uma perspectiva linguística

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LEITURAS EM MEIOS DIGITAIS: UMA PERSPECTIVA LINGUÍSTICA
Cláudia Strey (Doutoranda/PUCRS)
Daisy Batista Pail (Doutoranda/PUCRS)
Stéphane Rodrigues Dias (Doutoranda/PUCRS
Resumo: O seguinte trabalho visa analisar como novas mídias e plataformas de comunicação impactam a
leitura, inserindo-se dentro do Programa de Pesquisa em Lógica e Linguagem Natural, da PUCRS.
Assumem-se dois pressupostos: a complexidade teórica do objeto, que será descrita e explicada dentro de
uma abordagem de interfaces (Costa, 2007), e o impacto dos suportes sobre a leitura e os conteúdos. A
partir de uma perspectiva linguística, constroem-se relações interdisciplinares entre Comunicação,
Cognição e Linguística, de acordo com o Projeto de Pesquisa Platão 2.0.
Palavras-chave: Leitura. Interfaces. Cultura Digital. Platão 2.0.
Abstract: The following study aims to examine how new media and communication platforms impact the
reading, in the context of the Research Program in Natural Language and Logic, at PUCRS. Two
assumptions are assumed: the theoretical complexity of the object, which will be described and explained
within an approach of interfaces (Costa, 2007), and the impact of media on reading and content. From a
linguistic perspective, it is built up interdisciplinary relationships between Communication, Cognition and
Linguistics, according to the Research Project Plato 2.0.
Keywords: Reading. Interfaces. Digital Culture. Plato 2.0.
1 PRESSUPOSTOS METATEÓRICOS: PLATÃO 2.0
Este trabalho insere-se no âmbito do Programa de Pesquisa em Lógica e
Linguagem Natural da PUCRS1, que tem como principal objetivo desenvolver pesquisa
interdisciplinar e com potencial de aplicação. Nessa rota investigativa, a Linguística é
compreendida como área de estudos formais, naturais e comunicativo-sociais, em que se
destacam, respectivamente, teóricos como Montague, Chomsky e Saussure, enquanto
representantes de cada paradigma. Este estudo, desse modo, representa um trabalho
teórico sobre fundamentos do nosso objeto de análise, no caso, o processamento
inferencial em contexto de leitura digital, bem como representa, ao mesmo tempo, um
trabalho metateórico sobre fundamentos da Linguística, da Psicologia Cognitiva e da
Comunicação/Computação (Web, interface comunicativa).
Inserindo-se em uma visão perspectivista (GIERE, 2006), defende-se, no
Programa de Pesquisa, que o objeto teórico é dependente da abordagem assumida,
sendo uma construção do pesquisador, que manipula dados observados segundo
modelos teóricos do campo investigado. O objeto a ser descrito e explicado, nesse
sentido, é visto como um conjunto complexo de fenômenos, isto é, ele envolve
propriedades de diferentes naturezas e necessita, assim, de um tratamento que
contemple a heterogeneidade proposta. No caso deste trabalho, defende-se que o
processo inferencial em contexto digital envolve propriedades de natureza lógica,
1 Proposto e coordenado pelo Prof. Dr. Jorge Campos da Costa.
comunicativa e cognitiva, em que elementos específicos do meio impactam seu
conteúdo, bem como impactam a forma de interação texto-mídia-usários. Para descrever
tal complexidade de estruturas envolvidas, elencam-se fundamentos de diferentes áreas
do conhecimento, que são aproximados na busca por uma visão abrangente dos
fenômenos sob análise. A construção do objeto, nesse sentido, não é arbitrária, uma vez
que os pressupostos teóricos manipulados necessitam ser consistentes com a tradição de
fundamentos das áreas aproximadas.
