caderno técnico - PMT-USP

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CADERNO
TÉCNICO
Tratamentos superficiais para
aplicações tribológicas
Carlos Eduardo Pinedo – [email protected]
Heat Tech – Tecnologia em Tratamento Térmico e Engenharia de Superfície
Nitretação e revestimentos PVD melhoram propriedades tribológicas
demanda por componentes
mais resistentes ao desgaste
e à corrosão tem promovido um interesse crescente
pela engenharia de superfícies, que desenvolve processos alternativos de melhoria nas propriedades tribológicas e triboquímicas. A rota tradicional
buscava o desenvolvimento de novos aços
e novas ligas. Entretanto, o custo e o tempo associados a estes desenvolvimentos
tornam-se muitas vezes proibitivos. Atual-
A
-mente, os processos de nitretação sob
plasma, os revestimentos PVD assistidos
por plasma, ou a conjugação desses processos na geração de superfícies dúplex
apontam para novos parâmetros de desempenho e possibilidades de aplicação.
O setor de fabricação de ferramentas é o usuário mais antigo e tradicional
dos processos de modificação superficial, visto que ferramentas de conformação, injeção ou corte, estão sujeitas a
desgaste e corrosão intensos, dependen-
do do processo e meio em que trabalham.
Outros setores como o de componentes
automotivos (aços carbono ou média
liga) ou o de biomateriais (aços inoxidáveis e ligas especiais) ainda não se firmaram como grandes consumidores da
engenharia de superfície, mas se encontram em intensa atividade de pesquisa.
A seguir serão apresentados processos
e aplicações da engenharia de superfície em processos sob plasma e seus potenciais sob as propriedades tribológicas
Nitretação por plasma de aços inoxidáveis
Carlos Eduardo Pinedo
Nitretação a 400oC evita perda de resistência à corrosão
ABSTRACT
Plasma nitriding treatment has
been used for the surface treatment of
high alloy steels with advantages over
the conventional gas and salt bath processes. When nitriding stainless steels,
plasma nitriding allows the removal of
passive films using a high energy hydrogen sputtering. Low and high nitriding
temperatures may be used.
nitretação é um tratamento
termoquímico, desenvolvido inicialmente para ligas
ferrosas, realizado no campo de estabilidade da ferrita,
comumente entre 500oC-570oC. Considerando o sistema Fe-N simples, a microestrutura típica na superfície nitretada é formada por uma camada de compostos (camada branca) mais externa, com espessura de 5 m a 10 m e formada pelos nitretos ’ (Fe4N) e/ou (Fe2-3N). Essa camada é seguida logo abaixo por uma re-
A
162
METALURGIA & MATERIAIS
• ABRIL DE 2004
gião de maior profundidade denominada
zona de difusão, na qual ocorre a precipitação fina e homogênea de nitretos que promovem um forte endurecimento da matriz. Tradicionalmente, a nitretação é realizada pelos processos gasoso (com amônia) e líquido (em banhos de sais).
O processo de nitretação sob plasma[1] foi desenvolvido por Berghaus no
início dos anos 30, do século XX, não
tendo sido continuado em função das
restrições tecnológicas encontradas na
época em controlar os principais parâmetros do processo. Os avanços tecnológicos, principalmente relacionados à
eletrônica, automação e informatização,
permitiram o pleno desenvolvimento da
tecnologia de plasma, a partir do final
do século XX. Esse processo é realizado em níveis de vácuo que variam entre
100 Pa e 1.000 Pa. A tensão de operação, da ordem de 0,2 kV a 1 kV, é
fornecida ao sistema por uma fonte pulsada, com forma de onda quadrada de
duração entre 50 s e 200 s e repetição do ciclo entre 50 s e 2.000 s.
Quando a diferença de potencial é aplicada entre o catodo (peças) e o anodo
(carcaça do forno), na presença de uma
mistura gasosa, composta basicamente
de N2 e H2, em condições de temperatura e pressão específicas, ocorre a geração de uma descarga brilhante, glow
discharge, que determina a ocorrência
do plasma (figura 1). Nesse processo,
as moléculas gasosas são dissociadas, os
íons carregados positivamente são acelerados para a superfície do anodo (peça) e
os elétrons são direcionados para o catodo
(carcaça). A energia proveniente desse
bombardeamento iônico é suficiente para
promover o aquecimento das peças e intensifica o processo de difusão.
