leia a edição - Federação Brasileira de Hemofilia

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ISSN 2316 2953
fator vida
Prevenção é saúde
Publicação da federação Brasileira de hemofilia • Ano 03 • Edição 10 • abril-junho 2014
Longe das
complicações
Com a terapia de indução de
imunotolerância, pessoas que
desenvolvem o inibidor contra o
fator, voltam a ter uma vida plena
fatores
cenário
saúde
Dra. Maria de Fátima Montoril, à
frente da Coordenação Geral de
Sangue e Hemoderivados do MS
Eventos do Dia Mundial
da Hemofilia relembram a
importância da profilaxia
A relação entre pacientes
e médicos é essencial para
um tratamento efetivo
NESTE NÚMERO
12
tratamento
Conheça a terapia
de indução de
imunotolerância, que
possibilita eliminar
o inibidor e voltar
a fazer profilaxia
04
08
16
editorial
Fatores
Exemplo
Com a palavra, a
Federação Brasileira
de Hemofilia (FBH)
Entrevista com Dra. Maria de
Fátima Montoril, à frente da
Coordenação Geral de Sangue
e Hemoderivados do MS
Pedro Henrique, 10 anos,
desenvolveu inibidor ao fator
e vem vencendo a batalha
com o apoio da família
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cenário
SAÚDE
NA REDE
Eventos do Dia Mundial
da Hemofilia reforçam a
importância da profilaxia
e os avanços alcançados
A relação entre médicos
e pacientes é fundamental
para que o tratamento
seja efetivo
Confira como foram os
eventos que tiveram a
participação da FBH e
associações estaduais
© Ana Paula de Paula / Arquivo pessoal
abril - junho 2014
3
editorial
Seguir
em frente
Enquanto me preparava para escrever o editorial da revista, surgiu
uma discussão sobre o significado de uma palavra pouco usada
em nosso dia a dia, mas bastante representativa no contexto em
que vivemos. A palavra? Renitente. O significado? Persistente,
obstinado, teimoso.
É interessante observar o quanto a persistência – a tal renitência –
de uma pessoa, ou de um grupo de pessoas, é o principal combustível e um fator decisivo na conquista de objetivos e realização
de grandes feitos. Celebramos em 17 de abril o Dia Mundial da
Hemofilia, sempre com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para a existência dessa desordem hemorrágica e ampliar o
conhecimento sobre a hemofilia e os tratamentos disponíveis.
E é com esse mesmo foco que a Federação Brasileira de Hemofilia
(FBH) reconhece os avanços conquistados, mas segue na busca
por melhores condições de tratamento e qualidade de vida para as
pessoas com hemofilia e demais coagulopatias. Leia a entrevista
com a nova coordenadora-geral de Sangue e Hemoderivados do
Ministério da Saúde, Dra. Maria de Fátima Montoril, sobre os desafios relacionados ao tratamento das coagulopatias hereditárias.
O assunto principal desta edição é a imunotolerância. Entenda
melhor o que é e como é realizado o tratamento que deve ser
feito pelos pacientes que desenvolvem inibidor. O importante
é que existe tratamento, e ele é relativamente simples e faz
com que pessoas que desenvolvem o inibidor contra o fator
possam negativá-lo e voltem a realizar a profilaxia. A chance
de eliminar o inibidor é em torno de 80%, e para isso é necessário o comprometimento dos profissionais, pacientes e familiares. Confira também o exemplo de pais e filhos que convivem
com a situação e a cobertura dos eventos para marcar o Dia
Mundial da Hemofilia e do Congresso da Federação Mundial
de Hemofilia, realizado em maio na cidade de Melbourne, na
Austrália. Tenham todos uma boa leitura!
Tania Maria Onzi Pietrobelli
Presidente da Federação Brasileira de Hemofilia
ISSN 2316 2953 FATOR VIDA é uma publicação trimestral da Federação Brasileira de Hemofilia distribuída gratuitamente para
pessoas com hemofilia, von Willebrand e outras coagulopatias hereditárias e profissionais da saúde. O conteúdo dos artigos é
de inteira responsabilidade de seus autores e não representa necessariamente a opinião da FBH.
Jornalista responsável Roberto Souza (Mtb 11.408) Editor Rodrigo Moraes SUBEditorAS Samantha Cerquetani e
Tatiana Piva Reportagem Olga Defavari e Vinícius Morais REVISÃO Paulo Furstenau Projeto Editorial Rodrigo Moraes
Projeto Gráfico Luiz Fernando Almeida Designers Felipe Santiago, Leonardo Fial, Luiz Fernando Almeida e
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fatores
abril - junho 2014
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fatores
“Manter conquistas é
necessário, assim como
é preciso ampliá-las”
À frente da Coordenação Geral de Sangue e
Hemoderivados do MS, Dra. Maria de Fátima Montoril
destaca os desafios de sua gestão e melhorias
previstas para as pessoas com coagulopatias
POR Samantha Cerquetani
Em dezembro, a hematologista
Dra. Maria de Fátima Pombo
Montoril assumiu a Coordenação
Geral de Sangue e Hemoderivados
do Ministério da Saúde (CGSH/MS).
Formada pela Universidade Federal
do Pará (UFPA) e especialista
em gestão de hemocentros pela
Universidade de Pernambuco (UPE),
ela passou boa parte de sua vida
profissional na Fundação Centro
de Hemoterapia e Hematologia do
Pará (Hemopa). Colaborou como
médica e gestora, atuando como
coordenadora do ambulatório de
hematologia e diretora técnica,
assumindo a presidência entre 2007
e 2011. Em entrevista à Fator Vida, a
atual coordenadora-geral da CGSH/MS
destaca quais serão os projetos e
8 abril - junhO 2014
melhorias para as pessoas com
coagulopatias que deverão ocorrer
nos próximos anos e como a parceria com a Federação Brasileira de
Hemofilia (FBH) é importante para
assegurar os direitos dos indivíduos com distúrbios hemorrágicos
hereditários. Leia a seguir:
Quais foram as principais
conquistas no período em que
atuou no Hemopa?
Quando estive à frente da Fundação
Hemopa, o órgão teve o reconhecimento pela excelência em gestão,
com a certificação da Hemorrede
Estadual nas normas da Organização
Nacional de Acreditação (ONA/Ciclo
2009) e conquistou a Faixa Prata
nos anos de 2007, 2008 e 2009 pelo
Programa Estadual de Qualidade
(PEQ/Pará). Além disso, foi reconhecido na categoria Faixa Ouro no
mesmo programa, em 2010, ano em
que também levou a Faixa Prata no
Programa de Qualidade e Gestão do
Governo Federal (PQGF).
