Alguns exemplos de instabilidade de encostas do Rio Grande do Sul Bressani, L.A. UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil, [email protected] Heidemann, M. UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil, [email protected] Resumo: Este artigo apresenta 3 casos históricos que foram estudados no RS. O evento de São Vendelino consistiu de uma série de escorregamentos rápidos, do tipo planar, que ocorreram durante um episódio isolado de chuva, na tarde de 24/12/2000. O estudo se concentrou em um dos movimentos, sendo realizados ensaios de permeabilidade dos solos em campo e laboratório e de resistência ao cisalhamento. As simulações numéricas confirmaram que somente chuvas de grande intensidade poderiam ter provocado a ruptura dos taludes. A ruptura de Malhada envolveu a movimentação de cerca de 15 x 106 m3 de material. O fenômeno já apresentava movimentos há alguns anos e foi estudado com instrumentação de campo e ensaios de laboratório. Sua cinemática foi bem reproduzida nos modelos, tendo sido observada a mobilização da resistência residual na camada de siltito inferior. O colúvio de Três Coroas há muitos anos apresenta movimentos lentos que induzem grandes deformações laterais na rodovia RS115, com danos ao pavimento. Uma investigação de campo direcionada identificou uma delgada camada argilosa na base do colúvio a qual está com sua resistência ao cisalhamento na condição residual, apresentando ângulo de atrito da ordem de 10,5º, o que permitiu explicar os movimentos. Além disto, o monitoramento das poropressões demonstrou que as chuvas locais tem pouca influência nas poropressões de interesse, sendo estas mais afetadas pelas chuvas gerais de longa duração. Abstract: This article presents 3 case histories that have been studied in RS and that allowed an advance in understanding the mechanisms of landslides in the region. The São Vendelino event consisted of a series of rapid landslides, of planar type, that occurred during a single episode of rain in the afternoon of 24/12/2000. The study focused on one of the slides where permeability field tests were performed and laboratory shear strength tests have been carried out. Numerical simulations confirmed that only intensive rains could have caused the failure of slope. The Malhada landslide involved the movement of about 15 x 106 m3 of material. The phenomenon had been known for a few years and has been thoroughly studied with field instrumentation and laboratory tests. Its kinematics was well reproduced in the models and it was observed the mobilization of residual strength in the lower layer of siltstone. The colluvium of Três Coroas has shown slow movements for many years that induce large lateral deformations in RS115 roadway, with damage to the pavement. Directed site investigation has identified a thin clay layer at the base of the colluvium which is at residual condition, with a friction angle of 10.5 degrees, which explained the movements. Moreover, monitoring of pore pressures have shown that local rainfall has little influence on the pore pressures of interest, which are mostly affected by the general rains of long duration. 1 INTRODUÇÃO Os movimentos gravitacionais de massa constituemse no maior elemento de movimentação de massa nos continentes, segundo Schuster (1996). Ao longo do tempo, estes processos contribuem na estabilização de terrenos, formando áreas propícias à prática agrícola e habitação. No entanto, no curto prazo torna-se difícil enxergar os benefícios advindos dos movimentos gravitacionais de massa, 1 sendo que os maiores são mais frequentemente tratados como desastres naturais. Conforme ressaltado por Turner e Jayaprakash (1996), grandes movimentos gravitacionais de massa são pouco frequentes em muitas regiões, e seu tempo de recorrência é longo, se comparado ao tempo de vida humana, o que acaba por gerar uma falsa sensação de segurança em relação aos perigos desses movimentos. Movimentos gravitacionais de massa tem sido objeto de amplos estudos em todo o planeta, não apenas por sua importância como agentes atuantes na evolução das formas de relevo, mas também em função de suas implicações práticas e de sua importância do ponto de vista econômico (Guidicini e Nieble, 1984). Nesse sentido, torna-se fundamental o registro e investigação dos processos deflagradores dos movimentos gravitacionais de massa, gerando conhecimento que se constitui subsídio para melhor abordagem em problemas futuros. Este artigo apresenta alguns fenômenos de escorregamentos de terra que foram estudados no passado pela equipe do LAGEOtec, discutindo-se algumas das características principais. 