Segundo a proposta da Metateoria das Interfaces (COSTA, 2007; COSTA E
FELTES, 2010), a explicação de objetos complexos é obtida via relações
interdisciplinares, e a descrição do fenômeno é obtida via relações internas às
disciplinas, intradisciplinarmente. Isto é, para se analisar a leitura em contexto digital,
aproximam-se as diferentes disciplinas selecionadas, a partir de seus fundamentos.
Segue-se que, neste exercício teórico, por meio de pressupostos da Semântica e da
Pragmática de cunho inferencial, traçar-se-ão as interfaces internas.
O processo inferencial, enquanto objeto de estudos, possui raízes milenares,
situadas em uma tradição lógica. Assim, a inferência, de acordo com Costa (2009), pode
ser vista como um objeto interdisciplinar, ou seja, como um fenômeno formal, natural e
comunicativo-social. Para a Pragmática inferencial, por exemplo, a inferência é
observada enquanto fenômeno de natureza linguística, tratando-se de um raciocínio que
deriva, a partir de um conjunto de premissas, um conjunto de conclusões não
necessárias. Diferentemente, temos inferências lógicas-formais, que operam com
conclusões necessárias. Em uma perspectiva psicolinguística, de outro modo, tem-se a
inferência como estratégia de leitura, isto é, como manipulação cognitiva de pistas
textuais.
A inferência semântica e a inferência pragmática, nesse caso, são tratadas como
objetos de interface. Aborda-se, assim, a leitura como um processo que envolve
percursos inferenciais complexos, em que inferências naturais (na interface
comunicativo-cognitiva) e inferências multiformes (na interface com a Lógica) 2 são
manipuladas pelo usuário do meio digital. O seguinte trabalho, portanto, pretende
contribuir com o Projeto de Pesquisa Platão 2.0 no sentido em que problematiza como
as diferentes formas de leitura inferencial modificam propriedades da mente/cérebro.
2 Tal divisão entre inferências naturais e inferências multiformes está sendo
proposta pelo Prof. Jorge Campos da Costa, nas aulas de Lógica e Linguagem
Natural, em 2012-1, na PUCRS.
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
2.1 CULTURA DIGITAL E LINGUAGEM
Segundo Pinker,
nós últimos anos, a internet transformou-se num laboratório para o estudo da
linguagem. Além de fornecer um corpus gigantesco de linguagem de verdade, usada por
pessoas de verdade, também funciona como um vetor superpotente para a transmissão
de ideias contagiosas, e ressalta, portanto, exemplos da linguagem que as pessoas
consideram intrigantes o suficiente para passar para os outros (2008, p.35).
Para que se possa avaliar o efeito das diferentes mídias na leitura inferencial,
faz-se necessário compreender o conceito de cultura digital. Lévy (1995) e Lemos e
Lévy (2010) empregam o termo cibercultura3 para designar “o conjunto de técnicas
(materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores
que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.” Já para Costa
(2011), a cultura digital é uma “forma de vida na era digital - convivendo com objetos
tecnológicos e acompanhando a evolução da mídia nesse nível” (COSTA, 2011).
Amaral, por sua vez, (AMARAL, 2008, p.327) afirma que “a Cibercultura define-se
como a dinâmica sociocultural e política da rede, que traduz uma reformulação das
relações sociais e a criação de comunidades em ambientes virtuais, ao mesmo tempo em
que diz respeito à emergência de novos comportamentos.”
Dentro desse novo quadro cultural, novas tecnologias surgem a cada dia. Desde
a invenção da escrita até a criação dos tablets, cada tecnologia de comunicação
impactou a disseminação de informação, de socialização e de comércio ― até a forma
de se cometer crimes. Nas palavras de Standage sobre o telégrafo, tem-se um exemplo
sobre esse processo,
Durante o reinado da rainha Vitória, foi desenvolvida uma nova tecnologia de
comunicação que permitiu que as pessoas se comunicassem quase instantaneamente
3 Contudo, devido à ligação existente entre esse termo e à cibernética ―
apesar de o tratamento de Lévy e Lemos se distanciar daqueles que mantém a
conexão com a cibernética ― e à inteligência artificial, se manterá a expressão
usada no Programa de Pesquisa de Lógica e Linguagem Natural (Programa de
Pós-Graduação em Letras da PUCRS), dentro do qual o trabalho foi
desenvolvido, apesar da compatibilidade entre aqueles autores e este.
