MEDEIROS, Jane Maria de. CONDIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO
MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO LOCAL
JANE MARIA DE MEDEIROS
CONDIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA
PRODUTIVO E INOVATIVO LOCAL (SPIL) DA MÚSICA A
PARTIR DAS POTENCIALIDADES DE BELO HORIZONTE
Belo Horizonte
2011
1
JANE MARIA DE MEDEIROS
CONDIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA
PRODUTIVO E INOVATIVO LOCAL (SPIL) DA MÚSICA A
PARTIR DAS POTENCIALIDADES DE BELO HORIZONTE
Dissertação apresentada ao Mestrado em
Gestão
Social,
Educação
e
Desenvolvimento
Local
do
Centro
Universitário UNA, como requisito parcial
à obtenção do título de Mestre.
Área de concentração: Inovações Sociais,
Educação e Desenvolvimento Local.
Linha de pesquisa: Processos Sociais e
Políticos: Articulações Institucionais e
Desenvolvimento Local.
Orientadora: Profa. Dra. Lucília Regina
de Souza Machado
Belo Horizonte
2011
2
3
DEDICATÓRIA
Ao meu pai, Antônio Eleto de Medeiros (in memoriam), cujas palavras de incentivo ao
estudo ainda soam nos meus ouvidos, e à minha mãe, Wanda Cunha Pereira (in
memoriam), cujos dons artísticos e o amor pela música certamente influenciaram o meu
encantamento com o universo fascinante da produção musical.
Aos meus filhos Daniel, pelo incentivo, e Bruno, pelo grande apoio e paciência.
4
AGRADECIMENTOS
Àqueles cuja generosa e valiosa participação tornou possível essa dissertação:
Cecília Regueira, Clarice Libânio, Clélio Campolina Diniz, Fernando Brant, Geraldo
Vianna, Ivana Parrella, João Antônio de Paula, Lucas Mortimer, Makely Ka, Marcela
Bertelli, Marcus Viana, Maria do Carmo Guerra Simões, Mauro Werkema, Mestre
Jonas, Rose Pidner, Tadeu Martins, Talles Lopes, Tânia Mara Lopes Cançado e Thelmo
Lins.
À minha orientadora, professora Lucília Machado – a quem tive a grata satisfação de
reencontrar depois de ter sido sua aluna no curso de graduação da PUC-MG –, cujo
trabalho competente, incentivo e permanente disponibilidade foram fundamentais para a
conclusão da presente dissertação, e a todos os professores do programa.
Por fim, mas não menos importante, aos meus colegas de Mestrado, pela convivência
alegre e a participação instigante, que muito contribuíram para amenizar o cansaço das
horas seguidas de aulas e para elevar o nível dos debates durante o curso.
5
A música é um elemento básico e insubstituível na formação espiritual
de um povo. A sua função não se limita à importância da formação
estética, mas a de assumir um caráter eminentemente socializador.
(Heitor Villa-Lobos)
6
RESUMO
O cenário musical da cidade de Belo Horizonte apresenta produção caracterizada por
grande riqueza, qualidade criativa, inovações e crescente dinamismo. Tais ingredientes
seriam suficientes para se pensar na possibilidade da construção de um Sistema
Produtivo e Inovativo Local (SPIL) da Música dessa cidade? Responder a tal indagação
motivou o desenvolvimento desta dissertação. A pesquisa realizada buscou, então,
discutir as condições existentes ou as que precisariam ser criadas para que este sistema
pudesse ser organizado. Nesse sentido, foram analisados os fatores que poderiam
facilitar ou impedir essa construção. Os dados obtidos mostraram que a atual conjuntura
cultural belo-horizontina apresenta algumas condições favoráveis para a criação do
SPIL proposto e que a iniciativa para a sua criação deve partir da própria sociedade
civil, isto é, dos músicos, por meio de suas entidades representativas. Concluiu-se que,
para tanto, o segmento precisará se organizar e se fortalecer para envolver a Prefeitura –
fundamental neste processo – e o Governo do Estado, além de outros atores importantes
para o sistema, como os empresários e as instituições de ensino e pesquisa, expressivas
no local. O arcabouço conceitual e a metodologia utilizada para o desenvolvimento da
pesquisa e do produto aplicado dela derivado foram sistematizados com base no
ferramental proposto pela RedeSist – rede de pesquisa interdisciplinar da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – para analisar Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos
Locais (ASPILs). A pesquisa – de natureza qualitativa, e caráter exploratório e aplicado
– se valeu de consulta bibliográfica, pesquisa em documentos e de campo. Esta última
foi desenvolvida por meio de entrevistas semi-estruturadas com sujeitos que, devido às
singulares posições em que se encontram face ao objeto estudado, apresentavam e
apresentam contribuições fundamentais para a elucidação do problema investigado.
PALAVRAS-CHAVE: sistemas produtivos e inovativos locais; inovação; música;
economia da cultura; gestão social; desenvolvimento local.
7
ABSTRACT
The music scene in the city of Belo Horizonte has a production characterized by great
diversity, creative quality, innovation and growing dynamism. Would these ingredients
sufficient to consider the possibility of building a Local Production and Innovative
System (LPIS) of music in this city? Answering this question was the motivation for the
present dissertation. Our survey sought to discuss the existing conditions or those that
need to be created so that this system could be organized. Accordingly, we analyzed the
factors that may facilitate or prevent such construction. Our data showed that the current
cultural context of Belo Horizonte has some favorable conditions for the creation of the
proposed LPIS and suggested that the initiative for its creation must come from civil
society itself, that is, the musicians, through their representative bodies. We concluded
that, to achieve this objective, the segment needs to be further organized and
strengthened in order to involve the City Hall – essential in this process – and the State
Government, as well as other key actors in the system, such as entrepreneurs and
educational and research institutions, which are significant on this city. The conceptual
framework and methodology used in the development of this research and the product
that derived from it were organized based on the tools proposed by RedeSist - network
of interdisciplinary research at the Federal University of Rio de Janeiro - to review
Local Productive and Innovative Arrangements and Systems (LPIASs). The research –
qualitative, exploratory and applied – used bibliographic and field research. The latter
was developed through semi-structured interviews with subjects who have had major
contributions to elucidate the investigated problem.
KEY WORDS: local production and innovative systems; innovation; music; culture
economy; social management; local development.
8
LISTA DE TABELAS
01
Fundamentos teóricos para balizar a criação do SPIL da música de Belo
Horizonte e suas características ....................................................................... 61
02
Condições para a estruturação sustentável da cultura como atividade econômica
em Belo Horizonte e instrumentos e meios para sua promoção......................... 95
03
Condicionantes da economia da música de Belo Horizonte e suas principais
implicações ................................................................................................... 141
04
Condições para a criação do SPIL da música de Belo Horizonte e instrumentos
e meios para sua promoção ............................................................................... 195
05
Diretrizes e metas da Câmara Setorial de Música de Belo Horizonte ....................... 240
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................
13
Definição do tema da pesquisa ...................................................................................
18
Definição do objeto de pesquisa ou a questão central da investigação .......................
19
Metodologia e procedimentos de investigação............................................................
21
CAPÍTULO 1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA INVESTIGAÇÃO
1.1 Introdução................................................................................................................ 24
1.2 Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (SPILs)................................................... 26
1.3 Economia da Cultura..............................................................................................
33
1.4 Gestão Social..........................................................................................................
42
1.5 Governança............................................................................................................
51
1.6 Desenvolvimento Local..........................................................................................
55
1.7 Considerações Finais.............................................................................................
61
CAPÍTULO 2 ESTRUTURAÇÃO SUSTENTÁVEL DA CULTURA COMO
ATIVIDADE ECONÔMICA: A MÚSICA NO CONTEXTO DE BELO
HORIZONTE
2.1 Introdução..............................................................................................................