Quais os projetos e melhorias
previstos para a hemofilia, von
Willebrand e outras coagulopatias hereditárias no País que a
senhora pretende implantar?
Durante minha gestão promoveremos a atualização e consolidação
das políticas relacionadas à atenção
hematológica e hemoterápica, incluindo hemofilia e von Willebrand.
Avançaremos também na construção e implementação dos sis© Ministério da Saúde / Divulgação
fatores
Na nova gestão, Dra. Maria de
Fátima pretende consolidar as
políticas relacionadas à atenção
hematológica e hemoterápica
temas de informações para a
Hemorrede Pública Nacional,
além de fomentar sua melhoria
na qualidade técnica e gerencial,
com reflexos no aumento da qualidade e segurança transfusional.
A senhora pretende manter
as políticas conquistadas na
última gestão? Não se trata de conquistas de gestão, mas do alcance de metas políticas necessárias à melhoria da
atenção à saúde das pessoas com
coagulopatias, em uma luta contínua de médicos e demais tratadores, pacientes e governos. Manter conquistas é necessário, assim
como é preciso ampliá-las.
Qual a importância da parceria
entre a FBH e a CGSH/MS?
É uma parceria tão importante que
pretendemos ampliá-la, pois neste
ano haverá uma ampla discussão
social referente à regulamentação
da estrutura do Programa Nacional
de Coagulopatias. A participação da
FBH no processo é fundamental para
estruturar e legitimar a proposta voltada à população com coagulopatias.
Em sua opinião, qual a importância do controle social para a
melhoria das políticas públicas?
A participação da sociedade organizada tende sempre a ampliar a discussão sobre a assistência à saúde
da população, não apenas em termos técnicos, mas principalmente
abril - junhO 2014
9
fatores
Dra. Maria de Fátima
destaca a importância
da parceria com a FBH
“Durante minha
gestão promoveremos a atualização e
consolidação das políticas relacionadas à
atenção hematológica e hemoterápica,
incluindo hemofilia e
von Willebrand”
Dra. Maria de Fátima Montoril
10 abril - junhO 2014
na percepção da necessidade dessas
populações. A consequência é a melhoria da assistência em níveis local
e nacional, e o aperfeiçoamento da
administração e regulamentação
dessa assistência. A pressão social
coopera com a efetivação de ações
sistêmicas de governo, seja no fortalecimento de políticas públicas para
o setor, seja na articulação parlamentar para a garantia de recursos
necessários à ampliação da assistência, ou, ainda, na demanda para
ajustes pontuais e correção de distorções na busca do direito à saúde.
O Brasil avançou de 1 UI per capita para 3 UIs de fator VIII nos dois
últimos anos - uma grande vitória, reconhecida inclusive internacionalmente. Sua gestão pretende aumentar ainda mais essas
UIs per capita, visto que, pelos
parâmetros da Federação Mundial
de Hemofilia, a plena integração à
sociedade ocorre quando se utiliza entre 5 UIs e 7 UIs per capita?
É o próximo desafio. Alcançadas as
3 UIs per capita, é possível evitar
o dano articular da artropatia hemofílica, evitando que as pessoas
com a doença tenham deficiências
motoras, fazendo uso de procedimentos como a profilaxia primária
e secundária. É preciso manter o
abastecimento dos fatores de coagulação. Com a ampliação do acesso das pessoas com coagulopatias
a outras políticas assistenciais de
saúde (odontologia, ortopedia, cirurgias etc.), seguirá o aumento
de consumo, com a consequente
maior necessidade de aporte orçamentário e capacidade de fornecimento de hemoderivados.
Como a senhora acredita que
estará o tratamento da hemofilia e outras desordens hemorrágicas em quatro anos no Brasil? Com a consolidação dos tratamentos profiláticos em todo o País, as
pessoas com hemofilia tendem a
ter uma vida plena para o exercício de suas atividades sociais. É
prevista a expansão da indústria
de hemoderivados, e com a queda
de patentes, outros medicamentos deverão competir no mercado,
promovendo a redução do custo de
aquisição, por meio da maior competitividade em licitações. Além
disso, é provável a expansão do uso
de medicamentos pró-coagulantes
de origem recombinante, garantindo maior disponibilidade de fatores e segurança ao tratamento.
© Hemopa / Divulgação
tratamento
Alguns pais ficam apreensivos
ao saber que o filho está com inibidor do fator de coagulação. A boa
notícia é que atualmente o Brasil
dispõe da terapia de indução de
imunotolerância. O tratamento faz
com que as pessoas com hemofilia
que desenvolveram o inibidor contra o fator voltem a ter uma vida
sem complicações após erradicá-lo. Cerca de 20% das pessoas com
hemofilia A e 2% a 5% das pessoas
com hemofilia do tipo B podem
desenvolver anticorpos contra o
fator VIII ou IX.
Não é conhecido o motivo pelo
qual alguns organismos desenvolvem o inibidor, mas sabe-se que ele
surge mais comumente entre as 50
ou 100 primeiras infusões de fator
administradas no paciente, seja no
tratamento de demanda ou de profilaxia. Esses anticorpos inibem a
atividade do fator utilizado para
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Longe de
complicações
Terapia de indução de imunotolerância,
indicada para pessoas que desenvolvem
o inibidor contra o fator, tem chance
de sucesso em torno de 80%
© Shutterstock
tratamento
normalizar a coagulação. O nível ou
título do inibidor é medido em unidades Bethesda (UB), e é considerado
baixo, se for menor que 5 UB, e alto
quando maior que 5 UB. A dose do
fator e a frequência do tratamento
podem aumentar dependendo da
oscilação do título do inibidor.
“Para estancar os sangramentos dos pacientes que desenvolvem
o inibidor do fator, existem medicamentos conhecidos como agentes de bypass, mas o tratamento
adequado e de primeira opção para
esses pacientes é a imunotolerância,
cujo objetivo é erradicar o inibidor”,
explica a hematologista Dra. Sandra
Sibele, responsável técnica pelo
Hemocentro da Paraíba. Os agentes de bypass são medicamentos que
agem de maneira diferente na cadeia
de coagulação. São eles o CCPA, de
nome comercial FEIBA®, ou o fator
VII ativado, de nome comercial
NovoSeven®. Alguns pacientes têm
resposta de coagulação mais efetiva com um e outros com o outro
medicamento - a resposta depende
de cada organismo. O medicamento
usado em cada paciente deve ser
aquele que traz a melhor e mais
rápida resposta de coagulação.