2 SÃO VENDELINO 2.1 Descrição do evento No dia 24 de dezembro de 2000 uma chuva concentrada com 2h de duração atingiu uma área de cerca de 40 km² na região de São Vendelino, Feliz no RS. Esta chuva caracterizou-se como um evento isolado, sendo que nas duas semanas anteriores praticamente não haviam sido registradas chuvas importantes. Em Caxias do Sul, a cerca de 20 km de distância em linha reta, não choveu naquele dia. Este evento de chuva, que atingiu 148mm/2h (medida tomada na sede do município, cerca de 6 km do local), causou dezenas de escorregamentos rasos em uma área íngreme, rural, causando alguns fluxos de detritos importantes. A Figura 1 apresenta uma vista geral aérea de uma das rupturas das encostas da região. Em dos locais em que houve corridas, três pessoas foram arrastadas e mortas. Houve consideráveis danos na rodovia RS122, estradas municipais e em algumas residências. Dezenas de corridas de detritos foram formadas nas drenagens principais, soterrando os bueiros existentes, destruindo pontilhões e erodindo aterros de estradas. Diversas residências foram danificadas e as rodovias ficaram interditadas por meses até que as drenagens pudessem ser restabelecidas. A Figura 2 mostra a erosão causada no corpo de aterro pelo galgamento da onda de detritos em uma das drenagens. Embora tenha havido dezenas de rupturas quase simultâneas durante as 2h de chuva, é interessante observar que, no dia seguinte, já era possível caminhar sem risco (ou muito pequeno) nas áreas afetadas. Não se observavam mais movimentos. Houve diversos problemas relacionados aos detritos remanescentes nas encostas e com os depósitos de lama, matacões e troncos nas drenagens. 2 Figura 1: Cicatriz de uma ruptura na região. Figura 2: Vista da erosão de um corpo de aterro causada por uma corrida de detritos. 2.2 Aspectos geotécnicos de interesse Uma das encostas em que houve diversos escorregamentos foi escolhida para estudos. O solo envolvido nos escorregamentos apresenta variações texturais ao longo da encosta. De forma geral, tratase de um silte argiloso com pouca areia fina. A coloração passa de marrom ao vermelho com a redução da elevação. A Tabela 1 apresenta os índices físicos do material coletado de 3 pontos ao longo da encosta. As três amostras estudadas são compostas por solos classificados como silte de alta compressibilidade (MH). Tendo em vista que o movimento de massa descrito foi deflagrado basicamente pela ação da chuva, estudos realizados na área por Martinello (2006), Silveira (2008) e Bressani et al. (2009) visaram avaliar os aspectos geotécnicos que influenciam a infiltração e fluxo de água através deste material, além da resistência ao cisalhamento. Tabela 1 – Índices físicos dos solos estudados Amostra Cota 351 Cota 360 γ 15,0 γs 29,5 28,9 w 32,5 26,6 e 1,44 Sr 53,7 LL 60,0 56,0 IP 18,0 16,0 Nota: w, umidade; e, índice de vazios; saturação. Cota 365 16,5 29,0 26,9 1,23 63,3 54,0 20,0 Sr, grau de Silveira (2008) realizou ensaios de condutividade hidráulica em laboratório com amostras indeformadas. Nestes ensaios foram medidos coeficientes de condutividade hidráulica entre 2,5x10-4 e 5,4x10-3 cm/s. Os resultados dos ensaios de cisalhamento resultaram em valores c’=4-10 kPa e φ’= 26º (remoldados ou indeformados) e c’=0-10 kPa e φ’=25,8-36,9º (triaxiais em solo remoldado). Já Martinello (2006) executou ensaios de condutividade em campo e laboratório e encontrou um amplo espectro de condutividade para estes solos. O autor empregou diversas técnicas consagradas para os ensaios de campo e os resultados obtidos são mostrados na Tabela 2. Os ensaios com permeâmetro de Guelph (em campo) resultaram em uma ampla faixa de variação. Segundo o autor esta variação está associada à heterogeneidade do solo e descontinuidades presentes no maciço (macroestrutura). Já os ensaios com piezômetros obtiveram valores elevados de kfs, o que pode ter sido influenciado pela elevada carga hidráulica necessária para a execução dos ensaios. Martinello (2006) realizou simulações de fluxo utilizando elementos finitos. O autor simulou a variação de Fator de Segurança da encosta em relação à instabilidade, supondo um perfil de 2 m de solo coluvionar com k=3,0 x 10-3 cm/s. As análises foram realizadas em condição transiente, com elevação progressiva do nível d’água pela simulação da chuva (similar à observada). O substrato rochoso foi considerado impermeável. A curva de capacidade de retenção de água do solo foi empregada também, permitindo uma estimativa da condutividade hidráulica em função da sucção (condição não saturada). A Figura 3 apresenta os contornos de poropressão simulados ao longo do talude ao final das 2 horas de precipitação de 75 mm/h. Análises de estabilidade empregando os resultados das simulações de fluxo e os parâmetros de resistência obtidos por Silveira (2008) foram executadas por Martinello (2006). Estas análises foram efetuadas assumindo o talude infinito e a que a ruptura ocorre na transição solo rocha. Como o talude tem inclinação variável, o autor apresenta resultados para inclinações β=26º e β=36º. Os resultados são mostrados na Figura 4 em função de m, que é a razão entre a altura do nível d’água e a espessura total de solo a partir da superfície de ruptura. Figura 3: Distribuição de poropressões ao longo do talude. 3 Tabela 2 – Resultados de condutividade hidráulica obtidos por diversas técnicas. K Técnica Permeâmetro de Guelph (in situ) Piezômetros (in situ) Infiltrômetro de anel duplo (in situ) Perm. parede flexível (laborat.) mínimo (cm/s) K máximo (cm/s) 6,0.10-5 1,3.10-2 1,9.10-3 6,2.10-3 1,8.10-3 3,1.10-3 2,5.10-4 5,4.10-3 distintos de litologias: as rochas vulcânicas da Formação Serra Geral e os arenitos da Formação Botucatu. Indícios do movimento foram registrados inicialmente em 1998, e até o ano de 2011 ainda era constatada a ocorrência de deformações (ver Figura 6). O depósito coluvionar apresenta materiais com um elevado grau de alteração, onde estão presentes blocos de rocha basáltica imersos em solos e pacotes argilosos e arenosos. O colúvio limita-se a sudeste por uma escarpa arenítica. Ao norte seu limite consiste de um depósito de tálus, composto por rochas basálticas. Nas outras direções o colúvio não apresenta confinamento, permitindo a dispersão dos materiais em forma de leque, o que torna as áreas à jusante depósitos de materiais derivados do rastejo. Figura 4. Variação do FS com a posição do lençol freático (adaptado de Martinello, 2006) Estas análises indicam que a área mais íngreme do talude é a que se apresenta como mais crítica, tanto pela própria inclinação que resulta em maiores tensões de cisalhamento, quanto pela rápida elevação do nível d’água nesta área, devido à água que vêm da parte superior da encosta. Utilizando os resultados de ensaios de permeabilidade e resistência dos solos, as análises de estabilidade só indicavam condições de ruptura para simulações de chuvas similares às chuvas que foram observadas na região naquele período (Martinello, 2006 e Bressani et al., 2009). Neste estudo ficou demonstrado que somente com um bom entendimento das condições geotécnicas de uma área específica, juntamente com a instrumentação de encostas ao longo dos meses, e o uso de sistemas de registros pluviométricos eficientes pode-se obter confiabilidade na geração de alertas de risco e predição de escorregamentos. 3 TRÊS COROAS Figura 5. Delimitação da massa de solo movimentada (Nichel, 2011). Figura 6. Deformações do talude visíveis no traçado da rodovia (Nichel, 2011). 