Sabe você o que quer dizer enci-clopédia

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COLÉGIO LUIZA DE MARILLAC
EXTERNATO POPULAR SÃO VICENTE DE PAULO
História – 2ª série – Ensino Médio Agosto/2012
Sabe você o que quer dizer enciclopédia? A palavra tem sua origem na expressão grega enkykopaideia, que significa "instrução em círculo completo", ou
seja, educação que abrange o conjunto
dos conhecimentos humanos. As enciclopédias atuais perseguem os mesmos
objetivos de uma obra que, em 1751,
representou uma verdadeira revolução
cultural, primeiro na França e depois em
todo o Ocidente. Estamos falando da
Enciclopédia, que se autodefinia como
"Dicionário das Ciências, das Artes e
dos Ofícios", uma obra monumental que
tinha por objetivo fornecer um panorama
completo do saber tal como ele se apresentava em meados do século XVIII.
Entre seus colaboradores havia nomes
como Voltaire, Diderot, D'Alembert e
Jean-Jacques Rousseau...
O Século das Luzes
O Século das Luzes foi marcado, na
Europa, pelo aumento da produção
agrícola, pela urbanização acelerada,
pela invenção da máquina a vapor e da
locomotiva e pela Revolução Francesa.
No entanto, apesar dos avanças tecnológicos e das mudanças operadas na
estrutura econômica e na vida artística,
foram os pesados volumes da Enciclopédia que mereceram o título de "o mais
significativo monumento do século
XVIII".
OS ENCICLOPEDISTAS
No início do século XVIII, uma enciclopédia recém-lançada na Inglaterra
fez grande sucesso na França. Chamava-se Enciclopédia ou Dicionário de
Artes e Ciências e era de autoria de
Ephraim Chambers. Em 1746, o livreiro
francês Le Breton confiou a tradução da
obra ao filósofo, romancista e crítico
literário Denis Diderot, que se associou
para isso ao matemático Jean Le Rond
D'Alembert. Ambos, porém, decidiram
transformar e ampliar o projeto, criando
uma obra original, que contaria com a
colaboração de diversos filósofos, escritores e cientistas. Desse modo nasceu a
Enciclopédia ou Dicionário Racional das
Ciências, das Artes e dos Ofícios, ou
mais simplesmente, a Enciclopédia, que
reuniu mais de 160 intelectuais para sua
elaboração e alcançou um total de 28
volumes, publicados no decorrer de 21
anos, de 1751 a 1772.
Os editores e colaboradores da Enciclopédia - que passaram à História
como os enciclopedistas - ficaram encarregados de áreas de sua especialidade, a fim de que os diversos temas
fossem abordados com mais segurança
e profundidade. Assim, a parte de filosofia foi entregue a Etiénne Condillac,
Claude Adrien Helvétius, Condorcet e
Holbach. As ciências ficaram a cargo de
D'Alembert, Holbach e outros. Anne
Robert Jacques Turgot e François
Quesnay cuidaram de economia e política. A teologia foi abordada pelos abades Morellet, De Prades, Sallier e Yvon.
Os responsáveis pela área de literatura
foram François Marie Arouet (16941778), conhecido como Voltaire, Montesquieu (1689-1755) e Jean-François
Marmontel.
Além desses, outros pensadores escreveram para a Enciclopédia: JeanJacques Rousseau (1712-1778), por
exemplo, tratou do verbete música. A
obra contou ainda com o trabalho de
desenhistas, que se deslocavam até
oficinas, laboratórios e academias para
fazer ilustrações de máquinas, equipamentos, dados de anatomia e tudo o
que pudesse ser transmitido sob a forma de imagem. Por duas vezes os
enciclopedistas foram obrigados a interromper seus trabalhos devido a pressões do Governo e da Igreja, que os
acusavam de subversão. De fato, suas
posições chocavam-se, em muitos pontos, com a fé católica. O próprio Diderot
afirmava que a "moralidade pode existir
sem religião; e a religião pode coexistir,
e freqüentemente coexiste, com a imoralidade".
Apesar dessas pressões, os enciclopedistas não deixaram de criticar um
tipo de Estado (monarquia absoluta)
que consideravam incompatível com a
natureza humana. "Nenhum homem
recebeu da natureza o direito de comandar os outros. A liberdade é um
presente do céu e cada indivíduo da
mesma espécie tem o direito de usufruíla, tanto quanto ele usufrui da razão",
proclamavam eles. Em vários artigos
pregava-se a instauração de uma monarquia limitada e de um governo repre-
sentativo, advogando-se a garantia das
liberdades civis, além da introdução de
muitas reformas sociais. Por trás de
todo esse trabalho estava a ideia de
que o homem é a medida de todas as
coisas, concepção resumida por Diderot
num dos verbetes da Enciclopédia: "O
homem é o único limite do qual se pode
começar e ao qual todas as coisas tem
de retornar".