através de grandes distâncias, de fato encolhendo o mundo de forma mais rápida e mais
abrangente do que nunca. Uma rede de comunicação mundial cujos cabos cruzam
continentes e oceanos, revolucionando práticas de negócios, fazendo surgir novas
formas de crime, e inundando seus usuários com um dilúvio de informação (1999, p.1).
Quando surge uma nova tecnologia de transporte ou comunicação, ressurgem
medos e sonhos. Medos sobre quais mudanças a nova tecnologia acarretará e sonhos
sobre um “mundo da comunicação livre, sem entraves, democrático e global”, conforme
Lemos e Lévy (2010, p.21). De acordo com Costa,
“as transformações da natureza e da cultura existem ab ovo e fazem parte a história
humana. O estranhamento se dá nos momentos de forte transição, quando,
especialmente pela tecnologia avançada, a mesma geração enfrenta formas de vida
diversas” (COSTA, 2007b, p.7).
Quando se trata de formas de comunicação, há de se considerar que as
tendências comunicacionais e a tecnologia formam caminhos paralelos que se cruzam
em determinados momentos, como, por exemplo, a expansão do telégrafo que se deu
paralelamente ao de ferrovias. No entanto, uma vez que a tecnologia não é um agente
independente, não basta sua existência para que seu uso se espraie. Conforme Briggs e
Burke (2002), uma nova mídia precisa de um quadro de condições socioculturais para
sua disseminação, podendo-se, portanto, explicar a demora na assimilação de algumas
formas de comunicação por determinadas sociedades, como foi o caso da imprensa.4
Na cultura digital, por sua vez, os chamados meios se tornam “infovias com
efeitos impressionantes ao nível do movimento das massas, da ocupação de espaços, da
integração sociocultural, da globalização econômica, etc.”.5 A distinção antes existente
entre forma e conteúdo se desfaz, como vaticinado por McLuhan em The médium is the
mas-sage (1979), em que o meio faz parte da mensagem, uma vez que a importância
recai sobre o como, e não mais apenas sobre o que, e esta (a mensagem) produz na
massa um efeito semelhante ao de massagem modeladora, ao mesmo tempo em que o
meio valoriza a era da massa. No entanto, alguns autores, como Lemos (2009) e Amaral
(2008), afirmam que há “reconfiguração do espaço mediático” (AMARAL, 2008,
p.326), uma
4 Relacionado ao material impresso.
5
COSTA,
http://www.jcamposc.com.br/textos_disciplinas/sobremeioseconteudos.pdf
J.
(...) nova esfera conversacional [que] se caracteriza por instrumentos de comunicação
que desempenham funções pós-massivas (liberação do pólo da emissão, conexão
mundial, distribuição livre e produção de conteúdo sem ter que pedir concessão ao
Estado), de ordem mais comunicacional do que informacional (mais próxima do
“mundo da vida” do que do “sistema”), alicerçada na troca livre de informação, na
produção e distribuição de conteúdos diversos, instituindo uma conversação que,
mesmo sendo planetária, reforça dimensões locais (LEMOS, 2009, p.3).
Esse fenômeno é chamado de selfmedia ou, nos termos de Lemos, mídia de
função pós-massiva, que tem por característica um caráter conversacional,
comunicacional, dialógico, conforme Lemos (2009, p. 2). Enquanto na cultura de
massa, a comunicação é posterior, na cultura digital, num sistema pós-massivo, “a
conversação se dá no seio mesmo da produção e das trocas informativas, entre atores
individuais ou coletivos” (LEMOS, 2009, p.2), quanto ao noticiado.