3.1 Descrição do evento 3.2 Aspectos geotécnicos de interesse O movimento de massa em questão mobiliza um colúvio localizado entre o km 23+300 e o 23+600 da rodovia RS-115, conforme mostrado na Figura 5. O material movimentado consiste de um depósito de encosta, formado por pacotes de materiais pouco coesos, originários de alteração de dois tipos Esta encosta encontra-se há muitos anos em processo de rastejo, provavelmente devido ao intermitente aporte de água subterrânea, através de juntas e fraturas existentes nas rochas situadas à montante da encosta e, também, devido à diminuição da resistência ao cisalhamento do solo no plano de descontinuidade do perfil litológico pela 4 orientação das partículas da camada argilosa existente na base do colúvio. Os movimentos da encosta passaram a ser notados, e talvez acelerados, com a construção do aterro rodoviário ao qual serve de suporte. A construção do aterro rodoviário pode ter acelerado os movimentos, pois este passou a exercer sobrecarga sobre a massa instável e a represar o livre escoamento superficial d’água pela encosta, aumentando os volumes de infiltração superficial. Bobermin (2011) realizou ensaios de caracterização física e resistência ao cisalhamento no solo que constitui o colúvio. Em termos de granulometria, o material é composto por 42% de pedregulhos, 26% de areias, 17% de siltes e 15% de argilas. Em relação à plasticidade, o solo apresenta LL=53% e IP=20%, caracterizando este material como muito plástico. Ensaios de cisalhamento direto executados em amostras indeformadas resultaram em um ângulo de atrito de 31,5 º e o intercepto coesivo de 3,5 kPa. Estes parâmetros de resistência foram obtidos em ensaios nos quais o solo apresentou comportamento típico de materiais com baixa densidade relativa e ausência de cimentação, com ausência de picos e comportamento contrativo. No entanto, a partir da definição de um modelo geomecânico para explicar o movimento em questão foi verificado que os parâmetros de resistência deveriam ser mais reduzidos, e isto foi investigado por Nichel (2011). Durante investigações geotécnicas na área foi detectada a presença de uma camada delgada muito argilosa na base do colúvio, na transição deste com a alteração de arenito. Isto levou a uma investigação direcionada com coleta de amostras utilizando o amostrador do SPT. A Figura 7 mostra o aspecto do material deformado coletado desta forma. Figura 7. Amostra obtida do contato do colúvio com o arenito inferior. A realização de ensaios tipo ring shear com este material do contato do colúvio indicou uma baixa resistência ao cisalhamento. Nichel (2011) obteve um ângulo de atrito residual da ordem de 10,5º, ou seja, um terço da resistência apresentada pelo solo ensaiado em condições de deformação típicas de ensaios de cisalhamento direto, conforme Bobermin (2011). Segundo Nichel (2011) o baixo ângulo de atrito interno residual pode ser explicado pela presença do argilomineral montmorilonita no solo, o que foi verificado nos ensaios de MEV e difração de raiosX. A presença deste argilomineral explicaria também o aspecto de elevada plasticidade verificado na amostra estudada pelo autor. Com base nas informações de investigação foi definido o perfil geotécnico mostrado na Figura 8, com ênfase na camada da base do colúvio. Figura 8. Perfil geotécnico da encosta estudada (Nichel, 2011). 5 A relação das chuvas com a ocorrência de excessos de poropressão foi também abordada em Nichel (2011). O autor comparou registros de um pluviômetro instalado próximo à área com medidas de poropressão feitas com um piezômetro elétrico. A Figura 9 mostra os registros de pluviometria em um posto próximo à área estudada e os resultados do monitoramento das poropressões. O mês de fevereiro de 2011 apresentou-se como o mais chuvoso do período monitorado, quando em 28 dias, precipitaram 333 mm de chuva com uma concentração maior entre os dias 5 e 7 do mês. Neste período as precipitações totalizaram 130 mm, valor próximo da média histórica mensal de precipitação que é de 165 mm. Esta precipitação significativa concentrada em três dias representou uma elevação no nível piezométrico no interior da massa coluvionar de aproximadamente 40 centímetros verificada através dos dados obtidos no piezômetro elétrico PZ01-1. O autor concluiu que os níveis freáticos verificados na massa coluvionar são regidos prioritariamente por descargas de aquíferos regionais que afloram junto ao pé dos derrames basálticos situados a montante da encosta, tendo as precipitações locais apenas um papel coadjuvante na definição desses níveis. Figura 9. Registros de precipitação próximos à área estudada e níveis de poropressão medidos na encosta. 