Sobre espaços vetoriais associados a divisores em - famat

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Sobre espaços vetoriais associados a divisores em corpos de
funções algébricas
Luciana Yoshie Tsuchiya
Universidade Federal de Uberlândia - Faculdade de Matemática
Graduanda em Matemática - Programa de Educação Tutorial
luyoshie@ gmail. com
Otoniel Nogueira da Silva
Universidade Federal de Uberlândia - Faculdade de Matemática
Graduando em Matemática - Programa de Educação Tutorial
otonielocf@ yahoo. com. br
Cícero Fernandes de Carvalho
Universidade Federal de Uberlândia - Faculdade de Matemática
Professor Titular
cicero@ ufu. br
Resumo: Nesse trabalho apresentaremos resultados sobre certos espaços vetoriais associados a divisores num
corpo de funções algébricas de uma variável. Tais espaços são conhecidos como espaços de Riemann-Roch
de um divisor. Inicialmente apresentaremos os conceitos básicos da teoria de corpos de funções, como lugares,
valorizações, anéis de valorização, etc. Finalmente apresentaremos os teoremas de Riemann e de Riemann-Roch,
juntamente com algumas de suas consequências.
1 Introdução
Um corpo de funções algébricas F |K de uma variável sobre K é uma extensão de corpos F ⊇ K tal
que F é uma extensão finita de K(x) para algum elemento x ∈ F transcendente sobre K. Por ocorrer
naturalmente em vários campos da matemática, tais como geometria algébrica, teoria dos números e
teoria das superfícies compactas de Riemann seu estudo pode ser feito sobre vários aspectos, sendo
que nesse trabalho fizemos uma abordagem puramente algébrica. Os resultados que apresentaremos
são de grande importância também na teoria dos códigos corretores de erros. De fato, em 1981, o
matemático russo Valerii Denisovich Goppa utilizou-os para a construção de uma grande classe de
códigos interessantes, sendo que o teorema de Riemann-Roch, naquela teoria, fornece estimativas para
os principais parâmetros dos códigos, como dimensão e distância mínima.
2 Conceitos Preliminares
Iniciaremos um estudo de alguns conceitos básicos da teoria de corpos de funções algébricas, que
são necessários para a compreensão dos resultados que queremos apresentar. Denotaremos por K um
corpo arbitrário.
74
2.1
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Corpos de Funções Algébricas
Definição 2.1. Um corpo de funções algébricas F |K de uma variável sobre K é uma extensão de
corpos F ⊇ K tal que F é uma extensão algébrica (finita) de K(x) para algum elemento x ∈ F que é
transcendente sobre K.
Para efeito de abreviação nos referiremos a F |K apenas como “corpo de funções algébricas”.
Definição 2.2. Considere o conjunto K̃ = {z ∈ F : z é algébrico sobre K} , que é um subcorpo de F ,
já que a soma, o produto e o inverso de elementos algébricos são também algébricos. K̃ é chamado de
corpo das constantes de F |K.
Temos que K ⊆ K̃ $ F , e é claro que F |K̃ é um corpo de funções sobre K. Diremos que K é
algebricamente fechado em F (ou que K é todo o corpo de constantes de F ) se K̃ = K.
Proposição 2.3. Em um corpo de funções algébricas, os elementos de F que são transcendentes sobre
K podem ser caracterizados da seguinte forma: z ∈ F é transcendente sobre K se, e somente se, a
extensão F |K(z) é de grau finito.
Exemplo 2.4. O exemplo mais simples de um corpo de funções algébricas é o corpo de funções
racionais; F |K é chamado racional se F = K(x) para algum x ∈ F que é transcendente sobre K.
Cada elemento 0 6= z ∈ K(x) tem uma única representação na forma
z=a
Y
pi (x)ni
i
onde 0 6= a ∈ K, os polinômios pi (x) ∈ K[x] são mônicos, dois a dois distintos e irredutíveis e ni ∈ Z.
2.2
Anéis de Valorização, Lugares e valorizações discretas
Definição 2.5. Um anel de valorização do corpo de funções F |K é um anel O ⊆ F com as seguintes
propriedades:
(1)K $ O $ F e
(2) para todo z ∈ F temos que z ∈ O ou z −1 ∈ O.
Proposição 2.6. Seja O um anel de valorização do corpo de funções F |K. Então acontece o seguinte:
(a) O é um anel local, isto é, O tem um único ideal maximal P = O \ O∗ , onde O∗ = {z ∈ O|
existe um elemento w ∈ O com zw = 1}.
(b) Seja 0 6= x ∈ F , então x ∈ P ⇔ x−1 ∈
/ O.
(c) Para o corpo K̃ de constantes de F |K temos K̃ ⊆ O e K̃ ∩ P = {0}.
Demonstração. (a)Mostremos primeiramente que P é um ideal, isto é, que se x ∈ P e z ∈ O, então
xz ∈ P e se x, y ∈ P então x + y ∈ P . Suponha que xz ∈
/ P , logo xz ∈ O∗ , então existe um w ∈ O
tal que (xz)w = 1 =⇒ x(zw) = 1, e daí como zw ∈ O temos que x ∈ O∗ , o que contraria o fato de
x ∈ P . Logo xz ∈ O \ O∗ = P .
x
x
Agora, sem perda de generalidade assumiremos que
∈ O, y 6= 0. Assim 1 +
∈ O e x+y =
y
y
y 1 + xy ∈ P . Portanto P é um ideal de O.
Suponha agora, que P não seja maximal, então existirá um ideal I, tal que P $ I $ O. Logo
existirá um x ∈ I, tal que x ∈
/ P . Disso segue que x ∈ O∗ e então vai existir um w ∈ O tal que
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xw = 1, logo 1 ∈ I, o que implica que I = O. Mas isto é um absurdo, logo P é maximal.
Finalmente, provemos que P é o único ideal maximal de O.
Suponha que exista um outro ideal H de O que seja maximal. Temos que H ∩ O∗ = ∅, caso contrário
teríamos 1 ∈ H e H = O. Logo H ⊂ O \ O∗ = P, mas H é maximal, portanto P = H.
b) Seja 0 6= x ∈ F . Suponhamos que x ∈ P e x−1 ∈ O, logo como P é um ideal de O temos
que xx−1 = 1 ∈ P , mas isso é um absurdo, logo x−1 ∈
/ O. Reciprocamente se x ∈
/ O, então da
definição de anel de valorização, x ∈ O. Suponha que x−1 ∈ O∗ , assim existe um w ∈ O∗ tal que
xw = 1, ou seja, w = x−1 ∈ O∗ ⊂ O. Mas isso é uma contradição, pois x−1 ∈
/ O. Logo x ∈ O\O∗ = P .
c) Seja z ∈ K̃. Suponha que z ∈
/ O, como O é um anel de valorização, temos que z −1 ∈ O.