De acordo com Costa,6 “o interessante de se considerar é que estamos num
mundo digital, somos inforgs,7 tipos conectados numa infosfera8 dentro da biosfera e
interagindo com ela, e, ainda, não temos resposta para o conceito elementar de fatos”.
As alterações que a cultura digital está causando na sociedade têm levantado velhos
questionamentos nas mais variadas áreas de conhecimento, tais como, por exemplo,
sobre qual a natureza da linguagem, o que é realidade, quais os limites entre público e
privado.9
Além disso, há que se considerar que é tal o enraizamento da cultura digital em
nossas vidas que as mudanças não se limitam a questões comportamentais, mas também
cognitivas. No caso da leitura, é preciso verificar quais as possibilidades de alterações
dos padrões de leitura, cognitivos ou não, que essa nova esfera digital acarreta.
2.2 LEITURA E COGNIÇÃO
6
Disponível
em:
http://www.jcamposc.com.br/textos_disciplinas/sobremeioseconteudos.pdf
7 Pessoas que passam muito tempo conectadas ou tipos conectados.
8 Compatível com a noção de ciberespaço.
9 Na web por princípio tudo deveria ser aberto, no entanto, há de um lado
quebra da privacidade, sigilo, através hackeamento e de outro a ilusão de que
perfis, páginas pessoais são um circuito fechado no qual tudo de pode.
Para que se possa observar o debate atual envolvendo leitura, cognição e
internet, é preciso aceitar, em um primeiro momento, a hipótese da plasticidade
cerebral. Segundo Small & Vorgan (2008, p. 8),
O grande número de conexões potencialmente viáveis é importante para a
plasticidade do cérebro jovem, a sua capacidade de ser maleável e estar em
constante mudança em resposta à estimulação e ao ambiente. Esta
plasticidade permite que um cérebro imaturo aprenda novas habilidades
rapidamente e de forma muito mais eficiente do que o cérebro adulto. Um
dos melhores exemplos é a capacidade do cérebro jovem de aprender a
linguagem (…)
Estudos mostram que o ambiente também molda a forma e a função de
nossos cérebros, e pode fazê-lo de modo a não ter mais volta. Nós sabemos
que o desenvolvimento normal do cérebro humano necessita de um equilíbrio
de estimulação ambiental e de contato humano. Desprovidos destes, a
ativação neuronal e as conexões celulares do cérebro não se formam
corretamente. Um exemplo bem conhecido é a privação sensorial e visual.10
Assumindo esse fundamento, pode-se inferir que qualquer forma de
aprendizagem interfere na organização cerebral. Nesse sentido, tanto aprender a
caminhar ou a andar de bicicleta como aprender a ler afetam o cérebro. Em termos de
linguagem, no entanto, é necessário diferenciar a aquisição da linguagem falada – que
ocorre naturalmente,11 com o cérebro jovem – da linguagem escrita – em que o cérebro
já está mais desenvolvido e que necessita de aprendizagem e, consequentemente, de
modificação neuronal. Segundo Wolf (2010),
Sempre que aprendemos algo novo, o cérebro forma um novo circuito que
conecta partes da estrutura cerebral original. No caso de aprender a ler, o
cérebro constrói conexões entre e dentre as áreas visual, conceitual e da
linguagem, que fazem parte de nossa herança genética, mas que nunca foram
entrelaçadas dessa maneira antes.12
10 Tradução aproximada de: The vast number of potentially viable connections accounts for the
young brain’s plasticity its ability to be malleable and ever-changing in response to stimulation
and the environment. This plasticity allows an immature brain to learn new skills readily and
much more efficiently than the trimmed-down adult brain. One of the best examples is the young
brain’s ability to learn language. (…) Studies show that our environment molds the shape and
function of our brains as well, and, it can do so to the point of no return. We know that normal
human brain development requires a balance of environmental stimulation and human contact.
