrons, íons e partículas neutras, atingindo temperaturas que variam entre 5000 e 8000 K e é mantido pela energia fornecida por uma fonte de radio-freqüência de 27 ou 40MHz. A energia dos elétrons e átomos de argônio excitados é usada para converter os átomos e as moléculas em um estado excitado. As espécies excitadas retornam ao estado fundamental, emitindo fótons que são medidos por um sistema de detecção (9,10). A técnica de ICP OES pode ser empregada com configuração radial ou configuração axial, com implicações sobre a sensibilidade e seletividade. Dependendo do arranjo instrumental limites de detecção podem ser da ordem de µg L-1, porém determinações na faixa de mg L-1 são mais freqüentes. A ICP-MS é uma técnica poderosa para análise multielementar. Em uma única varredura, no modo qualitativo de operação, o analista é capaz de estimar praticamente todos os elementos da tabela periódica. Já no modo quantitativo, a precisão e a exatidão obtidas são comparáveis àquelas obtidas com técnicas monoelementares (11). A ionização em fonte de plasma ocorre à pressão atmosférica, tendo o plasma de argônio energia de 15,7eV, a qual é suficiente para dessolvatar e ionizar os elementos em solução. A maioria dos elementos atinge grau de ionização superior a 90 % com exceção de alguns semi-metais e halogênios. O plasma produz, predominantemente, cátions monovalentes e, em menor proporção, cátions divalentes e íons moleculares (10). Os íons gerados no plasma são transferidos para uma região de alto vácuo através de uma interface contendo cones metálicos com orifícios diminutos (ca. 1 mm). Os íons são focalizados empregando lentes iônicas e direcionados para o espectrômetro de massas visando separação em função da razão massa/carga. A seguir, os íons atingem um detector, que amplifica o sinal gerado. Toda técnica instrumental possui limitações. Um dos aspectos críticos para a ICP-MS é a ocorrência de severos processos de interferências matriciais, que exige criteriosa seleção de condições de calibração. Entretanto, sua capacidade multielementar, associada à sua alta sensibilidade, possibilita elevado desempenho para análises de rotina. Gradativamente, essa técnica se consolidou como uma das alternativas mais importantes para a avaliação da 76 poluição ambiental (11). Comparando-se as técnicas citadas, observa-se que a maior vantagem da técnica de GFAAS é o fato de apresentar limites de detecção 10-100 vezes melhores que os obtidos por FAAS, apesar de também não determinar com boa sensibilidade elementos refratários e ser uma técnica tipicamente monoelementar (5). A técnica de ICP OES apresenta capacidade multielementar, determina com boa sensibilidade elementos refratários, mas apresenta limites de detecção mais elevados que aqueles obtidos por GFAAS. Por outro lado, ICP-MS combina a rapidez e a capacidade analítica do ICP OES com a sensibilidade do GFAAS (11,12) e se caracteriza por limites de detecção da ordem de µg L-1. De acordo com a IUPAC, International Union of Pure and Applied Chemistry, o limite de detecção (LOD) é calculado Tabela 1. Limites de quantificação* obtidos por técnicas espectroanalíticas (µg/L) Elemento FAAS (5) GFAAS (5) ICP OES (5) ICP-MS (14) Ag 45 0,25 50 0,3 Al 1500 2 200 0,05 As 5000 10 1000 0,05 B 35000 1000 100 24 Ba 400 5 5 0,045 Be 50 0,5 3 0,005 Cd 25 0,15 50 0,1 Co 300 0,5 1000 0,01 Cr 100 0,5 100 0,2 Cu 50 1 45 0,045 Fe 150 1 50 11 Hg 10000 50 1000 0,4 Li 25 2,5 45 0,03 Mn 50 0,5 20 11 Ni 200 5 200 0,1 P 2500000 1500 1500 - Pb 500 2,5 1000 0,015 Sb 1500 10 3000 0,025 Se 3500 10 3000 1,5 Sn 5000 10 2000 0,35 U 500000 - 500 0,01 V 2000 10 100 0,045 Zn 40 0,5 50 * Arbitrariamente definido como 50 × LOD Revista Analytica•Abril/Maio 2006•Nº22 Revista Analytica•Abril/Maio 2006•Nº22 41 Artigo multiplicando-se