Como z é algébrico sobre K, segue que z −1 também é algébrico sobre K, então existem elementos
a1 , a2 , ...an ∈ K, tal que
ar (z −1 )r + · · · + a1 (z −1 ) + 1 = 0.
Manipulando a expressão temos,
(z −1 )(ar (z −1 )r−1 + · · · + a1 ) = −1
Multiplicando por −z,
z = −(ar (z −1 )r−1 + · · · + a1 ) ∈ K[z −1 ] ⊆ O,
daí z ∈ O. Mas isso é uma contradição da suposição de que z ∈
/ O. Logo z ∈ O. Assim mostramos
que K̃ ⊆ O.
Falta mostrar que K̃ ∩P = {0}. Suponha que existe um x 6= 0 tal que x ∈ K̃ ∩P = {0}. Assim x 6= O∗
e x ∈ K̃, o que é uma contradição, pois sendo K̃ um corpo, todos os seus elementos são invertíveis.
Teorema 2.7. Seja O um anel de valorização do corpo de funções F |K e seja P seu único ideal
maximal. Então temos
(a) P é um ideal principal.
(b) Se P = tO então cada 0 6= z ∈ F tem uma única representação na forma z = tn u, para algum
n ∈ Z e u ∈ O∗ , sendo que se z ∈ O, então n ≥ 0 e se z ∈
/ O, então n < 0.
A prova do teorema depende do seguinte lema.
Lema 2.8. Seja O um anel de valorização de um corpo de funções algébricas F |K, seja P seu único
ideal maximal e 0 6= x ∈ P . Sejam x1 , . . . , xn ∈ P tal que x1 = x e xi ∈ xi+1 P para i = 1, 2, . . . , n − 1.
Então temos
n ≤ [F : K(X)] < ∞
Demonstração.
Como 0 6= x ∈ P e da proposição 2.6 temos x ∈ K̃ ∩ P = {0}, segue que x ∈
/ K̃, ou seja x é
transcendente sobre K, então, da proposição 2.3 temos que F |K(x) é uma extensão finita. Então
é suficiente mostrar que x1 , . . . , xn são linearmente independentes sobre K(x), pois F é um K(X)
espaço vetorial.
Suponha então que x1 , . . . , xn sejam linearmente dependentes, assim existe uma combinação não-trivial
n
P
ϕi (x)xi = 0, com ϕi (x) ∈ K(x).
i=1
para i = 1, ..., n.
Fazendo a multiplicação da equação acima pelo máximo múltiplo comum dos denominadores e dividindo pela menor potência de x que aparece na fatoração dos numeradores, obtemos a equação
n
X
ϕ̃i (x)xi = 0
i=1
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onde todo ϕ̃i (x) ∈ K[x] e x não divide todos ϕ̃i (x). Colocando a1 := ϕ̃i (0), o termo constante de
ϕ̃i (x) e definindo j ∈ 1, ..., n pela condição aj 6= 0 e ai = 0 para todo i > j, temos
X
X
ϕ̃i (x)xi + ϕ̃j (x)xj +
ϕ̃i (x)xi = 0
i<j
e então obtemos
−ϕ̃j (x)xj =
i>j
X
i<j
ϕ̃i (x)xi +
X
ϕ̃i (x)xi
i>j
com ϕ̃j (x) ⊂ K[x] ⊂ O para i = 1, ..., n, xi ∈ xj P para i < j e ϕ̃i (x) = xgi (x) para i > j, onde
gi (x) ∈ K[x].
Dividindo a equação acima por xj obtemos
X
xi X x
−ϕ̃j =
ϕ̃i (x) +
gi (x)xi .
xj
x
i>j j
i<j
P
Observe que toda soma do lado direito pertence a P , pois i<j ϕ̃i xxji ∈ P , já que xi ∈ xj P e ϕ̃i (x) ∈ O
P x
x
e também
xj gi (x)xi ∈ P pois xj ∈ P e gi (x)xi ∈ P . Logo ϕ̃j (x) ∈ P .
i>j
Por outro lado, ϕ̃j (x) = aj + xgj (x), com aj ∈ K, então aj = ϕ̃j (x) − xgj (x). Como gj (x) ∈ K[x] ⊆ O
e x ∈ P , temos que xgj (x) ∈ P , logo aj ∈ P ∩ K̃ = {0}. Mas isso é uma contradição pois aj 6= 0.
n
P
Logo
ϕi (x)xi = 0 é uma combinação linear trivial, ou seja, ϕi (x) = 0, para i = 1, ..., n e x1 , ..., xn
i=1
são linearmente independentes.
Provemos agora o teorema 2.7
Demonstração.
a) Suponha que P não seja principal e escolha um elemento 0 6= xi ∈ P . Como P 6= x1 O, existe
−1
x2 ∈ P \ x1 O. Então x2 x−1
/ O, pois se x2 x−1
1 ∈
1 ∈ O então x1 (x2 x1 ) ∈ x1 O e daí x2 ∈ x1 O. Então
−1
−1
pela proposição 2.6.b temos que x2 x1 ∈ P e então x2 x2 x1 ∈ x2 P e logo x1 ∈ x2 P .
Por indução obtemos uma sequência infinita (x1 , x2 , x3 , ...) em P tal que xi ∈ xi+1 P para todo i ≥ 1,
mas isso é uma contradição, pois pelo lema 2.8, podem existir apenas um número finito de xn com
n ∈ N satisfazendo xi ∈ xi+1 P .
b) Seja z ∈ F com z 6= 0. Como z ou z −1 ∈ O, podemos supor que z ∈ O. Se z ∈ O∗ , então
z = t0 z e pronto. Consideremos o caso em que z ∈ P . Existe um m ≥ 1 máximo com z ∈ tm O, já que
o comprimento da sequência x1 = z, x2 = tm−1 , ..., xm = t é limitado pelo lema 2.8.
Escreva z = tm u com u ∈ O. Então u deve ser um invertível de O, caso contrário u ∈ P = tO,
então u = tw com w ∈ O e z = tm+1 w ∈ tm+1 O, o que contradiz a maximalidade de m. Agora
suponha que z = tn u e z = tm v com m, n ∈ N e u, v ∈ O∗ . Logo tn u = tm v, e então (tm )−1 tn uu−1 =
(tm )−1 tm vu−1 =⇒ tm−n = vu−1 , logo tm−n ∈ O∗ , ou seja, t ∈ O∗ . Isso é um absurdo. pois teríamos
P =O
Definição 2.9. (a) Um lugar P de um corpo de funções algébricas é um ideal maximal de algum anel
de valorização O de F |K. Todo elemento t ∈ P tal que P = tO é chamado um elemento primo de P .