Deprived of these, neuronal firing and brain cellular connections do not form correctly. A wellknown example is visual sensory deprivation.
11 Nesse trabalho, assume-se a hipótese inatista de aquisição, em que há a
presença de algum mecanismo inato que permite o rápido desenvolvimento da
linguagem.
12 Tradução aproximada de: Whenever we learn something new, the brain forms a new circuit
that connects some of the brain’s original structures. In the case of learning to read, the brain
builds connections between and among the visual, language and conceptual areas that are part
Se a aprendizagem da leitura altera a estrutura cerebral, a exposição dos
leitores a uma nova tecnologia e a uma nova forma de leitura poderia ser considerada
uma segunda modificação neuronal, em que outras partes cerebrais precisariam ser
ativadas para dar conta dessa forma de ler. Small & Vorgan (2008, p. 8) colocam que
“embora exposição a novas tecnologias possam parecer ter um impacto muito mais
sutil, seus efeitos estruturais e funcionais são profundos, particularmente em um cérebro
jovem, extremamente plástico”.13 Há de se considerar que, por mais que a mudança
neuronal pareça ser menor em cérebros adultos, mudanças significativas na forma como
se lê ocorrem tanto em adultos, que aprenderam a leitura no sentido tradicional, como
em crianças, que, mesmo antes de aprender a ler, já estão inseridas em um ambiente
altamente conectado, em que as informações são instantâneas.
Para que se possa avaliar as mudanças cerebrais decorrentes de um nova forma
de leitura, deve-se ter em mente que a plasticidade cerebral é atingida por fatores
ambientais, tais como a mídia em que o texto se encontra. Assim, poder-se-ia assumir
que a forma como um novo estímulo é apresentado impacta altamente na ativação e na
organização neuronal. Segundo Wolf (2010), “porque nós literal e fisiologicamente
podemos ler de múltiplas maneiras, como nós lemos – e o que absorvemos de nossas
leituras – irá ser influenciado tanto pelo conteúdo da leitura como pela mídia que
usamos”14. Small et al (2009), ao realizar uma pesquisa com sujeitos entre 55 e 76 anos,
demonstraram que a atividade neuronal é maior quando se navega na Internet do que
quando se lê (no sentido tradicional). A pesquisa demonstra que a experiência é
altamente relevante na ativação neuronal.
Faz-se interessante observar, no entanto, como se dá o comportamento de
estudantes que nasceram imersos na tecnologia da internet. Uma pesquisa feita pela
University College of London e pela British Library (2008) demonstra como as futuras
gerações (Geração Google, como denominado no estudo) se comportam ao acessarem
of our genetic heritage, but that were never woven together in this way before
13 Tradução aproximada de: “although exposure to new technology may appear
to have a much more subtle impact, its structural and functional effects are
profound, particularly on a young, extremely plastic brain”.
14 Tradução aproximada de: “because we literally and physiologically can read
in multiple ways, how we read – and what we absorb from our reading – will be
influenced by both the content of our reading and the medium we use”
informações em artigos e livros na internet. As principais características identificadas ao
buscar informações em bibliotecas virtuais são (2008, p.10):
- Busca de informação horizontal: em que se lê apenas uma ou duas páginas
de um site acadêmico e raramente voltam a acessar a página.
- Navegação: despende-se mais tempo buscando a informação do que
observando o que foi encontrado.
- Número de visitantes: o tempo que estudantes despendem lendo e-books e
jornais eletrônicos é muito curto (quatro e seis minutos, respectivamente). A
leitura concentra-se muito mais horizontalmente nos títulos, resumos e
imagens.
- Comportamento squirreling: os estudantes fazem downloads de textos
sempre que possível, especialmente se forem ofertas gratuitas. Entretanto,
não há nenhuma evidência de que tais textos serão realmente lidos.