6 4 MALHADA erodida, fazendo com que a encosta fique exposta a novos processos de ruptura. 4.1 Descrição do evento Na região central do Rio Grande do Sul é comum a ocorrência de depósitos de tálus e colúvios ao longo do contato entra as Formações Santa Maria e Botucatu. Estes depósitos tendem a ser heterogêneos, com blocos de rocha imersos em matriz argilosa. Um amplo estudo acerca das causas e condicionantes de deslizamentos de rochas e solos nestas circunstâncias foi realizado por Pinheiro (2000) na divisa entre os municípios de Santa Cruz do Sul e Passo do Sobrado, na localidade denominada de Malhada, na região central do Rio Grande do Sul. Trata-se de sucessivos movimentos provocados pelo deslocamento de uma grande massa de solo e rocha que se desprendeu do platô basáltico, como mostrado na Figura 10, onde é possível divisar de forma clara o bloco deslocado. A Figura 11 apresenta esquematicamente o movimento do bloco de rocha junto da crista superior. Platô basáltico Figura 11. Esquema ilustrativo da sequência de abertura da fenda superior e fraturamentos da rocha. Arroio Bloco deslocado Figura 10. Vista geral da área de ocorrência do movimento estudado (vista frontal). Os processos geomorfológicos em curso provocaram o surgimento de uma fossa em rocha na borda da escarpa do platô basáltico, com cerca de 30m de profundidade, 40m de largura e mais de 300m de extensão. A Figura 12 mostra o contorno do platô, ao longo do qual ocorre a ruptura, enquanto que a Figura 13 mostra um pequeno lago gerado junto à massa de solo movimentada, devido às modificações topográficas condicionadas pelos escorregamentos. Na Figura 12 é indicada também a localização de um arroio, e os movimentos são verificados até este ponto, onde a massa escorregada avança sobre o arroio e por ele é 7 Fenda Figura 12. Contorno do platô e indicação da massa de solo em movimento. Pinheiro (2000) dividiu os fenômenos de deslizamento de rocha e solo neste local em duas áreas distintas e contíguas. Uma área situase na borda do platô basáltico, afetando principalmente as rochas e secundariamente o solo. A outra área, em continuidade física com a anterior, localiza-se a partir do terço inferior da escarpa, representada por arenitos siltosos até o contato com os siltitos argilosos, afetando principalmente o solo. Figura 13. Depósito de água gerado pelo movimento do terreno. Verifica-se assim a diversidade de materiais envolvidos no problema em questão, o que o torna bastante complexo. Pinheiro (2000) estudou amostras de rochas vulcânicas (Formação Serra geral), de arenitos (Formação Botucatu) e de siltitos (Formação Santa Maria), e caracterizou geotecnicamente os solos residuais destes três litotipos. 4.2 Aspectos geotécnicos de interesse No estudo dos solos citados Pinheiro (2000) realizou ensaios de caracterização física e mineralogia. Em relação à resistência o autor apresenta resultados de ensaios de cisalhamento direto e ring shear. Os perfis formados por solos originários de siltito tem plasticidade elevada, principalmente quanto possuem uma textura silto-argilosa, com IP > 40%. Estes solos apresentam um grau de saturação elevado e localizam-se na zona frontal dos escorregamentos na área. Os solos oriundos dos perfis siltosos foram classificados como CH, CL e ML de acordo com SUCS. Os materiais da Formação Santa Maria são os de menor resistência entre os investigados. Em relação à resistência de pico, Pinheiro (2000) mediu valores de intercepto coesivo efetivo (c’) entre 1,5 e 22,1 kPa, e ângulos de atrito (φ’) entre 18º e 37º. Quando ensaiados em ring shear estes materiais apresentam ângulo de atrito residual da ordem de 16º. Estes resultados mostram-se bastante importantes já que o mecanismo residual parece ser fundamental no entendimento do movimento que ocorre no contato dos siltitos da Formação Santa Maria com os arenitos da Formação Botucatu. Imagens obtidas por microscopia ótica e eletrônica mostraram a ocorrência de uma forte orientação das partículas argilosas. Em relação aos solos residuais de arenitos, estes se mostraram não plásticos, com uma 8 textura arenosa fina, classificados de acordo com SUCS como SM (areias siltosas), com fração argila inferior a 6% e predomínio da fração areia fina (em torno de 80%). Em relação à resistência ao cisalhamento, estes solos apresentam níveis intermediários se comparados aos siltitos e materiais oriundos das rochas vulcânicas. Os parâmetros de resistência são bastante elevados, sobretudo em relação ao ângulo de atrito. Por conta disso o material deve se comportar como rocha branda ou solo resistente e sensível às tensões geradas pelo peso do maciço. Os parâmetros de resistência obtidos para os materiais de alteração desta formação variaram em termos c´ entre 0 e 9 kPa e φ´p entre 33º e 48º. Os solos residuais de rochas vulcânicas foram obtidos de pontos que caracterizam dois eventos de derrames distintos. Além disso, amostras de rocha foram obtidas de um terceiro derrame. Os resultados de caracterização mostraram que estes derrames dão origem a solos com propriedades diferentes entre sí, sendo importante a individualização destas estruturas na definição de pontos de estudo para determinação de parâmetros geotécnicos, por exemplo. O solo oriundo do primeiro derrame apresentou textura variável entre argilo-arenosa e arenosa média a grossa. As amostras do segundo derrame caracterizam-se este material como um solo saprolítico com textura argilosiltosa. Este solo apresenta muitos minerais intemperizados, fato evidenciado pela presença de partículas de tamanho areia constituídas por minerais primários em vários estágios de intemperização. De acordo com a classificação SUCS, trata-e de solos ML e CH. É fato interessante também a ocorrência de materiais expansivos, verificados em analises de difração de Raios-X. Os solos de alteração da Formação Serra Geral apresentaram em termos de c´p valores entre 0 e 21 kPa e φ´p entre 32º e 54º. Estes parâmetros sofrem uma redução quando obtidos em ensaios ring shear, ou seja, em condição residual, para valores médios de c´r = 0 e φ´r = 17º. Porém, in situ, o autor não verificou a presença de superfícies de ruptura nestes materiais com a mobilização destes valores de resistência. Na tentativa de determinar as condições iniciais pré-ruptura da parte superior da encosta o autor realizou análises em que as descontinuidades verticais observadas, principalmente nos derrames vulcânicos, foram simuladas por trincas de tração. Nesta análise considerou-se que a camada de siltito controla e condiciona a superfície de ruptura. Para esta camada foram adotados os parâmetros de resistência ao cisalhamento de pico, pós-pico e residual, para investigar quais parâmetros reproduziam melhor a situação de campo. Os resultados destas análises em termos de Fatores de segurança são mostrados na Tabela 3, a fim de ilustrar a importância da determinação dos parâmetros de resistência operacional, uma das principais conclusões obtidas neste trabalho. Os valores de FS mais próximos da unidade foram obtidos quando adotados parâmetros de resistência ao cisalhamento em condição residual, para a camada de solo residual. Isto indica a possibilidade de ocorrência de movimentos do maciço que levaram à degradação da resistência, de forma a deflagrar a ruptura então ocorrida. Tabela 3 – Fatores de segurança obtidos nas análises de estabilidade para a porção superior da encosta. Bishop Janbu Spencer Morgenstern-Price Circ. Esp. Bloc. Circ. Esp. Bloc. Circ. Esp. Bloc. Circ. Esp. Bloc. 1,73 1,95 2,08 1,44 1,59 1,61 1,67 2,01 2,20 1,69 1,81 1,95 1,48 1,59 1,52 1,22 1,29 1,26 1,42 1,65 1,78 1,43 1,46 1,56 1,17 1,17 1,12 0,97 0,96 0,89 1,16 1,35 1,40 1,14 1,07 1,16 1,04 1,00 0,92 0,87 0,84 0,72 1,11 1,21 1,26 1,03 0,93 0,88 * Superfícies testadas: Circ. – superfície circular; Esp. – superfície espiral; Bloc – bloco. Resistência do siltito Pico1 Pós-pico2 Residual3 Residual4 Cotas (m) 1.113 250 240 230 220 210 200 190 180 170 160 150 140 130 120 110 Basalto fraturado e amigdalóide (D3 e D2) Arenito fraturado Siltito 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 280 300 320 340 360 380 Distância (m) Figura 14. Análise de estabilidade realizada para a porção superior da encosta empregando o modelo de Spencer. A Figura 14 mostra o resultado da análise de estabilidade realizada para a porção superior da encosta, considerando o movimento circular, indicando a disposição dos materiais e a superfície de ruptura mais crítica, empregando o modelo de Spencer. Da mesma forma Pinheiro (2000) realizou análises de estabilidade para a porção inferior da encosta. Os resultados em termos de Fator de Segurança são mostrados na Tabela 4. 