Se o cancro fosse um clone DN, 9 de Abril 2001 Sobrinho Simões mostrou a uma enorme plateia como os tumores explicam a evolução da espécie Elsa Costa e Silva O que é o cancro? Para lá de toda a carga afectiva e social que a palavra significa, que nos diz esta doença sobre a espécie humana, sobre a evolução, sobre o homem? Sobrinho Simões, presidente do Instituto de Patologia e Imunologia da Universidade do Porto, partiu de uma tese (que depois admitiu ser um pouco exagerada). A de que o cancro é um clone de nós, o outro em Eu, que aterroriza. O desafio do futuro é torná-lo uma doença crónica (que já não mata, mas mói). Uma plateia cheia - a repetir o sucesso das sessões anteriores de "Os outros em Eu", ciclo de conferências do "Futuro do Futuro" da Porto 2001 - ouviu uma afirmação cheia de confiança: "se há área onde o avanço terapêutico vai explodir nos próximos anos, é o tratamento do cancro". Esperanças espantosas no futuro próximo, não de cura, mas de controlar o progresso da doença. Mas, voltemos à questão inicial: o que é esta doença? A primeira extracção cirúrgica de um cancro em Portugal aconteceu em Lamego, em 1735. Foi ao testículo esquerdo de João Pereira, um carpinteiro de 32 anos. A descrição é extensa e relata que foram retirados dentes, ossos e miolos desse testículo - mais exactamente, cerca de dois quilos e meio de material. "Este cancro é uma espécie de clone de João Pereira", afirma Sobrinho Simões. Claudio Sunkel, biólogo do ICBAS, contestou esta tese, lembrando que o cancro passa por diversas fases de alterações genéticas. Logo, não é uma entidade geneticamente igual, característica que define o clone. No entanto, é certo que é algo tão parecido com o EU que o sistema imunitário não o reconhece muitas vezes como diferente. Por isso, não desencadeia a resposta de ataque. Uma experiência de 1970 lançou alguma luz sobre quão parecido é o sistema de desenvolvimento humano com o do cancro. O patologista Damjanov retirou células normais do embrião de uma ratinha grávida e enxertou-as no tecido de outra ratinha, também grávida. Obteve um tumor. No entanto, quando colocou algumas células malignas de volta na ratinha grávida originária obteve ... um ratinho normal. "Isto prova que temos cancros quase por uma obrigação da espécie". Ou seja, porque os homens têm de se reproduzir para dar continuidade, porque precisam de uma capacidade evolutiva, temos esta doença. "Para termos filhos, temos de manter características nas células que nos tornam susceptíveis de desenvolver cancros", afirma Sobrinho Simões. Um cancro pode existir por uma divisão anormal das células ou porque estas deixam de se suicidar (apoptose), para dar origem à renovação. Doença da desregulação, o cancro tem origem, em 95 por cento dos casos, em causas ambientais. Há, afirma Sobrinho Simões, que prevenir.