- Busca por informações diversas e seguras: os estudantes buscam
informações em várias fontes e acessam diferentes sites para verificar a
autoridade do texto, confiando em buscadores conhecidos (como Google,
por exemplo).
O que se segue disso é o ponto central do debate atual entre os neurocientistas:
qual a consequência da alteração de comportamento nos padrões de ativação neuronal?
Há diferenças na forma como o cérebro absorve informação dependendo da mídia em
que ela se encontra? Até que ponto o homem pode controlar as alterações neuronais
promovidas pelo uso da internet?
Para responder a essas perguntas, há duas correntes opostas e extremas em
relação a possíveis respostas do ser humano frente à tecnologia. De uma lado, há os
pessimistas, como é o caso de Carr (2010), que acreditam que, como a internet vem
desempenhando um papel cada vez mais crucial na vida pública, o homem terá, ao
longo do tempo, sua capacidade intelectual diminuída, o que levaria, por exemplo, à
incapacidade de uma pessoa conseguir terminar um romance muito longo e complexo.
Carr (2008) afirma:
Como o teórico de mídia Marshall McLuhan apontou nos anos 1960, as
mídias não são apenas canais passivos de informação. Elas fornecem o
conteúdo para o pensamento, mas elas também modelam o processo de
pensamento. E o que a Net parece estar fazendo é desbastando minha
capacidade para concentração e contemplação. Minha mente agora espera
receber informações do modo que a Net a distribui: em um fluxo rápido de
fragmentos. Uma vez eu era um mergulhador no mar das palavras. Agora eu
nado pela superfície como um cara em um Jet Ski. (CARR, 2008)15
A metáfora utilizado por Carr é eficiente, pois demonstra que, se antes era
comum a leitura em que se buscavam detalhes e aprofundamentos, agora, com o
advento da internet, buscam-se cada vez mais informações, sem que seja necessário
qualquer aprofundamento. Essa afirmação, no entanto, apesar de encontrar base nos
estudos da University College of London, parece um tanto quanto determinista. O
próprio autor reconhece esse aspecto, mas afirma:
Quando estamos online, entramos em um ambiente que promove a leitura
superficial, pensamento apressado e distraído e aprendizado superficial. É
possível pensar profundamente enquanto surfando na Net, assim como é
possível pensar superficialmente enquanto lendo um livro, mas não é esse o
tipo de pensamento que as tecnologias encorajam e recompensam. (CARR,
2010, p. 115)16
Ou seja, mesmo afirmando que é possível fazer uma leitura mais aprofundada
na internet, Carr acredita que a web irá condicionar o cérebro a sempre buscar
informações rápidas e objetivas. O homem, nesse sentido, não teria capacidade para
perceber essa alteração na forma de ler e obter informações, e acabaria,
inevitavelmente, não sendo mais capaz de aprofundar-se em qualquer assunto. O
argumento de Carr, se levado ao extremo, esbarra em questões problemáticas, como o
fato de presumir que o homem não é capaz de tomar qualquer decisão sobre o que o
afeta, sendo determinado, única e exclusivamente, pelo meio e pela mídia.
Do outro lado do debate, no entanto, estão os cientistas otimistas, que refutam a
tese determinista e acreditam que o homem possui o controle final, sendo capaz de
desligar o pensamento da era digital sempre que necessário. Um dos principais autores
15 Tradução aproximada de: As the media theorist Marshall McLuhan pointed
out in the 1960s, media are not just passive channels of information. They
supply the stuff of thought, but they also shape the process of thought. And
what the Net seems to be doing is chipping away my capacity for concentration
and contemplation. My mind now expects to take in information the way the Net
distributes it: in a swiftly moving stream of particles. Once I was a scuba diver in
the sea of words. Now I zip along the surface like a guy on a Jet Ski.
