DICIONÁRIO DA LAUDATO SI`

Propaganda
DICIONÁRIO
DA LAUDATO SI’
Coleção Comunidade e missão
•Acompanhamento de vocações homossexuais, José Lisboa Moreira de Oliveira
•Ano santo da misericórdia, Cláudio Hummes
•Concílio Vaticano II: reflexões sobre um carisma em curso, João Décio Passos
•Curso de preparação para ministérios leigos, Diocese de Caxias do Sul
•Diaconia da palavra: o ministério e a missão do diácono permanente,
Julio Cesar Bendinelli
•Diálogo das religiões (O), Andrés Torres Queiruga
•Diálogos noturnos em Jerusalém: sobre o risco da fé, Carlo Maria Martini; Georg Porsc Hill
•Dicionário da Evangelii gaudium, Paulo Suess
•Dicionário da Laudato si’: Sobriedade feliz, Paulo Suess
•Dicionário de Aparecida: 40 palavras-chave para uma leitura pastoral do documento de Aparecida, Paulo Suess
•Discípulos e missionários: reflexões teológico-pastorais
sobre a missão na cidade, Benedito Beni dos Santos
•Dom Helder Câmara: profeta para os nossos dias, Marcelo Barros
•Dom Helder Câmara: um modelo de esperança, Martinho Condini
•Encontro com Cristo: vencer medos, viver de esperança, Bruno Carneiro Lira
•Espiritualidade do padre diocesano, Pe. Humberto Robson de Carvalho; Fernando Lorenz
•Evangelho e instituição, Marcelo Barros
•Fé viva: como a fé inspira a justiça social, Curtiss Paul DeYoung
•Felicidade e a realização humana no trabalho (A): elementos fundamentais à luz da doutrina social da Igreja, Anderson Francisco Faenello
•“Fomos a um Concílio”: a surpresa do Vaticano II, José Marins
•Grandes metas do papa Francisco: homenagem aos seus 80 anos de idade, Cláudio Hummes
•Herdeiros de Abraão: o futuro das relações entre muçulmanos, judeus e cristãos, Bradford E. Hinze; Irfan A. Omar
•Igreja do futuro e o futuro da Igreja (A): perspectivas para a evangelização na aurora do terceiro milênio, Agenor Brighenti
•Igreja: comunhão, participação, missão, João Panazzolo
•Impulsos e intervenções: atualidade da missão, Paulo Suess
•Leigos e leigas: força e esperança da Igreja no mundo, Cesar Kuzma
•Noites de um profeta (As): dom Helder Câmara no Vaticano II, José de Broucker
•Nunca pare de sonhar: o sonho do presbítero que ama Jesus e sua Igreja, Jésus Benedito dos Santos
•Ovelha ou protagonista? A Igreja e a nova autonomia do laicato do século XXI, Renold Blank
•Para compreender o documento de Aparecida: o pré-texto, o con-texto e o texto, Agenor Brighenti
•Paróquia missionária: projeto de evangelização e missão paroquial na cidade, Humberto Robson de Carvalho
•Por uma paróquia missionária à luz de Aparecida, Gelson Luiz Mikuszka
•Presbítero consagrado nos institutos seculares (O), Giuseppe Forlai
•Sujeitos no mundo e na Igreja, João Décio Passos (org.)
•Unidade da Igreja (A): ensaio de eclesiologia ecumênica, Elias Wolff
•Vocação: convite para servir, José Dias Goulart
PAULO SUESS
DICIONÁRIO
DA LAUDATO SI’
SOBRIEDADE FELIZ
50 PALAVRAS-CHAVE
PARA UMA LEITURA PASTORAL DA ENCÍCLICA
“SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM”
DO PAPA FRANCISCO
Direção editorial: Claudiano Avelino dos Santos
Coordenação de evisão: Tiago José Risi Leme
Capa: Marcelo Campanhã
Editoração, impressão e acabamento: PAULUS
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Suess, Paulo
Dicionário da Laudato Si’: sobriedade feliz: 50 palavras-chave para uma leitura
pastoral “sobre o cuidado da casa comum” do Papa Francisco / Paulo Suess.