9 Nesta análise o autor considerou que a camada de siltito vermelho controla e condiciona a superfície de ruptura. A combinação de FS próximos da unidade e superfícies condizentes com a observação de campo só foi obtida quando parâmetros de resistência ao cisalhamento em condição residual foram adotados para a camada de solo residual de siltito. A Figura 15 mostra o resultado da análise de estabilidade realizada para a porção inferior da encosta, considerando o movimento circular, indicando a disposição dos materiais e a superfície de ruptura mais crítica, empregando o modelo de Spencer. Na parte inferior da encosta onde os sedimentos siltosos da Formação Santa Maria avançam em direção ao arroio ocorrem vários processos de ruptura envolvendo principalmente estes materiais. Na maioria das vezes as rupturas superficiais se desenvolvem segundo formatos aproximadamente circulares. Também nesta situação fatores de segurança próximos a 1 foram encontrados quando assumidos parâmetros de resistência em condição residual para a camada de siltito. Tabela 4 – Fatores de segurança obtidos nas análises de estabilidade para a porção inferior da encosta. Bishop Janbu Spencer Morgenstern-Price Circ. Esp. Bloc. Circ. Esp. Bloc. Circ. Esp. Bloc. Circ. Esp. Bloc. 2,24 2,70 2,68 2,15 2,50 2,52 2,24 2,77 2,75 2,24 2,64 2,67 1,75 2,09 2,11 1,67 1,94 1,99 1,75 2,13 2,15 1,75 2,04 2,10 1,10 1,29 1,29 1,04 1,21 1,24 1,09 1,32 1,32 1,10 1,27 1,29 0,88 1,04 1,06 0,83 0,98 1,02 0,88 1,06 1,07 0,88 1,02 1,06 * Superfícies testadas: Circ. – superfície circular; Esp. – superfície espiral; Bloc – bloco. Resistência do siltito Pico1 Pós-pico2 Residual3 Residual4 240 230 1.099 220 210 Basalto fraturado e amigdalóide (D3 e D2) 200 Cotas (m) 190 180 170 Arenito fraturado 160 Basalto alterado 150 140 Arenito fraturado 130 120 Siltito 110 100 90 0 100 200 300 400 500 600 700 800 Distância (m) Figura 15. Análise de estabilidade realizada para a porção inferior da encosta, empregando o modelo de Spencer. 5 CONCLUSÕES Este artigo apresenta três fenômenos de escorregamentos de terra que foram estudados pela equipe do LAGEOtec, discutindo-se algumas de suas características principais. A série de escorregamentos de São Vendelino (2000) foi provocada por uma chuva intensa localizada (148 mm/2h). Os estudos realizados em uma encosta rompida indicaram que os solos envolvidos são siltes de alta compressibilidade (MH). Os resultados dos ensaios de cisalhamento resultaram em valores c’=4-10 kPa e φ’=26º (remoldados ou indeformados) e c’=0-10 kPa e φ’=25,8-36,9º (triaxiais em solo remoldado). Silveira (2008) realizou ensaios de condutividade hidráulica em laboratório com amostras indeformadas, obtendo coeficientes de condutividade hidráulica entre 2,5x10-4 e 5,4x10-3 cm/s. Martinello (2006) executou 10 ensaios de condutividade em campo e laboratório e encontrou uma grande variação de valores, associadas à heterogeneidade do solo e descontinuidades presentes no maciço (macroestrutura). Simulações de fluxo de água utilizando elementos finitos foram utilizadas adotando um valor considerado médio de k=3,0 x 10-3 cm/s, na condição transiente, observando-se a elevação progressiva do nível d’água pela simulação da chuva observada. Utilizando estes resultados de simulações de fluxo e de resistência dos solos, análises de estabilidade indicaram condições de ruptura para chuvas similares às que foram observadas na região naquele período, o que demonstra a importância do entendimento dos processos de fluxo neste caso. O colúvio localizado entre o km 23+300 e o 23+600 da rodovia RS-115 apresenta movimentos há muitos anos (Nichel, 2011), sendo formado por depósitos de solos originários de rochas da Formação Serra Geral e arenitos da Formação Botucatu. O material tem uma granulometria grosseira, sendo composto por 42% de pedregulhos, 26% de areias, 17% de siltes e 15% de argilas. Ensaios de cisalhamento direto executados em amostras indeformadas representativas do colúvio resultaram em um