Com o tratamento de imunotolerância, o paciente tem 80% de
chance de erradicar o inibidor e voltar a utilizar o fator de coagulação
para controlar os sangramentos,
passando a realizar o tratamento
de profilaxia, para prevenir quaisquer sangramentos e sequelas. De
acordo com a hematologista pediátrica Dra. Clarissa Barros Ferreira,
do Hemocentro do Estado do Rio
Grande do Sul (HEMORGS), o tratamento consiste na reposição, três
vezes por semana, de doses mais
elevadas de fator do que as do tratamento de profilaxia. Se necessário,
em determinado momento, a dose
e a frequência das infusões podem
ser aumentadas, conforme o protocolo brasileiro.
“O tratamento tenta produzir tolerância ao fator por meio da
exposição regular e contínua, por
um mecanismo de ‘insistência’,
como se dissesse ao sistema imunológico: ‘se esse fator está sempre
presente no meu corpo, ele deve me
fazer bem, então não devo produzir anticorpos contra ele’. Esse tratamento deve ser seguido por um
período de pelo menos 33 meses, e a
avaliação do inibidor é feita mensalmente ou a cada dois meses”, relata
Dra. Clarissa. Durante esse período,
quando o paciente tiver sangramentos, o tratamento é realizado com
um dos agentes de bypass e o uso do
fator de coagulação continuará presente para erradicar o inibidor. Dessa
maneira, o tratamento da imunotolerância consiste no uso dos dois
medicamentos em alguns momentos: um para erradicar o inibidor e
outro para conter o sangramento.
Não há limite de idade para
a realização do tratamento, mas
ambas as especialistas destacam que
é melhor iniciar a imunotolerância
o quanto antes, ou seja, assim que
descoberto o desenvolvimento do
inibidor, pois isso aumenta a chance
de sucesso do tratamento. Logo
depois de erradicado o inibidor, a
pessoa com hemofilia volta a utilizar o fator e realizar a profilaxia
com o fator de coagulação como os
demais pacientes, tendo uma vida
independente e autônoma. Desde
2011, o Sistema Único de Saúde (SUS)
passou a oferecer a terapia de indução de imunotolerância para tratamento da hemofilia do tipo A.
abril - junhO 2014
13
tratamento
Acima, Matheus, sete anos, realiza terapia há nove meses.
Ao lado, Ryan, três anos, está com inibidor quase 'zerado'
As Dras. Sandra e Clarissa reforçam a importância do Centro de
Tratamento de Hemofilia (CTH)
para detectar o inibidor por meio
de exames periódicos e informar
e explicar aos pais e pacientes a
necessidade, importância e benefícios deste, afim de estimular a adesão do tratamento. “É preciso investir no treinamento de profissionais,
para proporcionar o melhor diagnóstico e o melhor tratamento.
Atualmente, é possível identificar
a hemofilia na criança quando ela
ainda é um bebê, o que facilita o
tratamento. O panorama atual é
totalmente diferente em relação ao
de alguns anos atrás, e hoje podemos fazer a diferença na vida dessas
pessoas”, expõe Dra. Sandra. Já Dra.
Clarissa destaca a atuação dos pais:
“O principal obstáculo é o fato de os
pais ficarem com pena ou receio de
realizar a infusão nas crianças, dificultando a adesão ao tratamento
em algumas situações. Por isso, é
14 abril - junhO 2014
de extrema importância que sejam
explicados todos os detalhes do tratamento e os benefícios deste, a fim
de estimular a adesão”.
Vale ainda destacar que, para o
tratamento ser bem-sucedido, não
pode ser suspenso sem recomendação médica, pois isso pode acarretar o aumento do título do inibidor, o que é bastante prejudicial à
saúde dessas pessoas. O paciente e
seus familiares devem ter um relacionamento de confiança com os
profissionais que realizam o tratamento, tirando dúvidas sempre
que surgirem, procurando se informar sempre mais sobre como realizar o tratamento de modo saudável e com qualidade de vida. O
vínculo entre os profissionais e o
paciente e seus familiares é fundamental para que o tratamento
transcorra sem intercorrências e
de modo tranquilo.
Após um amplo estudo, que
contemplou mais de 10 trabalhos
© Ana Paula de Paula / Arquivo pessoal
© Luciane França / Arquivo pessoal
tratamento
“Esse tratamento deve ser seguido
por um período de pelo menos 33 meses,
e a avaliação do inibidor é feita
mensalmente ou a cada dois meses”
Dra. Clarissa Barros Ferreira,
hematologista do HEMORGS
científicos, a Federação Brasileira
de Hemofilia (FBH) contribuiu neste
ano com o Protocolo de Indução à
Imunotolerância para pessoas com
hemofilia A no Brasil, solicitando a
inclusão de todos os pacientes no
documento, independentemente de
idade e de há quanto tempo tenham
desenvolvido o inibidor. O tratamento da imunotolerância é uma
chance de não acontecer essa complicação da hemofilia, uma oportunidade de curar essa resposta imunológica equivocada do organismo.
É um tratamento com elevadíssima
chance de sucesso, além de curto.
Afinal, o que são três anos em relação a uma vida inteira de profilaxia,
independência e liberdade? Além
disso, é comprovado que pacientes
sem inibidor têm menos riscos de
morte e de sequelas, e ainda custam menos aos cofres públicos.
Tão importante quanto esse
tratamento, a FBH solicitou que
os pacientes que não obtiverem
sucesso com a imunotolerância sejam tratados com profilaxia
com agentes de bypass, pois todos
têm direito à profilaxia, sobretudo
aqueles que não puderam erradicar o inibidor após o tratamento
da imunotolerância.
Convivendo com o inibidor
Ana Paula de Paula, mãe de Ryan,
de três anos, conta que aos quatro
meses o menino apresentou alguns
hematomas e foi encaminhado
ao hematologista do Hemocentro
de Porto Alegre, que identificou a
hemofilia A grave, após vários exames. “Foram tempos difíceis, ele era
muito pequeno, teve algumas internações com grandes sangramentos e
dificuldade nas punções, e aos dois
anos foi diagnosticado com inibidor.”