(b) PF = {P tal que P é um lugar de F |K}
Se O é um anel de valorização de F |K e P é seu ideal maximal, então O é unicamente determinado
por P , isto é, O = {z ∈ F |z −1 ∈
/ P } de acordo com a proposição 2.6(b). Isso significa que temos uma
bijeção entre os anéis de valorização e os lugares de um corpo de funções. Assim OP := O é chamado
de anel de valorização do lugar P .
Uma segunda descrição muito útil de lugares é dada em termos de valorização.
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Definição 2.10. Uma valorização discreta de F |K é uma função v : F |K → Z∪{∞} com as seguintes
propriedades,
(1) v(x) = ∞ ⇔ x = 0,
(2) v(xy) = v(x) + v(y) para todo x, y ∈ F ,
(3) v(x + y) ≥ min{v(x), v(y)} para todo x, y ∈ F ,
(4) Existe um elemento z ∈ F com v(z) = 1,
(5) v(a) = 0 para todo 0 6= a ∈ K.
Nesse contexto o símbolo ∞ significa algum elemento que não está em Z tal que ∞ + ∞ = ∞ + n =
n + ∞ = ∞ e ∞ > m para todo m, n ∈ Z.
De (2) e de (4) segue que v : F |K → Z ∪ {∞} é sobrejetora.
A propriedade (3) é chamada desigualdade triangular.
Uma versão mais forte da desigualdade triangular que é bastante usada é a seguinte.
Lema 2.11 (Desigualdade triangular estrita.). Seja v uma valorização discreta de F |K e seja x, y ∈ F
com v(x) 6= v(y). Então v(x + y) = min{v(x), v(y)}
Demonstração. Observe que v(ay) = v(y), para 0 6= a ∈ K, pois pelas propriedades (2) e (5) de uma
valorização discreta temos v(ay) = v(a) + v(y) = 0 + v(y). Em particular v(−y) = v(−1y) = v(−1) +
v(y) = v(y). Como v(x) 6= v(y), assumamos que v(x) < v(y) e suponha que v(x+y) < min{v(x), v(y)}.
Então obtemos v(x) = v((x + y) − y) ≥ min{v(x + y), v(y)}, donde segue que v(x) ≥ v(x + y) ou
v(x) ≥ v(y). Temos uma contradição. Logo v(x + y) = min{v(x), v(y)} para v(x) 6= v(y).
Definição 2.12. Para um lugar P ∈ PF associamos uma função vp : F → Z ∪ {∞} definida da
seguinte forma.
Escolha um elemento primo t de P . Então todo z ∈ F, z 6= 0, tem uma única representação z = tn u
com u ∈ OP∗ e n ∈ Z.
Defina vP (z) := n e vP (0) := ∞.
Observe que essa definição depende apenas de P e não da escolha do t.
De fato, seja t0 um outro elemento primo de P . então P = tO = t0 O. Como t ∈ P , então t ∈ t0 O, logo
t = t0 w, com w ∈ Op∗ .
Logo, seja z ∈ F , temos que z = tn u = t0n (wn u) com wn u ∈ Op∗ .
Teorema 2.13. Seja F |K um corpo de funções,
(a) Para algum lugar P ∈ PF , a função vP definida acima é uma valorização discreta de F |K. Além
disso temos,
OP = {z ∈ F |vP (z) ≥ 0}
OP∗ = {z ∈ F |vP (z) = 0}
P = {z ∈ F |vP (z) > 0}
(b) Um elemento x ∈ F é um elemento primo de P se, e somente se, vP (x) = 1.
(c) Por outro lado, suponha que v é uma valorização discreta de F |K. Então o conjunto P := {z ∈
F |vP (z) > 0} é um lugar de F |K e OP = {z ∈ F |vP (z) ≥ 0} é o seu anel de valorização correspondente.
Demonstração. (a) É fácil verificar que vP satisfaz as propriedades de uma valorização discreta.
Então seja z ∈ F . Temos que z ∈ OP∗ se, e somente se, z = t0 z, se, e somente se, vP (z) = 0. Daí
OP∗ = {z ∈ F |vP (z) = 0}.
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Seja 0 6= w = tn u ∈ F , n ∈ Z e u ∈ O∗ . Temos que w = tn u ∈ P se, e somente se
w = t−n u−1 ∈
/ O se, e somente se −n < 0 se, e somente se n > 0 se, e somente se vP (w) > 0.
Logo P = {z ∈ F |vP (z) > 0}.
Como O = P ∪ O∗ , segue que OP = {z ∈ F |vP (z) ≥ 0}.
−1
(b) Seja t ∈ F um elemento primo de P . Então todo z ∈ F tem uma única representação na forma
z = tn u, com u ∈ OP∗ e n ∈ Z. Seja x ∈ F um outro elemento primo de P . Como x ∈ F temos que
x = tm u1 , com m ∈ Z e u1 ∈ OP∗ . Como x é elemento primo de P temos que t = xn u2 , com n ∈ Z
m
∗
1
e u2 ∈ OP∗ . Daí x = (xn u2 )m u1 , ou seja, x = xnm (um
2 u1 ), com u2 u1 ∈ OP . Mas x = x 1, então da
nm m
unicidade da representação temos que mn = 1. Logo vP (x) = vP (x (u2 u1 )) = 1. Reciprocamente
seja t um elemento primo de P . Daí como vP (x) = 1, temos que x = t1 u, com u ∈ O∗ , daí xu−1 = t.
Logo P = tO = xu−1 O = xO. Portanto x ∈ F é um elemento primo de P .
(c) É fácil mostrar que OP é um anel. Como F é um corpo, em particular F é um anel, então
basta mostrar que OP é um subanel de F .
Verifiquemos então que OP é um anel de valorização, ou seja, que K ( O ( F e que para todo z ∈ F
temos z ∈ O ou z −1 ∈ O.
Para qualquer a ∈ K temos que vP (a) = 0, logo K ⊂ OP . Agora como vP é uma valorização discreta,
existe z ∈ F tal que vP (z) = 1, então z ∈ OP , mas z ∈
/ OP∗ , como K ⊆ OP∗ , temos que K ( OP .
Seja 0 6= x ∈ OP , tal que vP (x) > 0, temos que 0 = vP (1) = vP (xx−1 ) = vP (x) + vP (x−1 ) =⇒
vP (x−1 ) = −vP (x) < 0. Logo x−1 ∈ F , mas x−1 ∈
/ OP . Portanto OP ( F .
Seja 0 6= z ∈ F . Suponha que vP (z) ≥ 0, logo z ∈ OP . Caso contrário vP (z) < 0, daí vP (z −1 ) =
−vP (z) > 0 e então z −1 ∈ OP .
Mostremos agora que P é um ideal de OP .
Seja x ∈ P e y ∈ OP , então vP (x) > 0 e vP (y) ≥ 0, logo vP (xy) = vP (x) + vP (y) > 0. Portanto
xy ∈ P .