— São Paulo: Paulus, 2017. — Coleção Comunidade e missão.
ISBN: 978-85-349-4567-7
1. Documentos papais 2. Encíclicas papais 3. Francisco, Papa, 1936- 4. Igreja
Católica 5. Pastoral - Cristianismo 6. Teologia I. Título. II. Série.
17-03241CDD-262.91
Índice para catálogo sistemático:
1. Encíclicas papais: Igreja Católica 262.91
Seja um leitor preferencial PAULUS.
Cadastre-se e receba informações sobre nossos lançamentos e nossas promoções:
paulus.com.br/cadastro
Televendas: (11) 3789-4000 / 0800 16 40 11
1ª edição, 2017
© PAULUS – 2017
Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 – São Paulo (Brasil)
Tel.: (11) 5087-3700 • Fax: (11) 5579-3627
paulus.com.br • [email protected]
ISBN 978-85-349-4567-7
Em memória de
José Comblin
(1923-2011)
Testemunha “fiel e audaz”
de uma “Igreja em saída”;
na “sobriedade feliz” –
profeta do Reino.
I.
INTRODUÇÃO
A “sobriedade feliz” (224s), que resume a proposta da
Encíclica Laudato si’, contrasta com a “alegre irresponsabilidade” (59) e “superficialidade” (229) que, juntas, procuram esconder a crise socioecológica em que vivemos, e que
caracterizam os cenários reais da questão socioecológica. A
ação desordenada do ser humano ameaça o futuro das suas
próprias condições de vida. Setores da classe política e empresarial, até hoje vencedores, procuram prolongar o projeto
de um desenvolvimento agonizante e terceirizam seus custos
aos pobres e à natureza.
Mas a natureza é uma aliada fiel aos pobres, dos quais
faz parte, porque se encontra, segundo a LS, “entre os pobres
mais abandonados e maltratados” (2). Antes de os pobres
conseguirem articular uma “greve geral”, a natureza sinalizou
seus protestos através da crise do meio ambiente, amplamente
descrita na LS. A capilaridade dessa crise se mostra em todos
os recantos de vida deste planeta. As preocupações “pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenho na sociedade
e a paz interior” (10) são inseparáveis. Não há duas crises,
“uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa
crise socioambiental. As diretrizes para a solução requerem
uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver
a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza” (139).
.
.
.
.
.
.
.
7
Dicionário da Laudato si’ - Sobriedade feliz
1. Estrutura e fio condutor
.
.
.
.
.
.
.
8
Louvado sejas (LS), com suas análises, advertências,
convites e propostas, se dirige ao mundo inteiro. Para isso,
faz uso da metodologia indutiva e latino-americana do ver-julgar-agir, denuncia uma concepção idolátrica e mágica do
mercado (cf. LS 190, 56) e protesta contra uma economia que
exclui os mais pobres (cf. LS 95). O que está em jogo não são
algumas questões ecológicas, mas a responsabilidade de toda
a humanidade pela terra que é nossa casa comum. O clima e
a atmosfera são “um bem comum, um bem de todos e para
todos” (23). O bem viver e o horizonte “para todos” exigem a
construção de um mundo sem privilégios e sem privilegiados.
A estrutura e o fio condutor da Encíclica, que se insere no
magistério social da Igreja, são bem transparentes. O próprio
autor do texto indica (LS 15): “Em primeiro lugar, farei uma
breve resenha dos vários aspectos da atual crise ecológica, com
o objetivo de assumir os melhores frutos da pesquisa científica
atualmente disponível, deixar-se tocar por ela em profundidade
e dar uma base concreta ao percurso ético e espiritual seguido”
(Capítulo I, 17-61).