Na nitretação sob plasma, o controle
sobre a metalurgia da camada nitretada é,
sem dúvida, a vantagem mais importante.
Um sistema computadorizado permite a
introdução individual e precisa dos gases
CADERNO
TÉCNICO
Figura 1
Formação da descarga brilhante
(bainha de plasma) na nitretação
Bainha
de plasma
de processo (H2, N2, Ar, CH4 e O2) em frações volumétricas diversas, de modo a
compor uma atmosfera gasosa específica
para cada tipo de aço e aplicação. Os
parâmetros temperatura, tempo e composição do substrato também são importantes na formação da superfície nitretada.
Os processos convencionais de nitretação possuem grande limitação para
a aplicação em aços inoxidáveis,
associada à presença do filme superficial passivo de Cr2O3. Quando a nitretação
de aços inoxidáveis é realizada pelos
processos convencionais, há a necessidade de efetuar uma pré-operação de
depassivação utilizando métodos químicos ou mecânicos, o que pode comprometer o acabamento superficial da peça
e não garante uma nitretação homogênea da superfície, já que a cinética de
formação do filme passivo é elevada. Nos
aços inoxidáveis, o uso do processo de
nitretação sob plasma é de particular interesse, em virtude da possibilidade de eliminação do filme passivo,
presente na superfície, por meio de
um bombardeamento prévio sob um
plasma de alta intensidade de hidrogênio puro. Como o processo ocorre a vácuo, a ausência de oxigênio
impede a repassivação, e o bombardeamento iônico ativa a superfície
para a etapa posterior de nitretação,
que se dá de forma homogênea por
toda a superfície. A nitretação sob
plasma é o único processo capaz de
permitir a difusão do nitrogênio em
condições cinéticas aceitáveis para
os processos industriais realizados
em torno de 400oC.
Aços inoxidáveis
austeníticos
Na nitretação dos aços
inoxidáveis, o compromisso
entre endurecimento e manutenção de resistência à corrosão nunca deve ser esquecido. A possibilidade de nitretação em torno de 400oC
permite eliminar o efeito de
precipitação intensa de nitretos de cromo do tipo CrN
e Cr2N, que ocorre próximo
de 500oC, decorrente da forte interação entre Cr e N. Essa
precipitação promove um elevado endurecimento, mas diminui a resistência à corrosão dos aços
inoxidáveis austeníticos, pela retirada
do cromo em solução sólida.
Quando a nitretação é realizada em
temperaturas próximas a 400oC, os mecanismos de mudança microestrutural
se modificam e promovem um aumento da dureza superficial, sem perda da
resistência à corrosão. A precipitação
de nitretos é suprimida e a camada
nitretada é constituída de uma solução
sólida metaestável, cúbica de face
centrada, supersaturada em nitrogênio,
denominada austenita expandida (N),
capaz de combinar elevada dureza e resistência à corrosão. Nessa fase, o reticulado CFC da austenita encontra-se
expandido com relação ao seu estado
original, em decorrência da presença do
intersticial, que introduz elevadas tensões residuais de compressão, que crescem com o aumento da concentração
de nitrogênio e promovem o endureciFigura 2
Austenita expandida no aço AISI 316
nitretado por plasma, a 400 oC
mento superficial sem a deterioração
das propriedades de corrosão.
Resultados anteriores[2] mostram que
é possível obter excelentes propriedades
de dureza quando o aço AISI 316 é
nitretado na temperatura de 400oC. A figura 2 mostra a formação da austenita
expandida (N) com dureza de cerca de
16 GPa, determinada por nanoindentação.
Essa possibilidade de obter uma superfície nitretada, que combine elevada resistência ao desgaste com resistência à corrosão, é um diferencial de extrema importância para o desenvolvimento de uma
nova geração de componentes com propriedades tribológicas otimizadas para setores da indústria química, petroquímica,
farmacêutica, médica etc.
Curvas de polarização anódica mostram que, quando a nitretação é realizada
a 400oC, a corrente crítica de corrosão
(icorr.) aumenta levemente em relação ao
material não nitretado, mas as características de passivação do aço são mantidas,
mostrando que a presença da austenita expandida é capaz de endurecer o material
sem deteriorar sua resistência à corrosão.