Seja a, b ∈ P . Temos que vP (a + b) ≥ min{vP (a), vP (b)} > 0, logo a + b ∈ P . Portanto P é um ideal
de OP .
Verifiquemos que P é maximal.
Seja I um ideal de OP , tal que P ( I ⊂ OP . Logo existe um t ∈ I tal que vP (t) = 0. Daí seja x ∈ F
um elemento primo de P , então t = x0 u, com u ∈ O∗ . Temos que t−1 = x0 u−1 , logo vP (t−1 ) = 0 e
t−1 ∈ OP . Como I é um ideal temos que tt−1 = 1 ∈ I, donde segue que I = OP .
Finalmente mostremos que P é único. Seja M 6= ∅ um outro ideal maximal de OP , daí como
M 6= P , temos que existe um t ∈ M tal que vP (t) = 0. Tome um z ∈ OP , como M é um ideal de OP ,
temos que tz ∈ M . Daí vP (tz) = vP (t) + vP (z) = 0 + vP (z) = vP (z) e então z ∈ M , donde segue que
OP ⊆ M . Logo OP = M .
Portanto P é um lugar de F |K e OP é o seu anel de valorização correspondente.
De acordo com o teorema 2.13, lugares, anéis de valorização e valorizações discreta de um corpo
de funções são essencialmente a mesma coisa.
Seja P um lugar de F |K e seja OP seu anel de valorização.
Já que P é um ideal maximal, o anel das classes de resíduos OP /P é um corpo.
Para x ∈ OP definimos x(P ) ∈ OP /P como a classe de resíduos de x módulo P . Para x ∈ F \ OP
colocamos x(P ) := ∞.
Pela proposição 2.6 sabemos que K ⊆ OP e K ∩ P = {0}, então a aplicação de classes de resíduos
OP −→ OP /P induz um mergulho canônico de K em OP /P .
Observe que esse argumento também se aplica a K̃ em vez de K, então podemos considerar K̃ como
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um subcorpo de OP /P .
Definição 2.14. Se P ∈ PF
(a)FP := O \ P é o corpo de classe residual de P .
A aplicação x → x(P ) de F em FP ∪ {∞} é chamada de aplicação de classe residual respectiva à P .
(b) grauP := [FP : K] é chamado de grau de P .
Um lugar de grau 1 é também chamado de um lugar racional de F |K.
Pode-se mostrar que grauP ≤ [F : K(X)] < ∞, ou seja, o grau de um lugar é sempre finito.
Proposição 2.15. O corpo K̃ de constantes de F |K é uma extensão de corpos finita sobre K.
Demonstração. Usaremos o fato de que PF 6= ∅, o que garante isso é o corolário 2.19, mais adiante.
Escolha um P ∈ PF . Visto que K̃ está mergulhado em FP via aplicação classe de resíduos OP → FP ,
segue que [K̃ : K] ≤ [FP : K] < ∞.
Remark 2.16. Seja P um lugar racional de F |K, isto é, grauP = 1. Então temos Fp = K, e
as aplicações de classes de residuais vão de F para K ∪ {∞}. Em particular se K é um corpo
algebricamente fechado, então todo lugar é racional e podemos ler um elemento de z ∈ F como uma
função;
PF −→ K ∪ {∞}
z:
P 7−→
z(P )
Por isso F |K é chamado de corpo de funções. Os elementos de K interpretados como funções de
acordo com 2.16, são funções constantes. Por essa razão K é chamado de corpo de constantes de F .
A seguinte terminologia também é justificada por 2.16.
Definição 2.17. Seja z ∈ F e P ∈ PF . Dizemos que P é um zero de z se vP (z) > 0; P é um pólo de
z se vP (z) < 0. Se vP (z) = m > 0, P é um zero de z de ordem m; se vP (z) = −m < 0, P é um pólo
de z de ordem m.
É possível mostrar que dado um corpo de funções algébricas F |K temos que PF 6= ∅. O que
garante isto é o próximo teorema.
Teorema 2.18. Seja F |K um corpo de funções e seja R um subanel de F com K ⊆ R ⊆ F . Suponha
que I ( R é um ideal não trivial de R. Então existe um lugar P ∈ PF tal que I ⊆ P e R ⊆ OP .
Corolário 2.19. Seja F |K um corpo de funções, z ∈ F transcendente sobre K. Então z tem pelo
menos um pólo e um zero. Em particular PF 6= ∅.
A seguinte proposição mostra que o número de zeros de uma função algébrica é finito.
Proposição 2.20. Seja F |K um corpo de funções. Seja P1 , ..., Pn zeros do elemento x ∈ F . Então
r
X
vPi (x)grauPi ≤ [F : K(x)].
i=1
2.3
Divisores e Espaços de Riemann-Roch
O corpo K̃ de constantes de um corpo de funções algébricas F |K é uma extensão finita de K e F
pode ser considerado como um corpo de funções sobre K̃.
Portanto de agora em diante F |K será sempre denotado como um corpo de funções algébricas de uma
variável tal que K é o corpo de constantes completo de F |K.
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Definição 2.21. O grupo divisores de F |K é definido como o grupo abeliano livre o qual é gerado
pelos lugares de F |K e denotado por Div(F ). Os elementos de Div(F ) são chamados de divisores de
F |K. Em outras palavras, um divisor é uma soma formal
X
D=
nP P
P ∈PF
com nP ∈ Z e uma quantidade finita de nP = 0.
O suporte de P é definido por
SuppD = {P ∈ PF |nP 6= 0} .
Um divisor da forma
PP
∈ PF é chamado divisor primo.
PD = P com
0
Dois divisores D =
nP P e D = n0P P são somados termo a termo, isto é,
X
D + D0 =
(nP + n0P )P.
P ∈PF
O elemento zero do grupo de divisores Div(F ) é o divisor
X
0 :=
rP P,
com todos rP = 0.
P ∈PF
Para Q ∈ PF e D =
P
nP P ∈ div(F ) definimos vQ (D) := nQ , portanto
SuppD = {P ∈ PF |vP (D) 6= 0}
e
X
D=
vP (D)P.
P ∈suppD
Uma ordem parcial em div(F ) é definida por
D1 ≤ D2 se, e somente se vP (D2 ) ≤ vP (D1 ) para todo P ∈ PF .
Se D1 ≤ D2 eD1 6= D2 também escrevemos D1 < D2 .
Um divisor D ≥ 0 é chamado de divisor positivo ou efetivo.
O grau de um divisor é definido por
grau D :=
X
vP (D)grau P,
P ∈PF
e isso produz um homomorfizmo de grupos grau : Div(F ) −→ Z.
Pode-se mostrar que um elemento 0 6= x ∈ F tem apenas um número finito de zeros e pólos em PF ,
assim a seguinte definição faz sentido.