Antes de iniciar o tratamento de
imunotolerância, foi cancelado o uso
do fator VIII por alguns meses para
que baixasse o inibidor, enquanto
o menino fazia uso de agentes de
bypass. Depois que começou a imunotolerância, Ryan teve um sangramento no pescoço, começando
a utilizar o agente de bypass três
vezes por semana, juntamente com
o fator VIII, relembra a mãe, moradora de Capela de Santana (RS). O
uso do bypass junto com o fator VIII
é para evitar sangramentos, já que
estes podem prejudicar o resultado
da imunotolerância.
“O tratamento requer muita disciplina e dedicação. As punções foram
mais difíceis no começo, mas com
muita calma, carinho e dedicação
tudo foi melhorando com o tempo.
Ele entendeu que tudo o que fazemos
é para seu bem.” O inibidor está bem
baixo, quase zerando, e ele tem uma
rotina normal. Utiliza o medicamento
às segundas, quartas e sextas-feiras,
em casa. Nesses dias, aproveita para
jogar bola, deixando para o resto da
semana atividades mais leves.
Ana Paula acrescenta que os
centros de tratamento e a equipe
multidisciplinar são fundamentais
em todos os sentidos da saúde física
e psicológica tanto das pessoas com
hemofilia quanto dos familiares.
“São eles que fornecem os medicamentos, tiram todas as nossas dúvidas e fornecem instruções necessárias para uma vida de qualidade.”
Já Luciane França conta que seu
filho Matheus, sete anos, foi diagnosticado com hemofilia aos dois anos,
quando surgiram manchas roxas e os
machucados demoravam a cicatrizar.
“Como tenho um irmão com hemofilia, logo descobrimos que meu filho
também tinha o distúrbio”, diz.
O menino iniciou o tratamento
de imunotolerância há nove meses,
quando os pais foram avisados
de que o fator não estava fazendo
efeito na contenção das hemorragias. “Hoje vamos ao CTH uma
vez por semana, e três vezes por
semana realizamos o tratamento
em casa com a ajuda de um enfermeiro”, relata Luciane. Para ela, o
tratamento adequado tornou os
sangramentos menos frequentes.
“Confesso que temia que o inibidor
não baixasse, mas hoje ele tem uma
rotina quase como à de qualquer
criança. Realizamos exames com frequência e quando viajamos levamos
a medicação para não ter risco de o
tratamento regredir”, completa.
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EXEMPLO
Com hemofilia tipo A grave, o garoto
desenvolveu inibidor contra o fator VIII, mas
está vencendo a batalha com o apoio da família
POR Vinícius Morais
Fã do Corinthians, Pedro
Henrique Vieira Maia, 10 anos, tem
como um de seus ídolos o melhor
jogador de futebol do mundo em
2013, o português Cristiano Ronaldo.
Admirador do esporte mais popular
do planeta, o garoto sonha em ser
jogador e assiste às partidas entre
Real Madrid, time do português, e
Barcelona, de Lionel Messi e Neymar
Jr., além de acompanhar com frequência os principais campeonatos
nacionais e internacionais.
Diagnosticado com hemofilia A
grave, Pedro Henrique desenvolveu
inibidor, por isso faz o tratamento
de imunotolerância para erradicar
o inibidor do fator VIII, que atualmente se encontra ‘zerado’ graças
à eficiência do tratamento, para alívio dos pais, a dentista Laura Maria
Vieira Maia e o empresário Carlos
Eduardo Maia, ambos com 39 anos.
16 abril - junho 2014
A partida do menino Pedro
Henrique contra a hemofilia começou
quando os médicos suspeitaram do
distúrbio hemorrágico hereditário ainda durante seu parto. Isso porque após
o corte no cordão umbilical, o recém-nascido apresentou um sangramento
contínuo na região do umbigo, sem
razão aparente. Entretanto, o tratamento foi iniciado apenas quatro meses depois, quando os pais perceberam
o surgimento de grandes hematomas
nos locais onde seguravam o bebê.
“No Centro de Tratamento de
Hemofilia (CTH) fui bem instruída
e amparada, e meu filho teve um
atendimento multiprofissional com
psicólogas, enfermeiras e fisioterapeutas, além dos médicos, o que me
ajudou a compreender a importância do comprometimento com o
tratamento para termos resultado
positivo”, recorda Laura.
© Paulo César de Souza/Arquivo pessoal
EXEMPLO
Complicações e cuidados
No entanto, pouco tempo depois
da descoberta da hemofilia, ocorreu
um segundo susto para a família: o
garoto foi identificado com inibidor,
situação em que o corpo produz anticorpos contra o fator VIII, prejudicando o tratamento da hemofilia
(veja detalhes na seção Tratamento,
na página 12 desta edição). “Esse
diagnóstico foi ainda mais chocante
para mim, nos deixou mais preocupados, pois não sabíamos o que poderia
acontecer com ele a partir daquele
momento”, conta Laura.
A mãe do garoto relembra que ele
estava com dois anos e meio quando
aconteceu um sangramento na panturrilha, e após aplicação do fator, o
quadro piorou. Esse tipo de sangramento é considerado grave porque
pode lesionar os nervos. Como não
aconteceu o controle do sangramento, no segundo dia os pais retornaram ao hospital, onde foi cogitada
pela primeira vez a possibilidade do
surgimento do inibidor. O teste que
comprovou a suspeita dos médicos
foi realizado no terceiro dia de internação. O tratamento de imunotolerância começou imediatamente.
Os testes realizados mostraram índices de inibidor na faixa de 38 UB/mL
(Unidade Bethesda, que mede a
quantidade de anticorpos que atacam o fator). A partir da contagem e
análise da quantidade de anticorpos,
foi introduzido tratamento específico chamado de imunotolerância
com o objetivo de eliminar os anPedro Henrique desenvolveu
inibidor, mas graças ao tratamento
se encontra ‘zerado’
ticorpos que o organismo de Pedro
Henrique desenvolveu contra o fator VIII. No período de tratamento,
a remissão do inibidor foi bastante
eficiente, caindo progressivamente
para índices de 12.4 UB, 1.68 UB e zerando logo em seguida. A remissão
do inibidor ocorreu em um ano e
quatro meses após o início do tratamento de imunotolerância. “Depois
que aumentamos a dosagem do fator para todos os dias, ele ficou nove
meses sem sangramento”, diz Laura.
Para controle dos índices, ele realiza
a medição do inibidor mensalmente.
