Instituto de Ciências Biológicas Programa de Pós

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Instituto de Ciências Biológicas
Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo
de Vida Silvestre
Dissertação de Mestrado
Padrão de parasitismo de Struthanthus flexicaulis (Mart.) Mart.
(Loranthaceae) e seus efeitos na comunidade vegetal de um campo
rupestre sobre canga do Quadrilátero Ferrífero (MG)
Fabiana Alves Mourão
Orientadora: Claudia Maria Jacobi
Co-orientador: José Eugênio Cortes Figueira
(Depto. de Biologia Geral – ICB / UFMG)
Belo Horizonte, setembro de 2007
Universidade Federal de Minas Gerais
Instituto de Ciências Biológicas
Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo
de Vida Silvestre
Padrão de parasitismo de Struthanthus flexicaulis (Mart.) Mart.
(Loranthaceae) e seus efeitos na comunidade vegetal de um campo
rupestre sobre canga do Quadrilátero Ferrífero (MG)
Dissertação apresentada à Universidade
Federal de Minas Gerais, como pré-requisito
do Programa de Pós-Graduação em
Ecologia, Conservação e Manejo de Vida
Silvestre, para a obtenção do título de Mestre
em Ecologia.
Fabiana Alves Mourão
Orientadora: Claudia Maria Jacobi
Co-orientador: José Eugênio Cortes Figueira
(Depto. de Biologia Geral – ICB / UFMG)
Belo Horizonte, setembro de 2007
Minhas primeiras perguntas sobre os fenômenos da natureza
surgiram no quintal da casa do meu avô Antônio. Dedico
este trabalho a ele, uma pessoa que foi muito querida por
todos e é muito, mais muito especial para mim.
i
“Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem
a vida e muda todas as perguntas”.
Luís Fernando Veríssimo.
ii
Agradecimentos
A Claudia Maria Jacobi, argentina de sangue quente, mas de um coração
gigantesco, que me deu total assistência durante estes dois anos. Obrigada Claudia, pela
orientação, ensinamentos, exemplo de profissionalismo, pelas horas de descontração,
infinitas sugestões e conselhos, puxões de orelha e principalmente por sua amizade. A
José Eugênio Côrtes Figueira (o Zé), por ter acreditado no meu potencial, mesmo
quando eu mesma não acreditava. Por ter me incentivado a trabalhar com Struthanthus
flexicaulis (a espécie da canga que eu mais gostei) e contribuir com idéias brilhantes e
metodologias criativas. Obrigada Zé, por ser meu grande amigo e por ter me conduzido
tão bem neste caminho. A Flávio Fonseca do Carmo, pelas intermináveis idas a campo
que estreitaram os laços de amizade e renderam muitas conversas e aprendizados sobre
a canga. A Eugênia, Izabela, Pedro, Luiza e Diogo pelo companheirismo e ajuda na
coleta de dados. A todos os colegas do laboratório de Interação Animal-Planta (em
especial a Marina Beirão e Felipe pelo apoio nos trabalhos de campo e literatura) e
todos os amigos do laboratório de Ecologia de Populações (Luisa, Nessim, Léo,
Marilene, Tatá, Fabi Couto, Lu, Augusto Cá) por tornarem meus dias mais alegres.
Ao prof. Fernando Vale pelos ensinamentos de anatomia vegetal e as inúmeras
discussões sobre os padrões anatômicos do parasitismo de S. flexicaulis. A Mariana
Pimenta pelo auxilio com os cortes anatômicos, interpretação dos dados e amizade.
Aos membros da banca, Kátia Torres Ribeiro, Rosy Mary dos Santos Isaias e
Geraldo Wilson Fernandes (membro suplente), que gentilmente aceitaram avaliar esta
dissertação.
Ao Programa ECMVS pelo apoio recebido nas saídas de campo. À secretaria do
curso por resolver pacientemente todas as minhas dificuldades. Aos professores do
curso pelos ensinamentos e amizade. Aos colegas de curso que compartilharam comigo
os bons e maus momentos vividos durante as aulas e o curso de campo.
Ao IEF pela licença de coleta, aos funcionários do Parque Estadual da Serra do
Rola Moça pelo apoio logístico e à FAPEMIG pelo auxílio financeiro (CRA 89/04).
A Tadeu Guerra, por disponibilizar sua dissertação, livros e artigos que muito
contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho.
Às melhores e eternas amigas: Angel e Aninha que sempre me apoiaram e me
empurraram para frente, nunca me deixando ficar triste. A Marcelinho por me fazer
acreditar que esse dia ia chegar...e chegou!!! E aos milhões de amigos do ICB!!!
iii
A Deus, por guiar os meus caminhos e torná-los mais simples e felizes a cada
dia. Aos meus pais Heliana e Ronaldo que não entendem muito bem o que eu faço, mas
sempre torceram pelo meu sucesso. Às minhas irmãs Renata e Luciana por me fazer
exercitar o dom da paciência, mas também por serem motivos de muitas alegrias. Ao
meu primo Fernando pelo exemplo de força e coragem. A Rick, meu biólogo de finais
de semana, por reduzir meu estresse e cuidar tão bem de mim.
A todos aqueles que de alguma forma contribuíram para meu crescimento
pessoal e profissional e a alguém que eventualmente eu tenha me esquecido de
agradecer.
OBRIGADA!!!
iv
Sumário
Resumo...........................................................................................................................01
Abstract.........................................................................................................................03
Capítulo 1 - Hospedeiras de Struthanthus flexicaulis (Mart.) Mart. (Loranthaceae)
e caracterização anatômica do parasitismo...............................................................05
Capítulo 2 - Efeitos do parasitismo de Struthanthus flexicaulis sobre uma
população de Mimosa calodendron.............................................................................25
Capítulo 3 - Especificidade por hospedeiras ou parasitismo aleatório de
Struthanthus flexicaulis Mart. (Mart.) (Loranthaceae)?..........................................42
Considerações Finais...................................................................................................61
v
Resumo
A família Loranthaceae é composta por aproximadamente 1000 espécies
distribuídas em 75 gêneros. Dentre estes, 6 gêneros e 36 espécies já foram descritas para
todo o cerrado brasileiro. O gênero Struthanthus é o principal, com 16 espécies. S.
flexicaulis é uma das hemiparasitas brasileiras mais comuns, com ampla distribuição nas
áreas de cerrado do Brasil Central. São consideradas epiparasitas porque crescem sobre
o caule das hospedeiras e hemiparasitas porque fotossintetizam, mas obtém 60% dos
carboidratos das hospedeiras. Esta espécie possui folhas verdes oblongo-abovaladas
com tamanhos variados (entre 0,9 a 3,0 cm). Suas flores medem aproximadamente de 34 mm e os frutos 6-7 mm. Tem ramos longos e flageliformes, onde se formam os
apressórios, estruturas que facilitam a fixação da parasita nas hospedeiras. Após a
fixação do apressório, a conexão entre a parasita e a hospedeira envolve a penetração do
haustório, uma estrutura circular e dilatada que invade os tecidos vasculares.
O objetivo desta dissertação foi compreender o padrão de parasitismo de
Struthanthus flexicaulis e seus possíveis efeitos na comunidade vegetal sobre canga do
Parque Estadual da Serra do Rola Moça (MG).
Esta dissertação foi estruturada da seguinte maneira: Resumo, Abstract, Capítulos
1, 2 e 3, e Considerações Finais. O Capítulo 1 aborda o levantamento das hospedeiras de
S. flexicaulis em um campo rupestre sobre canga do Quadrilátero ferrífero (MG)as
formas de vida mais parasitadas e a descrição anatômica do padrão de hemiparasitismo
para cinco hospedeiras abundantes na área. No Capítulo 2, foram avaliados os efeitos do
parasitismo sobre a cobertura foliar e a produção de frutos de Mimosa calodendron
(Fabaceae). Neste capítulo, as características da estrutura populacional de M.
calodendron foram descritas, com objetivo de avaliar os efeitos do parasitismo em
indivíduos de tamanhos diferentes.
Finalmente, no Capítulo 3 o parasitismo em
diferentes hospedeiras foi quantificado, gerando uma discussão sobre suas possíveis
causas.
Os resultados indicam que S. flexicaulis é generalista, atacando mais de 40
espécies nos campos ferruginosos. Dentre as diversas formas de vida, o número de
espécies fanerófitas atacadas foi maior, possivelmente devido à permanência de suas
partes aéreas durante todo o ano. Estudos anatômicos das espécies escolhidas
demonstraram que a parasita não encontra nenhuma defesa mecânica, anatômica ou
histoquímica na interação com as hospedeiras, exceto com Vellozia compacta
1
(Velloziaceae). V compacta possui um pseudocaule que impede a penetração do
haustório e consequentemente o parasitismo. Os efeitos do parasitismo sobre o valor
adaptativo de hospedeiras foi estudado numa população de 390 indivíduos de Mimosa
calodendron. A mortalidade pode ser aumentada pelo parasitismo, pois com exceção de
um único indivíduo, todos morreram associados a S. flexicaulis. O número de
indivíduos parasitados aumentou conforme o tamanho. A cobertura foliar e o número de
frutos produzidos por indivíduos parasitados foram menores que em não parasitados.
Mimosas muito parasitadas apresentaram copas de 75 a 95% menores que as não
parasitadas. E os indivíduos parasitados produziram menos de 100 frutos (produção
média=37), em comparação com os não parasitados que produziram em média 144.
Uma conseqüência destes efeitos negativos é a diminuição do número de indivíduos de
M. calodendron ao longo do tempo. A influência do parasitismo associada aos fatores
abióticos estressantes podem levar a hospedeira à morte influenciando negativamente a
permanência de M. calodendron na canga. A taxa de parasitismo por espécie foi
analisada numa área de aproximadamente 9 ha, em 208 parcelas de 16 m2. Das 24
espécies parasitadas, 17 eram dicotiledôneas e 7 monocotiledôneas. As espécies mais
abundantes na comunidade foram: Mimosa calodendron (20,5%), Lychnophora pinaster
(12,6%) (Asteraceae), Sebastiana glandulosa (9,9%) (Euphorbiaceae), Eriope
macrostachya (7,7%) (Lamiaceae) e Vellozia compacta (5,2%). De maneira geral,
parcelas densas foram as mais ricas, possuíam mais indivíduos de M. calodendron e
mais espécies foram parasitadas. S. flexicaulis mostrou duas tendências quanto às taxas
de parasitismo, diretamente associadas ao hábito das plantas. Embora o parasitismo na
comunidade tenha se mostrado aleatório, pois a maioria das hospedeiras é parasitada de
acordo com a proporção em que aparece na comunidade, arbustivas foram mais
parasitadas do que herbáceas. Isto foi atribuído à preferência das aves dispersoras das
sementes de S. flexicaulis. Apesar do padrão aleatório, há evidências de que algumas
espécies, como M. calodendron, podem ser parasitadas acima da média para sua
categoria, indicando uma possível especificidade.
Palavras chaves: Canga, especificidade, hospedeiras, parasitismo, Struthanthus
flexicaulis.
2
Abstract
The family Loranthaceae is composed of approximately 1000 species distributed
among 75 genera. Of these, 6 genera and 36 species have been described for all the
Brazilian cerrado. Struthanthus is the main genus, with 16 species. S. flexicaulis is one
of the most common Brazilian hemiparasites, widely distributed throughout the cerrado
of central Brazil. They are considered epiparasites because they grow over the branches
of their hosts and hemiparasites because they photosynthesize, but obtain 60% of the
carbohydrates from their hosts. The species has green, oblong-aboval leaves of varied
sizes (between 0,9 and 3,0 cm). Its flowers are of approximately 3-4 mm and fruits 6-7
mm. It has long, flagelliform branches, where the appressoria, structures that aid in the
fixation of the parasite to the host, are formed. After the appresorium is fixed, the
connection between parasite and host involves the penetration of the haustorium, a
circular, dilated structure that invades the vascular tissues.
The objective of this dissertation was to understand the pattern of parasitism of
Struthanthus flexicaulis and its effects on the plant community over ironstone outcrops
in Serra do Rola Moça State Park (MG).
This dissertation was structured as follows: Resumo, Abstract, Chapters 1, 2 and
3, and Final Comments. Chapter 1 deals with the survey of hosts of S. flexicaulis in this
environment and the anatomical description of the pattern of hemiparasitism in five
hosts that are abundant in the area. In Chapter 2 the effects of parasitism on leaf cover
and fruit production of M. calodendron was evaluated intending to access the effects of
parasitism in individuals of different sizes. The population structure of M. calodendron
is described here. Finally, in Chapter 3, the parasitism on different hosts was quantified,
and the possible causes discussed.
The results indicate that S. flexicaulis is a generalist, attacking more than 40
species in rupestrian ferruginous fields. Among several life forms the number of
phanerophyte species attacked was the largest, possibly due to the permanence of their
aerial parts during the whole year. Anatomical studies of five selected species showed
that the parasite does not encounter any mechanical, anatomical or histochemical
defense from their hosts, except Vellozia compacta (Velloziaceae). V compacta has a
pseudocaule that prevents haustorium penetration and consequently the parasitism itself.
The effects of parasitism on host fitness was studied in a population of 390 individuals
3
of M. calodendron. Host mortality may increase with parasitism, because with the
exception of one individual, all others died associated with S. flexicaulis. The number of
parasitized individuals increased with size. The leaf cover and the number of fruits
produced by parasitized individuals were less than by non-parasitized ones. Heavily
parasitized individuals of M. calodendron suffered a reduction of 75 to 95% of leaf
cover, and all parasitized individuals produced less than 100 fruits (average production
= 37), comparing with the non-parasitated that had an average production of 144. A
consequence of these negative effects is the decrease of M. calodendron individuals
throughout time. The influence of parasitism associated with the stressing abiotic factors
may lead to the host’s death, influencing the permanence of M. calodendron in the area.
The rate of parasitism per species was analyzed in an area of approximately 9 ha, in 208
quadrats of 16 m2. The most abundant species were M. calodendron (20,5%),
Lychnophora
pinaster
(12,6%)
(Asteraceae),
Sebastiana
glandulosa
(9,9%)
(Euphorbiaceae), Eriope macrostachya (7,7%) (Lamiaceae) and V. compacta (5,2%). In
general, densest quadrats were the richest, contained more individuals of M.
calodendron and more species were parasitized. S. flexicaulis showed two tendencies
regarding the rates of parasitism, directly associated with the habit of the plants.