64
2.2 A política nacional de cultura e seus reflexos locais.............................................
64
2.3 O financiamento da cultura: leis de incentivo fiscal e fundos públicos.................
71
2.3.1 O papel das empresas na política de renúncia fiscal ........................................
75
2.3.2 A Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais: especificidades,
aplicações e implicações no segmento musical...........................................................
79
2.3.3 Empresas usuárias da lei mineira de incentivos à cultura ...................................
82
2.3.4 Os caminhos do financiamento do segmento da música de Belo Horizonte........ 85
2.3.4.1 A política municipal de financiamento............................................................
90
2.4 Os impactos da atividade cultural na economia mineira........................................
92
2.5 Considerações finais
94
CAPÍTULO 3 A ECONOMIA DA MÚSICA EM BELO HORIZONTE
3.1 Introdução..............................................................................................................
97
3.2 Caracterizando os elos da economia da música de Belo Horizonte......................
100
10
3.2.1 Pré-produção ou fatores condicionantes da economia da música.....................
101
3.2.1.1 Capital humano: o artista; a formação acadêmica e técnica.............................
102
3.2.1.2 A indústria de equipamentos para som (edição e gravação) e iluminação.......
106
3.2.1.3 Os fornecedores de insumos para a produção dos suportes .............................. 107
3.2.1.4 A indústria de instrumentos e equipamentos musicais.....................................
108
3.2.1.5 A educação musical e a formação de plateias..................................................
109
3.2.2 Produção............................................................................................................
111
3.2.2.1 Caminhos percorridos até o produto final........................................................
112
3.2.2.2 Peculiaridades da produção musical de Belo Horizonte..................................
1115
3.2.2.3 O mercado da produção independente.............................................................
121
3.2.2.4 Entidades governamentais e institucionais que regulam e condicionam o
setor..............................................................................................................................
124
3.2.3 Distribuição.........................................................................................................
125
3.2.4 Divulgação...........................................................................................................
128
3.2.5 Comercialização..................................................................................................
131
3.2.6 Consumo.............................................................................................................
133
3.3 Os impactos das novas tecnologias na cadeia produtiva da música.......................
135
3.4 A inovação no mercado da música de Belo Horizonte ao longo dos tempos.........
138
3.5 Considerações finais...............................................................................................
141
CAPÍTULO 4 INSTRUMENTOS E MEIOS NECESSÁRIOS PARA A
CONSTRUÇÃO DO SPIL DA MÚSICA DE BELO HORIZONTE
4.1 Introdução...............................................................................................................
144
4.2 Qualidade e diversidade da produção: diferenciais favoráveis do mercado belohorizontino...................................................................................................................
145
4.3 A questão do público e a formação de plateias ......................................................
148
4.4 Inovação: característica favorável do mercado da música de Belo Horizonte .......
158
4.5 Condições que precisam ser desenvolvidas para a construção do SPIL.................
169
4.6 Poderes públicos e setor empresarial......................................................................
188
4.7 Considerações finais...............................................................................................
195
CAPÍTULO 5 CONCLUSÕES...................................................................................
199
5.1 Principais deficiências dos segmentos econômicos, sociais e políticos e os
instrumentos e meios para obtenção das condições necessárias para superá-las .........
203
11
REFERÊNCIAS....................................................................................................
226
APÊNDICES.........................................................................................................
235
ANEXOS..............................................................................................................
253
12
INTRODUÇÃO
Capital, para aqui veio gente de todas as Minas, de todos os Gerais.
Os visionários e os tradicionais. Os puritanos e os pecadores. Os
medianos e os criadores. Síntese, mantém os pés na terra e voa alto
com a mente aberta para o sonho, a arte, a liberdade. Entre pedras e
águas nasceu a cidade da música e da poesia: Belo Horizonte.
(FernandoBrant)
Centro geográfico do Brasil, fazendo fronteira com outros seis Estados1, Minas Gerais é
constantemente apontada como um estado de grande diversidade cultural. Segundo o
escritor João Guimarães Rosa, “seu orbe é uma pequena síntese, uma encruzilhada; pois
Minas é muitas. São, pelo menos, várias Minas...”. Werkema (2010, p. 95) vai mais
além, considerando que, no Estado,
... em qualquer direção, uma distância de 100 quilômetros representa mudança
cultural, com alterações locais relativas ao patrimônio histórico e natural,
como igualmente nos hábitos, nas festas populares e religiosas, na culinária e
no artesanato. E ainda bastante singularidade, exemplaridade e, especialmente,
autenticidade e originalidade nesses elementos. Eis a riqueza de Minas.
Planejada para ser a capital do estado, Belo Horizonte nasce da união de esforços de
mineiros de todo o interior, gente de todas as partes do país e imigrantes estrangeiros,
que buscam empregos, melhores oportunidades de vida e, sobretudo, a modernidade
(CASTRO, 1997). Essa mistura teria sido o fator mais importante para que a capital se
tornasse uma síntese das manifestações culturais do estado, refletindo toda a sua
diversidade e criatividade.
Segundo Werkema (2010), essa característica de atrair o interior sempre esteve presente
na história da capital mineira refletindo-se de forma ainda mais marcante no segmento
musical. Como polo econômico e cultural, a ela se dirigem os artistas que querem
desenvolver uma carreira, tornando-a uma caixa de ressonância da produção mineira.
Bruno Martins (2009), ao analisar a origem do movimento musical mineiro Clube da
Esquina, nascido em Belo Horizonte, afirma que seus integrantes, além de trazerem para
1
Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás.
13
a capital influências musicais, também trouxeram um pouco da sua cidade natal, a partir
de “suas referências históricas e culturais particulares”. O autor considera que isso “fez
da capital mineira um solo aglutinador, em torno do qual as cidades de onde partiram
tais viajantes se avizinhavam pelos caminhos da canção”. (MARTINS, BRUNO, 2009,
p. 46)
Embora ainda pouco estudada2, a área cultural mineira, em especial a de Belo
Horizonte, tem recebido frequentes e importantes registros na mídia nacional e
internacional destacando essas características e apontando o sucesso de diversos atores
de diferentes segmentos. Esse quadro seria característico de um universo cultural rico,
diversificado, dinâmico e, principalmente, inovador, que deixaria marcas relevantes na
identidade, não apenas da cidade, mas do Estado.
Tais informações dão conta de experiências bem-sucedidas em praticamente todos os
segmentos culturais – das Artes Plásticas à Dança, do Teatro ao Audiovisual –,
passando destacadamente pela Música. Dentre as mais citadas, as experiências dos
grupos de teatro Galpão e Giramundo; Grupo Corpo e 1° Ato, na dança; artistas
plásticos como Yara Tupinambá e Amílcar de Castro; profissionais do audiovisual,
como Helvécio Ratton (de longas-metragens), Cao Guimarães (de curtas-metragens e
também artista plástico expositor no MOMA, em Nova Iorque) além do videomaker
Éder Santos, entre muitos outros.
Ao analisar a turnê mundial do Grupo de Dança Corpo em 2006, o jornal The Globe and
Mail da capital do Canadá, Ottawa, confirma essa visão:
Durante 30 anos a companhia tem sido o principal embaixador cultural da
dança contemporânea do Brasil por aqui e é um prazer dizer que eles
voltaram com estilo ao melhor de sua forma. Os dois trabalhos apresentados,
Lecuona (2004) e Onqotô (2005), não são apenas uma demonstração da
fantástica qualidade dos seus dançarinos, que poderiam plausivelmente ser
considerados dos melhores do planeta; eles são também a prova de que
2
A Fundação João Pinheiro (FJP) realizou, em 1996, o 1º Guia Cultural de Belo Horizonte e, em 2003,
publicou os estudos Prestando contas aos mineiros - avaliação da Lei Estadual de Incentivo à Cultura e
Incentivo fiscal à cultura: limites e potencialidades. Em 2010, o jornalista Mauro Werkema lançou o livro
História, arte e sonho na formação de Minas.
14
Rodrigo Pederneiras encontrou novas inspirações para o seu trabalho de
3
coreógrafo.