O tratamento é realizado diariamente, durante a semana, às 6h30,
pois ele frequenta a escola no período da manhã. Esse tratamento, como
qualquer outro, exige comprometimento dos pacientes e familiares. “O
importante é não desistir. Eu realizo
a infusão do fator dele todos os dias
e sabemos que estamos fazendo o
melhor para que ele tenha qualidade
de vida”, explica. Além do apoio dos
pais, ele conta com a ajuda da irmã
mais nova, Maria Eduarda Vieira
Maia, de oito anos, chamada carinhosamente de Duda, a ‘mãezinha’
que vigia e cuida dele. A mãe comenta que se sente até surpreendida
com a dedicação de Duda ao irmão.
“Talvez isso se deva à segurança e
naturalidade com que lidamos com
a hemofilia e o tratamento, que só a
boa informação pode trazer.”
O grito da torcida
De rotina ativa, o estudante é falante e está sempre rodeado de
amigos, que respeitam os seus limites e colaboram para que ele tenha uma vida mais saudável. Entre
os melhores amigos estão os garotos Gustavo, Dudu, Vinícius e Vitor.
© Laura Maria Vieira Maia/Arquivo pessoal
abril - junhO 2014
17
EXEMPLO
A família de Pedro o incentiva na realização de diversas atividades
Em 2012, pais e filhos desse grupo
viajaram para conhecer Ilhéus (BA)
e se divertiram bastante. Pedro pratica semanalmente atividades físicas:
uma sessão de hidroterapia, indicada por um fisioterapeuta do CTH, e
duas aulas de futebol de salão.
Seus parentes fazem de tudo para
não impedi-lo de participar de qualquer atividade por causa do distúrbio.
“O futebol tem feito muito bem para
ele e ajudado no desenvolvimento.
Um cuidado que eu e meu marido
temos é de nunca frustrar um sonho
dele por causa da hemofilia. Esta faz
parte de sua identidade e não é um
bicho de sete cabeças, desde que tomadas as precauções”, diz Laura, ao se
lembrar do receio da família ao perceber o gosto do menino pelo esporte.
O menino acredita que, após erradicar o inibidor, sua vida ficará
18 abril - junho 2014
“O importante é não
desistir. Eu realizo
as infusões do fator
dele todos os dias e
sabemos que estamos
fazendo o melhor
para que ele tenha
qualidade de vida”
Laura Maria Vieira Maia,
mãe de Pedro Henrique
completa: “Vai melhorar em tudo,
nas brincadeiras, na escola, na possibilidade de realizar meu esporte preferido, o futebol, sem medo
de nada, sem medo de ser feliz. E
para outros companheiros digo que
não desistam – o caminho é cansativo, mas vale muito a pena, o
futuro compensa”. O pai de Pedro
Henrique se diz animado com as
perspectivas para seu filho mais
velho: “O futuro será brilhante, precisamos lutar sempre, e esperamos
de verdade oferecer ao nosso filho
uma qualidade de vida plena”.
Havia também o medo de que
Pedro, ao crescer, não se desenvolvesse bem ou tivesse problemas de autoestima e segurança. Sendo assim, ele
faz acompanhamento psicológico e
isso colaborou para que ele lide bem
com a situação e se desenvolva bem
emocionalmente. Sua mãe comenta
que hoje o menino lida muito bem
com a situação: “Ele tem uma vida
normal para a idade, e precisa apenas
das infusões de fator; eventualmente
ocorre alguma intercorrência, mas é
resolvida rapidamente”.
Questionada sobre o desenvolvimento de novos tratamentos para
a hemofilia, a família de Pedro se
mostra muito esperançosa. “Essa é a
grande expectativa de todas as mães
de pessoas com distúrbios hemorrágicos hereditários. Acredito sim,
que teremos grandes evoluções no
futuro. Meu filho brinca que poderia
tomar um comprimido de manhã e
outro à noite e tudo estaria resolvido. Quem sabe um dia?” Pensando
no amanhã, a mãe também diz que
“os pais sempre esperam que as
crianças realizem todos os seus sonhos sem medos, e principalmente
sem quaisquer limitações”.
© Laura Maria Vieira Maia/Arquivo pessoal
cenário
Conscientização
e conquistas
FBH participa de eventos no Dia Mundial
da Hemofilia para relembrar a importância
da profilaxia e os avanços alcançados
POR Samantha Cerquetani
Desde 1989, o Dia Mundial da
Hemofilia é celebrado em 17 de abril
nos mais de 100 países em que a
Federação Mundial de Hemofilia
(WFH, sigla em inglês) possui
representação. Neste ano, para
conscientizar sobre a necessidade
de acesso das pessoas com coagulopatias ao tratamento profilático,
a Federação Brasileira de Hemofilia
(FBH) realizou um evento junto à
Fundação Hemocentro de Brasília
(FHB) com a participação das 26
associações estaduais.
A profilaxia é o tratamento preventivo conquistado no País por
intervenção da FBH, em parceria com
o Ministério da Saúde, Ministério
Público e Tribunal de Contas da
União, porém, menos de 50% das pessoas com coagulopatias têm acesso a
esse tratamento até o momento.
O evento teve a palestra da presidente da FBH, Tania Maria Onzi
Pietrobelli, sobre os avanços no tratamento da hemofilia no Brasil e
direito à vida plena. Ela relatou as
22 abril - junho 2014
conquistas quanto ao aumento na
aquisição de fatores de coagulação,
estando disponíveis no Ministério
da Saúde (MS) 3.9 UIs per capita,
que possibilitam os tratamentos
de profilaxia primária, secundária, imunotolerância e dispensação
de 12 ou mais doses domiciliares
para que as pessoas com hemofilia
e familiares possam ter uma vida
autônoma e independente, bem
como exercer seus direitos à cidadania. Por outro lado, a presidente
da FBH foi incisiva ao demonstrar as diferenças entre os Centros
de Tratamento de Hemofilia:
“Enquanto a Fundação Hemocentro
de Brasília tem a utilização de 7.22
UIs per capita, comparável a países
como França e Alemanha, temos
estados com menos de 0.50 UIs,
ainda com tratamento de sobrevivência”. Conclamou a todas as associações para exercerem seu papel
de controle social e cobrarem de
seus CTHs e governos a estruturação física e de recursos humanos
e a implantação imediata dos tratamentos disponibilizados pelo MS.