Although parasitism in the community appeared random, given that most hosts were
parasitized proportionally to their abundances, shrubs were more parasitized than herbs.
This was attributed to the preference of the birds that disperse S. flexicaulis seeds. In
spite of the random pattern, there are evidences that some species, such as M.
calodendron, may be parasitized above the mean for their category, possibly indicating
specificity.
Keywords: canga, specificity, hosts, parasitism, Struthanthus flexicaulis.
4
Capítulo 1
Hospedeiras de Struthanthus flexicaulis (Mart.) Mart. (Loranthaceae) e
caracterização anatômica do parasitismo.
Resumo
As plantas parasitas constituem um interessante grupo para diversos estudos
ecológicos porque podem modificar a estrutura da comunidade em que estão inseridas.
Os objetivos deste trabalho foram: realizar o levantamento das hospedeiras de S.
flexicaulis em campos rupestres ferruginosos, discutir a preferência por formas de vida
destas hospedeiras e identificar possíveis defesas e características anatômicas do
processo de hemiparasitismo em cinco espécies de plantas comuns dos campos
ferruginosos do Parque Estadual do Rola Moça pertencentes a diferentes famílias. Na
área de estudo foram encontradas 85 espécies de plantas vasculares distribuídas em 34
famílias. Struthanthus flexicaulis parasitou 44 espécies de 19 famílias, sendo cinco
monocotiledôneas, uma angiosperma basal e 13 . Estes números representam 52% das
espécies parasitadas. As famílias que apresentaram o maior número de espécies
parasitadas foram Asteraceae (8 espécies), Myrtaceae (4 espécies), Fabaceae e
Orchidaceae (4 espécies cada). A comunidade vegetal dos campos ferruginosos
apresentou alta diversidade e também elevada porcentagem de parasitismo. O
estabelecimento da parasita foi maior em fanerófitas possivelmente devido a
permanência de suas partes aéreas durante todo o ano. A anatomia das espécies
escolhidas sugere que a parasita não encontra nenhuma defesa mecânica, anatômica ou
histoquímica que impeça a penetração do haustório na interação com as hospedeiras,
exceto em V. compacta.
Palavras chaves: Anatomia, canga, hospedeiras, lista de espécies, Struthanthus
flexicaulis.
Introdução
As plantas parasitas constituem um interessante grupo para diversos estudos
ecológicos, pois podem modificar a estrutura e dinâmica da comunidade onde estão
5
inseridas, reduzindo a biomassa e alterando a alocação de recursos das espécies
hospedeiras (Press & Phoenix, 2005). Apesar deste efeito negativo nas espécies
parasitadas, podem também desempenhar papel benéfico na comunidade exercendo um
efeito top down em suas hospedeiras. O impacto na estrutura da comunidade pode ser
grande, principalmente se as espécies mais parasitadas forem as dominantes e o
parasitismo permitir a existência de espécies competitivamente subordinadas (Press,
1998). Além disso, são utilizadas como fonte de recursos para uma variedade de
organismos, entre eles polinizadores, dispersores (Aukema, 2003) tais como: 66
famílias de aves e 30 famílias de mamíferos, estendendo a 12 e 10 ordens
respectivamente (Watson, 2001). Os principais dispersores de sementes das mais de 700
espécies das famílias Eremolepidaceae, Misodendraceae, Loranthaceae e Santalaceae
(as duas últimas ocorrendo no Brasil) são aves, motivo pelo qual estas parasitas são
vulgarmente conhecidas como ervas-de-passarinho (Arruda et al., 2006).
A especificidade de hospedeiras nas plantas parasitas é um fator chave no estudo
do grupo, embora não haja um padrão claro nem mesmo dentro de uma família (Norton
& De Lange, 1999). Em ambientes homogêneos, onde há a predominância de apenas
uma espécie, a especificidade pode ser vantajosa, pois aumentaria a eficiência na
retirada de nutrientes e sais minerais da hospedeira. Na Nova Zelândia, as ervas-depassarinho Alepis flavida, Peraxilla colensoi e P. tetrapétala são especialistas
parasitando diferentes espécies de Nothofagus (Norton & Carpenter, 1998). Entretanto,
ser especialista em ambientes heterogêneos, onde muitas espécies são encontradas numa
mesma área, pode ser desvantajoso, pois aumenta a dificuldade –seja por parte da planta
ou do agente dispersor– de encontrar o hospedeiro específico, tornando inviável a
sobrevivência em um ambiente onde este hospedeiro ocorre em baixas densidades
(Norton & Carpenter, 1998; Arruda et al., 2006). Em condições ambientais severas, tais
como altas temperaturas, baixa disponibilidade de água e escassez de solo, a falta de
especificidade também seria vantajosa para o estabelecimento das parasitas. Foi
sugerido que o grau de especificidade está relacionado não somente à abundância local
como também ao grau de constância das hospedeiras no tempo e no espaço (Norton &
Carpenter, 1998; Norton & De Lange, 1999), que facilita tanto o crescimento vegetativo
quanto o recrutamento por sementes. Entretanto, a facilidade de encontrar a hospedeira
é somente um dos fatores que contribuem para esta especificidade, junto com outros
anatômicos e até químicos que promovem o reconhecimento da hospedeira e a formação
do haustório (Rodl & Ward, 2002; Press & Phoenix, 2005; Arruda et al., 2006).
6
A família Loranthaceae é constituída de 75 gêneros (Calvin & Wilson, 2006),
distribuídos em todos os continentes, exceto nos pólos (Calder & Bernardt, 1983). No
Brasil foram descritas cerca de 100 espécies, distribuídas em dez gêneros (Souza &
Lorenzi, 2005). São consideradas epiparasitas, porque crescem sobre o caule das
hospedeiras, e hemiparasitas, porque retiram água e sais minerais de suas hospedeiras,
mas possuem folhas clorofiladas capazes de realizar fotossíntese (Calder & Bernardt,
1983; Ehleringer et al., 1985; Calvin & Wilson, 2006). O interesse primário na pesquisa
de Loranthaceae têm sido os aspectos anatômicos e embriológicos (Venturelli, 1981,
1984a, 1984b; Venturelli & Kraus, 1989) enquanto as relações hemiparasitahospedeiras têm sido comparativamente pouco estudadas. Entretanto, algumas pesquisas
focalizando estas interações (Kuijt, 1969; Press & Grave, 1995; Dzerefos et al., 2003)
sugerem que representantes desta família sejam generalistas, utilizando com sucesso
uma grande variedade de espécies hospedeiras, graças à eficácia de suas raízes
altamente especializadas do tipo haustório. Este padrão foi confirmado em lorantáceas
brasileiras (Monteiro et al., 1992; Arruda et al., 2006).
Os haustórios são as estruturas mais diversificadas em Loranthaceae que em
qualquer outra família de plantas parasitas (Wilson & Calvin, 2005). São considerados
os tipos mais comuns de raízes epicorticais, ocorrendo em mais de 55% de todos os
gêneros aéreos desta família (Calvin & Wilson, 2006). O desenvolvimento do haustório
pode ser estimulado ou inibido dependendo da interação fisiológica parasita-hospedeira
e terá particularidades anatômicas que facilitarão em maior ou menor grau a fixação,
germinação das sementes e penetração deste haustório no xilema das hospedeiras
(Calvin & Wilson, 1995; Roxburgh & Nicolson, 2005). Vários relatos detalham
variações no desenvolvimento do haustório em diferentes espécies de plantas parasitas,
e uma mesma espécie de planta parasita pode reagir diferentemente a hospedeiras
distintas (Knutson, 1983).
As características estruturais dos galhos da hospedeira e disposição destes
representam uma condição básica para uma possível ocorrência das ervas-depassarinho. A rugosidade dos galhos pode facilitar a fixação das sementes tornando-as
resistentes à remoção causada por ação dos ventos e das chuvas (Arruda et al., 2006).
Embora López & Ornelas (2002) não tenham encontrado nenhuma relação entre a
sobrevivência das plântulas e características dos galhos, Arruda et al. (2006) afirmaram
que galhos com diâmetros muito grandes, acima de 3,0 cm, podem dificultar a
penetração do haustório. As ervas-de-passarinho se estabelecem melhor e sobrevivem
7
em galhos com diâmetros variando entre 1,0 e 1,4 cm (Sargent, 1995). Características
anatômicas como a espessura do caule e a concentração de polifenóis nas células das
hospedeiras, na medida em que aumentam, influenciam negativamente o sucesso do
estabelecimento de espécies parasitas (Hariri et al., 1992).
As aves dispersoras desempenham um papel fundamental no ciclo de vida da
parasita depositando suas sementes diretamente nos galhos das plantas. Características
como tamanho (Thompson & Mahall, 1983) e arquitetura das hospedeiras podem
influenciar o comportamento destas aves, aumentando ou diminuindo a deposição de
sementes (Overton, 1993; Aukema & Martinez del Rio, 2002a). Após a dispersão as
sementes necessitam de uma hospedeira compatível, ou seja, que não apresente defesas
efetivas contra a fixação, germinação e a penetração do haustório, pois se houver
incompatibilidade, elas podem não ser capazes de se estabelecer ou podem não
sobreviver caso se estabeleçam (Yan, 1993; Roxburgh & Nilcolson, 2005). De acordo
com Aukema e Martinez del Rio (2002b), essas diferenças ocorrem devido a três fatores
principais: 1) susceptibilidade diferencial dos hospedeiros ao ataque das parasitas (tanto
estruturais (forma) quanto químicas); 2) deposição diferencial de sementes da parasita
refletindo o hábito da ave dispersora conforme a preferência por poleiros e 3) diferenças
anatômicas das espécies (estrutura dos tecidos) interferindo na persistência da parasita
ao longo do tempo.
A estrutura de algumas hospedeiras pode ser modificada durante o período seco,
pois suas partes aéreas sofrem dessecamento. Raunkier (1934) propôs classificar as
plantas através do grau de proteção dos pontos de crescimento (gemas apicais). O
sistema de classificação consiste em 5 classes: fanerófitas (gema apical aérea, acima de
25 cm); caméfitas (gema apical acima do solo mas abaixo de 25 cm); hemicriptófitas
(gema apical na superfície do solo); geófitas (gema apical abaixo do solo) e terófitas,
composta pelas plantas anuais (Veloso et. al, 1991).
Este trabalho teve dois objetivos. O primeiro foi realizar o levantamento das
hospedeiras de S. flexicaulis em campos rupestres ferruginosos e discutir a preferência
por formas de vida destas hospedeiras segundo a classificação proposta por Raunkier
(1934) revista por Veloso et.al.(1991). O segundo foi identificar possíveis defesas e
características anatômicas do processo de hemiparasitismo em cinco espécies de plantas
comuns dos campos ferruginosos do Parque Estadual do Rola Moça pertencentes a
diferentes famílias. Procurou-se caracterizar os padrões anatômicos de resposta ao
parasitismo entre as espécies, observando apenas as características de defesa após o
8
estabelecimento das sementes. Para isso a seguinte pergunta foi formulada: 1) S.
flexicaulis consegue parasitar diversas hospedeiras em função da ausência de
mecanismos de defesas? Supõe-se que as plantas não apresentam defesas contra o
parasitismo de S. flexicaulis.
Materiais e métodos
Caracterização da área
O estudo foi realizado em uma área de canga couraçada no Parque Estadual da
Serra do Rola Moça, localizado a 35 km de Belo Horizonte (20° 03’ 60” S, 44° 02’ 00”
W), porção noroeste do Quadrilátero Ferrífero, MG. Esta região, no sul da Serra do
Espinhaço, está entre as áreas do Estado de Minas Gerais consideradas prioritárias para
a conservação da biodiversidade, devido à sua diversidade, alta porcentagem de
espécies endêmicas, e ameaças antrópicas, representadas principalmente pelas
atividades de mineração a céu aberto (Drummond et al., 2005). O clima da região é do
tipo mesotérmico, com uma pronunciada estação seca de abril a setembro e temperatura
média anual de 25°C (IBRAM, 2003).
A vegetação dos campos ferruginosos é dominada por monocotiledôneas como
orquídeas, gramíneas, canelas-de-ema e dicotiledôneas como Mimosa calodendron
(Fabaceae), Lychnophora pinaster (Asteraceae) e Stachytarpheta glabra (Verbenaceae)
(Vincent, 2004; Jacobi et al., 2007). A comunidade vegetal estudada cresce sobre canga
couraçada, um substrato muito compacto de minério de ferro, de coloração marrom a
negra, com baixíssima erodibilidade, de porosidade e permeabilidade variáveis (Klein,
2000; Rosière & Chemale, 2000; Vilela et al., 2004). Os solos, incipientes e rasos,
geralmente com acúmulo de matéria orgânica em pequenas fendas e depressões
formadas no substrato, apresentam baixo teor de umidade e nutrientes, e alto teor de
metais pesados (Vincent, 2004). Os ventos constantes e altos índices de radiação
ultravioleta contribuem para a severidade do ambiente, agravada durante a estação seca.
Struthanthus flexicaulis (Mart.) Mart.
S. flexicaulis pertence à família Loranthaceae e é considerada uma das
hemiparasitas brasileiras mais comuns, com ampla distribuição nas áreas de cerrado do
Brasil Central (Rizzini, 1980). O hemiparasitismo é caracterizado pela capacidade da
planta em fabricar açúcares através da fotossíntese, mas depende da retirada de água e
9
nutrientes das hospedeiras por meio de raízes especializadas (haustórios) sendo
parcialmente dependentes destas. O transporte de água e nutrientes através do xilema
ocorre devido a pressões negativas no topo da planta pela evapotranspiração nas folhas.
O xilema contribui para o crescimento em espessura do corpo vegetal, em seu completo
estágio de desenvolvimento, o xilema secundário constitui a madeira ou lenho. Essa
água pode ser difundida basicamente de duas maneiras: 1) exclusivamente pelo espaço
extracelular (apoplástico) sem atravessar qualquer membrana ou 2) movimentando-se
através de uma rede de citoplasmas celulares (simplástico) no interior das células (Taiz
& Zeiger, 2004). Quando ocorre o parasitismo estes dois mecanismos podem ser
utilizados para a extração de água e sais minerais.