por 3 a estimativa do desvio padrão obtida para no mínimo 10 medidas do sinal do branco analítico dividida pela sensibilidade do procedimento (coeficiente angular da curva analítica de calibração). Por convenção, o limite de quantificação (LOQ) é cerca de 3,3 vezes maior que o de detecção (5,13) A Tabela 1 contém os limites de quantificação instrumentais obtidos para alguns elementos empregando técnicas espectroanalíticas. Esses limites de quantificação foram arbitrariamente calculados multiplicando-se o limite de detecção por um fator de 50. Esse fator foi escolhido considerando-se dificuldades típicas em trabalhos de rotina causadas pela complexidade do ambiente químico no qual o analito se encontra, perda gradual de desempenho de componentes instrumentais e dificuldades tipicamente encontradas na etapa de preparo de amostra. Dessa forma, em condições usuais de operação e considerando-se o desempenho geralmente obtido em análises de rotina, as técnicas citadas apresentam a seguinte ordem de poder de detecção: FAAS < ICP OES < GFAAS < ICP-MS (9). Além das dificuldades inerentes à determinação de analitos presentes em baixas concentrações, nas duas últimas décadas pode-se observar um crescente interesse pela especiação química (12,15). Esse aspecto pode ser explicado considerando-se que o impacto provocado pelos elementos químicos em organismos biológicos e em sistemas ecológicos não depende apenas da concentração total, mas também das espécies elementares (estados de oxidação, formas organometálicas, composição isotópica e estados de complexação) que exercem efeitos críticos sobre a essencialidade e a toxicidade de cada elemento (6). A implementação de procedimentos para especiação química envolve o desenvolvimento de um adequado procedimento de preparo da amostra e emprego de uma técnica analítica com excelente sensibilidade, pois a especiação implica em determinar as partes que compõem um todo, que por sua vez já é diminuto. Geralmente, recorre-se ao acoplamento de técnicas de medida com técnicas de separação como a cromatografia gasosa (GC), cromatografia líquida de alto desempenho (HPLC) e eletroforese capilar (CE) (6,12,15). O acoplamento dessas técnicas cromatográficas com ICP-MS é uma alternativa freqüentemente adotada devido à notável sensibilidade e caráter multilementar dessa técnica analítica (12,16). Análise de águas A água é uma substância de vital importância em todos os aspectos da vida (1). É requerida em grandes quantidades nas indústrias e na agricultura. Aproximadamente 70% da água consumida é empregada na agricultura, ou78 tros 20% são usados em indústrias e os 10 % restantes são destinados ao uso doméstico (17). A água resultante dos processos industriais pode conter resíduos tóxicos, como metais pesados e restos de materiais em decomposição. Quando essa água contaminada é lançada nos rios e nos mares pode provocar a morte dos peixes ou acúmulo de substâncias tóxicas que causam doenças se forem ingeridos pelo homem (17). A agricultura também afeta drasticamente a qualidade dos recursos hídricos. Elevada quantidade de pesticidas e adubos químicos é carregada para os corpos d’água, causando a poluição hídrica, ou infiltra-se no solo provocando a contaminação dos depósitos subterrâneos. Devido às propriedades da água como solvente, os contaminantes podem contaminar as águas de superfície. Como as moléculas de água se encontram em movimento contínuo em diferentes estados físicos no ciclo da água, o transporte de contaminantes pode ocorrer de uma parte para outra do planeta (17). A presença de contaminantes no ambiente aquático pode ter efeitos drásticos sobre a biodisponibilidade e sobre a toxicidade dos processos biológicos (1). Devido à sua vital importância é necessário que haja um controle adequado das águas sem deterioração das suas propriedades físicas, químicas e biológicas. O controle das características químicas é importante (1), sendo necessário dispor de procedimentos analíticos que possibilitem a determinação de elementos presentes em elevadas e baixas concentrações em águas e efluentes. Portanto, é necessário que exista uma política de educação ambiental e normas para tratamento de águas e efluentes. O Ministério do Meio Ambiente criou o CONAMA, instituído pela Lei no. 