“O Brasil é o único país em que o
Ministério disponibiliza a medicação em quantidade para as pessoas
terem uma vida plena, sem sequelas e dores, mas os CTHs não a utilizam.” Enquanto isso, os pacientes estão desenvolvendo sequelas e
convivendo com as dores provocadas pela falta de tratamento, pois a
única forma de preservar as articulações é com a profilaxia. Vale lembrar que tais tratamentos estão disponíveis há três anos.
A coordenadora-geral de Sangue
e Hemoderivados do Ministério
da Saúde, Maria de Fátima Pombo
Montoril, apresentou dados sobre
as melhorias alcançadas pelo MS e
destacou que continuará avançando
com a parceria do controle social.
A diretora-presidente da Fundação
Hemocentro de Brasília, Dra. Beatriz
Mac Dowell Soares, explanou sobre
os avanços no Distrito Federal, a
importância da estruturação física,
© Mariana Battazza Freire / Arquivo pessoal
cenário
e recursos humanos do CTH e colocou-se à disposição para multiplicar com os estados esse modelo
de gestão e destacou também que
é o único Centro onde é realizada
a entrega domiciliar dos fatores de
coagulação. Já o chefe do Núcleo
de Laboratórios Especiais da FHB,
Marcus Araújo Xavier, falou sobre o
novo paradigma no DF. Em seguida,
os presentes realizaram um debate
e visitaram o ambulatório.
Mariana afirma que o evento de
17 de abril em Brasília e todos os
outros que aconteceram no Brasil
tiveram o propósito de conscientizar a população em geral sobre
a hemofilia e seus tratamentos.
“Assim como trazer ao conhecimento das pessoas a importância
do diagnóstico adequado e do tratamento profilático, mudando conceitos ou paradigmas, já que hoje as
pessoas com tratamento preventivo
têm uma vida saudável e plena e
com oportunidades como todos os
cidadãos”, completa.
Após o evento, 500 balões coloridos foram soltos na frente do
Hemocentro. “A iniciativa representou a esperança de uma vida plena,
autônoma e livre a todas as pessoas
com hemofilia, por meio da profilaxia”, explica Mariana. Para Tania,
Acima, construção da
portaria de coagulopatias;
FBH e Sonia Guimarães
entregam prêmio “Leandro
Guimarães” para Dra.
Beatriz Mac Dowell;
FBH libera 500 balões no
Dia Mundial da Hemofilia.
Ao lado, Ministério da
Saúde e FBH recebem
premiação da WFH.
Abaixo, federações de
todo o mundo se reúnem
no Congresso da WFH
abril - junhO 2014
23
cenário
Tania Pietrobelli recebe
prêmio do presidente da
WFH, Alain Weill
o Brasil tem muito a comemorar, pois se
destaca pelo rápido avanço no aumento do
quantitativo de fatores de coagulação, que
possibilitou a implantação dos tratamentos
de profilaxia e imunotolerância, e aumento
na dispensação das doses domiciliares.
“Neste ano tivemos muitas ações cobrando
maior compromisso dos estados, e todas as
associações do Brasil puderam participar.
Hoje sabemos que quando o gestor quer
fazer a mudança, é possível.”
Nos dias 15 e 16 de abril, a FBH e representantes de 21 associações estaduais também participaram, junto à Comissão
de Assessoramento Técnico (CAT) do
Ministério da Saúde e vários profissionais de todo o Brasil, da discussão sobre
a Portaria que institui, no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS), o Programa
Nacional de Atenção Integral às Pessoas
com Coagulopatias Hereditárias, a fim de
avançar nas melhorias do tratamento aos
pacientes junto aos estados.
“O fato de as políticas públicas poderem
ser construídas em parceria com os gestores, profissionais da saúde e controle social
foi um exemplo para o País. As associações
deram suas contribuições a partir de sua
vivência, e foi formado um grupo de trabalho para a finalização da Portaria. Por isso,
o tratamento da hemofilia, von Willebrand
e outras coagulopatias avançou tanto”,
afirma Tania. Ela também destaca que essa
política dará ferramentas para que a FBH
possa cobrar compromisso dos estados na
efetivação dos tratamentos implantados
pelo MS nos últimos anos, e que estes cheguem a todos os pacientes, independente
de onde residam e da condição social.
24 abril - junho 2014
Congresso Mundial de Hemofilia
Entre 11 e 15 de maio, ocorreu o Congresso da
Federação Mundial de Hemofilia (WFH World
Congress 2014), em Melbourne, na Austrália. Durante
o evento, a Federação Brasileira de Hemofilia (FBH)
– representada pela presidente, Tania Maria Onzi
Pietrobelli, e a vice-presidente, Mariana Battazza
Freire –, a Comissão de Assessoramento Técnico em
Coagulopatias do Ministério da Saúde e a Coordenação
Geral de Sangue e Hemoderivados, representadas respectivamente pelos hematologistas Dr. Guilherme
Genovez e Dra. Maria de Fátima Pombo Montoril,
foram premiadas pelo grande avanço ocorrido no
tratamento da hemofilia no País.
Por meio da intervenção da FBH, o Ministério da
Saúde triplicou a aquisição dos fatores de coagulação, o que permitiu a implantação dos tratamentos
da profilaxia primária e secundária, da imunotolerância e da dispensação de fatores de coagulação
para tratamento domiciliar, possibilitando que as
pessoas com hemofilia tenham uma vida plena,
autônoma e independente.
Porém, apesar dessa disponibilidade de medicamentos pró-coagulantes do Ministério da Saúde,
© WFH / Divulgação
© Mariana Battazza Freire / Arquivo pessoal
cenário
“Em reconhecimento à
excepcional contribuição
por promover o cuidado e o
tratamento das pessoas com
hemofilia e outras desordens
hemorrágicas no Brasil.”
a maioria dos Centros de Tratamento de Hemofilia
(CTHs) ainda não está proporcionando o tratamento
adequado para as pessoas com hemofilia.
A ação conjunta da FBH com o Ministério Público e
Tribunal de Contas da União comprovou ao Ministério
da Saúde que a distribuição dos fatores de coagulação para uso preventivo proporciona economia tanto
para os cofres públicos como para pacientes e familiares, devido à redução de aposentadorias por invalidez e gastos com cirurgias de alta complexidade para
tratamento de artroses e outros problemas ortopédicos e articulares causados pelas hemorragias quando
não há um tratamento preventivo.