Esta espécie possui ramos longos e flageliformes, onde se formam os
apressórios, estruturas que facilitam a fixação da parasita nas hospedeiras. As folhas são
verdes oblongo-abovaladas com tamanhos variados; e as flores e frutos pequenos (3-4
mm e 6-7 mm, respectivamente) (Fig. 1). O mesocarpo é composto por uma substância
pegajosa (visco), sendo muito consumido pela Guaracava-de-topete Elaenia cristata
(Tyrannidae), seu principal dispersor em campos rupestres quartizidicos na porção sul
da Cadeia do Espinhaço (Guerra, 2005).
Levantamento florístico
Para o levantamento das hospedeiras de S. flexicaulis, foi percorrida uma área de
campo ferruginoso de aproximadamente 9 ha, variando de 1350 a 1450m de altitude,
durante o final da estação chuvosa e início da estação seca, nos meses de março a julho
de 2006 (três dias/ mês). Restringiu-se a coleta de dados aos meses de março a julho
porque durante a estação seca muitas geófitas perdem suas partes aéreas e as terófitas
desaparecem e não seriam contabilizadas na amostragem. Todas as espécies de plantas
vasculares foram identificadas. Aquelas sustentando ramos de S. flexicaulis foram
examinadas externamente para verificar a formação de apressórios, estrutura que fixa a
parasita ao caule das hospedeiras indicando a existência de haustórios ou a utilização
apenas como suporte, folha modificada que se enrola no galho das hospedeiras. A lista
das famílias de Angiospermas seguiu a classificação do Angiosperm Phylogeny Group
– APG II (2003). Para caracterizar as formas de vida das hospedeiras, foram consideras
as principais classes de Raunkiaer, revistas por Veloso et al. (1991).
Anatomia do parasitismo
10
Para identificar possíveis defesas e características anatômicas do processo de
hemiparasitismo de S. flexicaulis foram escolhidas cinco espécies comuns nos campos
ferruginosos. Destas, quatro são arbustivas: Mimosa calodendron (Fabaceae),
Lychnophora pinaster (Asteraceae), Stachytarpheta glabra (Verbenaceae), Eriope
macrostachya (Lamiaceae) e uma herbácea, Vellozia compacta (Velloziaceae). Todas as
espécies são fanerófitas, mas possuem características distintas próprias de cada família.
As espécies escolhidas apresentam visualmente características distintas quanto à textura
de caule. A rugosidade dos galhos varia em maior e menor grau entre as espécies
escolhidas e em V. compacta o caule é recoberto por camadas de folhas (pseudocaule).
As descrições anatômicas foram baseadas em ramos parasitados e não parasitados, que
na sua maioria encontravam-se numa fase inicial do crescimento secundário.
Fragmentos da hemiparasita e das cinco hospedeiras, com desenvolvimento de
apressórios, em vários estágios de desenvolvimento dos haustórios, foram coletados e
fixados em FAA (formaldeído 37–40%, ácido acético glacial e álcool etílico 50% 1:1:18
v/v) e armazenados em álcool etílico 70% (Johansen, 1940). Após a fixação, o material
foi seccionado em cortes transversais e longitudinais com o auxílio de micrótomo de
mesa Spencer e à mão livre. As secções foram clarificadas em hipoclorito e coradas pela
mistura de azul de astra e safranina, ambos aquosos a 1%, na proporção 9:1 (v/v), e
montadas em gelatina glicerinada de Kaiser (Kraus & Arduin, 1997).
Testes histoquímicos foram realizados para um melhor entendimento da relação
parasita/hospedeira visando a detecção de derivados fenólicos diretamente em material
fixado em sulfato ferroso 4% em formalina (Johansen, 1940), por 48 horas. Os
compostos fenólicos formam uma classe de compostos do metabolismo secundário
quimicamente heterogêneo podendo ser tóxicos e conferir defesas químicas (alelopatia)
e até mesmo mecânicas (lignificação dos tecidos) contra o ataque de herbívoros e
parasitas (Crawley, 1997). Solução de cloreto férrico foi usada para evidenciar
compostos fenólicos (Kraus & Arduin, 1997) e floroglucina ácida para identificar
lignina (Kraus & Arduin, 1997).
Além dos testes para a detecção de compostos fenólicos, foram realizados testes
para lipídios e amido. Os lipídeos são importantes para a estruturação e funcionamento
das plantas e desempenham várias funções, tais como armazenamento de energia,
proteção contra a perda de água nos tecidos expostos (ceras), e ainda ativam defesas
vegetais contra o ataque de muitos insetos e patógenos (Taiz & Zeiger, 2004). Faz parte
deste grupo a suberina, uma camada cerosa e hidrofóbica, cuja deposição
11
(suberificação) ocorre como forma de reparo de lesões causadas nos tecidos vegetais.
Tanto os lipídios quanto o amido são importantes no armazenamento de energia e
integridade estrutural (componentes de açúcares e fosfato). O material-controle foi
mantido em metanol por 36 horas antes da fixação. As substâncias lipídicas foram
testadas com Sudan III em cortes transversais de material recém-coletado (Kraus &
Arduin, 1997). As seções-controle foram mantidas em clorofórmio:metanol (1:1, v/v)
aquecido a 600C por 90 minutos (Pearse, 1968). Para a detecção de amido foi utilizado o
reagente de Lugol (Jensen, 1962). As seções-controle foram submetidas à digestão pela
amilase salivar.
Registros dos aspectos que mais se destacaram como característicos das plantas
foram realizados através de fotomicrografias e desenhos do material seccionado com o
auxílio do fotomicroscópio Olympus BH2-BHS com câmara clara acoplada, no
Laboratório de Anatomia Vegetal do Departamento de Botânica da UFMG.
Resultados e Discussão
Na área de estudo foram encontradas 85 espécies de plantas vasculares
distribuídas em 34 famílias, com predominância de (24 famílias). Struthanthus
flexicaulis apresentou comportamento generalista, parasitando um total de 44 espécies
de 19 famílias, sendo cinco monocotiledôneas, uma angiosperma basal e 13 (Tab. 1).
Estes números representam 52% das espécies parasitadas. As famílias que apresentaram
o maior número de espécies parasitadas foram Asteraceae (8 espécies), Myrtaceae (4
espécies), Fabaceae e Orchidaceae (4 espécies cada).
Nas monocotiledôneas, os apressórios são formados principalmente nas folhas e
inflorescências, com exceção de Vellozia spp., em que também foram encontrados
apressórios no fruto e no pseudocaule. Nas demais angiospermas, os apressórios são
formados principalmente nos ramos apicais (Tab. 1, Fig. 2). Além dos apressórios
notou-se que as folhas da parasita se enrolavam nos galhos das hospedeiras, utilizandoos como sustentação. Não foi observado a formação de apressório em Tibouchina sp..
Houve predominância de hospedeiras fanerófitas (73%). Esta forma de vida,
representada por nanofanerófitas (indivíduos abaixo de 2 e acima de 0,25 m, segundo
Veloso et al., 1991) foi a mais freqüente na área de estudo, totalizando 64% das
espécies. As caméfitas e hemicriptófitas, menos representativas, tiveram 14% de
espécies parasitadas respectivamente. As formas de vida menos comuns, duas geófitas e
12
uma terófita, não foram parasitadas (Fig. 3). A representatividade de hospedeiras
fanerófitas foi maior do que sua proporção no total de espécies. Uma das causas da
especificidade por fanerófitas pode ser atribuída à permanência de suas partes aéreas
durante todo o ano, facilitando o estabelecimento da parasita. Durante a estação seca no
cerrado, o déficit hídrico pode ocorrer durante 5 a 7 meses (Nimer & Brandão, 1989).
Muitas plantas com outras formas de vida – terófitas, geófitas, mas também caméfitas e
hemicriptófitas – sofrem redução total, parcial ou dessecação das partes aéreas durante
os meses de seca, fazendo com que as fanerófitas sejam as principais e mais confiáveis
fornecedoras de água e nutrientes para S. flexicaulis.
Muitas hospedeiras fanerófitas de S. flexicaulis corresponderam àquelas espécies
preponderantes na paisagem estudada, e apontadas entre as mais abundantes em outros
campos ferruginosos (Vincent 2004, Jacobi et al., 2007). Entre elas destacaram-se os
subarbustos Mimosa calodendron, Lychnophora pinaster, Baccharis reticularia e
Stachytarpheta glabra, e as orquídeas Sophronitis caulescens e Acianthera teres. Estes
resultados corroboram outros trabalhos que mostraram que a abundância do hospedeiro
pode favorecer a especificidade da parasita uma vez que as interações tornam-se
freqüentes (Norton & Carpenter, 1998; Norton & De Lange, 1999).
As Loranthaceae apresentam uma baixa especificidade por hospedeiros em
comunidades heterogêneas como florestas tropicais úmidas, (Norton & Carpenter,
1998), savanas (Dzerefos et al., 2003) e cerrados (Arruda et al., 2006), em que
abundâncias relativas das espécies são baixas quando comparadas a regiões temperadas.
Nos cerrados, 47 espécies foram amostradas e destas, aproximadamente 18% estavam
parasitadas (Arruda et al., 2006). Nota-se claramente que as espécies do cerrado foram
bem menos parasitadas que as espécies deste trabalho. Os campos ferruginosos
constituem um exemplo de comunidade vegetal com alta diversidade em que 52% das
espécies amostradas foram parasitadas.
Os cortes anatômicos permitiram visualizar a emissão de haustório e contato entre
o sistema vascular da hospedeira com a hemiparasita nas espécies M. calodendron, L.
pinaster, S. glabra e E. macrostachya (Fig. 2). Todas as espécies apresentaram
crescimento secundário, mesmo quando o diâmetro do caule era inferior a 1 cm.
Durante o crescimento secundário ocorre a deposição de novos tecidos vasculares e
fibras aumentando o diâmetro do caule. Em M. calodendron e L. pinaster ocorre a
presença de alta densidade pêlos tectores na epiderme, que poderiam facilitar a adesão
das sementes da parasita em seus galhos. Durante a dispersão ornitocórica, as sementes
13
regurgitadas e depositadas nos galhos das hospedeiras podem ser removidas pela ação
dos ventos fortes e das chuvas, muito comum em campos ferruginosos.
Em todas as espécies estudadas observou-se a adesão do apressório (Fig. 2) e a
penetração do haustório. O haustório, após atravessar a epiderme, desenvolve-se através
do córtex (camada mais interna) e, dependendo do estágio de crescimento do caule,
atravessa uma barreira mecânica passando por entre os feixes de fibras, até atingir o
xilema secundário. Nas plantas sujeitas a déficit hídrico, como as espécies deste
trabalho, os vasos condutores (xilema e floema) são estreitos, mais agrupados e bastante
numerosos (Appezzato-da-Glória & Carmello-Guerreiro, 2004). Nos cortes, pode-se
observar que o haustório entra em contato com o xilema secundário em ângulo reto ou
de forma periférica, envolvendo-o parcialmente. Poucas vezes foi registrado o haustório
dentro do xilema secundário. Nestas raras situações acredita-se que houve uma inserção
do haustório pela continuidade de crescimento da hospedeira. O tipo de conexão entre o
xilema da hospedeira e da hemiparasita sugere que a absorção de água e sais minerais
ocorre por mecanismos simplastos (por entre as células) e apoplasto (espaço
extracelular), como observado por Pate et al. (1898).
Dentre as espécies estudadas, as características epidérmicas e peridérmicas não
indicam nenhuma defesa efetiva para prevenir o parasitismo, uma vez que nenhuma
delas apresenta propriedades esfoliativas que impediriam a fixação de sementes, a
penetração das raízes sugadoras, ou outras características eficientes no impedimento do
parasitismo. Em nenhuma das espécies parasitadas as barreiras mecânicas formadas por
fibras e esclereides (células com paredes muito lignificadas e espessas) foram
suficientes para um bloqueio efetivo da instalação e penetração do haustório. Em um
ambiente estressante como a canga, estas espécies podem não investir em defesas contra
o parasitismo porque estes mecanismos envolvem gastos de energia. Testes com
floroglucina acidificada mostraram níveis diferenciados de lignificação entre as
hospedeiras, mas sem conferir uma barreira mecânica (Fig. 4). Não foi observada
nenhuma defesa histoquímica. Testes com Sudan mostraram que apenas em S. glabra
houve uma ligeira suberificação próxima ao haustório, sem caracterizar um mecanismo
de cicatrização que bloqueasse a penetração do mesmo.
Em V. compacta, apesar de haver formação de apressório, não foi registrada a
presença de parasitismo no caule, uma vez que esse é protegido por uma espessa
camada de bainhas foliares mortas que impede o acesso do haustório ao caule. A
formação de haustório nessa espécie ocorreu somente nas folhas. O haustório perfura a
14
lâmina foliar transversalmente sem um contato direto com o sistema vascular da
hospedeira (Fig. 2). V. compacta, por possuir porte herbáceo e estrutura morfoanatômica (pseudocaule) com menor capacidade de instalação dos haustórios, foi
considerada como suporte para a hemiparasita, sem um aparente fluxo de água e outros
compostos entre elas.
Testes com cloreto férrico não mostraram acúmulos de compostos fenólicos que
indicassem uma resposta ao estresse nas hospedeiras, mas foram encontrados em S.
flexicaulis. Estes testes demonstraram um acúmulo acentuado de compostos fenólicos
principalmente no apressório e no haustório em todas as interações com as 5 espécies,
não caracterizando uma resposta específica. Testes com lugol detectaram amido no
apressório e no haustório de S. flexicaulis e em pequena concentração nas hospedeiras.
O amido é uma forma de reserva de carboidratos e pode ser utilizado no crescimento
dos tecidos vegetais (Larcher, 2000). A presença de amido em quantidades variáveis, no
apressório e no haustório, foi freqüente, sem que uma relação direta possa ser
estabelecida.
A comunidade vegetal dos campos ferruginosos apresentou alta diversidade e
também elevada porcentagem de parasitismo. O estabelecimento da parasita foi maior
em fanerófitas possivelmente devido a permanência de suas partes aéreas durante todo o
ano. A anatomia das espécies escolhidas demonstrou que a parasita não encontra
nenhuma defesa mecânica, anatômica ou histoquímica na interação com as hospedeiras,
exceto em V. compacta. As únicas ações eficientes registradas, no nível anatômico, para
impedimento do parasitismo são: a espessura da periderme revestindo o caule, ou pela
disposição de bainhas de folhas como em V. compacta, e a incapacidade de absorção do
haustório em caules jovens e em folhas, devido à organização primária do tecido
vascular nesses órgãos. As plantas dos campos ferruginosos devem enfrentar o efeito
combinado de fatores estressantes como elevadas temperaturas, escassez de água,
escassez de nutrientes e reduzida camada de solo e talvez por esse motivo não invistam
em defesas contra o parasitismo.