“A partir desta panorâmica, retomarei algumas argumentações que derivam da tradição judaico-cristã, a fim de dar
maior coerência ao nosso compromisso com o meio ambiente”
(Capítulo II, 62-100).
“Depois procurarei chegar às raízes da situação atual, de
modo a individuar não apenas os seus sintomas, mas também
as causas mais profundas” (Capítulo III, 101-136).
“Poderemos assim propor uma ecologia que, nas suas
várias dimensões, integre o lugar específico que o ser humano
ocupa neste mundo e as suas relações com a realidade que o
rodeia” (Capítulo IV, 137-162).
“À luz desta reflexão, quereria dar mais um passo, verificando algumas das grandes linhas de diálogo e de ação que
Introdução
envolvem seja cada um de nós seja a política internacional”
(Capítulo V, 163-201).
“Finalmente, convencido – como estou – de que toda a
mudança tem necessidade de motivações e de um caminho
educativo, proporei algumas linhas de maturação humana
inspiradas no tesouro da experiência espiritual cristã” (Capítulo VI, 202-246).
Em seguida, o papa indica os eixos dessa reflexão, que
permeiam toda a encíclica: “a relação íntima entre os pobres
e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma
e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite
a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da
ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave
responsabilidade da política internacional e local, a cultura do
descarte e a proposta de um novo estilo de vida” (16).
Esses temas, como acontece também com os verbetes
deste dicionário, “nunca se dão por encerrados [...], mas são
constantemente retomados” (ibid.) e iluminados por novos
enfoques. Ninguém se preocupe se alguns trechos da Encíclica são citados mais de uma vez, para sublinhar determinado
pensamento sob outro ângulo. As ricas citações da Encíclica
indicam apenas que o autor não queria substituir a palavra
do papa, mas ordená-la em torno de demandas práticas que
aparecem na vida cotidiana de uma paróquia ou comunidade
(catequese, aulas, homilias, palestras). As múltiplas fontes
das citações, no interior da LS, o leitor encontra no próprio
texto da Encíclica.
.
.
.
2. Teologia da criação
.
.
A teologia subjacente à reflexão teológica da questão .
ecossocial é a Teologia da Criação. Tudo que existe fora de .
9
Dicionário da Laudato si’ - Sobriedade feliz
.
.
.
.
.
.
.
10
Deus foi criado por Ele. Segundo o “Evangelho da Criação”, o
Deus uno e trino é origem e finalidade da criação e da história
de salvação. Criação e redenção, como obras da Trindade, são
obras do amor (cf. LS 238-240, cf. GS 19a). A finalidade da
criação é a revelação da glória de Deus. Através do trabalho
e da criatividade cultural, a humanidade continua a obra da
criação com certa liberdade que exige responsabilidade.
Jesus Cristo corrige a lei “natural” da sobrevivência
do mais forte, que era necessária até o aparecimento do ser
humano. Consciência, liberdade e língua, que constituem a
dignidade particular da humanidade, são capazes de superar
a programação dos instintos.
Por meio do Antigo Testamento, Deus preparou Israel
para romper com a lei do mais forte através da missão de seu
Enviado, Jesus Cristo. Este defendeu o conjunto da humanidade a partir dos pequenos, dos mais fracos, dos pobres e
das minorias étnicas ameaçadas (cf. Lc 4,18; 6,20; 19,10; Mt
12,20; 25,40). A partir da nossa fé compreendemos a substituição da lei do mais forte pela boa convivência de todos — com
Deus, a humanidade e a natureza — como “Nova Criação”
(2Cor 5,17; Gl 6,15). No “bem viver” de todos se realiza a
“Nova Criação”.
As ciências humanas ensinaram a teologia a compreender cada vez mais o fundo metafórico das narrativas bíblicas.