Definição 2.22. Seja 0 6= x ∈ F e denote por Z e N o conjunto de zeros e de pólos de X em PF
respectivamente. Então definimos
X
(x)0 =
vP (x)P
o divisor zero de x
(2.1)
P ∈Z
(x)∞ =
X
(−vP (x))P
o divisor pólo de x
(2.2)
P ∈N
(x) := (x)0 − (x)∞
o divisor principal de x
(2.3)
P
Claramente (x)0 ≥ 0, (x)∞ ≥ 0 e (x) = P ∈PF vP (x)P .
Observe que se 0 6= x ∈ F é uma constante, isto é, x ∈ K, então vP (x) = 0 para qualquer P ∈ PF , o
que implica que (x) = 0. Reciprocamente se (x) = 0 então x é um elemento sem zeros e sem pólos,
pelo corolário 2.19 segue então que x não é transcendente sobre K, então x é algébrico sobre K, ou
seja x ∈ K̃ = K.
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81
Definição 2.23.
P rinc(F ) := {(x); x ∈ F, x 6= 0}
é chamado de grupo dos divisores principais de F |K.
Note que P rinc(F ) é um subgrupo de Div(F ), já que para x, y ∈ F ,com x 6= 0 e y 6= 0 temos que
(x) − (y) ∈ P rinc(F
), pois
P
P
P
P
(x) − (y) = P ∈PF vP (x)P − P ∈PF vP (y)P = P ∈PF vP (x)P + P ∈PF −vP (y)P
P
P
= P ∈PF (vP (x) + vP (y −1 ))P = P ∈PF (vP (xy −1 )P = (xy −1 ) ∈ P rinc(F ).
Logo P rinc(F ) também é abeliano e portanto é um subgrupo normal de Div(F ), então a seguinte
definição faz sentido.
Definição 2.24. O grupo de quocientes Cl(F ) := Div(F )/P rinc(F ) é chamado de classe de grupos
divisores de F |K. Para um divisor D ∈ Div(F ) o elemento correspondente no grupo quociente Cl(F )
é denotado por [D], a classe divisora de D.
Dois divisores D, D0 ∈ Div(F ) são ditos equivalentes, e escrevemos
D ∼ D0
se [D] = [D0 ], isto é, se D = D0 + (x) para algum x ∈ F \ {0}.
Nossa próxima definição é de grande importância na teoria de corpos de funções algébricas.
Definição 2.25. Para um divisor A ∈ Div(F ) definimos o espaço de Riemann-Roch associado a A
por
L(A) := {x ∈ F : (x) + A ≥ 0} ∪ {0}.
Essa definição vem da seguinte interpretação: se
A=
r
X
i=1
ni Pi −
s
X
mj Qj ,
j=1
com ni > 0, mP
j > 0, então
Ps
Pr
P
(x) + A = ( P ∈Z vP (x)P − P ∈N (−vP )(x)P ) + ( i=1 ni Pi − j=1 mj Qj )
Pr
P
Ps
P
,
= ( P ∈Z vP (x)P − j=1 mj Qj ) + ( i=1 ni Pi − P ∈N (−vP )(x)P )
daí L(A) consiste de todo elemento x ∈ F tal que
i) x tem zeros de ordem ≥ mj em Qj para j = 1, . . . , s e
ii) x pode ter pólos somente nos lugares P1 , . . . , Pr com ordem dos pólos em Pi menor ou igual do que
ni para i = 1, . . . , r.
Remark 2.26. Seja x ∈ Div(F ). Então
a) x ∈ L(A) se, e somente se, vP (x) ≥ −vP (A) para todo P ∈ PF .
b) L(A) 6= {0} se, e somente se, existe um divisor A0 ∼ A com A0 ≥ 0.
Demonstração. a) Da definição de ordem parcial temos que (x) ≥ −A se, e somente se vP (x) ≥
vP (−A), para todo P ∈ PF , ou seja, x ∈ L(A) se, e somente se, vP (x) ≥ −vP (A) para todo P ∈ PF .
b) Se L(A) 6= {0}, existe um 0 6= x ∈ F tal que (x) + A ≥ 0. Colocando A0 = (x) + A, temos que
A0 ∼ A e A0 ≥ 0. Reciprocamente, se A0 ∼ A e A0 ≥ 0 , existe um x ∈ F \ {0} tal que A0 = (x) + A e
(x) + A ≥ 0, logo x ∈ L(A).
Lema 2.27. Seja a ∈ Div(F ). Então temos que
a) L(A) é um espaço vetorial sobre K,
b) Se A0 é um divisor equivalente a A, então L(A) ' L(A0 ).
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82
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Demonstração. a) Seja x, y ∈ L(A) e a ∈ K. Então para todo P ∈ PF temos que vP (x + y) ≥
min{vP (x), vP (y)} ≥ −vP (A) e vP (ax) = vP (a) + vP (x) = vP (x) ≥ −vP (A). Logo x + y e ax estão
em L(A) pela observação 2.26(a).
b) Por hipótese, A = (z) + A0 , com 0 6= z ∈ F . Considere a aplicação
L(A) −→ F
ϕ:
x
7−→ xz
Dados x, y ∈ L(A) e a ∈ K temos que ϕ(x+λy) = (x+λy)z = xz +(λy)z = xz +λ(yz) = ϕ(x)+λϕ(y).
Além disso, temos que (x) + A ≥ 0, logo (x) + (z) + A0 ≥ 0, donde segue que (xz) + A0 ≥ 0 e portanto
xz ∈ L(A0 ). Logo essa é uma aplicação K-linear cuja a imagem está contida em L(A0 ).
Da mesma maneira
L(A0 ) −→
F
ϕ0 :
x
7−→ xz −1
é uma aplicação K-linear de L(A0 ) em L(A), pois para x ∈ L(A0 ), temos que (x) + A0 ≥ 0, logo
(x) − (z) + A = (x) + (z −1 ) + A = (xz −1 ) + A ≥ 0. Portanto xz −1 ∈ L(A).
Agora note que
ϕoϕ0 (x) = ϕ(ϕ0 (x)) = ϕ(xz −1 ) = xz −1 z = x
o que implica que ϕ é sobrejetora e ϕ0 é injetora e
ϕ0 oϕ(x) = ϕ0 (ϕ(x)) = ϕ0 (xz) = xzz −1 = x.
o que implica que ϕ0 é sobrejetora e ϕ é injetora, logo ϕ e ϕ0 são bijetoras
Além disso toda aplicação K-linear em particular é um homomorfismo.
Assim ϕ é um homomorfismo bijetor de L(A) em L(A0 ), isto é, L(A) e L(A0 ) são isomorfos.
Lema 2.28. a) L(0) = K,
b) Se A < 0 então L(A) = {0}.