16 Tradução aproximada de: When we go online, we enter an environment that
promotes cursory reading, hurried and distracted thinking, and superficial
learning. It’s possible to think deeply while surfing the Net, just as it’s possible to
think shallowly while reading a book, but it is not the type of thinking that
technologies encourages and rewards.
que sustentam esse posicionamento é Pinker (2010), que ataca o uso de experimentos
neurocientíficos para fundamentar a importância do ambiente na alteração na ativação
neuronal. Segundo o autor:
Críticos das novas mídias às vezes usam a própria ciência para pressionar seu
ponto de vista, citando pesquisas que mostram como “a experiência pode
mudar o cérebro”. Mas neurocientistas cognitivistas viram os olhos para tal
conversa. Sim, cada vez que aprendemos um fato ou uma habilidade, a fiação
do cérebro muda; não é como se a informação fosse armazenada no pâncreas.
Mas a existência de plasticidade neuronal não significa que o cérebro é uma
massa de modelar amassada pela experiência. (PINKER, 2010)17
Ou seja, assumir a plasticidade cerebral não significa assumir que uma nova
forma de leitura irá modificar profundamente o cérebro, afinal, qualquer coisa que se
aprenda alterna a ativação neuronal. Nesse sentido, as novas tecnologias auxiliam a
inteligência humana, tanto que muitas descobertas científicas são feitas por
pesquisadores que utilizam a internet e acessam seus e-mails constantemente. Para
Pinker (2010),
A nova mídia nos pegou por uma razão. O conhecimento está aumentando
exponencialmente; a capacidade de inteligência do homem e as horas
acordados não estão. Felizmente, a Internet e as tecnologias de informação
estão nos ajudando a administrar, procurar e recuperar nossa produção
intelectual coletiva em diferentes escalas, do Twitter e outros até e-books e
enciclopédias online. Longe do nos fazer estúpidos, essas tecnologias
representam a única coisa que nos manterá espertos. 18
O cérebro tem, indiscutivelmente, a capacidade de transformar-se e adaptar-se
aos estímulos ambientais, mas assumir que o homem terá sua capacidade intelectual
diminuída é altamente discutível. Small & Vorgan (2008) apontam que o cérebro do
17 Tradução aproximada de: Critics of new media sometimes use science itself
to press their case, citing research that shows how "experience can change the
brain." But cognitive neuroscientists roll their eyes at such talk. Yes, every time
we learn a fact or skill the wiring of the brain changes; it's not as if the
information is stored in the pancreas. But the existence of neural plasticity does
not mean the brain is a blob of clay pounded into shape by experience.
18 Tradução aproximada de: The new media have caught on for a reason. Knowledge is
increasing exponentially; human brainpower and waking hours are not. Fortunately, the Internet
and information technologies are helping us manage, search and retrieve our collective
intellectual output at different scales, from Twitter and previews to e-books and online
encyclopedias. Far from making us stupid, these technologies are the only things that will keep
us smart.
futuro aliará não só a capacidade de surfar na superfície como a de mergulhar nas
profundezas da palavra. Ou seja,
Na medida em que nossa sociedade constrói as lacunas cerebrais, o futuro
cérebro irá emergir. Não somente esse futuro cérebro será um nativo da
tecnologia e estará pronto para tentar novas coisas, ele terá dominado a
habilidade de realizar multitarefas e de prestar atenção e terá aperfeiçoado
suas habilidades verbais e não verbais. Ele saberá como se apresentar, bem
como expressar empatia, ter excelentes capacidades pessoais, e ser capaz de
nutrir sua própria criatividade. (SMALL e VORGAN, 2008, p. 186)19
Segue-se, na próxima seção, uma ilustração sobre o que foi apresentado até o
momento.
3 ILUSTRAÇÃO
As imagens a seguir foram retiradas de uma revista online sobre ciência.
Buscar-se-á demonstrar que, devido à própria natureza da mídia, a leitura a ser realizada
será diferenciada da tradicional, caso o artigo estivesse em material impresso.