DIVULGAÇÃO: A DEMOCRACIA DO
SABER
Na apresentação da Enciclopédia, Diderot e D'Alembert explicam o espírito
da nova ideologia: "O objetivo de uma
enciclopédia é o de reunir os conhecimentos até agora esparsos e sistematizá-los para em seguida divulgá-los (...).
Assim, as aquisições dos séculos passados não mais se perderão, podendo
ser utilizadas no futuro a fim de que
nossos netos, tornando-se mais instruídos, sejam ao mesmo tempo mais felizes".
A popularização foi, sem dúvida, um
dos aspectos da nova cultura. Até aquele momento, o saber havia sido quase
sempre um privilégio reservado a poucos "aristocratas da cultura". Os enciclopedistas, ao contrário, propunham
uma democracia do saber. Graças também ao desenvolvimento da imprensa
(já se imprimiam jornais havia alguns
decênios), os conhecimentos relativos a
todas as "ciências, artes e profissões"
começavam a ser divulgados; o povo
lentamente ganhava acesso a tais informações. A divulgação do conhecimento e da cultura gerou um otimismo
ilimitado, difundindo a crença de que o
saber iria possibilitar a construção de
uma sociedade mais justa e mais próspera.
CIÊNCIA E TÉCNICA A SERVIÇO DO
HOMEM
Durante séculos, a técnica, o artesanato e os trabalhos manuais foram
desprezados pelas classes privilegiadas. Em alguns países da Europa chegou-se mesmo a proibir, por lei, que os
nobres se dedicassem a atividades
artesanais, industriais ou comerciais.
A nova cultura, porém, rejeitou essa
ideia, passando a defender outras muito
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EXTERNATO POPULAR SÃO VICENTE DE PAULO
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mais "modernas": o saber devia incluir
também o conhecimento técnico; a arte
de um mestre tecelão é tão importante
quanto a de um filósofo. Além disso, o
conhecimento tecno-científico começou
a ser visto como um instrumento a serviço do homem, capaz de lhe proporcionar uma vida mais fácil e rica.
Os onze volumes de ilustrações atribuíam aos ofícios a dignidade que mereciam. "Já se escreveu muito sobre as
ciências em geral", dizia Diderot, "e não
se escreveu praticamente nada sobre a
mecânica. Tínhamos de recorrer aos
operários. E foi assim que recorremos
aos mais hábeis entre eles (...) Demonos o trabalho de ir até seus locais de
trabalho e lá indagá-los e escrever o
que nos ditavam, desenvolver o que
pensavam, aprender os termos técnicos
específicos de suas profissões (...). O
raro costume que temos de escrever e
compreender explicações técnicas levou-nos a fazer uso das pranchas ilustradas..." Essas pranchas foram, se não
os primeiros, pelo menos os mais famosos exemplos daquele ensino técnico
que seria responsável pelo grande desenvolvimento industrial e econômico do
Ocidente, a partir de meados do século
XVIII.
A IDADE DA RAZÃO
Na primeira página da Enciclopédia,
aparece uma figura feminina que irradia
a "luz do saber", dissipando as "trevas
da superstição": é a Verdade. A seu
lado, de pé, duas outras figuras femininas levantam o "véu que escondia a
Verdade", ou seja, o símbolo do erro e
da ignorância. Uma dessas figuras é a
Razão; outra cabeça é adornada por
uma chama que simboliza o fogo da
inteligência. A outra figura é a Filosofia,
a rainha de todas as ciências.
Ao lado da luminosa Verdade e sua
corte estão: à direita, as várias Ciências;
à esquerda, as Artes. Elas são conduzidas pela Imaginação, que se prepara
para coroar a Verdade com uma guirlanda de flores. Embaixo, iluminados
por feixes de luz, estão os seres humanos, empunhando os instrumentos com
que realizam seus trabalhos.
Essas figuras alegóricas resumem a
ideologia do século XVIII: um novo
mundo estava para ser construído pelo
Homem. O conhecimento (feixes da
Verdade e da Razão) iluminaria e esclareceria todos os problemas. Por tudo
isso esse movimento foi chamado Iluminismo.
UMA DÍVIDA COM O PASSADO
As novas ideias não surgiram do nada, nem por acaso. Boa parte delas fora
legada pelos grandes pensadores dos
séculos XVI e XVII, que, na realidade,
tinham dado os primeiros passos no
sentido de "modernizar" o pensamento
europeu. Um desses luminares foi René
Descartes (1596-1650), cujo pensamento opunha a evidência da razão ao jugo
das tradições ou da autoridade.