Demonstração. a) Seja 0 6= x ∈ K, então (x) = 0, logo x ∈ L(0) e K ⊆ L(0). Por outro lado, se
0 6= x ∈ L(0), então (x) ≥ 0. Isso significa que x não possui pólos (pois vP (x) ≥ 0 para qualquer
P ∈ PF ), logo pelo corolário 2.19, x ∈ K.
Assim L(0) ⊆ K e portanto L(0) = K.
b) Suponha que exista um elemento 0 6= x ∈ L(A). Então (x) ≥ −A > 0, o que implica que x possui
pelo menos um zero, mas não possui pólos. Mas isso é impossível, logo L(A) = {0}.
Nosso próximo objetivo, é mostrar que L(A) é de dimensão finita para qualquer divisor A ∈ Div(F ).
Lema 2.29. Seja A, B divisores de F |K com A ≤ B. Então temos que L(A) ⊆ L(B) e
dim (L(B)/L(A)) ≤ grau B − grau A
.
Proposição 2.30. Para cada divisor A ∈ Div(F ) o espaço L(A) é um espaço vetorial sobre K de
dimensão finita.
Mais precisamente, se A = A+ − A− com os divisores A+ e A− positivos, então
dim L(A) ≤ grau A+ + 1.
Demonstração. Como A+ = A + A− , temos que A ≤ A+ e daí L(A) ⊆ L(A+ ), é suficiente então,
mostrar que
dim L(A+ ) ≤ grau A+ + 1.
Temos que 0 ≤ A+ , então do lema 2.29 segue que
dim (L(A+ )/L(0)) ≤ grau A+ − grau 0 = grau A+ .
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(2.4)
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83
Tome a aplicação K-linear
φ:
L(A+ ) −→ L(A+ )/L(0)
x
7−→
x.
Agora observe que x ∈ Kerφ se, e só se φ(x) = 0 se, e só se x = 0 se, e só se x ∈ L(0) se, e só se
x ∈ K. Logo Kerφ = L(0) = K. Claramente φ é sobrejetora, isto é Imφ = L(A+ )/L(0). Logo pelo
teorema da Dimensão e Imagem e de 2.4, temos que
dim L(A+ ) = dim (L(A+ )/L(0)) + dim K = dim (L(A+ )/L(0)) + 1 ≤ grau A+ + 1
Definição 2.31. Para a ∈ Div(F ) o inteiro `(A) := dimL(A) é chamado de dimensão do divisor A.
Um dos mais importantes problemas da teoria de corpos de funções, é calcular a dimensão de um
divisor. A solução para esse problema será dada pelo teorema de Riemann-Roch na próxima seção.
O próximo teorema nos diz que um elemento 0 6= x ∈ F tem tantos zeros quanto o número de pólos,
desde que contados propriamentes.
Teorema 2.32. Todo divisor principal tem grau zero. Mais precisamente, seja x ∈ F |K, (x)0 e (x)∞
os divisores zero e pólo de x respectivamente. Então
grau (x)0 = grau (x)∞ = [F : K(x)].
Demonstração. Seja n := [F : K(x)] e B := (x)∞
r
P
−vPi (x)Pi , onde Pi , ..., Pr são todos os pólos
i=1
de x. Lembremos que Pi , ..., Pr são zeros de x−1 , logo da proposição 2.20 temos que
r
X
−vPi (x)grauPi =
i=1
r
X
vPi (x−1 )grauPi ≤ [F : K(x−1 )] = [F : K(x)] = n.
i=1
Mostremos então que n ≤ grau B.
escolha uma base u1 , ..., un ∈ F |K(x) e um divisor C ≥ 0 tal que (ui ) + C ≥ 0 para i = 1, ..., n. Temos
que
`(lB + C) ≥ n(l + 1), para qualquer l ≥ 0,
Isso segue imediatamente do fato de xi uj ∈ L(lB + C) para 0 ≤ i ≤ l e 1 ≤ j ≤ n, pois
(xi uj ) + lB + C = (xi ) + (uj ) + lB + C
= i(x) + (uj ) + lB + C
= i((x)0 − (x)∞ ) + (uj ) + l(x)∞ + C
= i(x)0 + (i − l)(x)∞ ) + (uj ) + C ≥ 0
Observe que esses elementos são linearmente independentes sobre K, visto que u1 , .., un são linearmente
independentes sobre K(x) e xi ∈ K(x) para i = 1, . . . , l ser linearmente independente sobre K.
Colocando c := grau C obtemos pela proposição 2.30 que
n(l + 1) ≤ ` L(lB + C) ≤ grau (lB + C) + 1 = lgrau B + c + 1.
Assim
l(grau B − n) ≥ n − c − 1, para todo l ∈ N.
(2.5)
Como o lado direito de (2.5) é independente de l, só podemos ter grau B−n ≥ 0, pois se grau B−n <
0, como l ≥ 0, existiria l tal que a desigualdade (2.5) não se satisfaria. Portanto grau B ≥ n e logo
grau B = n, ou seja grau (x)∞ = [F : K(x)].
Visto que (x)0 = (x−1 )∞ , concluímos que
grau (x)0 = grau (x−1 )∞ = [F : K(x−1 )] = [F : K(x)].
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Corolário 2.33. a) Seja os divisores A, A0 com A ∼ A0 . Então temos `(A) = `(A0 ) e grau A = grau A0 .
b) Se grau A < 0 então `(A) = 0.
c) Para um divisor A de grau zero, as seguintes afirmações são equivalentes:
(1) A é principal
(2) `(A) ≥ 1
(3) `(A) = 1
Demonstração. a) Do lema 2.27 temos que L(A) ' L(A0 ), logo `(A) = `(A0 ). De A = A0 + (x) com
x ∈ F \ {0}, temos que
grau A = grau (A0 + (x)) = grau A0 + grau (x).
Do teorema 2.32 temos grau (x) = 0 e logo grau A = grau A0 + grau (x) = grau A0 .
b) Suponha que `(A) > 0, Pela observação 2.26 existe um divisor A0 tal que A0 ∼ A e A0 ≥ 0, assim
grau A = grau A0 ≥ 0, mas isso contraria a hipótese, logo `(A) = 0.
c) (1) ⇒ (2).Se A = (x) é um divisor principal, então x−1 ∈ L(A) pois (x−1 ) + A = −(x) + A = 0 e
logo `(A) ≥ 1, já que x 6= 0,
(2) ⇒ (3) : Assumamos que `(A) ≥ 1 e grau A = 0, de `(A) ≥ 1, temos que L(A) 6= {0}, então da
observação2.26.b segue que A ∼ A0 para algum A0 ≥ 0. As condições A0 ≥ 0 e grau A0 = 0 implicam
que A0 = 0,assim `(A) = `(A0 ) = `(0) = 1, já que L(0) = K.
(3) ⇒ (1) : Suponha que `(A) = 1 e grau A = 0. Escolha 0 6= z ∈ L(A), então (z) + A ≥ 0. Visto
que grau ((z) + A) = grau (z) + grau A = 0 + 0 = 0 temos que (z) + A = 0, e logo A = −(z) = (z −1 ).