“Muitos pacientes ainda não têm acesso ao tratamento adequado, apesar da disponibilidade.
Esperamos que essa premiação seja um estímulo
às equipes multiprofissionais que ainda não aderiram à prescrição do tratamento profilático, e que,
assim como conquistamos grande avanço junto ao
Ministério da Saúde, que nos torna uma referência
para muitos países, alcancemos os mesmos resultados junto aos CTHs. Para isso necessitamos do
comprometimento dos tratadores e das pessoas com
hemofilia”, esclarece Tania.
Para Mariana, o reconhecimento internacional
trará mais visibilidade para a hemofilia no cenário
nacional, e todos os atores envolvidos na melhoria do tratamento das pessoas com coagulopatias
– controle social, comunidade médica e Governo –
trabalharão com mais empenho, certos de que o trabalho traz bons resultados e que as conquistas sempre valem a pena.
Para Mariana, essa foi uma grande
oportunidade para que todos pudessem
expor suas experiências em relação ao tratamento atual, suas necessidades, dificuldades e demandas necessárias para que sejam
incluídas na Portaria de Atenção às Pessoas
com Coagulopatias. “Foi uma excelente
oportunidade de participar democraticamente de uma ação histórica, que determinará na legislação quais as atribuições
do Governo nas esferas federal, estadual e
municipal”, relata.
Após as apresentações do MS e da FBH,
as discussões foram realizadas em cinco
grupos heterogêneos pré-programados e
dirigidos por profissionais experientes na
área de criação de Portarias de patologias
para o Ministério. Todas as discussões e
propostas geraram um documento a todos
os presentes posteriormente. Um grupo de
trabalho foi eleito e este trabalhará em um
único documento com sugestões de alterações da Portaria para enviar ao MS. “Todas
as sugestões e discussões foram muito produtivas e enriquecedoras, de modo que
tanto o Governo quanto os tratadores,
gestores e o controle social foram beneficiados, e, no final de todo o processo, os
maiores beneficiados serão as pessoas com
coagulopatias”, explica Mariana.
abril - junhO 2014
25
saúde
Relação
essencial
Para um tratamento efetivo, o convívio
entre médicos e pacientes pode fazer a
diferença em muitas vidas
POR Olga Defavari
A rotina de exames e idas
aos Centros de Tratamento de
Hemofilia (CTHs) é frequente na
vida das pessoas com coagulopatias.
E a relação entre médicos e pacientes é fundamental para que o tratamento funcione da melhor maneira.
Esse vínculo envolve confiança e
responsabilidade de ambos os polos.
Para a hematologista pediátrica Dra.
Ana Paula Marques, do Instituto
Estadual de Hematologia Arthur
de Siqueira Cavalcanti (Hemorio),
o papel dos profissionais de saúde
em relação aos pacientes que têm
hemofilia e seus familiares é acolher, educar e construir uma relação de confiança. “A quantidade de
informação a ser transmitida em
uma primeira consulta é grande.
Quando pacientes e familiares
são bem acolhidos pelo médico e
demais membros da equipe, essas
informações vão sendo reforça-
26 abril - junhO 2014
das e absorvidas pouco a pouco
e de forma menos traumática, e
acredito que a sensação de acolhimento e confiança vai aumentando
com o tempo.”
Ana Paula reforça ainda que a
equipe precisa trabalhar em conjunto e passar informações semelhantes
para evitar a sensação de insegurança perante a indicação da profilaxia
ou qualquer outro tratamento. O
hematologista e ex-coordenador da
Coordenação Geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde,
Dr. Guilherme Genovez, concorda: “A
motivação do paciente em aderir ao
tratamento está diretamente ligada
ao nível de conhecimento que ele
tem de sua condição de saúde, tanto
do tratamento quanto das complicações do não tratamento”.
Especializada em lidar com os
pequenos, Ana Paula lembra a importância da clareza quanto ao que
pode ou não acontecer durante o
tratamento no período em que os
pais descobrem que o filho tem
qualquer coagulopatia. “São muito
importantes o momento do diagnóstico e os primeiros anos do tratamento, para sedimentar uma boa
relação da família e do paciente
com o distúrbio hemorrágico hereditário no futuro.” Ela também reforça que é nesse momento que o
profissional pode semear uma mensagem positiva, mostrando os avanços no tratamento e a possibilidade
de uma vida plena, com a profilaxia
primária, por exemplo.
Ainda pensando nas crianças,
a especialista lembra que nas pri© Shutterstock
saúde
meiras aplicações de fator, o ambiente humanizado favorece muito uma experiência positiva. “Em
um ambiente acolhedor, pais e
crianças se sentem mais à vontade, e o carinho e a paciência da
enfermagem, principalmente com
crianças pequenas e de difícil acesso venoso, atenuam o sofrimento
das primeiras aplicações.”
Outro ponto importante nessa
relação é o incentivo à profilaxia por
parte dos médicos. “Deve-se incentivar o conhecimento sobre o distúrbio e estimular a infusão de fator
por familiares e futuramente pelos
adolescentes”, lembra Ana Paula.
Para Genovez, é a relação de credi-
bilidade e confiança que ajudará o
paciente a ser mais independente:
“O contato físico e afetivo entre o
paciente e as equipes envolvidas é
crucial. Logicamente isso não será
uma política assistencialista, mas
um encaminhamento para o autocuidado e a libertação do paciente,
dando-lhe autonomia para se cuidar
com responsabilidade”.
Além de transmitir as informações necessárias e incentivar a profilaxia, é de extrema importância
nessa relação o olhar atento dos
especialistas também às demandas psicológicas. “Precisamos nos
atentar a questões relacionadas à
autoestima e sentimentos de culpa,
que podem indicar necessidade de
suporte psicológico para pais e pacientes”, alerta Ana Paula.
Percalços no caminho
Uma das principais dificuldades
apontadas pelos médicos para estabelecer essa relação de proximidade
é o curto tempo de duração das
consultas, causado pela sobrecarga
de pacientes. Ambos os profissionais entrevistados concordam que
para estabelecer esse elo é preciso
que o médico disponha de tempo
para explicar, esclarecer e ouvir
pacientes e familiares. Ana Paula
acrescenta que, além da disponi-
abril - junhO 2014
27
saúde
bilidade, é necessário encontrar o
tom adequado para cada caso: “Há
famílias com dificuldade de adesão
ao tratamento por questões puramente socioeconômicas e outras
em que se percebe clara negligência familiar. Esses casos merecem
atenção redobrada, e a atuação de
assistentes sociais ou psicólogos
pode fazer toda a diferença”.