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, regulamentada pelo Decreto no. 99.274/90, alterado pelo Decreto nº. 2.120/97 (3,4). A resolução no. 357, de 17 março de 2005 revoga a resolução no. 20 de 18 de junho de 1986. A atual resolução considera que a água integra preocupações do desenvolvimento sustentável, baseado nos princípios da função ecológica da propriedade, da prevenção, da precaução, do poluidor, do usuário e da integração, bem como no reconhecimento do valor intrínseco à natureza (3). Classe Característica I Águas doces: salinidade igual ou inferior a 0,5 % II Águas salobras: salinidade superior a 0,5 % e inferior a 30 % III Águas salinas: salinidade superior a 30 % Tabela 2. Classificação das águas de acordo com Resolução CONAMA no. 357 Revista Analytica•Abril/Maio 2006•Nº22 Classes Águas destinadas: I - classe especial a) ao abastecimento para consumo humano, com desinfecção; b) à preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas; e, c) à preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral. II - classe 1 a) ao abastecimento para consumo humano, após tratamento simplificado; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho; d) à irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de película; e) à proteção das comunidades aquáticas em Terras Indígenas. III - classe 2 a) ao abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho; d) à irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato direto; e) à aqüicultura e à atividade de pesca. IV - classe 3 a) ao abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional ou avançado; b) à irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras; c) à pesca amadora; d) à recreação de contato secundário; e) à dessedentação de animais. V - classe 4 a) à navegação; b) à harmonia paisagística. Tabela 3. Classificação das águas doces de acordo com Resolução CONAMA no. 357 Segundo a resolução CONAMA as água são classificadas como doces, salobras e salinas e seus níveis de qualidade devem ser assegurados de acordo com o uso específico para atender as necessidades da comunidade (3). A Tabela 2 apresenta a classificação das águas estabelecida por essa norma. Neste trabalho serão consideradas apenas as águas doces destinadas ao consumo humano e que são sub-classificadas de acordo com a Tabela 3. Os padrões das águas determinados pelo CONAMA estabelecem limites individuais para cada substância em cada classe. Na Tabela 4 estão apresentadas os valores máximos permitidos de alguns elementos inorgânicos determinados pela resolução para águas doce de classe 1 e efluentes. Cabe ressaltar que para a maioria dos analitos houve uma redução no valor máximo permitido comparado à resolução anterior, como por exemplo: As, Ba, Be, B, Pb, Cd, Co, Cu e Cr, que em alguns casos a redução foi de 5 vezes, além da inserção do Sb que antes não era controlado. Essa redução nos teores máximos permitidos dos elementos nas águas requer procedimentos analíticos adequados para a determinação exata e precisa de elementos presentes em baixas concentrações. Revista Analytica•Abril/Maio 2006•Nº22 Comparando os limites de quantificação apresentados para técnicas espectroanalíticas na Tabela 3 e os valores máximos permitidos pelo Resolução no. 357 para os constituintes em águas