Com Darwin (1809-1882), por exemplo, a teologia aprendeu
a irmandade entre ser humano e natureza; aprendeu a incluir
com mais realismo a humanidade na evolução da criação e da
natureza. De um modo especial, a humanidade faz parte da
evolução da natureza, que é sua irmã maior (em idade): “A
terra existe antes de nós e foi-nos dada” (LS 67). “Estamos
incluídos nela (na natureza), somos parte dela e compenetramo-nos” (LS 139). Essa proximidade entre natureza e ser
humano desautoriza o dualismo de um corte rígido entre natureza e cultura. O reconhecimento da natureza não só como
Introdução
objeto, mas como sujeito e aliado, nos obriga a repensar o
tratamento da terra, da água e do ar a partir de sua dignidade
como obra de Deus. Nos obriga sobretudo a desconstruir a
divisão cartesiana entre “res cogitans” e “res extensa”, que está
no início da modernidade.
Por fazer parte da natureza temos com ela uma missão
ética de responsabilidade e de solidariedade recíproca com
tudo o que foi criado (cf. LS 92). Partilhamos com a natureza
nascimento e finitude (morte). Temos um DNA, que nos condiciona, independente de nós, como pessoa. A herança genética
está inscrita em nossa vida, mas temos também dispositivos
de responsabilidade que nos fazem ir além da obrigatoriedade
dos instintos e das programações genéticas.
3. Sobriedade feliz
A bandeira da “sobriedade feliz” parece uma proposta
tímida para quem cresceu com “uma reduzida autoconsciência dos próprios limites” (105) e dos limites do crescimento
da natureza. A qualidade de vida parece sempre exigir um
mais quantitativo e veloz crescimento, como numa corrida
da Fórmula 1. Cada recorde das safras agrícolas é festejado
como um novo recorde olímpico, sem olhar para a natureza
agonizante.
Mas “a espiritualidade cristã propõe uma forma alternativa de entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de
vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria
sem estar obcecado pelo consumo” (222). Nossa mística nos
promete plenitude de vida através do despojamento. A LS afirma que a sobriedade nos faz crescer na alegria com pouco. É
“um regresso à simplicidade que nos permite parar a saborear
as pequenas coisas, agradecer as possibilidades que a vida oferece sem nos apegarmos ao que temos nem entristecermos por
aquilo que não possuímos” (222). Não se trata simplesmente
.
.
.
.
.
.
.
11
Dicionário da Laudato si’ - Sobriedade feliz
.
.
.
.
.
.
.
12
de “um ascetismo exterior” (11). A pobreza e a austeridade
de São Francisco eram “algo de mais radical: uma renúncia
a fazer da realidade um mero objeto de uso e domínio” (11).
A mística da sobriedade é um complemento operacional
dos dons e dos pães que nós recebemos para viver a nossa vida
na partilha com os outros. A sobriedade produz abundância,
não penúria. A partilha multiplica os pães. A complementariedade, o intercâmbio e a partilha nos ensinam a “falar a língua
da fraternidade e da beleza na nossa relação com o mundo”
(11). A sobriedade é libertadora (cf. 223), porque restabelece
a dignidade da “nossa relação com o mundo” (126); diminui
as próprias necessidades (cf. 193) e nos liberta dos excessos de
coisas e palavras, de contingências e supostas verdades (cf. 223).
A “sobriedade feliz” emerge do contexto da “conversão
ecológica”. Os passos educativos dessa conversão apontam
para a passagem “da avidez à generosidade, do desperdício à
capacidade da partilha numa ascese que significa aprender
a dar, e não simplesmente renunciar” (LS 9). O desapego é
central para a construção de uma vida inteira, livre, integral. O
desapego como ascese, como exercício de se livrar do desnecessário para que todos possam usufruir o necessário, ultrapassa
a esfera do privado e do individual. O desapego como exercício
ascético tem uma função social que desestabiliza o sistema.