Na área da Música, as informações em circulação apontam para uma riqueza e uma
diversidade da produção cultural belo-horizontina ainda mais palpáveis. Da MPB ao
heavy metal, passando pela música instrumental, o pop-rock e até a música eletrônica.
Essas manifestações teriam produzido importantes representantes da cidade no circuito
nacional e internacional: o Clube da Esquina – movimento que revelou Milton
Nascimento, Fernando Brant, Beto Guedes, Lô Borges, entre outros e é tido como um
marco revolucionário da história da música mineira e brasileira (MARTINS, BRUNO
2009) –; o ícone do heavy metal Sepultura considerado o grupo brasileiro de maior
repercussão no mundo; a banda Skank, que além de vender milhões de discos no Brasil,
chegou a liderar as paradas de sucesso na Espanha em 1996; o Pato Fu, banda de rock
alternativo reconhecida nacional e internacionalmente, entre muitos outros.
Cantores e instumentistas que desenvolvem carreira solo também estariam se
destacando no cenário nacional e internacional. É o caso do multiinstrumentista,
compositor, arranjador e regente Maurício Tizumba4 e do bateirista Dedé Sampaio, que
deixou uma família de sete irmãos – dos quais seis se tornaram bateiristas – no bairro
Caiçara para fazer sucesso nos Estados Unidos, tendo tocado, inclusive, com o ícone do
jazz americano Miles Davis. Até na música erudita Belo Horizonte teria produzido
destaques nacionais, como Sebastião Vianna (pianista, flautista, acordeonista, assistente
de Villa Lobos) e seu filho, Marcus Viana.
A efervescência desse gênero na cidade teria levado ao surgimento da Orquestra
Filarmônica de Minas Gerais em 2008, para atuar ao lado da tradicional Orquestra
3
Fonte
The
Globe
and
Mail
de
23
Mar.
2006.
Disponível
http://www.theglobeandmail.com/search/?q=Grupo+Corpo+Brazil. Acesso em: 04 Abr. 2010.
em:
4
Com 33 anos de carreira, “tem trabalhado para manter sua herança africana em seus trabalhos artísticos
tais como a música, dança, TV, teatro e cinema”. Tornou-se capitão da Guarda de Moçambique – grupo
que celebra o Congado. Idealizador e coordenador do Grupo Tambor Mineiro, cujo objetivo é resgatar e
valorizar
a
cultura
de
Minas.
Fonte:
site
Tizumba.
Disponível
em:
http://www.tizumba.com/home.php?pag=1. Acesso em: 05 Mar. 2011.
15
Sinfônica do Estado de Minas Gerais5 e da Orquestra de Câmara Sesiminas6. Belo
Horizonte também estaria sendo reconhecida como um dos principais centros
produtores de ópera do país, a partir do trabalho desenvolvido na última década pela
Fundação Clóvis Salgado7. Essa opinião é compartilhada pelo diretor e produtor Cleber
Papa, que transita pelos principais centros de música clássica do país e do exterior:
São Paulo e Rio de Janeiro estão passando por reformas, Brasília não
avançou. Porto Alegre não produz nada de consistente e o Festival
Amazonas está em franca decadência. O Palácio das Artes está entre os
poucos que fazem ópera com qualidade no Brasil e isto não pode ser visto
com timidez. Existe potencial e reserva técnica para Minas se tornar uma
8
referência internacional.
Além da quantidade e da qualidade da produção musical belo-horizontina, o dinamismo
na área, não apenas no que diz respeito ao surgimento de novos instrumentistas,
cantores e grupos, mas também nos quesitos produção e gestão, seria característica de
grande criatividade e inovação. Exemplo recente seria o BH Indie Music – festival de
bandas alternativas, surgido em 2008 com o objetivo de criar vitrine mineira para a
música alternativa e a Festa da Música (inspirada na Fête de la Musique, realizada na
França há 29 anos), criada em 1997. Durante dez dias, este projeto, que é anual,
apresenta shows de música instrumental – com destaque para o jazz – em parques,
praças, ruas e teatros da capital, abertos ao público.
Na área da gestão, exemplos consistentes seriam a criação, em 2007, por músicos de
Belo Horizonte, da primeira Cooperativa de Trabalho dos Profissionais de Música do
Estado de Minas Gerais (Comum) e a organização, no final de 2008, do Fórum da
Música de Minas Gerais. Além da Comum, este fórum reúne representantes da
Sociedade Independente da Música (SIM), da Associação Artística dos Músicos de
5
Um dos três corpos artísticos mantidos pela Fundação Clóvis Salgado, a OSMG foi criada em 1976 e é
considerada uma das mais importantes do país. Fonte: site da FCS. Disponível em:
http://www.fcs.mg.gov.br/grupos-profissionais/82,,orquestra-sinfonica.aspx. Acesso em: 10 Mar. 2011.
6
Criada em 1986, a orquestra, mantida pelo Serviço Social da Indústria trabalha com formação de
público e se apresenta com vários solistas e convidados de expressão nacional. Fonte: site da FIEMG.
Disponível em: http://www.fiemg.org.br/Default.aspx?tabid=4005. Acesso em: 10 Mar. 2011
7
Vinculada à Secretaria de Estado da Cultura, tem como principais finalidades “apoiar a criação cultural,
fomentar, produzir e difundir as artes e a cultura no Estado”, “administrar o Palácio das Artes, a Serraria
Souza
Pinto
e
demais
espaços
que
lhe
forem
designados”.
Fonte:
http://www.fcs.mg.gov.br/home/default.aspx. Acesso em: 10 Mar. 2010.
8
Fonte: Jornal Estado de Minas de 03/06/2009. Disponível em: http://www.em.com.br. Acesso em: 10
Mar. 2010.
16
Minas Gerais (AMMIG), do Museu do Clube da Esquina e do Fora do Eixo Minas,
representante da produção musical independente mineira, todos com sede e atuação
direta na capital. Contando com a participação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro
e Pequenas Empresas (SEBRAE)9 nas discussões para sua criação, o Fórum surgiu com
a missão principal de gerir o Música Minas, em parceria com o Governo do Estado –
programa, até então inédito, de disseminação e exportação da música mineira.
No que diz respeito à inovação, são muitos os exemplos significativos. Um dos mais
recentes seria a atuação criativa do DJ10 belo-horizontino, conhecido mundialmente,
Anderson Noise, que realizou projeto inédito no Brasil de executar solo nos pick-ups e
nos teclados, introduzindo a música eletrônica em um concerto de música erudita. Ele se
apresentou em 2009 com a Orquestra Bachiana Filarmônica de São Paulo, regida pelo
consagrado maestro João Carlos Martins. Outro exemplo: os instrumentos inovadores e
a linguagem musical variada que tornaram o grupo belo-horizontino Uakti11 uma das
referências mais fortes da música contemporânea mundial, além de um marco na
história da música mineira, a partir da década de 1980. O compositor Marcus Viana
também teria sido pioneiro ao escrever uma trilha sonora inteira para uma novela
televisiva (Pantanal, 1990) e ao eletrificar o violino em Minas Gerais.
Apesar da contundência das informações a respeito da qualidade criativa e inovativa e
do dinamismo do setor musical da capital mineira, existiria uma possível lacuna
caracterizada pela ausência de políticas voltadas ao atendimento das demandas deste
setor e ao incentivo de seu desenvolvimento. Nem mesmo o fato de a música ter sido
considerada pelo Ministério da Cultura (MinC) um dos polos mais dinâmicos da
economia da cultura no Brasil no Programa de Desenvolvimento da Economia da
Cultura (Prodec), aprovado em 2006 no âmbito do Plano Plurianual do Governo
9
Em 2008, o SEBRAE criou o projeto Música Independente na Região Metropolitana de Belo Horizonte,
propondo ações centradas na institucionalização do setor, que vem desenvolvendo alguns projetos de
capacitação do segmento, e foi responsável por demandar à FJP a realização do Diagnóstico da Cadeia
Produtiva da Música em Belo Horizonte. Fonte: SEBRAE MG. Disponível em:
http://www.sebraemg.com.br/Home/HomePortal.aspx. Acesso em: 10 Jun. 2010.