Por outro lado, a nitretação a 550oC desloca a curva mais para a direita e suas
características de passivação são deterioradas. A causa desse efeito é associada à
precipitação dos nitretos de cromo.
Aços inoxidáveis
martensíticos
Os aços inoxidáveis martensíticos são
amplamente utilizados em aplicações de
cutelaria, moldes para injeção de polímeros e componentes mecânicos, como
anéis de pistão, que combinem elevada
resistência mecânica e resistência à
corrosão. Dessa família, os aços tipo
AISI 410, 420 e 440 são os mais empregados. A grande vantagem desses aços é a possibilidade de endurecer pelo tratamento térmico de
têmpera e revenimento, para uma
faixa ampla de dureza (entre 40
HRC e 62 HRC), aliando uma boa
resistência à corrosão.
Apesar dessa capacidade de endurecimento no tratamento térmico,
muitas aplicações exigem mais dos
aços com relação à resistência ao
desgaste. Uma das rotas produtivas
que podem ser exploradas para tal é
a nitretação sob plasma[3,4]. Para o
METALURGIA & MATERIAIS
• ABRIL DE 2004
163
CADERNO
TÉCNICO
aço tipo AISI 420, a nitretação sob plasma é capaz de promover um endurecimento superficial para valores próximos
de 1.500 HV. Esse endurecimento é causado pela precipitação de nitretos de cromo na zona de difusão. A figura 3 mostra a capacidade de endurecimento desse
aço em diferentes temperaturas de nitretação. Observa-se nesses aços que a
dureza máxima independe da temperatura de nitretação e que esta se mantém
constante, na forma de um plateau, à medida que a profundidade de endurecimento aumenta com a elevação da temperatura de nitretação. Essa característica de
endurecimento é um reflexo do mecanismo de precipitação dos nitretos de cromo durante a nitretação desses aços.
Um estudo de aplicação direta da
nitretação sob plasma em anéis de pistão mostra que esse processo é vantajoso não apenas por sua capacidade de
depassivação ou endurecimento superficial. A possibilidade de nitretação seletiva permite que apenas as faces do
Figura 3
Perfis de microdureza no aço AISI 420 nitretado sob plasma por quatro horas
anel que estão sujeitas à ação do desgaste sejam nitretadas. A figura 4 mostra dispositivos de nitretação seletiva
para anéis de pistão e as microestruturas
resultantes do tratamento superficial.
Com isso, vantagens na rota produtiva
Figura 4
a)
b)
a) Nitretação sob plasma seletiva para anéis de pistão em aço tipo AISI 440B
b) Superfície lateral não nitretada e diâmetros interno e externo nitretados
desses componentes automotivos são
agregadas ao produto e conduzem a uma
redução no custo de fabricação.
Referências Bibliográficas
1. Oliveira, S. D.; Pinedo, C. E.; Tschiptschin, A. P.
Plasma – Pesquisas Comprovam Aumento de
Vida Útil de Ferramentas, Metal-Mecânica,
Ano 7, No 42, junho/julho, pp. 78-80, 2002.
2. Caetano, R. R.; Franco Jr. A. R.; Pinedo, C. E.
Utilização da Nitretação por Plasma Pulsado em
Baixa Temperatura para Aços Inoxidáveis
Austeníticos, Anais da I Conferência Brasileira
sobre Temas em Tratamento Térmico, 25 a 27
de junho, Indaiatuba, SP, CD-ROM, 2003.
3. Pinedo, C.E. & Monteiro, W.A. Surface
Hardening by Plasma Nitriding on High
Chromium Alloy Steel, Journal of Materials
Science Letters, 20 (2):147-149, 2001.
4. Pinedo, C. E. The Use of Selective Plasma Nitriding on Piston Rings for Performance Improvement, Materials & Design, 24 (2):131-135, 2003.
Propriedades de superfície de filmes e camadas
Amilton Sinatora – [email protected]
Departamento de Engenharia Mecânica – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
André Paulo Tschiptschin – [email protected]
Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Topografia e tensões residuais influenciam comportamento em serviço
ABSTRACT
Mechanical and thermal performance
of in service surfaces of metals, alloys and
compounds are strongly influenced by two
surface characteristics: topography and
164
METALURGIA & MATERIAIS
• ABRIL DE 2004
residual stresses. The real contact area
between two surfaces should be known to
assess the effective, friction forces and heat
transfer through peaks in contact on both
surfaces and new techniques are being used
to estimate real contact areas. Thermal,
epitaxy and transformation stresses can
arise during thermochemical coating of
tools inducing high residual compressive
stresses, and good tribological properties.
