Universidade de Brasília – UnB Instituto de Ciências Humanas – IH Departamento de Antropologia - DAN Teoria Antropologica 1 Professor: Henyo Trindade Barreto Filho Estudante: Rafael Lima Meireles de Queiroz Matrícula: 15/0045115 OS EQUÍVOCOS DO MÉTODO COMPARATIVO EVOLUCIONISTA E A ELUCIDAÇÃO DO MÉTODO HISTÓRICO DE FRANZ BOAS Partindo de uma mesma origem, a humanidade alcançará por meio dos mesmos processos o estágio de civilização ideal. Uma longa escada em que cada povo possui o seu próprio ritmo para alcançar o topo. Os estágios de avanço já estão todos definidos. Da selvageria a barbárie, da barbárie a civilização. Os seres humanos evoluíram uniformemente de maneira biológica e a evolução cultural será decorrente desse mesmo processo. Difundida por Edward B. Tylor, Lewis Henry Morgan e James George Frazer, essa era a base da teoria do evolucionismo, tendo a Europa como apogeu do arquétipo de civilização. Franz boas, em contrapartida, não compartilha das ideias de tais autores. Critica o método limitado utilizado pelos evolucionistas e introduz no estudo da antropologia um novo método que permitiria analisar as particularidades de todas as culturas. O método comparativo utilizado pelos evolucionistas sugere que acontecimentos semelhantes ocorridos em sociedades distintas possuem as mesmas origens. Através da seguinte constatação, Tylor faz a seguinte afirmação: A partir da semelhança geral da natureza humana, de um lado, e da semelhança geral das circunstancias de vida, de outro, essa similaridade e essa consistência podem, sem dúvida, ser traçadas, sendo estudadas com especial proveito na comparação de raças que se encontram em torno do mesmo grau de civilização. (...) Examine, por exemplo, os instrumentos amolados e de ponta nessa coleção; o inventário inclui machadinha, enxó, cinzel, faca, serra, raspadeira, broca, agulha, lança e cabeça de flecha, e, desses, a maior parte, se não a totalidade, pertence, com pequenas diferenças de detalhes, às mais variadas raças (Tylor, 2005 [1871] p.75). Frazer realça a importância e a necessidade da consolidação da antropologia, ou ciência do homem. Ele reafirma a uniformidade da natureza e, de maneira sucinta, consegue sintetizar bem o que é o evolucionismo e sobretudo o método comparativo: Mas foi reservado para a geração atual, ou melhor, para a geração que está saindo de cena, tentar um estudo abrangente do homem como um todo, investigar não meramente a estrutura física e mental do indivíduo, mas comparar as várias raças de homens, traçar suas afinidades e, por meio de uma ampla coleção de fatos, seguir desde os primórdios, e até tão longe quanto possível, a evolução do pensamento e das instituições humanas. O objetivo disso, assim como de todas as outras ciências, é descobrir as leis gerais às quais se possa presumir que os fatos particulares se conformam (Frazer, 2005 [1908] p. 101-102). Ainda se tratando do método comparativo dos evolucionistas, Morgan adentra com os estágios evolutivos, afirmando que a utilização ou não de determinados objetos apontaria em qual grau evolutivo tal sociedade se encontrava: “as tribos que não fabricam objetos de cerâmica são consideradas selvagens, e as que fabricam os objetos de cerâmica, porém não têm um alfabeto, são consideradas bárbaras, e não civilizadas” (Morgan, 2005 [1877]). Nesse sentido, o método comparativo prova-se bastante equivocado, uma vez que elimina todas particularidades das culturas existentes. Podemos afirmar, evidentemente, que todas as culturas são dinâmicas e que se existe alguma característica de singular, é a maneira como o fazem. Cabe ainda ressaltar o etnocentrismo por parte dos autores, que tomam sua própria sociedade como o mais alto nível, o ápice de uma civilização sublime. É em contrapartida aos evolucionistas que Franz Boas, com sua ideia relativista de cultura, rompe com o método comparativo e introduz o método histórico aos estudos da antropologia. Boas não questiona a evolução da humanidade, o que ele faz é uma crítica ao método como os evolucionistas o fazem, ignorando toda a historicidade e particularidade cultural das sociedades não civilizadas. Em “As limitações do método comparativo”, Boas critica o que ele chama de “o novo método”: É preciso compreender com clareza, portanto, que, quando compara fenômenos culturais similares de várias partes do mundo, a fim de descobrir a história uniforme de seu desenvolvimento, a pesquisa antropológica supõe que o mesmo fenômeno etnológico tenha-se desenvolvido em todos os lugares da mesma maneira. Aqui reside a falha no argumento do novo método, pois essa prova não pode ser dada. Até o exame mais superficial mostra que os mesmos