10
DJ: disc jockey; dee jay.
11
Criado em 1978, o grupo UAKTI emprega madeiras, bambus, pedras e água para produzir sons
musicais. Sua trajetória confunde-se com a trajetória musical de Marco Antônio Guimarães, nascido em
Belo Horizonte, em 1948. Violoncelista, compositor, arranjador e responsável pela criação do UAKTI (ao
lado de Paulo Sérgio dos Santos, Décio de Souza Ramos Filho e Artur Andrés), sua direção musical e
construção dos seus instrumentos não-convencionais.
Fonte: Per Musi. Disponível em:
http://www.musica.ufmg.br/permusi/port/numeros/23/num23_cap_17.pdf. Acesso em: 15 Jul. 2010.
17
Federal, teria sido suficiente para estimular a criação de políticas públicas de
aproveitamento do dinamismo musical de Belo Horizonte.
Consideramos os pólos mais dinâmicos da Economia da Cultura no Brasil:
Música (produtos e espetáculos); Audiovisual (em especial conteúdo de tv,
animação, conteúdo de Internet e jogos eletrônicos); Festas e expressões
populares (onde se destacam o Carnaval, o São João, a capoeira e o
artesanato). (PORTA, 2008, p. 5).
O cenário exposto acima – o potencial musical de Belo Horizonte e a crescente
importância da economia da cultura –, pareceu constituir-se em forte indício de que,
devidamente trabalhado, poderia se transformar em importante motor de uma estratégia
de desenvolvimento local.
Definição do tema da pesquisa
A definição do tema da pesquisa partiu, assim, dessa constatação inicial do cenário
cultural da cidade de Belo Horizonte, com destaque para o segmento da música, campo
de atuação profissional da autora desta dissertação. O trabalho12 desenvolvido há nove
anos à frente de diferentes projetos musicais foi decisivo para permitir-lhe uma
aproximação maior com esse universo e a descoberta de um mundo musical fervilhante
nesta capital, em diversidade, quantidade e qualidade de produção.
Essa constatação gerou algumas indagações que desembocaram numa interrogação
maior sobre a possibilidade dos potenciais e potencialidades musicais do município
virem a se constituir em motor de uma estratégia de desenvolvimento local. Questionouse se isso poderia ocorrer a partir da interação e da cooperação de seus atores e do
aproveitamento da sinergia gerada por essa interação de modo a permitir a construção
de um Sistema Produtivo e Inovativo Local (SPIL) da Música de Belo Horizonte.
12
A autora exerce a função de Coordenadora de Projetos Culturais do Conservatório UFMG,
desenvolvendo atividades de concepção, curadoria, planejamento e produção cultural. É membro do
Conselho Administrativo do Instituto Cultural Sérgio Magnani, tendo sido sua primeira presidente
(2004/2005). É fundadora e membro da diretoria do Fórum dos Dirigentes das Casas de Espetáculos de
Minas Gerais desde 2004. Integra a Rede de Empreendedores Culturais (ReCult) e o Grupo de Trabalho
da Cultura do Movimento Nossa BH, criado em 2008. Foi uma das organizadoras do Movimento pela
Cultura de Minas, em 2010.
18
Conceito complementar ao de Arranjo Produtivo Local (APL), o SPIL valoriza a
inovação e a perspectiva sistêmica, sendo entendido como
os conjuntos de atores econômicos, políticos e sociais, localizados em um
mesmo território, desenvolvendo atividades econômicas correlatas e que
apresentam vínculos expressivos de produção, interação, cooperação e
aprendizagem. SPILs geralmente incluem empresas – produtoras de bens e
serviços finais, fornecedoras de equipamentos e outros insumos, prestadoras
de serviços, comercializadoras, clientes, etc., cooperativas, associações e
representações – e demais organizações voltadas à formação e treinamento de
recursos humanos, informação, pesquisa, desenvolvimento e engenharia,
promoção e financiamento. (LASTRES e CASSIOLATO, 2005, p. 1).
Potencial é aquilo que existe como possibilidade. Neste sentido, partiu-se do
pressuposto de que Belo Horizonte teria recursos e capacidades potenciais para a
criação de um SPIL da Música. Potencialidade diz respeito ao caráter daquilo que é
potencial, à sua qualidade. Entendeu-se, assim, que as potencialidades musicais de Belo
Horizonte seriam grandes, variadas, ricas culturalmente e de alto valor econômico. Estes
foram os pontos de partida desta investigação. Sem pretender medir o tamanho e o valor
das potencialidades musicais da capital, partiu-se da compreensão de que, para que
essas potencialidades se convertam em SPIL, são necessárias certas condições. São
essas condições que constituíram o tema e o objeto desta pesquisa.
Definição do objeto da pesquisa ou questão central da investigação
Além da diversidade e da riqueza da produção musical da capital, que, como já foi dito,
têm levado ao sucesso – nacional e internacional – inúmeros artistas, chama atenção a
capacidade inovativa característica de muitas dessas produções. Além de sua
indiscutível importância simbólica e social, entendeu-se que esse quadro poderia ser
visto também como um dos vetores econômicos da cidade com potencial de geração de
desenvolvimento local.
Questionou-se se o reconhecimento, o fomento e a adequada gestão desse potencial por
meio de um Sistema Produtivo e Inovativo Local poderiam significar incremento de
riqueza e inclusão social, além de uma nova inserção econômica e cultural da cidade no
19
país e no cenário internacional. Tal questionamento surgiu a partir da existência de uma
lacuna caracterizada pela ausência de políticas voltadas para o atendimento da demanda
desse setor e para o incentivo ao seu desenvolvimento.
O problema que originou a proposta desta investigação decorre, portanto, da
constatação de uma dúvida: sendo possível identificar evidências de que Belo Horizonte
tem grandes potencialidades musicais que podem ser adequadamente aproveitadas na
perspectiva do desenvolvimento local, não se sabe se o município reúne as condições
necessárias à construção de um SPIL da música, um conjunto interdependente,
articulado e coordenado de políticas, órgãos, meios, processos, formações e instruções
sobre o qual podem se estabelecer planos, programas e projetos que atendam e
satisfaçam os potenciais de produção e inovação musical.
Portanto, a questão central a ser investigada diz respeito às condições que existem ou
precisam ser criadas para que este sistema possa ser organizado. Por condições, está
sendo entendido o conjunto de fatores, circunstâncias e meios de ordem econômica,
social, política, cultural e ética considerados como elementos de base à criação e
estruturação do sistema produtivo e inovativo da música em Belo Horizonte. Tais
condições referem-se, também, ao contexto, estado, situação e circunstâncias em que se
encontra a atividade da música em Belo Horizonte, face ao conjunto das exigências e
meios que se colocam como necessários à formação de um SPIL.
Para responder ao problema e questão central desta investigação, buscou-se, portanto,
conhecer as condições favoráveis e não favoráveis para realização desse sistema,
procurando levantar os fatores que poderiam facilitar ou impedir a sua construção. Para
tanto, os conceitos básicos selecionados para fundamentar teórica e metodologicamente
esta pesquisa foram: Sistema Produtivo e Inovativo Local, Economia da Cultura, Gestão
Social, Governança e Desenvolvimento Local. No primeiro capítulo desta dissertação
tais conceitos foram trabalhados.
No segundo capítulo, buscou-se analisar as bases de aglutinação econômica, social e
política da área da música de Belo Horizonte, na perspectiva da estruturação sustentável
da cultura como atividade econômica. O terceiro capítulo procurou caracterizar os elos
da cadeia produtiva da música na capital, desde o processo de criação dos produtos até a
20
etapa do consumo. No quarto capítulo foram apontados os principais instrumentos e
meios que os entrevistados indicaram como necessários para se criar as condições
básicas para a inclusão produtiva e a mobilização e articulação dos atores do segmento,
na perspectiva da construção do SPIL da música da capital mineira. O quinto capítulo
apresentou as principais conclusões alcançadas pela presente pesquisa.