Desapegar ou desprender-se de algo não significa, simplesmente, abrir mão de algo; significa deixar algo ser, deixar
algo livremente existir – algo que estava ameaçado pelos apegos
a desejos e objetos. O desprendimento não é privação, mas
libertação e purificação. Dessa purificação, caracterizada pela
recusa a práticas possessivas de acumulação e adaptação,
emergem energias novas. Como livramos animais e árvores de
parasitas, que lhes roubam a energia vital, assim nós também
temos necessidade de nos livrarmos de apegos parasitários que
nos roubam a energia. Sem liberdade e energia, a vida começa
a murchar. O desprendimento em sua forma individual pode
Introdução
ser compreendido como conversão e ascese, em sua forma
comunitária ou sociopolítica, como ruptura e solidariedade.
A “sobriedade feliz” rompe com a lógica alienante do
senso comum que, muitas vezes, é a perversão do bom senso
e da possibilidade do “bem viver”. Lutamos por novas relações
de produção e outros padrões de consumo que correspondam
ao projeto da criação. Lutamos por uma relação fraterna com
a natureza, nossa irmã, e pelo reconhecimento da alteridade
do outro que está entre nós.
A “sobriedade feliz” não pode ser cobrada nos tribunais
de justiça. Ela está inscrita no horizonte de gratuidade que
ultrapassa a justiça humana da reciprocidade. Cada gesto
simbólico ou real de gratuidade rompe com a lógica de custo-benefício. Cada transformação de relações de competição em
relações de reciprocidade pode ser a raiz de uma nova pessoa
e de uma outra sociedade.
A “sobriedade feliz” nos envolve num processo de amadurecimento de paz interior e exterior (cf. 225). O regresso à
simplicidade nos preserva de ser objeto de desejos materiais de
outros. Estes desejos estão geralmente no início de cobiças que
desembocam em guerras e inimizades. Também “a paz interior
das pessoas tem muito a ver com o cuidado da ecologia e com
o bem comum, porque, autenticamente vivida, se reflete num
equilibrado estilo de vida aliado com a capacidade de admiração que leva à profundidade da vida” (225).
4. Revolução cultural
Escrevi este caleidoscópio bergogliano de 50 palavras-chave da LS com certa urgência apaixonada e solidariedade
crítica por causa do tempo que resta e urge, lutando contra o
esquecimento e a resistência daqueles que querem que tudo
continue como sempre foi. A leitura deste Dicionário exige
certa disciplina. Um verbete por dia seria um bom começo.
.
.
.
.
.
.
.
13
Dicionário da Laudato si’ - Sobriedade feliz
.
.
.
.
.
.
.
14
Pela experiência sabemos que as Encíclicas correm o risco de
receber “menções honrosas” e de desaparecer da consciência
eclesial, antes de serem aprofundadas e assumidas no dia a dia
dos nossos ambientes profissionais, das nossas comunidades,
paróquias e dioceses. “Nunca maltratamos e ferimos a nossa
casa comum como nos últimos dois séculos. [...] O problema
é que não dispomos ainda da cultura necessária para enfrentar
esta crise” (53).
É verdade que realizamos a Campanha da Fraternidade
2017 sobre “Biomas brasileiros e defesa da Vida” ao lado de
outras CF que trataram a questão da ecologia: Fraternidade e
Terra (1986), Água (2004), Amazônia (2007), Vida no Planeta
(2011), Casa comum, nossa responsabilidade (2016). Tiveram
algum resultado concreto?
Como todos os anos acontece, também em 2016, 40
dioceses simplesmente deixaram de enviar sua contribuição ao
Fundo Nacional de Solidariedade, referente aos 40% da coleta
feita no Domingo de Ramos. Será que os aproximadamente
15% das dioceses do Brasil, com seu óbolo ecológico retido
na fonte, cuidaram melhor da “casa comum” e entenderam
o espírito da Laudato si’?