Também é um desafio para os
profissionais lidar com pacientes
adolescentes, período de natural
contestação pelo qual todos os jovens passam, e quando eles apresentam maior resistência ao tratamento – na infância, quando os
pais são os responsáveis pelo tratamento, a adesão é maior. Genovez
acredita que as limitações em algumas atividades, como futebol, skate
e lutas marciais, são os principais
motivos que levam à resistência e
28 abril - junhO 2014
“Deve-se incentivar o
conhecimento sobre
o distúrbio e estimular
a infusão de fator
por familiares e
futuramente pelos
adolescentes”
Ana Paula Marques,
hematologista do Hemorio
negação. Por isso, é tão importante
um vínculo forte entre o paciente e o tratador, e a compreensão
do médico em relação ao seu paciente e suas possíveis limitações,
descobrindo juntos maneiras mais
saudáveis de lidar com elas. “A educação desde a infância, tanto dos
pacientes como dos familiares, reforçando uma relação positiva com
a hemofilia e evitando a superproteção, resulta em menor resistência ao tratamento”, pontua.
Por se tratar da necessidade de
um tratamento contínuo e ininterrupto, a relação médico-paciente
deve ser constantemente cuidada
e alimentada, e a responsabilidade
cabe a ambos. A adesão e o sucesso
do tratamento dependem do quanto
o médico e o paciente estão dispostos a investir na relação e fazer com
que ela seja promissora.
© Thiago Teixeira / RS Press © Cynthia de Souza Meyrelles / Arquivo pessoal © Allan Luiz S. de Araújo / Arquivo pessoal
saúde
O outro lado
A dermatologista Cynthia de Souza
Meyrelles, 38, descobriu que o filho Bernardo tinha hemofilia aos
seis meses, depois de uma vacina
intramuscular na coxa que causou
um grande hematoma de difícil resolução. Ela lembra com gratidão
o encontro com a especialista Ana
Paula. “Iniciamos a consulta com
choro e terminamos com muita
esperança. Deus é perfeito, colocou em nossa vida uma pessoa
muito especial, que nos ajuda a
encarar nossa realidade de forma
clara e com muito amor.”
Ela se diz bastante segura em
relação à profilaxia primária domiciliar que o pequeno iniciou aos
dois anos, e afirma que sempre
que os pais têm dúvidas, Ana Paula
atende prontamente. “Mesmo sendo médica, com prática de nove
Da esquerda para a direita: o
hematologista e ex-coordenador
da Coordenação Geral de Sangue
e Hemoderivados do Ministério da
Saúde, Guilherme Genovez; Rubens,
três anos, e Allan Luiz, 13, que
tiveram apoio da Dra. Ana Paula
anos de profissão e conhecimento
técnico, minha relação com a doutora Ana Paula é estritamente de
uma mãe com suas preocupações
e receios. Ela me dá um ótimo retorno, nossa relação é a melhor
escolha”, conta.
A dona de casa Lucilia Lourenço,
35, é mãe do Rubens, que hoje tem
três anos. A hemofilia foi identificada também aos seis meses, após ele
bater a cabeça. A mãe aposta em
uma relação de proximidade com a
médica para oferecer o melhor ao
filho. “O mais importante é a relação de amizade – a qualquer horário ela me atende para esclarecer
as dúvidas com a maior paciência.”
Lucilia também destaca a confiança transmitida pela profissional:
“Eu tinha medo de deixá-lo ir pra
escola, de sair na rua, mas ela me
disse que ele deveria ter uma vida
normal, bastante ativa. A lealdade
nessa relação é essencial”.
Adolescente, Allan Luiz Souza de
Araújo, 13, concorda que realmente
hoje é mais difícil conviver com a
hemofilia, e justifica: “Para mim é
mais difícil, porque meus amigos ficam me chamando para jogar bola
e andar de skate, e às vezes tenho
que recusar, porque meu braço e
cotovelo doem”. O jovem faz a aplicação sozinho em casa e conta que
melhorou muito quando começou
a se tratar com Ana Paula. “Ela sabe
explicar a importância do fator e o
que é o melhor para mim.” E o garoto já tem opinião formada sobre
os atributos de um bom médico:
“Tem que dar atenção, carinho e
respeito, além de saber explicar o
que está acontecendo e me escutar
– não chegar e jogar na cara, como
muitos fazem”.
abril - junhO 2014
29
NA REDE
Celebrando o
Dia Mundial da Hemofilia
No Dia Mundial da Hemofilia, 17 de abril, várias associações da FBH aproveitaram a data para relembrar os avanços no tratamento no País e a importância
da profilaxia para manter a qualidade de vida. Confira nas próximas páginas
algumas imagens de encontros realizados em todo o País.
1
2
3
1- Associação dos Hemofílicos do
Estado do Ceará (AHECE)
2- Associação dos Hemofílicos de Alagoas
3- Associação das Pessoas com
Hemofilia do Interior do Estado de
São Paulo (APHISP)
4- Centro dos Hemofílicos do Estado de
São Paulo (CHESP)
5- Sociedade de Hemofílicos da Paraíba
4
30 abril - junhO 2014
5
© Imagens enviadas pelas respectivas associações
NA REDE
6
7
8
6- Centro dos Hemofílicos do Estado do Acre (CHESAC)
7- Associação dos Hemofílicos do Estado do
Piauí (AHEPI)
8- Associação Paraense de Portadores de
Hemofilia e Coagulopatias Hereditárias (ASPACH)
9- Associação dos Hemofílicos e Pessoas com
Doenças Hemorrágicas Hereditárias (AHPAD)
10- Associação dos Hemofílicos do Estado de
Santa Catarina (AHESC)
11- Associação dos Hemofílicos do Rio Grande do Sul
9
10
11
32 abril - junhO 2014
© Imagens enviadas pelas respectivas associações
NA REDE
12
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12 – Associações participam de
portaria de coagulopatias
13- Fundação Hemocentro de Brasília
14-Associação Baiana dos
Hemofílicos (ABHE)
15- Centro dos Hemofílicos do Estado
de Minas Gerais (CHEMINAS)
16- Associação Paranaense dos
Hemofílicos (APH)
17- Associação de Pernambuco
14
16
34 abril - junhO 2014
15
17
© Imagens enviadas pelas respectivas associações
Download