CADERNO
TÉCNICO
s tratamentos de superfície
buscam alterações significativas nas propriedades
mecânicas, térmicas e químicas. As propriedades
mecânicas mais freqüentemente procuradas são a elevação da dureza e, em
decorrência, a elevação da resistência
ao desgaste e a diminuição da força de
atrito. Da perspectiva de propriedades
térmicas buscam-se tratamentos que
funcionem como barreiras térmicas ou,
em outros casos, tratamentos que aumentem a transferência de calor, dependendo da aplicação da superfície. Neste texto destacam-se duas características das superfícies, a topografia e as
tensões residuais, uma vez que elas influenciam as respostas térmicas e mecânicas das superfícies em serviço.
O
Figura 1 – Área real de contato mostrando esquematicamente
o fluxo de calor e as tensões
de contato, utilizando-se das saídas de
rugosímetros. Os procedimentos eram
complexos, tediosos e os resultados,
duvidosos. O problema é tratado da seguinte forma: considera-se a rugosidade dos dois corpos concentrada em
apenas um deles e que o contato então
se dá entre essa superfície equivalente
e uma superfície idealmente plana; a
área total de contato considera as áreas
elasticamente deformadas e as plasticamente deformadas, computando os
incrementos de área devidos a essas
deformações; as variáreis utilizadas
são o número de picos, seus raios e as
suas inclinações. O procedimento continua sendo complexo, mas por causa
dos estudos de Tomanik[1] passaram a
ser mais confiáveis e expeditos. Um
software que incorpora inovações nos
procedimentos de cálculo e na interpretação da topografia, desenvolvido
por esses pesquisadores, permite o cálculo da área de contato, da fração de
vazios e da pressão real (ou força), empregando dados de saída de rugosímetros bi ou tridimensionais. Um
Topografia
exemplo pode ser visto na figura 2.
O interesse pela topografia decorNessa figura observa-se o perfil de
re da necessidade de se definir a área
um componente mecânico que desliza
de troca térmica ou de aplicação de
com uma certa velocidade, da esquerforças, por exemplo, em ferramentas,
da para a direita, contra uma superfímancais de deslizamento ou em molcie e sobre um filme de lubrificante.
des metálicos para fundição. Tanto as
Para essa velocidade, o lubrificante
forças normais quanto as tangenciais,
exerce um efeito hidrodinâmico sobre
como as forças de atrito, estarão diso componente que contribui para contribuídas pela área real da superfície
trabalançar parte da força aplicada.
e não, obviamente, por sua área apaNesse caso, a pressão hidrodinâmica,
rente, ou geométrica, como mostra a
exercida entre 20 m e 60 m não foi
figura 1. Da mesma forma, a transsuficiente para afastar totalmente as
missão de calor será mais efetiva pela
duas partes. Por isso, entre
área real do que pelos va10 m e 40 m ocorre conzios entre os contatos dos
tato mecânico entre as aspepicos de asperezas. Entrerezas das partes e nesse contanto, determinar a área
tato a pressão média é de
real pode ser surpreendenaproximadamente 20 MPa.
te. Por exemplo, qual a área
Com isso, é possível se
necessária para apoiar um
fazer estimativas mais precubo de aço (tensão de escisas da área de contato
coamento 100 MPa e denelástica, da área devida à
sidade 7,8 g/cm3) com 10
deformação plástica e, em
cm de aresta, de modo a
decorrência, é possível escontrabalançar a ação da
timar os incrementos de
gravidade de 10 m/s2? A restemperatura nos picos de
posta, que considera toda a
asperezas. Por outro lado,
deformação como sendo
a intensidade da força de
plástica, é impressionante!
atrito não dependerá ape80 m2, ou seja, 125 mil venas da topografia e sim, talzes menor que a área apaFigura 2 – Geometria de um componente (m) e
vez muito mais intensarente de 100 cm2 do cubo!
pressões reais de contato resultantes do modelo
mente, da natureza químiDesde a década de 60,
desenvolvido por Tomanik e colaboradores[1]
ca das superfícies em conforam feitas muitas tentatitato e da presença e natuvas para se medir a área real
METALURGIA & MATERIAIS
• ABRIL DE 2004
165
CADERNO
TÉCNICO
reza de outros meios entre elas,
como óxidos ou lubrificantes.