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19
Tabela 1-Lista das espécies de plantas vasculares parasitadas por Struthanthus
flexicaulis (Mart.) Mart. em uma área de campo rupestre ferruginoso localizado
no PE Serra do Rola Moça, MG. Forma de vida: Cam = caméfita, Fan =
fanerófita, Geo = geófita, Hem = hemicriptófita, Ter = terófita. Local de
formação de haustório: Inflor = inflorescência, Pseu = pseudocaule.
Família
Espécie
Pteridófitas
Polypodiaceae
Microgramma squamulosa (Kaulf.) de la Sota
Polypodium minarum Weath.
Angiospermas Basais
Lauraceae
Ocotea tristis (Nees) Mez
Piperaceae
Peperomia decora Dahlst.
Peperomia gallioides Kunth
Monocotiledôneas
Alstroemeriaceae
Alstroemeria plantaginea Mart.
Araceae
Anthurium minarum Sakuragui & Mayo
Bromeliaceae
Aechmea bromeliaefolia (Rudge) Baker
Billbergia minarum L.B.Sm.
Dyckia cf. simulans L.B. Sm.
Vriesea minarum L.B. Sm.
Cyperaceae
Bulbostylis fimbriata C.B.Clarke
Lagenocarpus rigidus Nees.
Orchidaceae
Acianthera teres (Lindl.) Borba
Epidendrum secundum Vell.
Habenaria sp.
Oncidium blanchetti Rchb.f.
Prosthechea vespa (Vell.) W.E. Higgins
Sophronitis caulescens (Lindl.) Van den Berg & M.W.Chase
Poaceae
Andropogon bicornis L.
Andropogon ingratus Hack.
Melinis minutiflora P. Beauv.
Panicum sellowii Nees.
Paspalum scalare Trin.
Forma de
vida
Formação de
Haustório
Hem
Hem
-
Fan
Ramo
Cam
Cam
-
Geo
-
Cam
-
Hem
Hem
Hem
Hem
Folha
Folha
Folha
Cam
Cam
Folha/Inflor
Cam
Cam
Geo
Cam
Cam
Cam
Folha
Inflor
Inflor
Folha
Hem
Hem
Hem
Hem
Hem
Folha/Inflor
Folha
20
Tabela 1 – (continuação)
Velloziaceae
Vellozia compacta Mart.
Vellozia crassicaulis Mart. ex Schult. f.
Vellozia graminea Pohl.
Acanthaceae
Justicia riparia Kameyama
Apocynaceae
Ditassa mucronata Mart.
Ditassa sp.
Asteraceae
Ageratum fastigiatum (Gardn.) R.M. King & H. Rob.
Ageratum myriadenium R.M.King & H. Rob.
Aspilia sp.
Baccharis pingraea DC.
Baccharis reticularia DC.
Chromolaena sp. 1
Chromolaena sp. 2
Dasyphyllum candolleanum (Gardner) Cabrera
Eremanthus erythropappus (DC.) N.F.F. MacLeish
Koanophyllon adamantium (Gardn.) R.M. King & H. Rob.
Lychnophora pinaster Mart.
Symphyopappus brasiliensis (Gardn.) R.M.King & H Rob.
Trichogonia sp.
Trixis vauthieri DC.
Stevia sp.
Begoniaceae
Begonia rufa Thunb.
Cactaceae
Arthrocereus glaziovii (K. Schum.) N.P.Taylor & D.C. Zappi
Celastraceae
Maytenus gonoclada Mart.
Clusiaceae
Clusia arrudae Planchon & Triana
Convolvulaceae
Evolvulus filipes Mart.
Ipomoea sp.
Euphorbiaceae
Croton serratoideus Radcl.-Sm. & Govaerts
Sebastiania glandulosa (Mart.) Pax
Fabaceae
Bauhinia rufa R.Grah.
Copaifera langsdorffii Desf.
Fan
Cam
Cam
Folha/Pseu
Fruto
-
Fan
-
Fan
Fan
-
Fan
Fan
Fan
Fan
Fan
Fan
Fan
Fan
Fan
Fan
Fan
Fan
Fan
Fan
Fan
Ramo
Ramo
Ramo
Ramo
Ramo
Ramo
Ramo
Folha/Ramo
-
Fan
-
Cam
-
Fan
Ramo
Fan
Ramo
Cam
Cam
-
Fan
Fan
Ramo
Ramo
Fan
Fan
Ramo
Ramo
21
Tabela 1 – (continuação)
Mimosa calodendron Mart.
Periandra mediterranea Taub
Lamiaceae
Eriope macrostachya Mart. ex Benth.
Vitex sellowiana Cham.
Malpighiaceae
Byrsonima variabilis A. Juss.
Heteropterys sp.
Melastomataceae
Leandra australis (Cham.) Cogn.
Microlicia sp.
Tibouchina sp.
Tibouchina multiflora Cogn.
Meliaceae
Cabralea canjerana (Vell.) Mart.
Myrtaceae
Eugenia sonderiana O.Berg
Myrcia mutabilis (O.Berg) N.J.E. Silveira
Myrcia splendens DC.
Siphoneugena densiflora O.Berg
Nyctaginaceae
Guapira opposita (Vell.) Reitz
Ochnaceae
Ouratea semiserrata Engl.
Portulacaceae
Portulaca hirsutissima Cambess.
Rubiaceae
Alibertia vaccinioides K. Schum.
Borreria cf. capitata (Ruiz & Pav.) DC.
Coccocypselum lanceolatum Pers.
Galiante angustifolia (Cham. & Schltdl.) Cabral
Psychotria vellosiana Benth.
Sapindaceae
Matayba mollis Radlk.
Solanaceae
Solanum refractifolium Sendt.
Solanum subumbellatum Vell.
Styracaceae
Styrax ferrugineus Nees & Mart.
Verbenaceae
Lantana camara L.
Stachytarpheta glabra Cham.
Vochysiaceae
Vochysia sp.
Famílias
Total (34)
Espécies
Total (85)
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Ramo
Ramo
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Ramo
-
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Hem
Folha
Ramo
Inflor/Ramo
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Ter
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Ramo
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Parasitadas (19)
Parasitadas (44)
-
22
A
B
C
D
E
Fig.1- Struthanthus flexicaulis (Mart.) Mart. A) Ramos longos e flageliformes com folhas
verdes oblongo-abovaladas de tamanhos variados; B) Frutos; C) Botões e flores; D)
Germinação da semente; E) Apressórios (indicados pela setas). Escala: Barra = 1cm
23
B
A
C
Sf
Er
Sf
Mc
D
E
Sf
Vc
F
Sf
Mc
Ha
G
Xi
Mc
Fig. 2 - A) Corte transversal de Struthanthus flexicaulis (Sf) e Eriope macrostachya
(Er). Assinalado pela seta, nota-se o início da emissão do haustório; B) Detalhe da fixação da
hemiparasita no galho de Mimosa calodendron (Mc); C) Haustório de S. flexicaulis (Sf) em contato com
o xilema de M. calodendron (Mc) D e E) Parasitismo observado na folha de Vellozia compacta (Vc); F)
Corte transversal de S. flexicaulis (Sf) e M. calodendron (Mc), nota-se o haustório em contato com o
xilema da hospedeira; G) Detalhe da figura F, haustório de S. flexicaulis (Ha) em contato com o xilema
(Xi) de M. calodendron. Escalas: Cortes anatômicos – barra = 200µc; fotos – barra = 1cm
24
A)
B)
Fig. 3- Classificação das espécies em Formas de vida: Fanerófitas (fan) =gema apical
acima de 25 cm; Caméfita (cam) = gema apical acima do solo mas abaixo de 25 cm;
Hemicriptófita (hem) = gema apical na superfície do solo; Geófita (geo) = gema apical
abaixo do solo e Terófita (ter)= plantas anuais. A) estrutura da comunidade e B)
espécies parasitadas.
Teste
Hospedeiras
Hemiparasita
Cloreto Férrico
(compostos fenólicos)
Sudan
(suberina)
Lugol
(amido)
Floroglucina
acidificada
(lignina)
Sem acúmulo
Alta
concentração
Ausente
Ligeira suberização
Baixa
concentração
Anéis de fibras
floemáticas ou
pericíclicas
Alta
concentração
Esclereídes
Fig. 4- Resultado dos testes histoquímicos realizados com as cinco hospedeiras e a
hemiparasita S. flexicaulis.
25
Capítulo 2
Efeitos do parasitismo de Struthanthus flexicaulis (Loranthaceae) sobre uma
população de Mimosa calodendron (Fabaceae).
Resumo
O valor adaptativo das hospedeiras pode ser influenciado pelo parasitismo. O
objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito do parasitismo de Struthanthus flexicaulis
sobre uma população de Mimosa calodendron em um afloramento ferruginoso, espécie
dominante na vegetação de canga. A estrutura populacional de M. calodendron foi
analisada a partir de 390 indivíduos e o número de indivíduos parasitados aumentou
conforme o aumento do diâmetro da copa. A maior proporção de indivíduos parasitados
(76,92%) foi observado em plantas de diâmetro da copa superior a 170 cm. O aumento
do índice de parasitismo (IP) teve correspondência com maior redução da cobertura
foliar da hospedeira e menor produção de frutos. De uma maneira geral, mimosas muito
parasitadas (IP > 1,5) apresentaram copas de 75 a 95% menores. As hospedeiras
parasitadas produziram menos de 100 frutos e as não parasitadas produziram em média
144 frutos, sendo este valor muito variado. A influência do parasitismo e os fatores
abióticos podem levar a hospedeira à morte influenciando negativamente a permanência
de M. calodendron na canga e possivelmente regulando a comunidade favorecendo a
diversidade local.
Palavras chaves: Canga, cobertura foliar, índice de parasitismo, Mimosa calodendron,
produção de frutos, Struthanthus flexicaulis.
Introdução
O valor adaptativo (ou fitness) de um organismo é definido como sua
contribuição à geração seguinte na população, então fatores que afetem a produção e
viabilidade das sementes estão entre os mais importantes a serem avaliados. A produção
de frutos e sementes em uma planta pode ser reduzida por muitos fatores, dentre os
quais se encontra o parasitismo (Press & Phoenix, 2005). As plantas parasitas podem
alterar as taxas de sobrevivência e fecundidade de suas hospedeiras e, portanto
26
modificar a estrutura e dinâmica de populações (Press & Phoenix, 2005) e
consequentemente das comunidades. De acordo com Graves (1995), os efeitos do
parasitismo geralmente podem ser compreendidos por uma combinação de quatro
fatores: 1) o tamanho da parasita; 2) a taxa de crescimento e atividade metabólica da
parasita; 3) o grau de dependência dos recursos retirados das hospedeiras e; 4) o estágio
de desenvolvimento da hospedeira. O crescimento da parasita implica em aumento na
retirada de nutrientes e água das plantas parasitadas. A água torna-se um fator crítico
quando a retenção desta no ambiente é baixa e a temperatura é elevada. Além disso, a
presença das parasitas eleva as taxas de transpiração de suas hospedeiras (Bowie &
Ward, 2004). Assim acabam causando estresse hídrico nas plantas parasitadas (Bowie
& Ward, 2004). Em alguns casos, a influência do parasitismo chega a extremos,
podendo levar sua hospedeira à morte (Aukema, 2003).
A retirada de água e nutrientes das hospedeiras, necessários à sobrevivência das
parasitas, acontece por meio de haustórios, uma estrutura circular e dilatada que invade
tecidos vasculares (Riopel & Timko, 1995; López de Buen & Ornelas, 2002). Ao
invadir o sistema vascular das hospedeiras, as parasitas podem alterar o crescimento,
alometria, reprodução e fisiologia das mesmas reduzindo significativamente seu
desempenho (Press et al., 1999). O parasitismo de Pinus por Psittacanthus ssp.
(Loranthaceae) reduz seu crescimento devido à perda de cobertura foliar e remoção de
nutrientes e água (Howell & Mathiasen, 2004). Os efeitos na alometria e arquitetura das
hospedeiras podem reduzir a capacidade fotossintética e alterar as taxas de respiração
(Ehleringer et al., 1985). O tempo de infestação da parasita é outro fator muito
importante na determinação da magnitude da redução do crescimento das hospedeiras
(Howell & Mathiasen, 2004).
As hospedeiras podem apresentar suscetibilidade diferencial ao ataque das
parasitas (Aukema & Martinez del Rio, 2002). Dentro de uma população este fato deve
ocorrer uma vez que as plantas apresentam estágios de desenvolvimento diferenciados
como idade e tamanho. Quando os indivíduos de uma população são analisados
isoladamente, nota-se que num intervalo de tempo, enquanto alguns crescem, outros
permanecem do mesmo tamanho, alguns se reproduzem e outros morrem em idades préreprodutivas (Figueira, 1998). Muitas hospedeiras desenvolvem resistência ao
parasitismo criando mecanismos de defesa (Aukema, 2003). Estes mecanismos incluem
características físicas (arquitetura da hospedeira) que impedem a deposição da semente
e/ou defesas estruturais e bioquímicas que previnem o estabelecimento das plântulas
27
depois que a semente foi depositada (Reid et al., 1995; Medel, 2000). O estágio de
desenvolvimento da hospedeira pode contribuir para a deposição diferencial de
sementes da parasita pela ave dispersora refletindo seu padrão de preferência por
poleiros e diferenças anatômicas das espécies interferindo na persistência da parasita ao
longo do tempo (Aukema & Martinez del Rio, 2002). As sementes depositadas
necessitam fixar-se ao galho das hospedeiras, pois uma conexão entre a semente e a
hospedeira é essencial para o estabelecimento e sobrevivência das plântulas da parasita
(Norton & Carpenter, 1998). Se não houver esta conexão, não ocorrerá a penetração do
haustório e estas plântulas não sobreviverão (Roxburgh & Nilcolson, 2005).
O desenvolvimento das plântulas da parasita é dependente da “qualidade” das
hospedeiras, ou seja, dos recursos disponíveis para seu crescimento (Press & Phoenix,
2005). Estas plântulas sobrevivem melhor em hospedeiras mais abundantes (Roxburgh
& Nicolson, 2005) e ricas em nitrogênio, como as leguminosas (Bowie & Ward, 2004).