Metodologia e procedimentos de investigação
A metodologia utilizada no presente estudo foi elaborada a partir do ferramental de
pesquisa proposto pela RedeSist13 para analisar Arranjos e Sistemas Produtivos e
Inovativos Locais (ASPILs). Foram feitas modificações e adaptações consideradas
necessárias a um projeto de estudo de atividades culturais, que se propõe a levar em
consideração a complexa interrelação entre forças econômicas e culturais, e entre
inovação e tradição, dentro das características do espaço e da área estudados,
respectivamente, o município de Belo Horizonte e a música. Como apontam Matos et
al. (2008, p. 1):
O emprego do referencial de análise de ASPILs para atividades culturais
contribui para ressaltar alguns elementos ou dimensões com características
bastante específicas, tais como: as formas de conhecimento envolvidas e os
processos de geração e difusão destes; as formas de interação entre os
agentes nestes sistemas com vistas à coordenação das atividades envolvidas;
bem como as características e importância da inovação e da preservação
para a sustentabilidade do conjunto do sistema.
Ao procurar analisar em profundidade as percepções de sujeitos, visando obter respostas
sobre condições atuais e que precisam ser criadas e elementos facilitadores e inibidores
do desenvolvimento de um SPIL da música, a presente pesquisa assumiu caráter
qualitativo. Baseou-se no entendimento de que a compreensão e interpretação dessas
percepções subjetivas não são isoladas, mas inseridas num contexto que sofre e provoca
influências no todo. Nessa perspectiva, a pesquisa tem caráter exploratório e aplicado.
Exploratório, pois não fez generalizações sobre condições de criação de SPILs.
13
RedeSist é uma rede de pesquisa interdisciplinar do Instituto de Economia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), criada em 1997, que conta com a participação de várias universidades e institutos
de pesquisa no Brasil, além de manter parcerias com outras organizações internacionais. Fonte: site
RedeSist. Disponível em: www.redesist.ie.ufrj.br. Acesso em: 05 Mar. 2010.
21
Aplicado, porque procurou sistematizar um conjunto de referências que pudessem servir
à elaboração de um projeto de criação do SPIL da Música de Belo Horizonte.
Partiu-se do princípio de que estas características da investigação (qualitativa,
exploratória, aplicada) pudessem contribuir para a inclusão, mobilização e articulação
dos atores do segmento musical de Belo Horizonte, o que já seria uma forma de
intervenção neste cenário. Foram utilizadas técnicas de pesquisa bibliográfica e
documental e de documentação direta. Como em toda pesquisa qualitativa, aqui também
o papel do pesquisador foi considerado com a devida atenção e cuidados, especialmente
porque a autora atua na área em questão há alguns anos.
Visando maximizar a confiabilidade da pesquisa, utilizou-se o critério de credibilidade,
apropriado por meio de procedimentos apontados por Lincoln & Guba (1985, apud
ALVES-MAZOTTI, 1998, p. 175). Para checar se “os resultados e interpretações feitas
pelo pesquisador são plausíveis para os sujeitos envolvidos”, adotou-se quatro
procedimentos específicos. O primeiro deles visou garantir uma imersão maior da
pesquisadora no campo, uma vez que a permanência prolongada já estava garantida.
Desta forma, durante o período de estudo, a pesquisadora participou diretamente de
várias atividades ligadas ao segmento musical da capital, desde seminários voltados
para temas específicos, como a inserção do músico no mercado, até reuniões do Fórum
da Música, passando por mobilizações públicas em defesa do Programa Música Minas.
No segundo procedimento, que buscou o “questionamento por pares”, foi solicitado a
colegas não envolvidos na pesquisa, mas que trabalham no mesmo paradigma e
conhecem o tema pesquisado, que funcionassem como “advogados do diabo”,
apontando “falhas, pontos obscuros e vieses nas interpretações”, bem como
identificando evidências não exploradas e oferecendo “explicações ou interpretações
alternativas” àquelas elaboradas pela pesquisadora. Como terceiro procedimento,
realizou-se a triangulação de fontes, isto é, houve o cruzamento de informações
coletadas em diferentes fontes. No último procedimento, ao final da pesquisa, solicitouse a alguns dos participantes que fizessem a “checagem” dos resultados e conclusões
obtidos para verificar se as interpretações da pesquisadora faziam sentido, a partir da
avaliação quanto à sua precisão e relevância. (LINCOLN & GUBA, 1985, apud
ALVES-MAZOTTI, 1998, p. 175).
22
Definido o universo a ser pesquisado, a partir do recorte da gestão do segmento da
música na cidade de Belo Horizonte, dentro do conceito de economia da cultura e na
perspectiva da criação de um SPIL visando o desenvolvimento local, a população
investigada envolveu 18 pessoas diretamente ligadas à produção, circulação,
divulgação, pesquisa, ensino ou estudo do segmento na cidade. A pesquisa de campo se
deu por meio de entrevistas semi-estruturadas. A análise e a interpretação dos dados
foram feitas de forma interativa com a coleta, acompanhando o processo de
investigação, buscando, a partir da identificação de temas e dados, construir
interpretações, gerar novas questões e aperfeiçoar questões anteriores.
23
1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA INVESTIGAÇÃO
Estou bem ciente de que os problemas políticos, os econômicos e os
sociais não podem ser isolados uns dos outros. (T. S. Elliot)
1.1 Introdução
Para alcançar o objetivo deste estudo – investigar as condições necessárias para a
construção de um Sistema Produtivo e Inovativo Local da Música em Belo Horizonte –,
partiu-se de um marco teórico que engloba, prioritariamente, Sistemas Produtivos e
Inovativos Locais (SPILs) e Economia da Cultura, mas também Gestão Social e
Governança e a relação de todos eles com Desenvolvimento Local. Este capítulo traz o
estudo desses conceitos básicos, que serviram para fundamentar teoricamente e balizar
as estratégias metodológicas da pesquisa.
O conceito utilizado como principal eixo teórico foi o de Sistemas Produtivos e
Inovativos Locais (SPILs), desenvolvido pela Rede de Pesquisas em Sistemas
Produtivos e Inovativos Locais – RedeSist, vinculada à UFRJ. Partiu-se do
entendimento de que o conceito de SPILs significa uma unidade de análise
complementar e não substituta de outros. A título de exemplo, tanto o conceito de
arranjo, quanto o de sistema reconhecem que o fundamental é conhecer em
profundidade as especificidades do sistema produtivo, bem como seu peso e papel nas
cadeias produtivas e setores que dele fazem parte, para dar sugestões de como promovêlo.
A escolha do conceito de SPIL passou pelo reconhecimento de um formato
organizacional que privilegia uma compreensão sistêmica das atividades produtiva e
inovativa dos agentes de um mesmo contexto social, cultural e institucional, e ainda
estimula a difusão do conhecimento codificado e tácito entre todos os atores locais
como parte do processo inovativo. Assim, considerou-se o conceito de sistema o mais
adequado na busca de recursos de tecnologia social que permitam utilizar um potencial
24
cultural, no caso, o potencial de produção musical da cidade de Belo Horizonte para o
seu desenvolvimento.
Economia da Cultura é outro conceito que assumiu grande importância pelo fato do
objeto central desse estudo estar diretamente ligado ao tema. Assim, procurou-se
conhecer as possibilidades da cultura no universo da economia e da gestão social e,
conseqüentemente, das políticas públicas, utilizando-se como referência principal os
autores Hansen e Barreto (2003), Reis (2002, 2007, 2008) e Silva (2007). Baseou-se na
perspectiva de um mercado, não como simples espaço de trocas de mercadorias, mas
também como um lugar onde se processam interações sociais e simbólicas, apoiada na
visão de vários autores, entre eles Silva (2007), para quem separar e dimensionar o
mundo dos bens culturais é afirmar a importância desse universo nas estratégias de
produção e reprodução social.