Ou seja, fazer predições satisfatórias das taxas de desgaste requer conhecimento adicional
além daquele referente à topografia das superfícies.
Tensões residuais
O nível e a natureza das tensões
residuais afetam as tensões resultantes nos componentes e nas áreas reais de contato. Os tratamentos
de superfície provocam tensões residuais por razões distintas.
No caso de processos a plasma, a tensão residual se desenvolve devido às variações de temperatura e/ou devido às diferenças de
módulos de elasticidade do material base e da camada. Os filmes
depositados sobre ferramentas
apresentam, via de regra, tensões
residuais, que podem ser originadas por efeitos térmicos, por epitaxia ou pela incorporação de defeitos durante seu crescimento. Em
razão dos diferentes coeficientes
Figura 4
Efeito da tensão
elétrica negativa
aplicada ao
substrato, no
parâmetro de
rede de filme TiN
depositado por
processo PVD[2]
Figura 3
Modelo da organização dos átomos
correspondente a valores baixos (i),
médios (ii) e altos (iii) de energia
cinética dos átomos[2]
de expansão térmica do filme e do substrato, os efeitos térmicos resultam em
tensões de tração, se o coeficiente de
expansão térmica do filme for maior
que o do substrato, e de compressão,
caso o coeficiente de expansão térmica
do filme seja menor que o do substrato.
Assim, um filme de TiN depositado a
600ºC e em seguida resfriado até a temperatura ambiente pode resultar em tensões de compressão de origem térmica, da ordem de 1 GPa.
No processo de deposição de átomos durante a formação de filmes, são
incorporados defeitos à estrutura do
filme (figura 3), que promovem aumento do parâmetro de rede (figura 4)
e geram tensões compressivas de crescimento que podem atingir valores de
até 9 GPa [2].
As tensões resultantes no filme
correspondem à soma das tensões de
crescimento e das tensões térmicas,
como mostra a figura 5.
Elevadas tensões de compressão
contribuem para o aumento da dureza e da tenacidade do filme (aumento
do trabalho elástico), tendo um efeito importante sobre as propriedades
tribológicas do material. Entretanto,
tensões compressivas muito elevadas
podem promover destacamento do filme, caso a adesão deste ao substrato
não seja suficiente.
Por meio do controle dos processos
termoquímicos de deposição (nitretação
iônica, PVD, CVD e PAPVD), é possível condicionar tanto a topografia quanto o nível de tensões residuais das camadas depositadas e, dessa forma, obter ferramentas com propriedades especialmente projetadas.
Referências Bibliográficas
1. Tomanik, E.; Chacon, H.; Teixeira, G. A Simple
Numerical Procedure to Calculate the Input Data
of Greenwood-Williamson Model of Asperity
Contact for Actual Engineering Surfaces Conference: Leeds-Lyon symposium on tribology;
Tribological research and design for engineering
systems Tribology Series; vol 41, pp. 205-216,
Amsterdam, Boston, Elsevier, 2003.
2. Hultman, L.; Sundgren, J.E. IN: Handbook of
Hard Coatings – Deposition Technologies,
Properties and Applications. ed. Bunshaw,
R.F., p. 153, Noyes Publications, Park Ridge,
New Jersey, 2001.
Figura 5
Efeito da temperatura
do substrato sobre o
nível de tensões
compressivas em
filmes depositados
por PVD[2]
166
METALURGIA & MATERIAIS
• ABRIL DE 2004
TÉCNICO
CADERNO
Relação estrutura–propriedades em
recobrimentos duros
André Paulo Tschiptschin – [email protected]
Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Recobrimentos duros especialmente projetados melhoram
desempenho de ferramentas de corte
ABSTRACT
Among various factors affecting
performance and lifetimes of cutting
tools, coatings are probably the most
important. The coating’s composition,
microstructure and adherence qualities
are powerful promoters of metalworking
productivity. Recent developments
applied to inserts for steel turning are
discussed. New inserts can increase
metal removal rates by 20 percent
without sacrificing finish quality. The
hardness to Young modulus (H/E)
relationships of coating and substrate
determine the adhesion properties of the
coating. Duplex and hybrid PAPVD –
Plasma Assisted Physical Vapor
Deposition processes allow obtaining
nitrided layers which improve the
adhesion of TiN coatings.