apresentados na Tabela 4, é possível verificar que entre as técnicas espectroanalíticas abordadas, a ICP-MS é a mais adequada para análise de elementos inorgânicos em água (Tabela 5), visto que os limites de quantificação obtidos por essa técnica para a maioria dos elementos controlados nas águas alcançam valores suficientemente baixos e possibilitam a quantificação confiável desses elementos nos teores exigidos pelo CONAMA. Apesar da técnica GFAAS, para alguns elementos como Cd, Co, Ag, Cr e outros, também alcançar baixos limites de quantificação, o ICP-MS tem como principal vantagem a capacidade multielementar. Além disso, conforme mencionado anteriormente, essa técnica também apresenta excelente capacidade para acoplamento com técnicas cromatográficas e implementação de procedimentos analíticos para especiação química. Na Tabela 6 estão apresentados alguns elementos químicos importantes na análise de águas e as principais formas químicas encontradas na natureza, toxicidade e fontes de contaminação desses elementos. 79 Artigo 40 Revista Analytica•Abril/Maio 2006•Nº22 Artigo Água, classe 1 Efluentes Alumínio dissolvido 100 µg/L Al 500 µg/L As Antimônio 5 µg/L Sb Arsênio total 10 µg/L As Bário total 700 µg/L Ba Berílio total 40 µ������ ������� g/L Be Boro total 500 µg/L B 5000 µg/L B Cádmio total 1 µg/L Cd 200 µg/L Cd Chumbo total 10 µg/L Pb 500 µg/L Pb Cianeto livre 5 µg/L CN 200 µg/L CN Cloreto total 250000 µg/L Cl Cloro residual total (combinado + livre) 10 µg/L Cl Cobalto total 50 µ������ ������� g/L Co Cobre dissolvido 9 µg/L Cu 100 µg/L Cu Cromo total 50 µg/L Cr 500 µg/L Cr Estanho total 5000 µg/L Ba 4000 µg/L Sn Ferro dissolvido 300 µg/L Fe 15000 µg/L Fe Fluoreto total 1400 µg/L F 10000 µg/L F Fósforo total (ambiente lêntico) 020 µg/L P Fósforo total (ambiente intermediário, com tempo de residência entre 2 e 40 dias, e tributários diretos de ambiente lêntico) 25 µg/L P Fósforo total (ambiente lótico e 100 µg/L P tributários de ambientes intermediários) Lítio total 2500 µg/L Li Manganês 100 µg/L Mn (total) 1000 µg/L Mn (dissolvido) Mercúrio total 2 µ������ ������� g/L Hg 10 µg/L Hg Níquel total 25 µ������ ������� g/L Ni 2000 µ������ ������� g/L Ni Nitrato 10000 µg/L N Nitrito 1000 µg/L N Nitrogênio amoniacal total 3700 µg/L N, para pH ≤ 7,5 2000 µg/L N, para 7,5 < pH ≤ 8,0 1000 µg/L N, para 8,0 < pH ≤ 8,5 5000 µg/L N, para pH > 8,5 20000 µg/L N Prata total 10 µg/L Ag Selênio total 10 µg/L Se Sulfato total 250000 µ������� �������� g/L SO4 Sulfeto (H2S não dissociado) 2 µg/L S Urânio total 20 µ����� ������ g/L U Vanádio total 100 µg/L V Zinco total 180 µg/L Zn Elemento FAAS GFAAS ICP OES ICP-MS Al ---- S ---- S As ---- S ---- S Ba S S S S Be ---- S S S B ---- ---- S S 100 µg/L Ag Cd ---- S ---- S 300 µg/L Se Co ---- S ---- S 1000 µg/L S Tabela 4. Teores máximos de constituintes químicos aceitáveis em águas doces e efluentes segundo Resolução CONAMA no. 357 Revista Analytica•Abril/Maio 2006•Nº22 Como pode ser observado na Tabela 6 os elementos químicos podem ser encontrados na forma de compostos orgânicos e inorgânicos e também em diferentes estados de oxidação, sendo que seus efeitos dependem da forma em que o elemento está disponível. Nesse sentido não basta apenas a determinação total dos elementos químicos, mas também a determinação da forma disponível. Apenas como exemplo apresenta-se a seguir a aplicação da ICP-MS para a especiação química de arsênio (36) e cromo (37). A toxicidade das espécies do arsênio depende da sua forma molecular e do seu estado de oxidação. Entre as espécies mais comumente encontradas em amostras de águas As (III) é mais tóxica que As (V). A metilação do arsênio produz monometilarsenato (MMA) e dimetilarsenato (DMA), que são resultantes de processos biológicos que ocorrem no ambiente aquático, essas