A solidariedade crítica para com o Papa Francisco há de
levar em conta que ele, ex officio, é pontifex, construtor de pontes, e não um produtor de rachaduras. Uma vida, que chegou
ao outono, é demasiado curta para se livrar totalmente dos
próprios condicionamentos culturais e da submissão institucional a decisões caducadas dos antecessores. Eis a questão
que deve atormentar uma discípula e um discípulo de Jesus:
Onde cabe o açoite para expulsar os vendedores do templo e
onde cabem os afagos da misericórdia, que espera a volta do
filho na porta de casa?
Para avaliar os passos dados por Francisco precisamos
comparar dois cenários. Na Conquista e primeira colonização,
entre sistema colonial e atividade missionária, se estabeleceu
Introdução
uma cooperação recíproca e conivência morna. Na segunda
onda colonial de hoje, chamada globalização, um papa que
veio dos confins do mundo introduz na Igreja Católica uma
nova epistemologia e uma hermenêutica latino-americana que
procuram romper o cerco colonial vitalício, portanto, persistente. Não existe um ponto zero de colonização ou uma ilha,
sem alienados e sem alienação, fora dela. Quem não queria
ir embora pra Pasárgada, onde é amigo do Rei?
Se na primeira colonização a Igreja estava ao lado dos
colonizadores, nessa segunda colonização universal, não só
do meio ambiente, mas das culturas, de sua diversidade pela
monocultura global, a Igreja de Francisco está ao lado dos
colonizados que resistem contra sua condição colonial. Em
nome do Evangelho, está rompendo fronteiras milenares. Na
contramão da cultura hegemônica, reivindica uma “corajosa
revolução cultural” (114) e puxa o freio de emergência de um
bonde chamado progresso. Isso faz toda diferença.
Mas em matéria de descolonização, nem todos os passos possíveis foram dados. Para dar um exemplo “suave”, eu
pergunto: Por que a Igreja do Brasil recebe os textos da Cúria
Romana na língua de seu colonizador, no português de Portugal, e não numa tradução ao português do Brasil? Os outrora
colonizados sempre encontrarão na fala do colonizador razões
para piadas e mal-entendidos. Seria um sinal importante e o
reconhecimento de uma epistemologia do Sul.
Contudo, com Francisco, a Igreja latino-americana faz
parte de um pacto anticolonial em defesa da casa destelhada e
de muros rachados. Os habitantes da casa ocupam espaços desiguais. Uns têm cubículos, outros habitam mansões, uns têm
um “simplex” na rua e outros um “duplex” na orla marítima.
Os pobres, que vivem no “simplex da rua”, são os primeiros
que a precariedade da casa prejudica. Também os ricos não
escapariam de um tsunami capaz de derrubar sua casa na
praia. Mas eles ainda têm uma segunda casa terra adentro.
.
.
.
.
.
.
.
15
Dicionário da Laudato si’ - Sobriedade feliz
5. Não apagueis o Espírito!
O Papa Francisco assinou a Laudato si’ na festa de Pentecostes, no dia 24 de maio de 2015. No Capítulo das Esteiras, a
família franciscana, ainda hoje, celebra na “sobriedade feliz”
os laços fraternos (uma espécie de sinodalidade caseira), a
diversidade e gratuidade dos dons e línguas, a opção pelos
pobres e pelos outros, e o envio em missão. Esse Capítulo,
anualmente celebrado na festa de Pentecostes, é um ensaio
da “Igreja em saída”. O Papa Francisco fez da Laudato si’ um
Capítulo das Esteiras para toda a humanidade. Convocou a
todos a renovar seu compromisso com o “cuidado da casa
comum” e com a solidariedade de seus habitantes esquecidos
na margem, onde se ouve o clamor do povo por causa da
“grande aflição” (Ap 7,14). Assim chegamos à razão profunda
da Laudato si’: “A condição de toda verdade é a necessidade de
dar voz ao sofrimento” (Adorno).
Pe. Paulo Suess
16 de abril de 2017
Páscoa do Senhor
.
.
.
.
.
.
.
16
Download