Na pesquisa sobre a construção de SPILs, o conceito de Gestão Social tornou-se um
referencial
teórico
importante,
pois
pressupõe
práticas
de
gerenciamento
descentralizadas, flexíveis e participativas, e negociação entre interlocutores variados
nos processos de decisão, ação, controle e avaliação. Adotou-se o conceito proposto por
Tenório (1998) de que a cidadania deve ser a protagonista das relações entre Sociedade
e Estado e entre Trabalho e Capital. Isto é, deve-se partir do ponto de vista da Sociedade
e não do Estado, do Trabalho e não do Capital, tendo sempre a perspectiva de que
Gestão Social deve atender, por meio da esfera pública, o bem comum da sociedade.
Nesse processo, o papel da Governança adquire relevância. Ao aprofundar o
conhecimento sobre este conceito, buscou-se entender suas implicações e relações com
a Gestão Social. Os autores de referência neste caso, entre eles Fischer (2002),
entendem o conceito de Governança como muito além de apenas “práticas de controle”,
mas significando também “modo de exercício do poder”, tanto em decisões no nível
organizacional como no nível institucional. Guimarães & Martin (2001) associam o
conceito a “poder partilhado” ou “ação coletiva gerenciada”, o que o torna bastante
apropriado para ser utilizado em organizações e sistemas de natureza cultural, como é o
caso do presente estudo.
25
Visto como o arcabouço maior de todo esse processo envolvendo SPIL, Economia da
Cultura, Gestão Social e Governança, outro conceito importante para a realização dessa
investigação foi o de Desenvolvimento Local. Chamado DL, é compreendido por vários
autores como estratégia que permitiria a utilização de recursos e competências locais
disponíveis para enfrentar e superar os entraves que impedem a obtenção de qualidade
de vida para o conjunto da população. Nessa dimensão, o DL não visaria apenas a
produção de bens e o aumento da geração local de emprego e renda, mas a defesa da
vida, a satisfação das necessidades sociais básicas da população, o combate à fome e à
miséria e ao empoderamento das populações locais. Entre os principais autores
pesquisados nesse tema encontram-se Ladislaw Dowbor (1999, 2007) e Caio Márcio
Silveira (2001).
A contribuição de todos esses autores, que se mostrou essencial ao desenvolvimento do
presente estudo, será aprofundada a seguir.
1.2 Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (SPILs)
O novo milênio trouxe em seu bojo profundas transformações para o sistema produtivo
e a ordem geopolítica mundial, originárias das mudanças político-institucionais dos
países mais desenvolvidos. Essas transformações podem ser sentidas tanto em um novo
regime de acumulação – dominado pelo capital financeiro – como nos novos padrões
econômicos, sociais, políticos e culturais (em acelerado processo de globalização e
competição). Padrões esses que têm sido alavancados, especialmente, pelo progresso
das tecnologias da comunicação e da informação, num processo que vem sendo
chamado de era do conhecimento ou da informação, por permitir o surgimento de novas
possibilidades de codificação e difusão de informações e conhecimentos.
Entretanto, apesar de todo esse dinamismo, os chamados conhecimentos tácitos –
subjetivos, informais e ligados a ações e experiências individuais, enraizados em
indivíduos, instituições e ambientes locais, logo, difíceis e muitas vezes impossíveis de
serem codificados e transferidos – permanecem de grande importância estratégica nessa
nova era. Neste contexto, diversos autores, entre eles Lastres e Cassiolato (2003),
argumentam que também a atividade inovativa estaria se tornando ainda mais localizada
26
e específica, como estratégia para se criar novas formas de organizar o processo
produtivo.
Se, por um lado, esse novo contexto contribui para transformar cada vez mais
radicalmente o modo de vida das pessoas, desde como trabalham, aprendem, produzem,
consomem, se divertem e até exercem a cidadania, por outro, coloca novas exigências
para os distintos agentes econômicos, governamentais e da sociedade em geral,
apresentando novas demandas para a formulação de políticas públicas e privadas.
Enfrentar tais desafios, impedindo que inviabilizem essas políticas, exige novas
abordagens. Por isso, novas estratégias e alternativas de desenvolvimento vêm sendo
criadas nos níveis mundial, nacional e local.
Os Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (ASPILs) fazem parte dessas
estratégias. Para a RedeSist (2005, p. 2), ambos surgem em torno da produção de um
bem ou serviço, envolvendo atividades e atores relacionados à aquisição de matériasprimas, máquinas, demais insumos etc., e a sua formação estaria associada “a trajetórias
históricas de construção de identidades e de formação de vínculos territoriais (regionais
e locais), a partir de uma base social, cultural, política e econômica comum”. Os
arranjos assumem formas variadas, desde os mais simples até os mais complexos e
articulados. Estes se caracterizariam como sistemas.
Seis características básicas são atribuídas aos ASPILs pela RedeSist (2005). A primeira
seria a dimensão territorial ou o espaço onde ocorrem os processos produtivos,
inovativos e cooperativos, cuja proximidade geográfica possibilitaria compartilhar
valores e visões econômicos, sociais e culturais, facilitando o dinamismo local, a
diversidade e a vantagem competitiva em relação a outros locais. Outra, seria a
diversidade de atividades e atores econômicos, políticos e sociais, que, além das
empresas e associações de classe, envolve as organizações públicas e privadas voltadas
para formação e capacitação de recursos humanos, pesquisa, política, promoção e
financiamento.
Uma terceira característica está ligada ao conhecimento tácito, ou conhecimento que
não está codificado, mas implícito e incorporado em indivíduos, organizações e até
regiões, apresentando forte especificidade local devido à proximidade territorial e a
27
identidades culturais, sociais e empresariais, o que se caracteriza como elemento de
vantagem competitiva. Inovação e aprendizado interativos constituem outro aspecto
importante de ASPILs: o aprendizado seria fundamental para a transmissão de
conhecimentos e a ampliação da capacitação produtiva e inovativa das empresas e
outras organizações; a capacitação inovativa possibilitaria a introdução de novos
produtos, processos, métodos e formatos organizacionais, sendo essencial para garantir
a competitividade sustentada dos diferentes atores locais, individual e coletivamente.
A quinta característica é a governança, entendida pelos autores estudados como
“diferentes modos de coordenação entre atores e atividades, que envolvem da produção
à distribuição de bens e serviços, assim como o processo de geração, uso e
disseminação de conhecimentos e de inovações”, (REDESIST, 2005, p. 3) assumindo
formas variadas (centralizada ou descentralizada; mais ou menos formalizada). O sexto
aspecto importante é o grau de enraizamento ou as “articulações e o envolvimento dos
diferentes atores de ASPILs com as capacitações e os recursos humanos, naturais,
técnico-científicos, empresariais e financeiros, assim como com outras organizações e
com o mercado consumidor local”. (REDESIST, 2005, p. 3).
A adoção da alternativa de ASPILs apresentaria importantes vantagens, tais como:
permitir a ligação entre o território e as atividades econômicas, por representar uma
unidade de análise que vai além da visão baseada na organização individual (empresa),
setor ou cadeia produtiva; focalizar grupos de atores (empresas e organizações de
P&D14, educação, treinamento, promoção, financiamento, etc.) e atividades conexas que
caracterizam um sistema produtivo e inovativo; cobrir o espaço onde ocorre o
aprendizado, onde são criadas as capacitações produtivas e inovativas e onde fluem os
conhecimentos tácitos; e representar o nível no qual as políticas de promoção do
aprendizado, inovação e criação de capacitações podem ser mais efetivas. (REDESIST,
2005).
Sistema é entendido aqui como uma variação mais complexa e articulada de um arranjo:
14
Leia-se Pesquisa e Desenvolvimento.