fenômenos podem se desenvolver por uma multiplicidade de caminhos (Boas, 2004 [1896] p. 30). Diferentemente dos evolucionistas, que utilizavam o termo cultura - e ainda o empregavam como sinônimo de civilização – Boas entendia o termo no plural, ou seja, que cultura não era única e uniforme, como aqueles afirmavam. Boas apresentou cultura como não sendo única, mas sim múltiplas e não hierarquizadas, mutáveis, sujeitas a todos os tipos de influências. Tais definições se tornaram mais claras com o emprego do método histórico na antropologia, que, de certa maneira, não visava o ponto em que a sociedade se encontrava, mas os percursos percorridos para se chegar a tal ponto. Em tais percursos é que se encontrava a cultura, propriamente dita, de um povo. Independente de sociedades estarem em um mesmo estágio de desenvolvimento, não significa que ela tenha passado pelos mesmos processos para o alcançar. É exatamente nesse ponto que o método histórico se opõe ao método comparativo. Boas ilustra muito bem o que pretende, ao afirmar: O uso de máscaras é encontrado num grande número de povos. A origem do costume não é absolutamente clara em todos os casos, mas pode-se distinguir com facilidade algumas formas típicas de uso. As máscaras são usadas para enganar os espíritos quanto a identidade daquele que a usa. O espirito da doença que pretende atacar a pessoa não a reconhece quando ela está de máscara, e esta serve, assim, como proteção. Em outros casos a máscara representa um espírito personificado pelo mascarado, que, dessa forma, afugenta outros espíritos hostis. Outras máscaras, ainda, são comemorativas. O mascarado encarna uma pessoa morta cuja memória deve ser relembrada. Máscaras também são empregadas em representações teatrais para ilustrar incidentes mitológicos. Esses poucos dados bastam para mostrar que o mesmo fenômeno étnico pode se desenvolver a partir de diferentes fontes. Quanto mais simples o fato observado, mais provável é que ele possa ter-se desenvolvido de uma fonte aqui e de outra ali (Boas, 2004 [1986], p. 31). Com o exemplo de Boas, fica ainda mais fácil entender a principal diferença entre o método comparativo e o método histórico. Para os evolucionistas, a origem comum dos povos referidos seria provada devido ao fato de todos eles usarem máscaras. Já para os adeptos do método histórico, que “estão sobretudo interessados nos fenômenos dinâmicos da mudança cultural” (Boas, 2004 [1920] p. 45), fica provada a existência de múltiplas culturas e quebra-se com a ideia de uniformidade e origem única que os evolucionistas tanto propunham. A partir das considerações apresentadas, podemos inferir que é a através da introdução do método histórico utilizado por Boas que a antropologia começa a se caracterizar como uma disciplina qualitativa e delineada, e também que ele nos permite o aprofundamento em algo tão complexo como a cultura(s). De total importância, também, para a formulação do conceito de relativismo cultural, um dos mais importantes conceitos antropológicos. Quanto aos evolucionistas, cabe mencionar que o seu maior equivoco foi não ir a fundo nas sociedades consideradas “primitivas” e ter apresentado um método muito geral para as questões que necessitavam de uma explicação com caráter menos biológico. Outro grande erro, não podemos esquecer, é a necessidade dos evolucionistas de tentarem explicar, ou mesmo solucionar, uma realidade muito complexa através de uma premissa muito simples. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOAS, Franz. 2004 [1896]. “As limitações do método comparativo da antropologia”. Em Antropologia cultural. Castro, Celso (org) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Págs 25-39. BOAS, Franz. 2004 [1920]. “Os métodos da antropologia”. Em Antropologia cultural. Castro, Celso (org) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Págs 41-52. BOAS, Franz. 2004 [1930]. “Alguns problemas de metodologia nas ciências sociais”. Em Antropologia cultural. Castro, Celso (org) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Págs 53-66. FRAZER, James George. 2005 [1908] “O escopo da antropologia social”. Em Evolucionismo cultural – textos de Morgan, Tylor e Frazer. Castro, Celso (org) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Págs 101-127. MORGAN, Lewis Henri. 2005 [1877] “Períodos Étnicos”. Em Evolucionismo cultural – textos de Morgan, Tylor e Frazer. Castro, Celso (org) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Págs 49-65. TYLOR, Edward B. 2005 [1871]. “A ciência da cultura”. Em Evolucionismo cultural – textos de Morgan, Tylor e Frazer. Castro, Celso (org) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Págs 69-99.