ma grande variedade de
recobrimentos duros vem
sendo utilizada em ferramentas, com a finalidade de
aumentar a resistência ao
desgaste e o poder de corte. Atualmente,
os carbonetos e nitretos dos metais de
transição, o diamante e os DLC (diamond
like carbon) são os materiais mais utilizados para essa finalidade. Esses materiais apresentam elevada dureza e elevada
inércia química, propriedades que conferem baixo coeficiente de atrito, alta resistência ao desgaste e baixa interação
química com a peça a ser trabalhada.
Entre os diversos fatores que afetam o desempenho e a vida das ferramentas de corte, os recobrimentos são,
provavelmente, os mais importantes. A
composição química do recobrimento
e a aderência ao substrato são determinantes para a melhoria da produtividade na usinagem.
U
Os desenvolvimentos mais recentes
na área de recobrimentos de ferramentas de corte têm possibilitado um aumento de até 20% na taxa de remoção de
material, sem comprometimento do acabamento superficial das peças trabalhadas. Quando recobertos por processos
especiais, os insertos apresentam arestas de corte mais duras e mais resistentes ao desgaste, sustentadas por
substratos de alta tenacidade, que suportam temperaturas elevadas, resistem ao
trincamento e são especialmente indicados para operações de usinagem a seco.
A deposição física a vapor (PVD) e
a deposição química a vapor (CVD) são
dois processos utilizados para aplicar
recobrimentos duros em ferramentas e
insertos. O processo PVD, utilizado
principalmente no recobrimento de ferramentas de aço rápido, consiste em vaporizar o material do recobrimento e
expor a ferramenta a esse vapor em temperaturas relativamente baixas, entre
150oC e 550oC. A deposição química a
vapor CVD ocorre por meio de uma reação química entre gases, por exemplo,
hidrogênio, cloreto de titânio e metano,
em atmosfera de nitrogênio, para criar
um recobrimento de TiCN, geralmente
em temperaturas bem mais elevadas
(900oC a 1.000oC), não sendo aplicável
aos aços ferramenta.
Em geral os recobrimentos PVD são
mais finos que os recobrimentos CVD.
Por meio de processos PVD aplicam-se
revestimentos TiN, TiCN, TiAlN com
espessuras entre 3 m e 8 m. Os processos CVD são usados para depositar
não somente TiN e TiCN, mas também
outros materiais como o óxido de alumínio, cuja função é a de atuar como barreira térmica, podendo atingir espessuras de até 180 m.
Figura 1 – Inserto recoberto
com filme TiN depositado por
processo PVD
Relação microestrutura–
propriedades
O projeto e a fabricação de ferramentas revestidas apropriadas para os diferentes tipos de aplicações requerem bom
conhecimento da relação processamento–microestrutura–propriedades–
desempenho, característicos de processos PVD e CVD.
O desempenho de filmes tribológicos
é, em grande parte, determinado por sua
dureza. A tabela 1 mostra a dureza e outras propriedades de materiais freqüentemente utilizados em recobrimentos duros, comparados com as propriedades
típicas dos aços. Observa-se que os
materiais de recobrimento são muito
mais duros, apresentam pelo menos o
dobro do módulo elástico e têm coeficiente de expansão térmica variando
entre 1 e 0,5 do coeficiente de expansão térmica do aço. Os pontos de fusão são muito altos e indicam uma elevada inércia química desses materiais.
A alumina apresenta metade da condutividade térmica do aço e, por essa razão, é utilizada como barreira térmica
em vários tipos de recobrimentos.
Além disso, o comportamento tribológico dos filmes depende de sua microestrutura, determinada pela técnica de
METALURGIA & MATERIAIS
• ABRIL DE 2004
167
CADERNO
TÉCNICO
deposição e suas variáveis de processo.
O crescimento de filmes durante a deposição ocorre geralmente por meio da
formação de grãos colunares, como
mostra a figura 2.