Portanto A é principal.
Na proposição 2.30 vimos que a inequação
`(A) ≤ 1 + grau A
(2.6)
ocorre para todo divisor A ≥ 0. De fato (2.6) ocorre para todo divisor de grau maior ou igual a zero.
Para verificar isso podemos assumir que `(A) > 0, logo L(A) 6= {0} e pela observação 2.26 temos que
A ∼ A0 , para algum A0 ≥ 0, então pelo corolário 2.33,
`(A) = `(A0 ) ≥ 1 + grau A = 1 + grau A0 .
É possível mostrar a existência de um limite inferior para `(A) semelhante à inequação 2.6. É o
que garante a próxima proposição.
Proposição 2.34. Existe uma constante γ ∈ Z tal que para todos divisores A ∈ DivF o seguinte
acontece
grau A − dim A ≤ γ.
Temos que γ não depende do divisor A, ele depende apenas do corpo de funções F |K.
Definição 2.35. O gênero g de F |K é defininido por
g := max{grau A − `(A) + 1 : A ∈ Div(F )}.
Observe que essa definição faz sentido pela proposição 2.34.
Corolário 2.36. O gênero de F |K é um inteiro não negativo
Demonstração. Na definição de g, coloque A = 0, então `(0) − dim (0) + 1 = 0, assim g ≥ 0.
Teorema 2.37. (Teorema de Riemann) Seja F |K um corpo de funções de genero g. Então temos
a) Para todo divisor A ∈ Div(F ),
`(A) ≥ grau A + 1 − g,
b) Existe um inteiro c, dependendo apenas do corpo de funções F |K, tal que
`(A) = grau A + 1 − g,
toda vez que grau A ≥ c.
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85
Demonstração. a) Segue da definição de gênero, pois g ≥ grau A − `(A) + 1, assim `(A) ≥ grau A +
1 − g.
b) Escolha um divisor A0 com g = grau A0 − dim A0 + 1 e seja c := grau A0 + g.
Se grau A ≥ c então
`(A − A0 ) ≥ grau(A − A0 ) + 1 − g ≥ c − grau A0 + 1 − g = 1.
Então existe um elemento 0 6= z ∈ L(A − A0 ). Considere o divisor A0 := A + (z), o qual é ≥ A0 , pois
z ∈ L(A − A0 ), logo (z) ≥ −A + A0 e daí A0 = A + (z) ≥ A − A + A0 . Assim
grau A − `(A) = grau A0 − `(A) A0
≥ grau A0 − `(A0
=g−1
(pelo corolário 2.33)
(pelo lema 2.29)
Assim `(A) ≤ grau A + 1 − g.
3 O Teorema de Riemann-Roch e suas consequências
Iniciamos essa seção apresentando o teorema de Riemann-Roch. Não apresentaremos sua prova,
pois a demonstração desse teorema é muito técnica, e envolve alguns conceitos e resultados não desenvolvidos anteriormente, como o conceito de adeles e diferenciais de Weil. Para o leitor interessado
em mais detalhes recomendamos a referência [1]. No entanto, provaremos várias consequências desse
resultado.
Teorema 3.1 (Teorema de Riemann-Roch). Existe um divisor W tal que
` (A) = grau A + 1 − g + `(W − A).
Mais ainda, a igualdade acima vale para todo divisor equivalente a W . Os divisores dessa classe são
chamados de divisores canônicos, e temos:
grau W = 2g − 2
e
`(W ) = g.
Definição 3.2. Para um divisor A ∈ Div(F ) o inteiro
i(A) := `(A) − grauA + g − 1.
é chamado de índice de especialidade de A.
Teorema 3.3. Se A é um divisor de F |K de grauA ≥ 2g − 1 então
`(A) = grau A + 1 − g
Demonstração. Pelo Teorema de Riemann-Roch temos que `(A) = grau A + 1 − g + ` (W − A) onde
W é um divisor conônico. Como grau A ≥ 2g − 1 e grau W = 2g − 2, temos que grau (W − A) =
2g − 2 − 2g + 1 = −1 < 0. Segue pelo corolário 2.33, que `(W − A) = 0. E assim `(A) = grau A + 1 − g.
Uma primeira consequência importante é que o Teorema de Riemann-Roch caracteriza o gênero
assim como a classe de divisores canônicos de F |K.
Proposição 3.4. Suponha que g0 ∈ Z e W0 ∈ Div(F ) satisfazendo
`(A) = grau A + 1 − g0 + `(W0 − A)
(3.1)
para todo A ∈ Div(F ). Então g0 = g, e W0 é um divisor canônico.
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86
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Demonstração. Colocando A = 0 temos que `(0) = grau(0)+1−g0 +`(W0 ) e logo 1 = 1−g0 +`(W0 ),
daí `(W0 ) = g0 . Agora colocando A = W0 temos
`(W0 ) = grau W0 + 1 − g0 + `(W0 − W0 )
g0 = grau W0 + 1 − g0 + 1
grau W0 = 2g0 − 2.
Seja W um divisor canônico de F |K. Escolhamos um divisor A com grauA > max{2g −2, 2g0 −2},
para isso basta tomar o divisor canônico W +W ou W0 +W0 . Se 2g −2 > 2g0 −2 então grauA ≥ 2g −2,
donde segue que grauA ≥ 2g −1. Agora se 2g0 −2 > 2g −2 então grauA ≥ 2g0 −1 > 2g0 −2 > 2g −2 ≥
2g −1. Logo pelo teorema 3.3, temos que `(A) = grauA+1−g e por (3.1) temos `(A) = grauA+1−g0 .
Portanto g = g0 . Finalmente substituindo A = W em (3.1) temos
`(W ) = grauW + 1 − g0 + `(W0 − W )
g = (2g − 2) + 1 − g + `(W0 − W )
Assim `(W0 − W ) = 1, e como grau(W0 − W ) = grau(W0 ) − grau(W ) = 2g0 − 2 − (2g − 2) = 0 temos
pelo corolário 2.33, que W0 − W é principal, ou seja, W0 − W = (x), para algum x ∈ F/0, isto é,
W0 = W + (x), logo W0 ∼ W , e portanto W0 é canônico.
A seguir temos outra caracterização usual para os divisores canônicos.
Proposição 3.5. Um divisor B é canônico se e somente se grau(B) = 2g − g e `(B) ≥ g.
Demonstração. Suponha que grauB = 2g − 2 e `(B) ≥ g. Escolha um divisor canônico W , então
g ≤ `(B) = grauB + 1 − g + `(W − B) = 2g − 2 + 1 − g + `(W − B) = g − 1 + `(W − B), potanto
`(W − B) ≥ 1. Já que grau(W − B) = grau(W ) − grau(B), segue do corolário 2.33 que W ∼ B.