espécies são menos tóxicas que as formas inorgânicas. A determinação do arsênio em água é importante devido à toxicidade do As (III) e As (V). Sánchez-Rodas et al. (36) desenvolveram um método para a especiação de arsênio em amostras de água utilizando-se a técnica HPLC-HG-ICP-MS, para a determinação de As (III), As(V) e os íons MMA e DMA. Os limites de detecção encontrados foram 0,1µg L-1 para As (III), DMA e MMA, e 0,3µg L-1 para As (V). Um outro exemplo da utilização de ICP-MS é a determinação das espécies de cromo em amostras ambientais. Cromo dissolvido é normalmente encontrado em águas em dois diferentes estados de oxidação, Cr (III) e Cr (VI). Cr ---- S ---- S Mn S S S S Pb ---- S ---- S ----: não aplicável, S: aplicável Tabela 5. Técnicas espectroanalíticas com limites de quantificação adequados para a determinação de alguns elementos de acordo com a Resolução CONAMA no. 357 81 Artigo Os compostos de cromo são introduzidos no ambiente principalmente por descartes industriais. O impacto ambiental e biológico depende do estado de oxidação. Cromo (III) é um elemento traço essencial, estando envolvido com o metabolismo de glicose, lipídeos e proteínas em mamíferos. Contudo, Cr (VI) é uma espécie tóxica devido sua forte capacidade de oxidar outras espécies podendo causar sérios danos ao pulmão, fígado e rins. Byrdy et al (37) desenvolveram um procedimento para a determinação de Cr (III) e Cr (VI) em amostras de águas uti- lizando HPLC-ICP-MS. Os limites de detecção obtidos foram 0,4 e 1μg L-1 para Cr (III) e Cr (VI), respectivamente. Conclusões A análise de elementos inorgânicos é importante para o controle da qualidade da água. A resolução CONAMA nº 357, publicada e em vigor a partir de março de 2005, reduziu ainda mais a concentração máxima permitida de constituintes químicos em corpos d’água comparativa- Principais formas encontradas Formas mais tóxicas Ag Ag e Ag Sais de prata (Ag+) e prata na forma coloidal Al Al3+, Al-hidróxidos complexos (AlOH2+, Al(OH)2+, Al(OH)3 e Al(OH)4-), complexos monoméricos com F (AlF2+, AlF2+, AlF3), complexos monoméricos com SO42- e associados a ligantes orgânicos Al3+, AlOH2+ e Al(OH)2+ As As(III), As(V), AsO(OH)3, As(OH)3 CH3As(OH)2 (MMA), (CH3)3As(OH)2 (DMA), arsenobetaina (AB) e ligados a outros compostos orgânicos As(III) > As(V) > MMA > DMA 0 + Ba Em altas concentrações Be Be (II) B H3BO3 e sais de borato Essencial para plantas e tóxico a organismos em altas concentrações Cd Cd(II) e associados a ligantes orgânicos Cd2+ Co Co(II) Essencial em baixas concentrações e tóxico em altas concentrações Cr Cr(VI) e Cr(III) Cr(VI) Cu Cu(II) Essencial em baixas concentrações e tóxico em altas concentrações Fe Fe(III) Essencial em baixas concentrações e tóxico em altas concentrações Hg Hg(II), Metilmercúrio (MeHg), dimetilmercúrio (Me2Hg) e fenilmercúrio. MeHg e Me2Hg Li Li(I) Essencial em baixas concentrações e tóxico em altas concentrações Mn Mn(II), carbonatos, silicatos e óxidos Ni Ni(II) Essencial em baixas concentrações e tóxico em altas concentrações Se Se(IV), Se(VI), trimetilselenio (Me3Se+), seleniometionina (SeMe), selenioetionina (SeEt) e Se-aminoácidos Essencial em baixas concentrações e tóxico em altas concentrações Sb Sb3+, Sb5+, espécies metilantimônio e associados a outros compostos orgânicos Sb3+ é 10 vezes mais tóxico que Sb5+ P Fosfatos Essencial em baixas concentrações e tóxico em altas concentrações Pb Pb , espécies alquil-chumbo e associados a outros compostos orgânicos Pb2+, espécies metiladas são menos tóxicas que as correspondentes etiladas U U(IV) e U(VI) Toxicidade química e radiológica 2+ V Essencial em baixas concentrações e tóxico em altas concentrações Zn Essencial em baixas concentrações e tóxico em altas concentrações Tabela 6. Principais elementos