Durante o crescimento poderá haver maior ou menor incorporação de
defeitos ao filme, resultando em grãos
mais ou menos regulares. Os primeiros modelos de formação de estruturas em filmes depositados foram desenvolvidos no final da década de 70.
A figura 3 mostra esquematicamente
a relação existente entre temperatura
do substrato T, pressão de gás no interior do reator PAr e estrutura do filme em crescimento, sendo Tm a temperatura de fusão do material do recobrimento. Quatro zonas de crescimento podem ser observadas.
A zona 1 é formada basicamente
por grãos colunares finos, contendo
grande quantidade de poros nos contornos de grão. A zona 2 é constituída
por grãos colunares grandes e fortemente direcionados. A zona T de transição, entre a zona 1 e a zona 2, obtida
para uma faixa mais baixa de temperaturas de substrato entre 0,1 T/Tm e 0,4
T/Tm e pressões de gás entre 1 mTorr e
10 mTorr, pode ser caracterizada por um
arranjo denso de grãos em forma de fibra e ausência de poros nos contornos
de grão. Os filmes formados na zona T
são muito mais densos e menos rugosos e apresentam as melhores propriedades tribológicas. O processamento de
filmes em baixas temperaturas, baixas
Tabela 1
Propriedades estruturais, mecânicas e térmicas de materiais
utilizados em recobrimentos duros[1]
Material
METALURGIA & MATERIAIS
• ABRIL DE 2004
Dureza Módulo Condutividade Coeficiente Ponto
de Young
térmica
de expansão
de
térmica
fusão
(kgf/mm2) H (GPa)
TiN
TiC
VN
VC
NbN
NbC
CrN
WC
Al2O3
SiC
BN
B4C
Diamante
Aço
ferramenta
Aço
inox 304
E (GPa)
(W/mK)
2.000
2.900
1.500
2.900
1.400
2.400
1.100
2.100
2.100
2.600
4.000
3.500
9.000
800
20
29
15
29
14
24
11
21
21
26
40
35
90
8
440
450
460
430
480
580
400
695
400
480
660
440
590
220
29
18-30
300
3
220
pressões de gás no reator e alta tensão
de aceleração de íons promove estruturas com melhores propriedades.
Recobrimentos multicamadas
A deposição de estruturas multicamadas, de espessuras variáveis, constitui um meio de se obter recobrimentos
com composição química, microestrutura e propriedades mecânicas e
Figura 2 – Microscopia eletrônica de
transmissão de filme de TiAlN depositado
por processo PVD, a 400oC
168
Dureza
84
14
350
27
(10-6 K-1)
9,4
7,4
8,0
10,1
6,6
10,3
4,3
9,0
5,3
(oC)
2.949
3.067
2.648
2.204
3.600
1.810
2.776
2.300
33
5,0
0,8
13,0
1.500
16
18,0
1.500
tribológicas especialmente projetadas.
Em geral, é possível obter nesses filmes
dureza e resistência ao desgaste superior às de cada uma das camadas constituintes em separado.
A deposição multicamadas é feita
com o intuito de facilitar a adesão entre
o filme e o substrato e de obter filmes
de baixa reatividade química, baixo
coeficiente de atrito, alta dureza e alta
Figura 3 – Modelo de zonas estruturais em filmes metálicos[2]
CADERNO
TÉCNICO
resistência ao desgaste. Pode-se obter
durezas maiores que 5.000 kgf/mm2
em super-reticulados de TiN/NbN e
TiN/VN com estrutura modulada, de
comprimento de onda entre 5 nm a 8,5
nm, como a da figura 4. Esse valor de
dureza é muito maior que o esperado
pela lei das misturas, considerando os
valores de dureza dos filmes TiN, NbN
e VN[3]. Nordin et al.[4] obtiveram recobrimentos multicamadas, constituído de
filmes finos alternados de TiN (2.200
kgf/mm2) e CrN (1.000 kgf/mm2), com
6,5 nm de espessura, formando superreticulados de dureza entre 3.500 e
3.900 kgf/mm2, em recobrimentos com
1,5 m de espessura total.
As excelentes propriedades dos revestimentos multicamadas têm sido
explicadas, baseadas nas diferenças entre os módulos elásticos dos dois materiais, nos efeitos de tensões e deformações elásticas devidas ao desajuste de
reticulados cristalinos e na restrição à
movimentação de discordâncias interposta pelas interfaces.