ângulo de atrito de 31,5 º e intercepto coesivo de 3,5 kPa, porém estes valores não eram condizentes com os modelos geomecânicos desenvolvidos para o talude. Investigações geotécnicas direcionadas detectaram uma camada delgada argilosa na base do colúvio, a qual foi amostrada e testada no equipamento ring shear, obtendo-se um ângulo de atrito residual da ordem de 10,5º. O monitoramento da poropressão e das chuvas na região permitiu concluir que os níveis freáticos verificados no colúvio refletem prioritariamente as descargas de aquíferos regionais, que afloram junto ao pé dos derrames basálticos, sendo que as precipitações locais têm um papel secundário nesses níveis. O fenômeno de Malhada envolve sucessivos movimentos provocados pelo deslocamento de uma grande massa de solo e rocha que se separou do platô basáltico da região, provocando o surgimento de uma fossa na borda da escarpa rochosa, com cerca de 30m de profundidade, 40m de largura e mais de 300m de extensão. O movimento envolve rochas basálticas e rochas alteradas da Fm Santa Maria nas cotas inferiores, tudo sobreposto por solos de alteração e colúvios. Pinheiro (2000) mediu valores de intercepto coesivo efetivo (cp’) entre 1,5 e 22,1 kPa, e ângulos de atrito de pico (φ’) entre 18º e 37º . Quando ensaiados no ring shear estes materiais apresentam ângulo de atrito residual da ordem de 16º, sendo estes valores medidos na alteração de siltito. Foi feita uma análise da provável ruptura inicial, considerando-se trincas de tração nos derrames basálticos (descontinuidades de campo). Foi considerado que a camada de siltito controla a superfície de ruptura, adotando-se parâmetros de resistência ao cisalhamento de pico, pós-pico e residual. Os valores de FS mais ajustados foram obtidos para a condição residual, o que indica que houve uma degradação progressiva da resistência com movimentos cumulativos. Nestes estudos ficou demonstrado que a interpretação dos fenômenos de escorregamentos, somente é confiável com um bom entendimento das condições geotécnicas de cada área específica, o que as vezes requer a instrumentação das encostas ao longo dos meses e o uso de sistemas de registros pluviométricos in situ. Estas conclusões devem 11 ser consideradas por todos que precisam prever comportamentos de taludes e, em especial, para os responsáveis pela emissão de alertas de risco. Os estudos de dois dos casos também mostraram a grande importância que a resistência residual de alguns solos teve na estabilidade destes taludes, o que provavelmente se repete em outras situações do sul do Brasil. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bobermin, M. (2011) Estudo geotécnico de um colúvio da rodovia RS/115: simulação de fluxo d’água. Trabalho de Diplomação, Curso de Engenharia Civil, Escola de Engenharia. Bressani, L.A., Silveira, R. M.; Martinello, I. A.; Bica, A. V. D. (2009) Análise de uma Ruptura de Talude Íngreme em Solo Coluvionar de São Vendelino, RS. Anais da 5a. Conf. Brasileira de Estabilidade de Encostas (V COBRAE), Nov. 2009, São Paulo, vol. 1, p. 149-157. Guidicini, G. e Nieble, C.M. (1984) Estabilidade de Taludes Naturais e de Escavação. Editora da USP/Edgard Blucher, 2º ed. Martinelo, I. (2006 ) Estudo das condicionantes hidráulicas de uma ruptura de talude em São Vendelino (RS). Dissertação de mestrado, PPGEC/UFRGS, novembro 2006. Nichel, A. (2011) Diagnóstico, monitoramento e concepção de medidas de estabilização do colúvio do km 23+400 da rodovia RS/115. Dissertação de mestrado, PPGEC/UFRGS. Pinheiro, R. J. B. (2000) Estudo de casos de instabilidade da encosta da Serra Geral no Estado do Rio Grande do Sul. Tese de doutorado, PPGEC, setembro 2000. Schuster, R.L. (1996). Socioeconomic significance of landslides. In: Landslides Investigation and Mitigation. Transportation Research Board Special Report 247. National Academy Press, Washington, D.C., p. 12-35. Silveira, R. M. (2008) Comportamento Geotécnico de um Solo Coluvionar de São Vendelino (RS). Tese de doutorado, PPGEC/UFRGS. Turner,K., Jayaprakash, G., (1996) Introduction. In: Turner, A.K., Schuster, R.L. (eds.), Landslides: Investigation and Mitigation, Special Report, vol. 247. National Academic Press, Washington, DC, pp. 3–12.