Por esse motivo, hospedeiras mais ricas nutricionalmente são as mais afetadas. Isto
ocorre porque a sobrevivência e reprodução da parasita é aumentada nestas hospedeiras
(Kelly, 1990).
A maioria das Loranthaceae é generalista (Kuijt 1969; Press & Grave 1995;
Dzerefos et al., 2003). Estudos de autores como Guerra (2005) e Mourão et al. (2006)
encontraram o mesmo para Struthanthus flexicaulis, confirmando o padrão observado
por Norton & Carpenter (1998) para Loranthaceae em regiões tropicais. Por ser uma
hemiparasita, S. flexicaulis realiza fotossíntese, mas retira água e sais minerais de suas
hospedeiras. A dispersão desta hemiparasita pode ocorrer de duas maneiras: através da
deposição de sementes regurgitadas pelas aves dispersoras (dispersão ornitocórica),
motivo pelo qual são vulgarmente conhecidas como erva-de-passarinho (Arruda et al.,
2006), ou através da emissão de ramos a vizinhas mais próximas (dispersão vegetativa).
O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito do hemiparasitismo de Struthanthus
flexicaulis sobre uma população de Mimosa calodendron em um afloramento
ferruginoso. Para isso as seguintes perguntas foram formuladas: 1) Como está
estruturada a população de M. calodendron? 2) O parasitismo afeta igualmente os
indivíduos de M. calodendron de tamanhos diferentes na população? Supõe-se que os
diversos estágios de M. calodendron serão afetados de maneira desigual pelo
parasitismo.
28
Métodos
Área de estudo
Este estudo foi realizado em uma área de campo rupestre sobre canga, localizado
no Parque Estadual da Serra do Rola Moça - MG (20o03’60”S, 44o02’00”W), região
sul do Quadrilátero Ferrífero (QF). O QF é uma área prioritária para a conservação no
Estado de Mina Gerais, pois apresenta elevada diversidade biológica, muitas espécies
endêmicas e está sujeito a fortes pressões antrópicas (Drummond et al., 2005). O clima
da região é caracterizado por uma pronunciada estação seca de abril a setembro e
temperatura média anual é de 25°C. Os campos rupestres ferruginosos apresentam alta
incidência solar, reduzida camada de matéria orgânica, escassez de água e solos
escassos com elevadas concentrações de metais pesados (Silva et al., 1996; Klein, 2000;
Rosière & Chemale, 2000; Vilela et al., 2004). Nestes campos a vegetação possui
diversas adaptações morfológicas e fisiológicas necessários à sua sobrevivência a estes
fatores tais como, folhas coriáceas ou suculentas, modificação de órgãos em estrutura de
reserva, pêlos nas folhas (Viana & Lombardi, 2007), necessárias ao seu
estabelecimento, pois devem enfrentar o efeito combinado destes fatores estressantes. A
vegetação é baixa, composta por poucos indivíduos de porte arbóreo, dominada por
como Asteraceae, Fabaceae e Myrtaceae e monocotiledôneas como Poaceae,
Cyperaceae e Orchidaceae (Vincent, 2004). Algumas espécies são de extrema
importância, como é o caso de Mimosa calodendron, uma leguminosa dominante que
contribui para a estruturação desta comunidade (Jacobi et al., 2007). Sua copa produz
sombra que ameniza a temperatura do solo facilitando o estabelecimento de outras
espécies.
Struthanthus flexicaulis Mart. (Mart.)
Struthanthus é um dos principais gêneros de plantas parasitas no cerrado brasileiro
e é composto por 16 espécies, todas hemiparasitas (Barboza, 2000). O hemiparasitismo
é caracterizado pela capacidade da erva de passarinho em fabricar açúcares através da
fotossíntese, mas depende da retirada de água e nutrientes das hospedeiras (Calder &
Bernardt, 1983; Ehleringer et al., 1985; Calvin & Wilson, 2006). Possui ramos longos,
flageliformes, folhas oblongo-abovadas, com flores e frutos pequenos (3-4 mm e 6-7
mm respectivamente). Seus frutos contêm uma substância pegajosa no mesocarpo
29
(visco) responsável pela adesão ao substrato (Rizzini, 1995), sendo consumidos e
dispersados principalmente pela Guaracava-de-topete Elaenia cristata (Tyrannidae)
(Guerra, 2005). As sementes regurgitadas são depositadas nos galhos das hospedeiras e
quando se estabelecem formam o haustório primário. Quando as sementes germinam e
crescem, outro mecanismo de dispersão de Struthanthus flexicaulis é observado. A
parasita se fixa, através de raízes epicorticais caulinares (Calvin & Wilson, 2006), em
diversas partes das hospedeiras tais como caules, folhas e inflorescências (Mourão et
al., 2006). Estes ramos emitidos podem atingir a vizinha mais próxima e, através do
contágio, dispersar vegetativamente.
Mimosa calodendron Mart.
Mimosa calodendron (Fabaceae) é uma leguminosa abundante nos campos
rupestres sobre canga, e freqüentemente atacada pela hemiparasita Struthanthus
flexicaulis (Loranthaceae). Acredita-se que M. calodendron seja endêmica dos campos
rupestres sobre canga do Quadrilátero Ferrífero (Barneby, 1991). Esta hospedeira é
perene e de porte arbustivo, o que permite que seja utilizada como poleiro por diversas
aves, inclusive as dispersoras de S. flexicaulis. M. calodendron tende à agregação (vide
cap. 3), pois a maioria de suas sementes cai próximo da planta-mãe e quando se
estabelecem formam grandes manchas verdes na paisagem. Estas manchas são
facilmente localizadas pelas aves, que depositam as sementes de S. flexicaulis
regurgitadas, promovendo a dispersão.
Coleta de dados
Para a análise do efeito do parasitismo, foi demarcada uma área de 80 x 40m2
onde todos os indivíduos de M. calodendron foram marcados. Nestes indivíduos foram
tomadas medidas de altura total e diâmetro máximo. Em seguida, estes mesmos
indivíduos foram ainda separados em categorias: parasitado ou não parasitado; vivo ou
morto; e com deposição de sementes de S. flexicaulis e/ou parasitas que apresentavam
um ou mais haustórios secundários. Os haustórios secundários se formam através do
contato do ramo da parasita com o galho das hospedeiras. Já o primário se forma através
da conexão da semente da parasita e o galho das hospedeiras (vide cap.1). Os indivíduos
foram separados em classes de tamanho, avaliadas pelo diâmetro máximo. Esta escolha
foi baseada no hábito da parasita que utiliza a copa das hospedeiras para se fixar e
retirar os nutrientes e água. Além disso, utilizando uma correlação de Spearman, foi
30
demonstrado que a altura dos indivíduos está correlacionada com o diâmetro máximo
(rs=0,732; n= 342; p<0,0001). Os indivíduos com diâmetro de copa menor que 30 cm
localizados dentro desta área não estavam parasitados e por esse motivo foram incluídos
apenas na análise da estrutura populacional.
Os dados de cobertura foliar e produção de frutos foram coletados durante a
estação chuvosa, nos meses de janeiro a abril de 2006. Para analisar o efeito de S.
flexicaulis sobre a cobertura foliar de M. calodendron foram escolhidos 50 indivíduos
parasitados. Utilizou-se um quadrado de 100 cm2, que foi colocado sobre a copa da
hospedeira em três diferentes localizações (formando um triângulo) e estas áreas foram
fotografadas. Em laboratório, através de registro fotográfico foram calculadas as
porcentagens de cobertura foliar. As hospedeiras foram medidas em sua altura total e
diâmetro máximo. A área da copa foi estimada através do cálculo da área de uma
circunferência (πR2) onde R = diâmetro máximo/2.
Para avaliar o efeito na produção de frutos de mimosas, 60 indivíduos (30 não
parasitados e 30 parasitados) foram marcados e as medidas de altura e diâmetro foram
tomadas para cálculo da área da copa. Em cada indivíduo (parasitado e não parasitado)
foram coletados todos os frutos situados dentro de uma moldura de área de 300cm2, que
foi colocada aleatoriamente sobre a copa da mimosa. Em laboratório o número de frutos
foi contabilizado.
Para estimar o índice de parasitismo (IP), foram realizados transectos paralelos
distantes 10 cm um do outro que se iniciavam a 10 cm da copa das mimosas, e o
número de toques dos ramos da parasita (NT) foram contabilizados (Fig.1). Ao final, os
valores obtidos foram somados e divididos pela área (A). O IP é utilizado para estimar o
tamanho de S. flexicaulis dentro da copa das hospedeiras. Os indivíduos de mimosa não
parasitados (NP) receberam o valor zero. Indivíduos na fase inicial da infestação
(quando forma-se o primeiro haustório) receberam o valor 1 dividido pela área da
mimosa. Como os resíduos não apresentaram distribuição normal, a Correlação de
Spearman foi utilizada para relacionar a área da copa das mimosas com o IP.
Para avaliar a emissão de ramos da parasita para fora das copas das hospedeiras,
20 indivíduos de mimosas parasitados foram marcados e as medidas de altura total, e
diâmetro máximo foram tomadas. Calculou-se o IP e contou-se o número de ramos da
parasita emitidos que saíam das copas das hospedeiras.
31
Legenda
Parasita
Mimosa
Transectos
Distância (borda e entre transectos)
10cm
Fig.1- Metodologia utilizada para o cálculo do Índice de Parasitismo IP=Σ ( NT) / A.
Análises estatísticas
Utilizou-se logaritmo na base 10 para homogeneizar a variância dos dados.
Correlações de Spearman foram utilizadas para avaliar as relações entre o índice de
parasitismo (IP) com a área das mimosas, a cobertura foliar e o número de frutos
produzidos. Utilizou-se regressão linear para verificar a influência do parasitismo sobre
a produção dos frutos de M. calodendron parasitadas e não parasitadas, e para relacionar
o número de ramos produzidos com o IP.
Resultados
Neste estudo, 390 indivíduos foram avaliados para a descrição da estrutura
populacional de Mimosa calodendron. O grupo de mimosas separado em classes de
diâmetro e em categorias de formas de parasitismo está representado nas Figs. 2 e 3. A
altura dos indivíduos variou de 15 a 155 cm e o diâmentro máximo da copa de 10 a 210
cm. Nesta população apenas um indivíduo estava morto sem estar parasitado, os demais
(43) apresentavam vestígios da parasita ou ramos vivos que buscavam novas
hospedeiras. A altura dos indivíduos mostrou-se correlacionada com o diâmetro da copa
(rs=0,732; n= 342; p<0,0001).
O número de indivíduos parasitados e a mortalidade aumentaram, com pequenas
variações, conforme o aumento do diâmetro da copa de M. calodendron (Fig.2). O
maior número de indivíduos parasitados (76,92%) foi observado em plantas de diâmetro
superior a 170 cm. Mimosas com diâmetros menores (10-30 cm) não foram parasitadas.
O parasitismo na segunda classe (diâmetro entre 30 e 50 cm) foi o menor (24%) e
apenas 2% dos indivíduos estavam mortos.
Ao analisar a forma de parasitismo, poucas eram as hospedeiras parasitadas
apenas por deposição de sementes. Este depósito ocorreu na primeira (30-50 cm), na
32
quinta (111-130 cm) e nas duas últimas (<151 cm) classes de diâmetro (Fig. 3). Os
indivíduos parasitados apenas por parasita com pelo menos um haustório secundário,
ocorreram em grandes proporções nas classes intermediárias de diâmetro da copa da
hospedeira. Esta amostragem representa a dispersão vegetativa. A porcentagem de
parasitismo por ramos diminui com o aumento das classes de diâmetro, ocorrendo o
inverso entre as plantas parasitadas por sementes e estes mesmos ramos. Em diâmetros
maiores (> 131 cm), o parasitismo por deposição de sementes e por ramos com
haustórios secundários foi aproximadamente 40, 67 e 63 % nas três últimas classes,
respectivamente.
O índice de parasitismo esteve positivamente correlacionado com a área da copa
das mimosas (Fig.4). Os ramos da parasita crescem, emitem ramos laterais que se
prendem em novos galhos da hospedeira formando haustórios secundários. A equação
que descreve esta reta é y= -3.408 + 1.504x (r2 =0,418).
Como o índice de parasitismo aumenta com o aumento da área da copa, então
em hospedeiras de copas maiores a parasita pode emitir mais ramos. A emissão de
ramos pela parasita está correlacionada positivamente com o índice de parasitismo
(y=3.772 + 1.340x; r2= 0,514 n=19 p<0,001) (Fig.5).
Nas 50 mimosas utilizadas para avaliar a perda de cobertura foliar, o IP variou
de 0,008 a 2,496. Observou-se que, quanto maior o valor de IP menor era a cobertura
foliar (Fig. 6). Obteve-se correlações negativas significativas entre o índice de
parasitismo e cobertura foliar (rs= 0,508; n= 47 p<0,0001). Mimosas muito parasitadas
(IP > 1,5) apresentaram copas de 75 a 95% menores que indivíduos não parasitados. As
porcentagens de cobertura foliar variaram de 7 a 95%.
Nas 60 mimosas utilizadas para avaliar a produção de frutos, o valor do IP
dentre as parasitadas variou de 0,005 a 0,028. De uma maneira geral, todas as
hospedeiras parasitadas produziram menos de 100 frutos. A exceção foi uma hospedeira
cujo valor do IP foi de 0,015 que produziu 207 frutos. Em média, as hospedeiras
parasitadas produziram 37 frutos. Dentre as hospedeiras não parasitadas, houve variação
no número de frutos produzidos, porém 60% dos indivíduos produziram mais de 100
frutos. O maior número de frutos produzidos foi de 385 e a média foi de 144. Quanto
maior o índice de parasitismo menor o número de frutos produzidos (Fig.7). A
correlação negativa entre o índice de parasitismo e a produção de frutos foi de rs =
0,700; n=57 p<0,0001.
33
A)
B)
Fig. 2 – Estrutura populacional de Mimosa calodendron. A) Número de indivíduos em
valores absolutos e B) porcentagens.
Não parasitados
Parasitados
Mortos.
A)
B)
Fig. 3 - Formas de parasitismo em indivíduos de Mimosa calodendron. A) Número de
indivíduos em valores absolutos e B) Porcentagens.