Os recobrimentos multicamadas com
formação de super-reticulado são geralmente obtidos por processos PVD, sendo o mais comum o sputtering reativo.
Trata-se de um processo em que alvos de
Ti, Nb e outros metais são erodidos em
plasma de (N2 + Ar), obtendo-se compostos estequiométricos de alta dureza.
Um outro exemplo de recobrimento
multicamada pode ser visto na figura 5.
A camada mais fina e mais externa é
constituída de TiN, de cor dourada, que
confere baixo coeficiente de atrito, alta
lubricidade e funciona como indicador
de desgaste, na medida em que vai sendo removida durante operação de corte.
Na usinagem de metais moles que so-
Figura 5
Revestimento
multicamada produzido
por CVD, constituído
de (a) TiN, (b) - Al2O3
e (c) TiCN. Foto
de ferramenta
Sandvik Coromant
Figura 4 – Microscopia eletrônica
de transmissão da seção transversal
de filme com super-reticulado
TiN/NbN (100), de periodicidade
de 9,4 nm[4]
frem empastamento, ferramentas recobertas dessa forma apresentam maior resistência à formação de aresta postiça de
corte, em razão da maior lubricidade. A
segunda camada, mais espessa, é constituída de grãos colunares muito finos,
de óxido de alumínio alfa, que funcionam como barreira térmica, impedindo
aquecimento excessivo da parte interna
da ferramenta. Finalmente, a terceira camada é constituída de grãos colunares
de TiCN, que atuam como amortecedor
para a penetração de trincas, aumentando a tenacidade do substrato. Essas ferramentas são especialmente indicadas
para usinagem a seco ou usinagem com
elevadas taxas de remoção de material.
Relação H/E
Apesar das melhorias na usinagem
em alta velocidade, ou para corte intermitente, as ferramentas de corte revesti-
das continuam a apresentar altas taxas de desgaste. A principal causa não
está associada ao desgaste abrasivo
dos revestimentos, mas às falhas adesivas na interface camada de TiN/
substrato, em regiões próximas ao
gume das ferramentas e à saída do cavaco. Em geral, as camadas de TiN
aplicadas em ferramentas de corte
têm espessura de 3 m a 8 m, dureza de 2.000 HV a 2.500 HV e uma
razão entre dureza e módulo de elasticidade H/E de aproximadamente
0,06. São freqüentemente aplicadas
em substratos de dureza sensivelmente menor; por exemplo, em aços rápidos com 800 HV a 900 HV e razão
H/E de aproximadamente 0,04. Nessas condições ocorre uma transição
abrupta dessas propriedades na interface revestimento/substrato, na
qual geralmente iniciam as falhas.
Uma boa opção para aproximar as
propriedades do substrato e da camada, sem causar prejuízo à tenacidade
das ferramentas, é modificar as propriedades do substrato somente em regiões
próximas à interface com o revestimento. Nessa linha, é fundamental o uso da
nitretação por plasma como uma técnica de pré-tratamento do substrato, para
melhorar as condições de suporte de revestimentos duros, com melhoria das
características tribológicas[5],
o que pode ser conseguido por meio
de tratamentos superficiais combinados, denominados PAPVD (plasma
assisted physical vapor deposition),
gerando as tecnologias de camadas
dúplex e camadas híbridas.
Referências
1. Hultman, L.; Sundgren, J.E. IN: Handbook of
Hard Coatings – Deposition Technologies,
Properties and Applications. Ed. Bunshaw,
R.F., p. 111, Noyes Publications, Park Ridge,
New Jersey, 2001.
2. Thornton J.A. Annual Review of Materials
Science, vol. 7, pp. 239-260, 1977.
3. Chu, X.; Barnett, S.A.; Wong, M.S.; Sproul,
W.D. Surface and Coating Technologies, vol.
57, n. 1, pp. 13-18, 1993
4. Nordin, M.; Larson, M. Surface and Coatings
Technology, vol. 116-119, pp. 108-115, 1999.
5. Franco, Jr. A.R. Obtenção de Revestimentos
Dúplex por Nitretação a Plasma e PVD-TiN em
Aços Ferramenta AISI D2 e AISI H13, Tese de
Doutoramento, Epusp, 2003.
METALURGIA & MATERIAIS
• ABRIL DE 2004
169
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