19 Tradução aproximada de: As our society bridges the brain gap the future
brain will emerge. Not only will this future brain be tech-savvy and ready to try
new things, it will have mastered multitasking and paying attention and finetuned its verbal and nonverbal skills. It will know how to assert itself as well as
express empathy, have excellent people skills, and be able to nurture its own
creativity.
Fonte: Science Daily. Disponível em:
http://www.sciencedaily.com/releases/2011/12/111209150156.htm
A partir das imagens acima, pode-se dizer, em um primeiro momento, que a
web facilita uma leitura mais superficial, como Carr (2010) aponta. Isso pode ser
observado no sentido em que, devido à própria configuração da página (uma mistura de
textos e imagens), há uma proliferação de estímulos visuais de naturezas distintas que
podem afetar positiva ou negativamente a leitura. Suponha-se um leitor que nunca tenha
acessado o site Science Daily e que esteja apenas a procura de informações gerais sobre
ciência. O primeiro contato com a página leva a uma leitura ampla, pois são vários os
estímulos a serem processados. É preciso um esforço cognitivo maior para que a leitura
aprofundada se realize, o que não impede o aprofundamento.
Entretanto, suponha-se um leitor que esteja acostumado com a página e busque
uma informação específica. Ele poderá explorar os links disponibilizados na própria
revista ou buscar informações em outros domínios mais rapidamente. Nesse sentido,
decorrente da experiência prévia, provavelmente as ativações neuronais já estejam
adaptadas ao novo tipo de leitura, assim como aponta a pesquisa de Small et al. (2009).
Isso demonstra que é preciso um olhar mais aprofundado sobre os tipos de
leitura. Independente do meio em que se encontra – seja impresso, seja digital –, a
leitura pode ser superficial ou aprofundada. A leitura aprofundada acarreta a leitura
superficial. Ou seja, é preciso que se estabeleça, primeiramente, a leitura superficial
para que o leitor possa calcular a relevância de tal informação, já que o benefício precisa
compensar o custo. Pelo mesmo motivo, apenas a leitura superficial não implica um
aprofundamento. Enquanto a primeira é necessariamente linear, a segunda apresenta um
caráter mais holístico.
Há de se considerar, ainda, uma importante distinção para diferenciar os tipos
leitura: a noção de superficialidade e de aprofundamento referem-se ao conteúdo. Ou
seja, independente do suporte, pode-se escolher relevantemente aprofundar-se ou não
em determinado tema. No entanto, a principal diferença entre os tipos de leitura digital e
tradicional está no fato de que uma possibilita mais fortemente uma navegação
horizontal, no sentido em que não se prende a uma única fonte; enquanto a outra é mais
vertical, pois há mais dificuldade de se buscar fontes diversas de pesquisas, dependente
de espaço físico (como, por exemplo, bibliotecas).
Em outras palavras, a diversidade de estímulos ativaria a priori mais áreas do
cérebro, podendo funcionar como nitro em um carro ou como ecstasy em uma festa, ou
seja, teria a capacidade de potencializar o desempenho ou hiperexcitar o cérebro,
levando à desconcentração. Também por se estar na web, a formulação de suposições
e/ou a busca de informações necessárias à compreensão de um determinado assunto
pode se desenvolver online, trazendo um novo aparato informacional, ampliando o
conhecimento sobre o tema ou funcionando como um escape ao se acessar outros
domínios.
Nesse sentido, um olhar mais aprofundado para o tema demonstra que, apesar
dos diferentes suportes, a leitura pode se dar de maneiras similares. Da mesma maneira,
não se pode negar que a experiência com a web acarreta, sim, mudanças nas ativações
neuronais. Entretanto, tais mudanças podem fazer com que a leitura seja cada vez mais
relevante, no sentido em que se desenvolve a capacidade de buscar e selecionar mais
informações em diferentes recursos, como Pinker (2010) propõe.
REFERÊNCIAS
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