Portanto B é canônico.
Proposição 3.6. Seja F |K um corpo de funções com gênero 0, e suponha que existe um divisor
A ∈ Div(F ) com grauA = 1. Então F |K é racional, ou seja, F = K(x) para algum x tal que x é
transcendente sobre o corpo K.
Demonstração. Seja g = 0 e grauA = 1, como grauA = 1 ≥ 2g − 1 = −1, pelo teorema 3.3 temos
que
l(A) = grau(A) + 1 − g = 1 + 1 − 0 = 2
0
0
Assim, pela observação 2.26, segue que A ∼ A para algum A ≥ 0.
0
0
0
Visto que `(A ) = `(A) = 2, existe um elemento x ∈ L(A )/K, então (x) 6= 0 e (x) + A ≥ 0. Como
0
0
0
A ≥ 0 e grauA = 1, isso só é possível apenas se A = (x)∞ o divisor pólo de x.
0
Agora como [F : K(x)] = grau(x)∞ = grauA = 1, pelo teorema 2.32 F = K(x).
Agora vamos investigar elementos em F que têm apenas um pólo.
Proposição 3.7. Seja P ∈ PF . Então para cada n ≥ 2g existe um elemento x ∈ F com o divisor
polo (x)∞ = nP .
Demonstração. Como grau((n − 1)P ) = (n − 1)grauP ≥ n − 1 ≥ 2g − 1, então pelo teorema 3.3
temos que
`((n − 1)P ) = (n − 1)grauP + 1 − g
e
`(nP ) = n.grauP + 1 − g
Assim `((n − 1)P ) < `(nP ) e logo L((n − 1)P ) $ L(nP ), daí todo elemento x ∈ L(nP )/L((n − 1)P )
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87
tem um divisor de pólo nP .
Observe que para x ∈ L(nP ) temos que nP + (x) ≥ 0 ou seja nP + (x)0 − (x)∞ ≥ 0 → (nP − (x)∞ ) +
(x)0 ≥ 0, como (x)0 e (x)∞ são divisores positivos e supp((x)0 ∩ supp((x)∞ = ∅, só podemos ter
nP − (x)∞ ≥ 0.
Como x ∈
/ L((n − 1)P ), não temos (n − 1)P + (x)0 − (x)∞ ≥ 0, ou seja, não é verdade que (n − 1)P −
(x)∞ ≥ 0, isto é, não acontece nP − (x)∞ > 0.
Logo só podemos ter nP − (x)∞ = 0, ou seja nP = (x)∞ .
Definição 3.8. Seja P ∈ PF . Um inteiro n ≥ 0 é chamado de ordem pólo de P se existe um elemento
x ∈ F com (x)∞ = nP . Do contrário, n é chamado de lacuna.
Teorema 3.9 (Teorema das lacunas de Weierstrass). Suponha que F |K tenha gênero g > 0 e P é um
lugar de grau um. Então existem exatamente g lacunas i1 < i2 < ... < ig em P . E temos
i1 = 1
e
ig ≤ 2g − 1.
Demonstração. Pelo corolário 3.7, temos que qualquer lacuna em P é menor ou igual a 2g − 1 e,
temos também que 0 é uma ordem de pólo de P , pois 1 ∈ F e temos (1)∞ = 0.
Agora veja que se i é uma lacuna em P , então i não é uma ordem de pólo, daí `((i − 1)P )) ≥ `(iP ).
Mas como (i−1)P < iP , temos que L((i−1)P ) ⊆ L(iP ) e então `((i−1)P )) ≤ `(iP ), logo só podemos
ter L((i − 1)P ) = L(iP ).
Reciprocamente se L((i − 1)P ) = L(iP ) temos que dim `((i − 1)P )) = `(iP ), e assim i é uma lacuna
em P . Assim temos seguinte caracterização das lacunas em P :
i é uma lacuna em P ⇐⇒ L((i − 1)P ) = L(iP ).
Considere agora a sequência de espaços vetoriais
K = L(0) ⊆ L(P ) ⊆ L(2P ) ⊆ . . . L((2g − 1)P )
(3.2)
onde dim L(0) = 1 e dim L((2g − 1)P ) = g pelo teorema 3.3.
Como (i − 1)P < iP , pelo lema 2.29 temos que
0 ≤ dim L(iP ) − dim L((i − 1)P ) = dim (L(iP )/L((i − 1)P )) ≤ igrau P − [(i − 1)grau P ] = 1.
Daí `(iP ) − 1 ≤ `((i − 1)P ) para todo i. Assim em 3.2 temos exatamente g − 1 números 1 ≤ i ≤ 2g − 1
com L((i − 1)P ) ( L(iP ) e então restam g números 1 ≤ i ≤ 2g − 1 com L((i − 1)P ) = L(iP ), isto é
restam g números que são lacunas em P .
Finalmente mostraremos que 1 é uma lacuna em P .
Suponha que 1 é uma ordem de pólo de P . Como as ordens de pólos formam um semi-grupo aditivo,
todo n ∈ N é uma ordem de pólo e então não existirão lacunas, mas isso é uma contradição, pois
g > 0.
Definição 3.10. Um divisor A ∈ Div(F ) é chamado de não-especial se i(A) = 0; caso contrário A é
chamado de especial.
Vejamos algumas consequências imediatas desta definição.
Remark 3.11. (a) A é não especial se, e somente se, dim A = grau A + 1 − g.
(b) Se grau A > 2g − 2, então A é não especial.
(c) A propriedade de um divisor A ser especial ou não especial depende apenas da
classe [A] de A do grupo de equivalência dos divisores.
(d) Divisores canônicos são especiais.
(e) Qualquer divisor A com `(A) > 0 e grau A < g é especial.
(f ) Se A é não especial e B ≥ A, então B é não especial.
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Demonstração. (a) Segue diretamente da definição de i(A).
(b) Segue do teorema 3.3.
0
0
0
0
(c) Vem do fato de se A ∼ A então `(A) = `(A ) e grauA = grauA , donde segue que i(A) = i(A ).
(d) Para um divisor canônico W temos que i(W ) = `(W ) − grau(W ) + g − 1 mas pelo teorema
de Riemann-Roch, grau(W ) = 2g − 2 e `(W ) = g, daí segue que i(W ) = g − (2g − 2) + g − 1 =
2g − 2g + 2 − 1 = 1, logo W é especial.
(e)1 ≤ `(A) = grauA + 1 − g + i(A) ⇒ i(A) ≥ g − grauA > 0 já que grauA < g. Logo A é especial.
Referências Bibliográficas
[1] H. Stichtenoth. Algebraic Function Fields and Codes, Berlin, Germany: Springer-Verlag, 2008.
O Teorema de Riemann-Roch e suas consequências
Universidade Federal de Uberlândia
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