Deposição de sementes
Haustório secundário
Sementes e haustório secundário
34
6
Log Parasitismo
5
4
3
2
1
0
2
3
4
5
Log Área (cm2)
6
Fig. 4 - Relação entre a área da copa dos indivíduos de M. calodendron e o índice de
parasitismo IP ( rs= 0,627; n=47; p<0,0001).
120
Número de ramos
100
80
60
40
20
0
0.0
0.2
0.4 0.6 0.8 1.0
Índice de parasitismo
1.2
Fig. 5 - Relação entre o índice de parasitismo e o número de ramos emitidos pela
parasita para fora da copa. (y=3.772 + 1.340x; r2= 0,514 n=19 p<0,001)
35
Log Cobertura Foliar
5
4
3
2
1
0
1
2
Índice de Parasitismo (IP)
3
Fig. 6- Relação entre o índice de parasitismo e a cobertura foliar de Mimosa
calodendron (rs= 0,508; n= 47 p<0,0001).
6
Log Frutos
5
4
3
2
1
0
0
1
2
Índice de Parasitismo
3
Fig. 7 - Relação entre o índice de parasitismo e a produção de frutos de Mimosa
calodendron.(y= 4.671- 1.127x; n= 57 r2= 0,465 p<0,0001).
36
Discussão
Dentro de uma população de hospedeiras, indivíduos maiores tendem a ser mais
parasitados (Norton et al., 1995; Aukema & Martinez Del Rio, 2002). Os resultados
obtidos neste trabalho corroboram tal afirmação. Isso pode ser explicado pelas
estratégias de dispersão adotadas pela parasita. Na dispersão ornitocórica, as aves são
responsáveis por depositar as sementes de S. flexicaulis em indivíduos de M.
calodendron que lhes são mais atrativos como poleiro, abrigo e alimento representado
pelos frutos da própria parasita. O encontro de plantas mais baixas para serem utilizadas
como poleiro pode ser dificultada, pois plantas maiores são mais visíveis. A altura das
hospedeiras tende a ser positivamente correlacionada com a intensidade de infestação da
parasita (Overton, 1994; Lei, 1999). Na dispersão vegetativa a passagem de ramos da
parasita de uma hospedeira a outra pode ser influenciada pelo tamanho das mimosas.
Como as hospedeiras maiores são as mais parasitadas, é mais provável que os ramos
emitidos por estas plantas atinjam vizinhas de alturas semelhantes, intensificando ainda
mais o parasitismo entre estes indivíduos.
O tamanho das hospedeiras influencia as taxas de sobrevivência e a fecundidade
das parasitas. Para crescer e investir em estruturas reprodutivas, S. flexicaulis necessita
retirar mais água e nutrientes de suas hospedeiras. Da mesma forma, a sobrevivência e
reprodução das hospedeiras dependem do tamanho da parasita (Kelly, 1990). Mimosas
muito grandes (diâmetro acima de 170 cm) podem ser capazes de sobreviver ao ataque
de S. flexicaulis, pois estas hospedeiras podem apresentar um sistema radicular mais
desenvolvido capaz de absorver mais água. Em contrapartida, o ataque da parasita
diminui os recursos disponíveis para que estas hospedeiras invistam em crescimento e
reprodução. Em casos extremos de parasitismo a mortalidade pode ocorrer, pois a
retirada de recursos pela S. flexicaulis somada às condições edafo-climáticas da canga
aumentam ainda mais o estresse na hospedeira. A canga é caracterizada pela escassez de
água, nutrientes, reduzida camada de solo e elevadas temperaturas e altas concentrações
de metais pesados no solo são fatores limitantes (Silva et al., 1996; Vincent, 2004).
Entretanto, no período de amostragem as hospedeiras deveriam estar vigorosas, pois o
estresse hídrico foi minimizado pelas chuvas. No período seco a mortalidade de M.
calodendron possivelmente aumentaria já que se agrava a escassez de água.
Houve predominância de parasitas com haustórios secundários em todas as
classes de diâmetro, mas a proporção parasitada por sementes e parasitas com
37
haustórios secundários aumentou consideravelmente da primeira à última classe. Isto
indica uma provável tendência das sementes serem depositadas no mesmo indivíduo ou
em indivíduos mais próximos, podendo levar a agregação da parasita. O parasitismo
inicial aumenta as chances de novas infecções, pois hospedeiras já parasitadas podem
oferecer frutos da erva-de-passarinho às aves. Estas aves acabam depositando novas
sementes na mesma hospedeira. Uma das causas atribuídas à agregação de parasitas tem
sido a limitada dispersão das sementes (ornitocórica) que resulta em altas taxas de
reinfecção (Overton, 1994). Entretanto, vários estudos têm investigado os processos
populacionais que induzem a distribuição agregada de parasitas em hospedeiras e as
causas têm sido atribuídas a diferenças na imunidade ou diferenças na taxa de
parasitismo (Hassel & May, 1989; Dobson, 1989). Em indivíduos maiores o índice de
parasitismo aumenta, demonstrando que a permanência da erva-de-passarinho na copa
das mimosas é aumentada, intensificando seus efeitos sobre a hospedeira. Os efeitos de
S. flexicaulis são intensificados e uma perda considerável da cobertura foliar é
observada. Neste estágio, deve ocorrer a redução nas taxas fotossintéticas (Crawley,
1997) e possivelmente um estresse hídrico na hospedeira. A perda de folhas das
hospedeiras pode fazer com que o investimento em estruturas reprodutivas seja menor,
pois a planta necessita utilizar a energia armazenada para manter as funções vitais. Os
efeitos da defoliação são maiores em plantas mais jovens, sendo criticamente
dependente da idade em que ocorre a perda de folhas (Crawley, 1997). Uma simulação
de remoção de 10% da cobertura foliar do arbusto Piper arieianum (Piperaceae) nos
primeiros estágios de vida (3 meses antes da floração) teve um impacto muito grande no
número total de sementes produzidas (Marquis, 1992).
Os efeitos negativos do parasitismo sobre os indivíduos de M. calodendron
podem ocorrer em cascata. A diminuição no número de folhas provoca uma redução na
capacidade fotossintética da hospedeira. Para tentar suprir esta redução na fotossíntese,
a planta poderá investir em reposição de novas folhas. Com isso, a alocação de recursos
para a reprodução diminui e o número de estruturas reprodutivas produzidas torna-se
menor. Altera-se o número de frutos produzidos (Crawley, 1997). Assim, a contribuição
das hospedeiras a gerações futuras diminui ao longo do tempo. A mortalidade pode ser
aumentada pelo parasitismo, pois com exceção de um único indivíduo, todos os que
morreram estavam associados a S. flexicaulis. A mortalidade foi maior em hospedeiras
maiores e nessas classes de tamanho a probabilidade de produzirem mais frutos é maior
quando comparadas a hospedeiras menores (Silvertown & Lovett-Doust, 1993). Como
38
já mencionado, um efeito extremo do parasitismo pode levar à morte da hospedeira
(Aukema, 2003), mas a mortalidade causada exclusivamente por parasitismo é muito
difícil de ser avaliada. Os fatores abióticos como escassez de água, nutrientes e elevadas
temperaturas, poderiam, juntamente com o parasitismo, influenciar negativamente a
permanência de M. calodendron na canga.
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42
Capítulo 3
Especificidade por hospedeiras ou parasitismo aleatório de Struthanthus flexicaulis
Mart. (Mart.) (Loranthaceae)?
Resumo
Numerosas espécies vegetais dos campos rupestres sobre canga são parasitadas
por Struthanthus flexicaulis. O objetivo deste trabalho foi avaliar se este parasitismo é
aleatório. Os resultados obtidos neste trabalho evidenciam que o contágio das
hospedeiras e a permanência da parasita são dependentes da densidade. Na área de
estudo foram registrados 8860 indivíduos distribuídos em 49 espécies pertencentes a 19
famílias. A espécie mais abundante foi Mimosa calodendron (Fabaceae) representada
por 1820 indivíduos sendo 66,4% parasitados. M. calodendron pode servir como fonte
disseminadora de propágulos da parasita para os demais indivíduos. S. flexicaulis
mostra duas tendências de parasitismo relacionadas com o hábito da hospedeira. As subarbustivas/arbustivas podem ser parasitadas tanto pela deposição de sementes pela ave
dispersora (dispersão ornitocórica) quanto emissão de ramos de S. flexicaulis vindos de
hospedeiras vizinhas (dispersão vegetativa). Já as hospedeiras herbáceas são parasitadas
apenas pela dispersão vegetativa. Por exemplo, a sub-arbustiva/arbustiva B. reticularia,
representada por 307 indivíduos na comunidade, teve 121 parasitados, já a gramínea
classificada como herbácea Andropogon ingratus esteve representada por 353
indivíduos e destes apenas 20 parasitados. Ainda, apesar de a maioria das espécies
terem sido parasitadas proporcionalmente de acordo com suas abundâncias, algumas
mostram taxa de parasitismo acima dos valores médios, como M. calodendron.
Palavras chaves: Canga, comunidade vegetal, formas de dispersão, Struthanthus
flexicaulis.
Introdução
Fatores como o clima, o solo e as interações ecológicas impõem limites para a
sobrevivência, reprodução e estabelecimento das plantas (Larcher, 2000). Condições
ambientais muito severas, como escassez de água e nutrientes, impedem o
estabelecimento de muitas espécies e limitam o crescimento de outras (Larson et al.,
43
2000). Afloramentos rochosos caracterizam-se por muitas destas condições adversas
(Ribeiro et al., 2006). A superfície da rocha constitui uma barreira ecológica para
muitas plantas devido à baixa capacidade de retenção de água, escassez de nutrientes,
dificuldade na retenção e germinação de sementes, exposição a ventos fortes e insolação
(Larson et al., 2000). As plantas de afloramentos rochosos são adaptadas a crescer em
solos pobres, rasos e com tendência a deficiência hídrica, crescem vagarosamente e
frequentemente
apresentam
porte
pequeno,
possibilitando
a
manutenção
da
concentração adequada de minerais e água nos tecidos (Larson et al., 2000).
Uma exceção ao que foi exposto acima são as plantas parasitas, cuja distribuição
é menos afetada por condições edáficas, hidrológicas e nutricionais, devido à
capacidade de retirar água e nutrientes das hospedeiras (Ehleringer & Marshall, 1995).
Entretanto, suas hospedeiras sofrem flutuações em larga escala de acordo com a
disponibilidade de recursos, limitando a distribuição destas parasitas (Ehleringer &
Marshall, 1995). Tanto as parasitas quanto as hospedeiras podem responder rapidamente
a mudanças na disponibilidade de recursos (Calvin & Wilson, 2006) variando seus
padrões de crescimento quando aumentam a eficiência na aquisição destes (Wareing,
1964; Salzman, 1985; Slade & Hutchings, 1987; Kelly, 1990).
A produtividade e a permanência das plantas parasitas na comunidade são
dependentes da “qualidade” dos recursos obtidos, por isso a maioria destas pode
apresentar especificidade por hospedeiras (Press & Phoenix, 2005). As parasitas são
capazes de escolher entre suas potenciais hospedeiras (Kelly, 1992) parasitando apenas
um subgrupo de espécies (Penning & Callaway, 2002). A escolha de hospedeiras pode
estar relacionada a estratégias de forrageamento numa tentativa de aumentar a
sobrevivência e reprodução (Kelly, 1990). As plantas parasitas são capazes forragear no
tempo e no espaço em que estão inseridas. O forrageio no tempo ocorre quando as
parasitas produzem sementes que somente quebram a dormência em determinadas
hospedeiras (Press & Graves, 1995). Já o forrageio no espaço é reflexo de um
crescimento seletivo ou a penetração do haustório é seletiva nos tecidos das hospedeiras
(Callaway & Penning, 1998). Por outro lado, Norton e Carpenter (1998) e Norton e De
Lange (1999) sugeriram que a especificidade está relacionada à abundância local de
hospedeiras e o grau de constância destas no tempo e no espaço, hipótese da
fragmentação do recurso proposta por Janzen (1981). Hospedeiras abundantes (Norton
& Carpenter, 1998), perenes (Kelly et al., 1988), com altas concentrações de nitrogênio
(Radomiljac et al., 1999) ou que possuem sistema vascular facilmente acessível e/ou
44
com pequena capacidade de defesa (Press & Phoenix, 2005), são frequentemente muito
parasitadas.
Uma litologia bastante discutida na literatura é a canga (Simmons, 1963;
Marshak & Alkmim, 1989; Klein, 2000), mas a comunidade vegetal que cresce neste
substrato ainda é pouco estudada (Silva, 1991; Vincent, 2004; Viana & Lombardi, 2007;
Jacobi et al., 2007). A vegetação encontrada na canga é baixa, composta por poucos
indivíduos de porte arbóreo, dominada por eudicotiledôneas como Asteraceae, Fabaceae
e Myrtaceae, e monocotiledôneas como Poaceae, Cyperaceae e Orchidaceae (Vincent,
2004). Nestes campos, a vegetação tem sua distribuição limitada pela escassez de água e
nutrientes, temperaturas elevadas e reduzida camada de solo, e deve enfrentar o efeito
combinado de fatores estressantes (Silva et al., 1996; Klein, 2000; Rosière & Chemale,
2000; Vilela et al., 2004). A fina camada de solo, quando existente, é constituída de
metais pesados e minério de ferro (Silva et al., 1996) e se acumula em fissuras e
reentrâncias da rocha. A vegetação adere-se a essas fissuras, onde a água pode ficar
algum tempo retida na estação chuvosa (Silva, 1991), crescendo entre as fendas e em
pequenos acúmulos de matéria orgânica (Barth, 1987). Como as fissuras na rocha
aparecem irregularmente na paisagem, permitem a formação de um mosaico onde
eventualmente estão presentes ilhas de vegetação (Barth, 1987). O solo influencia na
sobrevivência das plantas em cada ilha contribuindo para a heterogeneidade fisionômica
da comunidade (Vincent, 2004).
Estudos recentes têm demonstrado que a diversidade encontrada em campos
rupestres sobre canga é alta (Jacobi et al., 2007; Viana & Lombardi, 2007). Dentre as
espécies encontradas está uma espécie hemiparasita Struthanthus flexicaulis Mart.