Outras influências importantes foram
Francis Bacon (1561-1626) e John
Locke (1632-1704). Partidários do Empirismo, ambos sustentavam que a experiência sensível estava na origem do
pensamento, não sendo possível o
aparecimento de nenhuma ideia no
intelecto sem que antes houvesse surgido no campo dos sentidos. E foram as
regras de investigação científica explicitadas nos trabalhos de Isaac Newton
(1642-1727) que serviram de elemento
de ligação entre o Empirismo (rigorosa
experimentação) e o pensamento do
século XVIII. Sem dúvida, havia elementos comuns nas obras de pensadores
como Newton, Descartes e Locke, de
um lado, e o Iluminismo, de outro. Entre
eles a recusa a qualquer ideia preconcebida ou crença ditada por alguma
autoridade (religiosa, política ou filosófica) e a irrestrita confiança desses "pioneiros" da modernidade na força da
razão e na eficácia do método científico.
UM PROGRESSO ARRASADOR
No século XVIII a Europa era um formigueiro de ideias e inovações. O progresso atingia todos os setores: arte,
ciência, técnica, pensamento. Na verdade, estava em curso uma "revolução
do espírito", como dizia Voltaire. Para
que essa "revolução" seja entendia,
porém, é importante lembrar o entusiasmo e a extraordinária abertura de
novos horizontes que o progresso suscitou.
Médicos e naturalistas puderam explicar com precisão científica muitos dos
"mistérios" do corpo humano, dos organismos vegetais e dos elementos do
reino mineral. Ao mesmo tempo, o francês Lavoisier (1743-1794) introduziu
uma nova ciência - a química moderna com a qual era possível explicar fenômenos obscuros, como, por exemplo, a
combustão, desvendando assim segredos da composição da matéria.
No campo da física, uma nova energia
tornava-se objeto de estudo: a eletricidade, força até então inexplicável. No
final do século XVIII, o italiano Alessandro Volta (1745-1827) conseguiu, finalmente, produzir e controlar a energia
elétrica por meio de sua famosa pilha.
As inúmeras utilizações da eletricidade
nos dias de hoje dão uma ideia da importância dessa invenção.
Um século antes, o físico e matemático inglês Isaac Newton havia explicado,
de uma maneira ainda substancialmente
válida, as leis que regem os corpos
celestes e a precisão matemáticas de
suas trajetórias. A astronomia tornou-se
uma paixão. Centenas de telescópios
foram apontados para o céu; grandes
matemáticos e físicos, estudiosos de
óptica e de outras ciências criam novos
"instrumentos" de pesquisa. Descobriram-se novos cometas, um novo planeta (Netuno), calcularam-se os eclipses.
O mundo se dilatava. A descoberta a
Austrália ampliou o mapa-múndi. A
audácia do engenho humano não conhecia limites. O norte-americano Robert Fulton (1765-1815) construiu um
barco que, embora sem remos ou vela,
se movia mesmo contra a corrente: era
um navio a vapor. Enquanto isso, os
irmãos Montgolfier, com os seus balões
de ar quente, alçavam-se às alturas
abrindo caminho para a conquista do
espaço.
TUDO SE MOVE
Enfim, tudo parecia ser alimentado
pelo movimento. Os ilusionistas nada
mais fizeram senão aplicar os princípios
e métodos que tinham dado tão bons
resultados na ciência e na técnica a
outros campos do saber: filosofia, economia, política. E foi então que, a partir
dessa prodigiosa "revolução cultural",
COLÉGIO LUIZA DE MARILLAC
EXTERNATO POPULAR SÃO VICENTE DE PAULO
História – 2ª série – Ensino Médio Agosto/2012
começaram a germinar as sementes de
muitas outras revoluções, que alterariam definitivamente, antes do final do
século XVIII, a face da Europa.
POR UMA SOCIEDADE MAIS JUSTA
A Razão iluminava o caminho... O
homem devia pensar com sua própria
cabeça e não mais com a do sacerdote,
a do falso cientista, ou a do soberano
absoluto. Estava proposta a crítica; mas
o que significava essa palavra?
CRÍTICA: JUÍZO E ESCOLHA
A crítica consiste em ter uma opinião e
fazer uma escolha que decorra de uma
análise racional de determinada situação. Uma escolha só será racional e
justa se feita livremente, sem preconceitos ou limites de qualquer espécie. E,
sobretudo, sem medo.
Assim, para criticar e escolher o seu
caminho, os homens do século XVIII
começaram a pensar com a própria
cabeça, questionando todos os campos
do saber, inclusive os mais "delicados",
ou seja, a religião e a política.