químicos monitorados em águas e efluentes: formas químicas usuais, toxicidade e fontes de contaminação 82 Revista Analytica•Abril/Maio 2006•Nº22 mente à resolução anterior de 1986. Entre as técnicas espectroanalíticas, a ICP-MS é uma das mais adequadas para análises de águas considerando-se as novas exigências da legislação. Além da alta sensibilidade, também se caracteriza pela capacidade multielementar e, conseqüente, elevada freqüência analítica. Entretanto, a GFAAS também pode ser aplicada para elementos presentes em baixas concentrações, porém nesse caso há uma perda de freqüência analítica pelo caráter monoelementar da técnica. Uma alternativa de baixo custo que não foi abordada neste trabalho seria o uso de um atomizador eletrotérmico com filamento de tungstênio, que apresenta sensibilidade similar ao GFAAS. Optou-se por não discutir essa alternativa, pois ainda não há um equipamento comercial disponível com esse atomizador. Agradecimentos Os autores agradecem à CAPES, CNPq e FAPESP pelo apoio financeiro concedido. Toxicidade Fontes de contaminação Argiria, um distúrbio no qual sais de prata se depositam na pele, olhos e órgãos internos. A pele se torna cinzenta desinfetantes Refs . 1, 18, 19 Distúrbios neurológicos e anemia Produção de artefatos de alumínio, soldagem e descartes industriais 20, 21 Carcinogênico, problemas digestivos e circulatórios Depósitos finais de rejeitos químicos, manufatura de ligas metálicas, combustíveis fósseis, inseticidas, herbicidas, indústrias de tintas e corantes 15, 22, 23 Doenças crônicas podendo levar à falência dos pulmões - 24 Carcinogênico e bioacumulativo Descartes de indústrias de reatores atômicos, aeronaves, combustíveis de foguetes e mísseis 25 Desordens cutâneas e afeta sistema reprodutor Descartes da manufatura de vidros, fertilizantes, lixiviação de depósitos de sais e erosão de rochas 26, 27 Carcinogênico e mutagênico, disfunção de Kidney, falência renal e bioacumulativo Processos de galvanoplastia, fundição e refinação de metais, baterias, pilhas e descartes industriais 21, 23, 26, 28 Cardiopatias e pneumonites Indústrias cerâmicas e tintas 29, 30 Cr(VI) Carcinogênico e mutagênico Galvanoplastias, curtição de couros, indústrias de tintas, esmaltes e corantes 15, 21, 28 Compromete o cérebro e o fígado Descartes industriais, mineração, fungicidas e inseticidas 23, 31,32 Obstrução intestinal, cirrose ou lesão cerebral Águas de jazidas 31, 33 Depressão e danos neurológicos Fungicidas, descartes industriais e mineração 15, 23, 28 Hipotiroidismo - 15 Alterações neurológicas e psicomotoras Fertilizantes, fungicidas, descartes industriais e mineração 23, 31 Distúrbios gastrintestinais, neurológicos e cardíacos - 15 A toxicidade depende da forma química apresentando diferentes toxicidades para compostos orgânicos e inorgânicos Combustão de combustíveis fósseis 15, 34 Descartes industriais e fabricação de ligas metálicas 15, 23, 31 Conseqüências na formação óssea Indústrias metalúrgicas, esgotos domésticos, fertilizantes e inseticidas 21, 23, 31, 32 Disfunção do fígado, sistema reprodutor, sistema nervoso central Indústria de baterias automotivas, chapas de metal semi-acabado, canos de metal, aditivos em gasolina, indústria de reciclagem de sucata de baterias automotivas para reutilização de chumbo, produção de vidro e borracha, indústria de cerâmica, encanamento de água mineração, inseticidas, fertilizantes e combustível 22, 24, 28 Afeta os pulmões e disfunção do fígado Produção de vidros amarelados e produção de raios X de alta intensidade 24, 35 Distúrbios gastrintestinais e neurológicos Produção de ligas de aço 31, 32 Metalurgia (fundição e refinação) 31, 28 Revista Analytica•Abril/Maio 2006•Nº22 83 Artigo Referências 1. 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