(Mart.), pertencente à família Loranthaceae. Como as demais espécies da família, S.
flexicaulis realiza fotossíntese, mas necessita retirar os suprimentos de água e nutrientes
das plantas hospedeiras por meio de raízes epicorticais caulinares especializadas
denominadas haustórios (Calder & Bernardt, 1983; Ehleringer et al., 1985; Barboza,
2000; Calvin & Wilson, 2006; Arruda et al., 2006). Esta espécie é generalista quanto ao
número de espécies hospedeiras (Mourão et al., 2006) confirmando o padrão descrito
por Norton & Carpenter (1998) para Loranthaceae em regiões tropicais.
Struthanthus flexicaulis mantém uma estreita relação com a guaracava-de-topete
Elaenia cristata (Tyrannidae), seu principal dispersor (Guerra, 2005). Esta ave se
alimenta dos pequenos frutos de S. flexicaulis (6-7 mm) cujo mesocarpo é composto por
uma substância pegajosa (visco). Após o consumo, a semente regurgitada é depositada e
45
prende-se em diversas partes das hospedeiras, tais como caules, ramos apicais, folhas e
frutos. Dentre as hospedeiras parasitadas, merece destaque a leguminosa Mimosa
calodendron (Fabaceae), que fixa nitrogênio e é muito abundante na canga (vide cap. 2).
Esta hospedeira é utilizada como poleiro por diversas aves, inclusive as dispersoras de
S. flexicaulis. M. calodendron é facilmente localizada pelas aves, que depositam as
sementes de S. flexicaulis regurgitadas, promovendo a dispersão. Após o
estabelecimento, as plântulas crescem e emitem ramos laterais que podem atingir a
vizinha mais próxima e, através do contágio, dispersar vegetativamente.
O objetivo deste trabalho foi avaliar se o parasitismo de S. flexicaulis é aleatório
e varia de acordo com a abundância das espécies presentes na comunidade. Para isso as
seguintes perguntas foram formuladas: 1) Como a densidade de hospedeiras influencia o
parasitismo? 2) A presença de M. calodendron interfere no parasitismo de outras
espécies? 3) O hábito das hospedeiras interfere nas chances de parasitismo? Supõe-se
que na canga S. flexicaulis parasita as hospedeiras proporcionalmente de acordo com
suas abundâncias, mas que uma possível especificidade pode ocorrer entre a parasita e
determinadas hospedeiras.
Métodos
O estudo foi realizado em uma área de campo rupestre ferruginoso, localizado
no Parque Estadual da Serra do Rola Moça (20o03’60”S, 44o02’00”W) a 35 km de
Belo Horizonte, MG. O clima é caracterizado por ventos fortes, variação térmica diária
elevada, uma pronunciada estação seca de abril a setembro e temperatura média anual
de 25°C propiciando a ocorrência de queimadas. A vegetação na área estudada é
composta principalmente por Mimosa calodendron (Fabaceae), uma das espécies
importantes na estruturação da comunidade (Jacobi et al., 2007). Além desta, estão
presentes muitas espécies de Asteraceae, Orchidaceae e Poaceae (Vincent, 2004).
O levantamento dos dados foi realizado nos meses de maio e junho de 2006,
antes do desaparecimento de muitas terófitas e das partes aéreas das geófitas. Foram
traçados 9 transectos paralelos de comprimentos variados, atravessando o campo
rupestre ferruginoso de uma extremidade a outra, distantes 50m entre si, cobrindo uma
área de aproximadamente 9 ha e perímetro de 1,9 km. Definiu-se como espécies focais
S. flexicaulis e/ou M. calodendron, por ser uma leguminosa abundante e visivelmente
46
muito parasitada, e com ajuda de GPS todos os pontos que continham uma ou ambas
foram georeferenciados. Em cada ponto georefenciado, considerou-se uma parcela de
4x4 m2, onde foram realizados levantamentos da riqueza e da abundância das espécies
que apresentavam altura ≥ 30cm. Além disso, foram tomadas notas do número de
indivíduos parasitados de cada espécie.
Utilizou-se a correlação de Spearman para avaliar a relação entre o total de
indivíduos e o total parasitado em cada parcela, uma vez que os resíduos não
apresentaram distribuição normal. Para obter uma distribuição de pontos mais bem
comportada utilizou-se log na base 10 para transformação dos dados. Uma Análise de
Componentes Principais (PCA) foi realizada para avaliar o parasitismo nas parcelas
amostradas. As variáveis utilizadas foram: o número de indivíduos encontrados
(excluindo de M. calodendron), a riqueza de espécies, o número de M. calodendron e o
número de indivíduos parasitados. O critério adotado para esta análise foi o dos altos
valores, ou seja, seriam significativos os eixos que apresentassem valores maiores ou
iguais a 1. Foi utilizada a distribuição de Poisson e calculado o índice de agregação para
M. calodendron. Este índice é calculado dividindo-se a variância de espécies pela média
das parcelas amostradas, o resultado igual a 1 indica uma distribuição aleatória, < 1 uma
distribuição regular e > 1 uma distribuição agregada (Zar, 1999). A agregação foi
calculada para verificar se o agrupamento de hospedeiras facilita a transmissão do
parasitismo. Utilizou-se uma regressão linear para avaliar a relação entre o parasitismo e
a densidade de mimosas na parcela.
As porcentagens dos indivíduos representados na comunidade e dos indivíduos
parasitados foram plotados em um gráfico de dispersão para a observação das
tendências do parasitismo. Levando-se em consideração a taxonomia e o hábito, as
espécies foram agrupadas em categorias: A) eudicotiledôneas e monocotiledôneas B)
sub-arbustivas/arbustivas e herbáceas. Adotou-se como critério de classificação espécies
sub-arbustivas/arbustivas aquelas que possuem pelo menos um caule principal e galhos
laterais, capazes de servir como poleiro para aves; e herbáceas as espécies que não são
capazes de suportar o peso da aves dispersora e/ou que possuem apenas um caule sem
inserção de galhos ou são formadas por tufos de folhas. Foram classificadas como
herbáceas as sub-arbustivas Sebastiania glandulosa (Euphorbiaceae), Periandra
mediterranea (Fabaceae) e Ageratum fastigiatum (Asteraceae). Estas espécies
apresentam apenas a base liginificada e por esse motivo não conseguem dar sustentação
à ave dispersora. As equações das retas foram encontradas através de regressão linear.
47
Em seguida comparou-se cada reta através da inclinação das tangentes e os valores do
intercepto segundo metodologia de Zar (1999). As diferenças entre os valores
encontrados, tanto para as tangentes quanto para os interceptos foram comparados com
teste t de Student.
Resultados
Nos transectos foram demarcadas 208 parcelas nas quais foram registrados 8860
indivíduos distribuídos em 49 espécies pertencentes a 19 famílias. A riqueza variou de 3
a 20 espécies por parcela, sendo que 83% destas apresentaram entre 6 e 14 espécies. A
riqueza esteve positivamente correlacionada com o número de indivíduos na parcela
(Fig. 1). Já o número de indivíduos variou de três a 123, mas 47,6% das parcelas
apresentaram valores intermediários entre 30 e 60 indivíduos. As espécies mais
abundantes foram: Mimosa calodendron (20,5%) (Fabaceae), Lychnophora pinaster
(12,6%) (Asteraceae), Sebastiana glandulosa (9,9%) (Euphorbiaceae), Eriope
macrostachya (7,7%) (Lamiaceae) e Vellozia compacta (5,2%) (Velloziaceae). Vinte e
nove espécies pertencentes a 13 famílias estiveram representadas por menos de 1%.
3.0
Riqueza (log)
2.5
2.0
1.5
1.0
1
2
3
4
Densidade (log)
5
Fig. 1- Relação entre a densidade de indivíduos nas parcelas e a riqueza (y= 0,525 +
0,458x ; rs= 0,774, n=207; p<0,0001).
48
Das 208 parcelas amostradas apenas 41 não possuíam indivíduos parasitados e
dentre as parasitadas (167), aproximadamente 43% apresentaram entre 3 e 10 indivíduos
(Fig.2). O parasitismo foi maior em parcelas mais densas. Observações em campo
permitiram concluir que o espalhamento de S. flexicaulis pode ocorrer de duas
maneiras: emitindo ramos laterais que crescem até atingir novas hospedeiras (dispersão
vegetativa) ou através da deposição de sementes nos galhos das hospedeiras realizada
pelas aves dispersoras (dispersão ornitocórica). A dispersão vegetativa envolve a
passagem dos ramos de uma hospedeira para outra e pode ser impedida por barreiras
ambientais como as rochas desnudas, cujas temperaturas são mais elevadas que a
temperatura das plantas. Muitos ramos sobre as rochas têm sua extremidade danificada
e emitem novos ramos laterais. Este benefício propicia novas chances de encontro com
as hospedeiras.
Total de indivíduos parasitados
60
50
40
30
20
10
0
0
50
100
Total de indivíduos na parcela
150
Fig. 2 - Relação entre o parasitismo e a densidade de indivíduos nas parcelas (rs= 0,652,
n=208; p<0,001).
A Análise de Componentes Principais (PCA) indicou que parcelas mais densas
são as mais ricas, mais parasitadas e apresentam também mais indivíduos de M.
calodendron. O primeiro eixo da PCA explicou 65% da variância encontrada e todas as
variáveis (número de indivíduos excluindo de M. calodendron, riqueza de espécies, o
número de M. calodendron e número de indivíduos parasitados) estão correlacionadas
49
ao primeiro eixo conforme os valores apresentados na tabela 1. A explicação obtida para
os demais eixos da análise foi menor que 1.
Tabela 1. Análise de Componentes Principais com os valores das correlações
observadas entre as variáveis e o primeiro eixo.
Variância do 1º componente: 2.606
Coef. de correlação
com o 1º componente
Variável
Número de indivíduos/Parcela (exceto M.
calodendron)
Total de indivíduos parasitados
Riqueza em espécies
Número de M. calodendron
0.877
0.819
0.830
0.691
A distribuição de Poisson e o índice de agregação confirmam o padrão agregado
observado para M. calodendron. O valor do índice de agregação foi de 5,42 (Fig. 4). O
número de indivíduos de M. calodendron amostrados por parcela variou de 1 a 37 e das
208 parcelas 7,21% apresentaram apenas um indivíduo, 31,25% entre 2 e 5 indivíduos e
61,54% acima de 6 indivíduos. A média do número de M. calodendron por parcela foi
de 8,75 e a variância de 47,406.
30
Índice de
agregação= 5,42
20
Obs.
Esp.
10
0
0
10
20
30
Número de Mimosas / parcela
Fig. 4- Distribuição de Poisson esperada para Mimosa calodendron no campo rupestre
ferruginoso (n=208, parcelas de 16m2).
50
Espécies parasitadas (Log)
5
4
3
2
1
0
0
1
2
3
Total de mimosas (Log)
4
Fig. 5 – Relação entre o número de espécies parasitadas e a densidade de mimosas. No
eixo x o total de mimosas reflete o valor da densidade, a área de cada parcela é 16m 2. A
equação da reta é y = 0,421 + 0,924x; r2 = 0,641 n=160 p<0,001.
Ao analisar o parasitismo na comunidade, 25 espécies tiveram menos de 10
indivíduos amostrados. Dentre estas espécies apenas 6 foram representadas por apenas 1
indivíduo na comunidade e não estavam parasitadas: Ouratea semiserrata (Ochnaceae),
Oncidium blanchetti (Orchidaceae), Vellozia sp.(Velloziaceae), Ocotea sp. (Lauraceae),
Leandra sp. (Melastomataceae) e Myrcia sp. (Myrtaceae). As demais espécies
geralmente apresentavam grandes flutuações nas taxas de parasitismo, devido ao seu
pequeno número. Estas 25 espécies, por terem sido pouco representativas na
comunidade, foram excluídas da análise. Dentre as outras, 17 são eudicotiledôneas e 7
são monocotiledôneas (Fig. 3A) e, segundo o critério adotado neste estudo, 11
eudicotiledôneas foram classificadas como sub-arbustivas/arbustivas e as demais como
herbáceas (Fig. 3B).
Das 1820 plantas amostradas de M. calodendron, 1209 (66,4%) estavam
parasitadas. As demais espécies como L. pinaster, representada por 1121 plantas,
Baccharis reticularia por 307, Eriope macrostachya por 690, Stachytarpheta glabra por
373, Symphyopappus brasiliensis por 227 e Trixis vauthieri por 165, todas subarbustivas/arbustivas, foram parasitadas nas respectivas proporções: 42,2%, 39,4%,
28%, 25%, 18% e 15,7%. Comparando-se estas porcentagens de parasitismo com
51
herbáceas nota-se enorme diferença. A sub-arbustiva/arbustiva B. reticularia com 307
indivíduos, por exemplo, apresentou 121 parasitados, já a gramínea classificada como
herbácea Andropogon ingratus, representada em número semelhante (353 indivíduos),
teve apenas 20 indivíduos parasitados.
S. flexicaulis mostra duas tendências quanto ao parasitismo, não importando o
critério de divisão das espécies (Fig. 3). Tanto na Fig. 3A (teste t de Student para
tangente: 1,68 gl=20; p<0,001 e teste t de Student para o intercepto: -0,70 gl=21;
p<0,001) quanto na Fig. 3B (teste t de Student para tangente: - 14,24 gl=20; p<0,001 e
teste t de Student para o intercepto: -0,86 gl=21; p<0,001) as inclinações das retas
apresentam diferenças significativas.
Na Fig. 3A, a reta de maior inclinação (y = - 2,684 + 0,733x) compreende as
espécies eudicotiledôneas. A forte inclinação da reta é sustentada principalmente por
algumas espécies como M. calodendron, B. reticularia e L. pinaster. A reta de menor
inclinação (y = 2,897 + 0,801x), constituída por monocotiledôneas, é principalmente
influenciada por 2 espécies. Lagenocarpus rigidus atua sobre esta inclinação
deslocando-a para cima e Ageratum fastigiatum atua desviando-a para baixo. Quando as
espécies foram comparadas quanto a seu hábito, 6 dicotiledôneas pequenas foram
agrupadas na classe das herbáceas juntamente com todas as monocotiledôneas (Fig.