CULTO A UMA NOVA DIVINDADE
Muitos iluministas investiram contra a
Igreja católica, principalmente contra a
sua hierarquia (padres, bispos, pontífices), bem como qualquer hierarquia de
outras religiões. Como, porém, tais
ideias encontravam violenta oposição,
foi necessário recorrer a uma série de
artimanhas para levá-las a domínio
público. Uma dessas artimanhas consistia num engenhoso sistema de remissões: após ler um verbete que discorria
sobre as ideias religiosas tradicionais, o
leitor era remetido a um outro artigo, de
natureza crítica, que demolia os argumentos expostos no primeiro.
Em sua maioria, porém, os iluministas
acreditavam em Deus. Não no Deus da
Bíblia, do Evangelho, do Corão ou de
outro texto sagrado, mas num Deus
organizador, arquiteto do Universo,
certamente onipotente e muito sábio
(afinal criara essa "maravilhosa máquina" que é a Natureza), mas bastante
afastado da vida cotidiana dos seres
humanos.
O CIVILIZADO PRINCÍPIO DA TOLERÂNCIA
Partidários do primado da razão e defensores da liberdade, era inevitável que
os filósofos iluministas criticassem a
inutilidade e desumanidade das guerras
e dos processos por motivos religiosos,
e que, paralelamente, pregassem a
tolerância e o respeito pela opinião
pessoas dos indivíduos. Esse princípio,
já preconizado por Locke, foi também
aplicado ao campo político.
Os iluministas afirmavam que cada
indivíduo tem direito a uma opinião
própria e a exprimi-la livremente. Voltaire eternizou uma frase que sintetiza
magistralmente esse princípio. Nela, o
filósofo afirma que, apesar de não concordar com as opiniões de um interlocutor, está disposto a defender até a morte
seu direito de manifestá-las. Isso nada
mais é que o princípio da tolerância, um
dos princípios da democracia moderna,
que se baseia na liberdade e respeito à
opinião de cada um.
François Maria Arouet (Voltaire), após
a grande batalha a favor da tolerância
religiosa e política, lutou para que o
objetivo dos governos fossem a liberdade e a igualdade. Em contrapartida
verificou-se a reação daqueles cujos
privilégios eram justamente resultado da
existência da opressão e da desigualdade social, amparada pela própria leit.
Jean-Jacques Rousseau afirmava
que, ao organizar a sociedade, os homens deviam ter em vista o objetivo de
garantir a igualdade econômica e a
liberdade, frutos da democracia. Segundo ele, o verdadeiro soberano não era o
rei, mas o povo como um todo, a este
cabendo, portanto, o poder de promulgar leis e dirigir a coletividade.
Essas ideias revolucionárias eram
consideradas monstruosas pelos déspotas da época. No entanto, antes do final
do século XVIII, elas seriam colocadas
em prática no bojo das transformações
políticas e sociais desencadeadas com
a Revolução Francesa (1789-1799).
HOMENS E IDEIAS
Adotando a Inglaterra como modelo,
Charles-Louis de Secodant (Montesquieu) propôs a separação dos três poderes: ao Parlamento, eleito pelo povo,
caberia a prerrogativa de fazer as leis
(Poder Legislativo); ao rei ou ao Governo, o poder de executá-las (Poder Executivo); e aos magistrados e juizes, a
função de julgar (Poder Judiciário).
Assim divididos, os três poderes deveriam permanecer independentes, controlando-se uns aos outros, de modo a
garantir liberdade e justiça para o cidadão.
Cesare Beccaria (1738-1794) notabilizou-se pelo livro Dos Delitos e das
Penas, no qual, após recomendar a
prevenção do crime em vez de sua
repressão, condenou a pena de morte e
demonstrou a desumanidade e barbárie
da tortura, muito utilizada nos interrogatórios de presumíveis culpados. Segundo Beccaria, as penas deveriam ter por
objetivo auxiliar o réu a compreender
seu erro e ajudar a sua reintegração na
sociedade. Com a publicação de seu
livro, muitos países aboliram a prática
da tortura e alguns até mesmo a pena
de morte.
A HERANÇA DOS ENCICLOPEDISTAS
Após a publicação desse grande marco
do pensamento, outras enciclopédias de
grande porte e rigor intelectual foram
produzidas na Europa. Ainda em 1771,
quando os últimos volumes da obra
iluministas estavam sendo publicados,
surgiu a Enciclopédia Britânica. Diferindo da publicação francesa, que analisava informações segundo a concepção
iluminista do mundo, a Britânica - seguindo a tradição do empirismo inglês,
pelo qual só a experiência sensível era
digna de tornar-se objeto de estudo procurou apenas transmitir fatos e informações, sem a preocupação explícita
de inseri-los numa determinada visão de
mundo. Esses dois tipos de enciclopédia - a francesa, que analisa os dados
com base em padrões preestabelecidos,
e a inglesa, que simplesmente os divulga, evitando opinar sobre eles - serviriam de modelo até os dias atuais.
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