28
Sistemas produtivos e inovativos locais são aqueles arranjos produtivos em
que interdependência, articulação e vínculos consistentes resultam em
interação, cooperação e aprendizagem, com potencial de gerar o incremento
da capacidade inovativa endógena, da competitividade e do desenvolvimento
local. (LASTRES E CASSIOLATO, 2003, p. 21).
Na abordagem conceitual, metodológica e analítica de SPIL feita pela RedeSist (2005),
das seis características principais já apresentadas, aprendizado e inovação seriam os
fatores que trariam maior peso a uma competitividade dinâmica e sustentada. A
utilização do conceito de SPIL nesta pesquisa levou em consideração esse aspecto, e por
isso essas características receberão uma abordagem mais aprofundada a seguir.
Para a RedeSist (2005, p. 5), o aprendizado caracteriza-se por um “processo pelo qual
indivíduos adquirem e utilizam seus conhecimentos como base para formar suas
opiniões e pautar suas ações e tomadas de decisões”. Seria, portanto, muito mais do que
o simples acesso a informações, mas a aquisição e a construção de diferentes tipos de
conhecimentos, competências e habilidades. Do ponto de vista da economia, tal
conceito estaria associado a um processo cumulativo onde “as organizações (através de
seus recursos humanos) adquirem e ampliam seus conhecimentos, aperfeiçoam
procedimentos de busca e refinam habilidades em desenvolver, produzir e comercializar
bens e serviços”. (REDESIST, 2005, p. 5).
Entre as formas de aprendizado consideradas importantes no processo de inovação e de
desenvolvimento de capacitações produtivas, tecnológicas e organizacionais, a RedeSist
(2005) destaca duas:
Formas de aprendizado a partir de fontes internas à empresa, incluindo:
aprendizado com experiência própria, no processo de produção (learning-bydoing), comercialização e uso (learning-by-using); na busca de novas
soluções em suas unidades de pesquisa e desenvolvimento (learning-bysearching) ou instâncias. Formas de aprendizado a partir de fontes externas,
incluindo processo de compra, cooperação e interação com: fornecedores (de
matérias-primas, componentes e equipamentos), concorrentes, licenciadores,
licenciados, clientes, usuários, consultores, sócios, prestadores de serviços,
organismos de apoio, entre outros (learning-by-interacting and cooperating);
e aprendizado por imitação, gerado da reprodução de inovações introduzidas
por outras organizações, a partir de: engenharia reversa, contratação de
pessoal especializado, etc. (learning-by-imitating). (Grifos do original).
(REDESIST, 2005, p. 6).
29
Essas características mostram que uma parte importante do processo de aprendizado
está ligada à existência e operação de capacidades produtivas e inovativas. No mundo
tecnológico atual, esse processo também seria afetado pela diferença entre a
oportunidade de aprender e a oportunidade de aplicar criativamente o que foi aprendido
à solução de determinado problema. Em países menos desenvolvidos, mais grave do
que não possuir acesso às novas tecnologias e a informações, segundo a RedeSist
(2005), é não dispor de conhecimentos suficientes para fazer uso das mesmas e, ainda
pior, não ter a possibilidade de colocar em prática os conhecimentos apreendidos.
Segundo a RedeSist (2005), os ambientes econômico, social, cultural e institucional
interferem diretamente na natureza e intensidade das interações entre os diferentes
atores, pois, apesar das empresas permanecerem como centro dos processos de
aprendizado e de inovação, estes são influenciados pelo contexto mais amplo onde se
inserem. Por isso, para se compreender um processo de capacitação produtiva e
inovativa seria fundamental analisar a especificidade e a dinâmica institucional, pois
“processos de aprendizado e de inovação jamais ocorrem num vácuo institucional”.
(REDESIST, 2005, p. 13).
Inovação, apontada pela RedeSist (2005, p. 13) como o outro fator fundamental num
SPIL, é entendida como “o processo pelo qual as organizações incorporam
conhecimentos na produção de bens e serviços que lhes são novos, independentemente
de serem novos ou não, para os seus competidores domésticos ou estrangeiros”. Na
economia, a inovação resultaria em mudanças técnicas, e outras correlatas,
fundamentais para que organizações, setores, regiões e países possam se desenvolver
mais rápida e amplamente que outros.
Este entendimento do conceito de inovação como um processo e não um ato isolado
surge na década de 1970, a partir da compreensão de que ela se origina de múltiplas
fontes e de complexas interações entre atores. Não seria mais, como era entendida até
então, apenas consequência do avanço do desenvolvimento científico (science push) ou
das pressões da demanda por novas tecnologias (demand pull). Inovação, então, passa a
ser definida como
30
processo não linear, que pode envolver, inclusive simultaneamente,
conhecimentos resultantes tanto da contratação de recursos humanos, da
realização de atividades de treinamento e de pesquisa e desenvolvimento
(P&D), assim como das demais atividades e experiências acumuladas pela
empresa a partir de sua própria atuação e de sua interação com outros atores e
com o ambiente que a cerca. A partir do início da década de 1980, particular
atenção passou a ser dada ao caráter sistêmico e localizado da inovação e do
conhecimento e desfez-se definitivamente o entendimento de que a inovação
deve ser algo absolutamente novo, em termos mundiais, e restrito às áreas de
tecnologia de ponta. (REDESIST, 2005, p. 13).
Alguns tipos de inovação apresentados pela RedeSist (2005):
- a inovação radical, que gera um produto, processo ou forma de organização da
produção inteiramente novos, podendo originar novas empresas, setores, bens e
serviços, e ainda significar redução de custos e aperfeiçoamentos de produtos existentes,
os quais exemplos significativos seriam a introdução da máquina a vapor, no final do
século XVIII, e o desenvolvimento da microeletrônica desde a década de 1950;
- a inovação incremental que introduz melhoria em um produto, processo ou forma de
organização da produção, sem alterar significativamente a estrutura industrial, podendo
gerar maior eficiência, aumento da produtividade e da qualidade, redução de custos e
ampliação das aplicações de um produto ou processo;
- a inovação tecnológica de produto e processo, que leva à utilização do conhecimento
sobre novas formas de produzir e comercializar bens e serviços;
- a inovação organizacional, que introduz novos meios de organizar a produção,
distribuição e comercialização de bens e serviços.
Cresce a preocupação com os processos inovativos, fazendo surgir novas políticas
voltadas para a questão. Nessa linha, ganha destaque o conceito de sistemas nacionais
de inovação, desenvolvido na década de 80, em especial a partir dos trabalhos de
Christopher Freeman e Bengt-Ake Lundvall (LASTRES, CASSIOLATO e MACIEL,
2003). Segundo essa corrente, acompanhada pela RedeSist, um sistema de inovação
englobaria o conjunto de organizações que contribuem para o desenvolvimento da
31
capacidade de inovação de um país, região, setor ou localidade, constituindo-se de
“elementos e relações que interagem na produção, difusão e uso do conhecimento”.
A ideia principal por trás desse conceito é a de que “a inovação consiste em um
fenômeno sistêmico e interativo; e que a capacidade de inovação deriva da confluência
de fatores sociais, políticos, institucionais e culturais específicos aos ambientes em que
se inserem os atores econômicos” (REDESIST, 2005, p. 14). Portanto, especificidades e
trajetórias de um determinado desenvolvimento local contribuiriam para configurar um
sistema de inovação característico, contrapondo-se a teorias que partem da visão de um
mundo integrado globalmente, onde a geração de tecnologias também se daria de forma
global, sem uma participação efetiva do local, caracterizando um tecno-globalismo.
Segundo Lastres e Cassiolato (2003), as políticas anteriores seriam caracterizadas por
uma “visão dicotômica e linear da inovação”, ao se basearem num processo de estágios
sequenciais, onde a inovação surgia nas instituições científicas e progressivamente era
transferida para o setor produtivo. Os autores consideram essa uma visão “funcional e
hierarquizada do conhecimento (ciência, tecnologia, inovação)” e apontam ainda como
outro problema importante o fato dessas políticas apoiarem ou o lado da oferta ou o da
demanda
de
tecnologias,
como
duas
questões
“excludentes”.