3B). Na Fig. 3B, a reta de maior inclinação (y = - 3,573 + 1,368x) compreende em sua
maioria espécies de porte sub-arbustivo/arbustivo. Tibouchina multiflora, entretanto,
classificada como sub-arbustiva/arbustiva, foi representada por 453 plantas das quais
apenas 9,5% foram parasitadas. A reta menos inclinada (y = - 1,401 + 0,851x) apresenta
espécies de porte herbáceo e/ou orquídeas como Epidendrum secundum e Sophronitis
caulescens, que foram incluídas na amostra devido ao comprimento das hastes das
inflorescências (igual ou superior a 30 cm).
Comparando-se os gráficos da Fig. 3 percebe-se que as espécies são parasitadas
de acordo com a abundância em que aparecem na comunidade. O parasitismo em
Baccharis pingraea é melhor explicado na Fig. 3A, quando o hábito não era levado em
consideração. Já o parasitismo nas espécies Periandra mediterranea, Peperomia decora
e Microlicia sp. foi melhor explicado quando faziam parte da divisão quanto ao hábito.
52
A)
mim
Indivíduos Parasitados
1000
lic
eri
seb
bre
sta
sym
lag per
gal tib
100
het
psy
tri
pin
epi
10
mir
sof
vel
and
mic
pas
age
pep
1
10
B)
100
1000
Abundância das Espécies
mim
Indivíduos Parasitados
1000
lic
eri
bre
sta
sym
lag per
gal tib
100
het
psy
epi
10
mir
sof
tri
pin
seb
vel
and
mic
pas
age
pep
1
10
100
1000
Abundância das Espécies
Fig.3 – Relação entre o parasitismo e a abundância das espécies. A) Taxonomia Espécies
Dicotiledôneas descritas de cima para baixo: mim= Mimosa calodendron; lic=Lychnophora
pinaster; eri= Eriope macrostachya; seb= Sebastiania glandulosa; bre= Baccharis reticularia;
sta= Stachytarpheta glabra; sym= Symphyopappus brasiliensis; per= Periandra mediterranea;
tib=Tibouchina multiflora; gal= Galiante angustifólia; tri=Trixis vauthieri; het= Heteropterys
sp; pys= Psychotria vellosiana; pin= Baccharis pingraea; mic= Microlicia sp. mir=Myrtaceae
sp.; pep= Peperomia decora (y = 2,684 + 0,733x). Espécies herbáceas descritas de cima para
baixo: lag= Lagenocarpus rigidus; vel= Vellozia compacta; and= Andropogon ingratus; epi=
Epidendrum secundum; pas= Paspalum scalare; age= Ageratum fastigiatum, sof= Sophronitis
caulescens (y = 2,897+ 0,801x).
53
Fig. 3 (cont.)– B) Hábito. Espécies arbustivas descritas de cima para baixo: mim= Mimosa
calodendron; lic=Lychnophora pinaster; eri= Eriope macrostachya; bre= Baccharis reticularia;
sta= Stachytarpheta glabra; sym= Symphyopappus brasiliensis; tib=Tibouchina multiflora;
tri=Trixis vauthieri; het= Heteropterys sp; pys= Psychotria vellosiana; mir= Myrtaceae sp. (y=3,573 + 1,368x).
Espécies herbáceas descritas de cima para baixo: seb= Sebastiania
glandulosa; per= Periandra mediterranea; lag= Lagenocarpus rigidus; gal= Galiante
angustifolia; vel= Vellozia compacta; and= Andropogon ingratus; pin= Baccharis pingraea;
mic= Microlicia sp.; epi= Epidendrum secundum; pas= Paspalum scalare; age= Ageratum
fastigiatum, sof= Sophronitis caulescens (y = -1,401 + 0,851x).
Discussão
Os resultados evidenciam que o contágio das hospedeiras e a permanência da
parasita em afloramentos ferruginosos são dependentes da densidade, ou seja, do
número de hospedeiras encontradas em cada parcela. De uma maneira geral, parcelas
densas foram as mais ricas, possuíam mais indivíduos de M. calodendron e mais
espécies foram parasitadas. A proximidade dos indivíduos na parcela, isto é, o aumento
na densidade, pode facilitar a passagem de ramos da parasita entre uma hospedeira
parasitada e as demais. Como M. calodendron é a espécie mais abundante na canga e
também a mais parasitada, a presença desta leguminosa pode facilitar a transmissão de
S. flexicaulis por meio de dispersão vegetativa às demais hospedeiras. Além disso, M.
calodendron,
pela sua distribuição agregada e porte sub-arbustivo/arbustivo torna-se
B)
bastante atrativa para as aves dispersoras. A agregação pode facilitar a localização de
manchas na paisagem por estas aves e aumentar as chances de deposição de sementes
(dispersão ornitocórica) (Aukema & Martinez Del Rio, 2002). Hospedeiras já
parasitadas por indivíduos adultos oferecem frutos para as aves, que aumentam seu
tempo de permanência nestes poleiros. Desta maneira, chances de ocorrerem novas
deposições de sementes aumentam (Stamps, 1988).
Observou-se duas tendências quanto ao parasitismo de S. flexicaulis em
afloramentos ferruginosos, um parasitismo mais acentuado em hospedeiras de porte
sub-arbustivo/arbustivo e menos acentuado em hospedeiras herbáceas. O modo de
dispersão vegetativo da parasita somado à preferência das aves dispersoras podem ser
responsáveis por essas tendências. As hospedeiras de porte sub-arbustivos/arbustivos
podem ser parasitadas tanto pela deposição de sementes pela ave dispersora (dispersão
ornitocórica) quanto emissão de ramos de S. flexicaulis vindos de hospedeiras vizinhas
(dispersão vegetativa). Já as hospedeiras herbáceas são parasitadas apenas pela
54
dispersão vegetativa. Essas espécies, cuja estrutura não suportaria o peso de uma ave
(peso aproximado de Elaenia cristata = 18g, ver Ridgely & Tudor, 1994), dificilmente
seriam utilizadas como poleiro pelas aves dispersoras sendo, desta maneira, contagiadas
apenas por ramos vindos de plantas adjacentes (dispersão vegetativa). O pseudocaule de
V. compacta possui espessura considerável, e teoricamente poderia dar sustentação à
ave dispersora. Embora tenha este potencial, as folhas são duras e pontiagudas
dificultando ou mesmo impedindo o pouso das aves. Além disso, mesmo que as
sementes da parasita fossem depositadas o pseudocaule, formado por camadas de
bainhas foliares secas, dificultaria a penetração do haustório e consequentemente o
estabelecimento da parasita (Mourão et al., 2006).
Dentre as hospedeiras eudicotiledôneas de porte sub-arbustivo/arbustivo, M.
calodendron, Baccharis reticularia, Lychnophora pinaster, Eriope macrostachya,
Stachytarpheta glabra e Trixis vauthieri apresentaram considerável porcentagem de
parasitismo, mas foram parasitadas, com pequenas variações, proporcionalmente às
abundâncias encontradas na comunidade. Essa proporcionalidade parece refletir uma
falta de preferência das aves dispersoras por estes arbustos que podem lhes servir como
poleiro e abrigo. Entretanto, diferentemente dessas espécies, o parasitismo observado
em Tibouchina multiflora foi baixo em relação a sua abundância na comunidade. Vários
fatores poderiam explicar este resultado como, por exemplo, o fracasso do
estabelecimento das sementes, defesas contra o crescimento do haustório e até mesmo a
escolha da ave dispersora por outros tipos de poleiro. Os galhos de T. multiflora são
pouco numerosos e muito inclinados verticalmente (aproximadamente 85˚) o que
poderia dificultar o pouso destas aves.
Neste estudo, notou-se que M. calodendron foi muito parasitada, indicando uma
possível especificidade por esta espécie. Como a leguminosa M. calodendron é a mais
abundante e freqüentemente parasitada, esta interação ao longo do tempo pode
promover a especificidade favorecendo ainda mais o parasitismo na comunidade. A
especificidade da parasita por determinadas hospedeiras pode ser favorecida pelas
freqüentes interações entre elas (Norton & Carpenter, 1998). O fato de M. calodendron
ser a mais abundante na comunidade indica uma possível dominância ecológica sobre as
demais espécies. A evolução da especificidade por hospedeiras está altamente
correlacionada com o desenvolvimento da dominância ecológica em comunidade de
plantas (Barlow & Wiens, 1977). Além da abundância, um outro fator que pode
favorecer esta especificidade de S. flexicaulis por M. calodendron é a qualidade da
55
hospedeira. Foi sugerido, por exemplo, que a quantidade de nitrogênio disponível nas
hospedeiras interfere na distribuição de plantas parasitas (Dean et al., 1994). Um
experimento de fertilização com nitrogênio em hospedeiras de Cuscuta subinclusa
(Convolvulaceae) induziu um aumento no crescimento desta (Kelly, 1990). Vários
trabalhos têm demonstrado que as leguminosas são as hospedeiras preferencialmente
atacadas por plantas parasitas devido a esta capacidade de fixação de nitrogênio
(Radomiljac et al., 1999; Bowie & Ward, 2004).
As herbáceas, representadas por algumas dicotiledôneas e todas as
monocotiledôneas,
apresentaram
o
mesmo
padrão
observado
para
as
sub-
arbustivas/arbustivas e mantêm-se as tendências de parasitismo proporcional às
abundâncias na comunidade. Na dispersão vegetativa, a altura e a proximidade das
hospedeiras podem interferir nas chances de parasitismo, sendo maiores quando as
hospedeiras vizinhas estão mais próximas e apresentam alturas semelhantes (Aukema,
2003). Plantas localizadas em volta de hospedeiras já infectadas podem ser mais
facilmente contaminadas (Arruda et al., 2006). As herbáceas próximas às hospedeiras
podem ser mais facilmente parasitadas e estas chances aumentam quando a distância
entre elas diminui, com foi verificado pela relação entre densidade e taxa de
parasitismo. O aumento da densidade certamente aproxima os indivíduos facilitando o
contágio por ramos vindos de hospedeiras parasitadas.
Entretanto, as herbáceas monocotiledôneas são capazes de sobreviver longe das
manchas de vegetação formadas principalmente pela agregação de M. calodendron. Este
afastamento pode dificultar a chegada de ramos de S. flexicaulis a essas hospedeiras,
tornando-as menos parasitadas que o esperado para suas abundâncias. V. compacta, por
exemplo, pode ser mais tolerante às condições ambientais extremas. Esta espécie possui,
além das defesas mecânicas, um mecanismo chamado de pecilohidria, que a permite
dessecar durante o período seco e reidratar no período chuvoso, quando as condições
ambientais são mais amenas (Gaff, 1987).
O parasitismo observado em Baccharis pingraea foi mais bem explicado quando
classificada na categoria Taxonomia, pois foi posicionada mais próxima à reta. Já em
outras espécies como Periandra mediterranea, Peperomia decora e Microlicia sp. o
parasitismo foi mais bem explicado quando estas foram classificadas na categoria
Hábito. Estas variações só podem ter ocorrido associadas à dispersão vegetativa, já que
nenhuma destas espécies tem condições de receber sementes da parasita através da
dispersão ornitocórica.
56
A dispersão vegetativa apresenta um padrão aleatório, pois S. flexicaulis, ao
emitir ramos, não faz distinção entre as hospedeiras. É importante lembrar que, como
constatado no capítulo 1, não parece haver nenhuma defesa mecânica, anatômica ou
histoquímica na interação com S. flexicaulis em várias das principais hospedeiras. Na
ausência de defesas, os ramos na dispersão vegetativa fixam-se formando haustórios
sem dificuldade, e talvez esta ausência de defesas seja a regra geral no ambiente de
canga. Este padrão aleatório não ocorre na dispersão ornitocórica uma vez que envolve
agentes dispersores. Neste caso, ocorre a seleção prévia de hospedeiras podendo
promover a especificidade entre estas e a parasita. Indiretamente as aves favorecem os
freqüentes encontros entre ambas (hospedeiras e S. flexicaulis). Como a maioria das
espécies foi parasitada proporcionalmente de acordo com suas abundâncias, isto indica
que provavelmente há um equilíbrio entre as formas de dispersão de S. flexicaulis.
Talvez as restrições para pouso da ave dispersora sejam o grande diferencial na taxa de
parasitismo entre arbustivas e herbáceas.
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61
Considerações Finais
Neste estudo, foi possível descrever quais são as hospedeiras de Struthanthus
flexicaulis em comunidades sobre canga, e sugerir que a abundância das mesmas
influencia o parasitismo. Nenhuma espécie apresentou resistência ao ataque de S.
flexicaulis, mas era esperado que pelo menos as mais atacadas desenvolvessem algum
mecanismo de defesa. Talvez, o estresse produzido pelas condições da canga seja tão
alto que as hospedeiras não tenham condições fisiológicas de investir seus recursos para
a fabricação de estruturas de defesa.
Ao se avaliar a interação S. flexicaulis-hospedeiras, foi possível compreender um
pouco mais sobre a estruturação da comunidade vegetal dos campos rupestres
ferruginosos. Esta interação pode ser chave para a manutenção da biodiversidade na
região, pois apesar de S. flexicaulis parasitar proporcionalmente as abundâncias em que
suas hospedeiras aparecem na comunidade, ela possivelmente controla a expansão de
Mimosa calodendron (Fabaceae). Por ser uma leguminosa e fixar nitrogênio, M.
calodendron pode ser uma forte competidora para as demais espécies no ambiente de
canga.
Muitos indivíduos de Mimosa calodendron morreram parasitados, mas isso não
foi observado para outras espécies. A mortalidade está associada a elevadas taxas de
infestação da parasita e provavelmente aos fatores abióticos estressantes da canga, como
elevadas temperaturas e escassez de água. Além disso, é sugestivo dizer que M.
calodendron é uma espécie focal do parasitismo, servindo de fonte de propágulos de
ramos da parasita às demais hospedeiras, pois é a mais abundante, tem distribuição
agregada e serve como poleiro para as aves dispersoras. O parasitismo em M.
calodendron foi um pouco maior que o esperado para a sua abundância na canga. E
como os freqüentes encontros entre parasitas e hospedeiras podem levar a
especificidade, talvez a especificidade entre S. flexicaulis e M. calodendron seja apenas
uma questão de tempo.
Futuros experimentos com sementes devem ser realizados para avaliar uma
possível especificidade por hospedeiras nos primeiros estágios do crescimento de S.
flexicaulis, para modelar o espalhamento desta hemiparasita nos campos ferruginosos, e
determinar se esta é realmente uma espécie-chave na comunidade em que se encontra
inserida.
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