(LASTRES,
CASSIOLATO, 2003, p. 15).
Como contraponto, defendem as novas políticas de inovação, argumentando que elas
[...] têm crescentemente buscado: • a partir de uma visão sistêmica, estimular
as múltiplas fontes de conhecimento, assim como as interações entre os
diferentes agentes, visando potencializar o aprendizado e a inovação; •
fomentar a difusão – entendida como parte do processo inovativo – do
conhecimento codificado e tácito por toda a rede de agentes locais.
(LASTRES e CASSIOLATO, 2003, p. 16).
Buscou-se, então, utilizar o foco dado pela RedeSist de que conhecimento e inovação
são os elementos centrais da dinâmica de crescimento regional num SPIL, entendendose que aprendizado e capacitação produtiva e inovativa seriam processos socialmente
determinados e influenciados por formatos organizacionais, institucionais e políticos
específicos. Para obter conhecimento e chegar à inovação, alguns autores, como Lastres
32
e Cassiolato (2003), vêem a interação local e a cooperação como requisitos
fundamentais, além de importantes também para que as empresas e demais instituições
participantes melhorem seu desempenho e reforcem o desenvolvimento local.
Entende-se, então, a partir dessas definições, os conceitos de aprendizado e inovação
como fatores básicos para que um SPIL alcance “competitividade dinâmica e
sustentada”. Esta, por sua vez, além da conduta individual das empresas, dependeria de
variáveis macroeconômicas, político-institucionais, sociais e de infraestrutura, em níveis
local, nacional e internacional. Também “o aproveitamento das sinergias coletivas
geradas pelas interações entre empresas e destas com os demais atores do ambiente
onde se localizam – envolvendo cooperação e processos de aprendizado e de
capacitação produtiva e inovativa” seria um determinante dessa competitividade
dinâmica e sustentada. (REDESIST, 2005, p. 8).
Segundo a RedeSist (2005), apesar de sistemas serem mais propícios de se
desenvolverem em ambientes favoráveis à interação, cooperação e confiança entre os
atores, eles sofrem a interferência direta da ação de políticas, tanto públicas quanto
privadas, que tanto podem contribuir para fomentar e estimular como até mesmo
destruir tais processos históricos em longo prazo. Nessa perspectiva, o presente estudo,
ao buscar conhecer e analisar as potenciais condições de Belo Horizonte para a
construção de um SPIL da música, dirigiu seu foco para as políticas (ou a sua ausência)
que de alguma forma podem afetá-las.
1.3 Economia da Cultura
O segundo eixo teórico relevante que serve de apoio a essa dissertação se refere à
Economia da Cultura, uma vez que o objeto central da investigação realizada está
diretamente ligado a essa área. A revisão da literatura sobre o tema levou em
consideração não apenas este conceito em si, mas também o de cultura e sua inserção
nas políticas públicas.
33
As possibilidades da cultura no universo da economia e da gestão pública (e,
conseqüentemente, das políticas públicas) passaram a fazer parte da agenda de
discussão dos fóruns governamentais mundiais muito recentemente. Embora propostas
relativas à afirmação da diversidade cultural e ao exercício dos direitos culturais
figurem nos instrumentos internacionais promulgados pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) desde 195015, apenas em
1988 é aprovado o Plano de Ação sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento
pela Conferência Governamental de Estocolmo, como desdobramento da Conferência
Mundial sobre as Políticas Culturais (MONDIACULT) realizada no México seis anos
antes.
A produção, a circulação e o consumo de bens e serviços culturais
começaram a ser percebidos como um segmento de peso na economia das
nações já no pós-guerra. Mas foi apenas na década de 1970 que se
aprofundou o interesse pelo setor e a Economia da Cultura passou a mobilizar
pesquisadores em algumas universidades. Na década de 1990, ganha espaço
nos órgãos internacionais de cooperação, começando a ser entendida como
um vetor de desenvolvimento. Progressivamente, órgãos como BID, PNUD,
OEA, UNESCO passam a incluir questões relacionadas à Economia da
Cultura em seu escopo de ação. (PORTA, 2008, p. 1).
Em 2001, a UNESCO, constatando, entre outros fatores, que “a cultura se encontra no
centro dos debates contemporâneos sobre a identidade, a coesão social e o
desenvolvimento de uma economia fundada no saber”, aprova a Declaração Universal
sobre a Diversidade Cultural16.
15
Entre os quais, o acordo de Florença de 1950 e seu Protocolo de Nairobi de 1976, a Convenção
Universal sobre Direitos de Autor, de 1952, a Declaração dos Princípios de Cooperação Cultural
Internacional de 1966, a Convenção sobre as Medidas que Devem Adotar-se para Proibir e Impedir a
Importação, a Exportação e a Transferência de Propriedade Ilícita de Bens Culturais, de 1970, a
Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural de 1972, a Declaração da
UNESCO sobre a Raça e os Preconceitos Raciais, de 1978, a Recomendação relativa à condição do
Artista, de 1980 e a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, de 1989.
16
Aprovada durante a 31ª Conferência Geral da UNESCO, realizada (em Paris, em 2001) por 185
Estados-Membros, foi o primeiro instrumento internacional voltado para a preservação e promoção da
diversidade cultural e do diálogo intercultural. Fonte: UNESCO. Disponível em:
http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf. Acesso em: 04 Mai. 2010.
34
Três anos mais tarde, em Barcelona (Espanha), o primeiro Fórum Universal das
Culturas17 aprova a Agenda 21 da Cultura18 como “um compromisso das cidades e dos
governos locais para o desenvolvimento cultural”, afirmando que “as políticas culturais
devem encontrar um ponto de equilíbrio entre interesse público e privado, vocação
pública e institucionalização da cultura”.19 Materializa-se, assim, o mais completo e
abrangente documento orientador das políticas públicas culturais no âmbito mundial,
buscando enfrentar os desafios do desenvolvimento cultural com direitos humanos,
diversidade cultural, sustentabilidade, democracia participativa e criação de condições
de paz.
No Brasil, embora tenha assumido status ministerial em 1985, com o seu
desmembramento da Educação, é somente em 1999 – depois de passar à condição de
Secretaria diretamente vinculada à Presidência da República por dois anos (1990 a
1992) – que a gestão federal da Cultura consolida de vez sua prerrogativa de Ministério,
a partir da ampliação de seus recursos e da reorganização de sua estrutura. Em 2002, o
então candidato a presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, lança o manifesto de
campanha A imaginação a Serviço do Brasil, onde, pela primeira vez, a cultura é
defendida num programa de governo federal como “um direito social básico”. Em 2004,
Porto Alegre (RS) sedia o Fórum Latino-Americano das Cidades para a Cultura,
preparatório para o Fórum de Barcelona, com participação de instituições e
personalidades de todas as capitais brasileiras.
É neste contexto que a discussão sobre Economia da Cultura começa a tomar corpo no
país. E essa discussão, a exemplo do que ocorre no mundo inteiro, dialoga com temas
candentes, como desenvolvimento, políticas públicas, sustentabilidade, turismo,
diversidade cultural, meio ambiente, gestão cultural e direitos de propriedade
intelectual. (YÚDICE, 2006). Ainda embrionária no Brasil, a economia da cultura tem
importância fundamental para que se consiga garantir que a cultura seja reconhecida
17
Evento intercultural, patrocinado pela UNESCO a cada três anos, visando criar uma consciência
crescente sobre a importância dos espaços públicos, o uso da cultura e o desenvolvimento sustentável, a
partir do diálogo entre cidadãos de todo o mundo.
18
Apoiada por representantes de mais de 750 governos locais dos cinco continentes, foi o primeiro
documento, com vocação mundial, a estabelecer as bases de um compromisso das cidades e dos governos
locais para o desenvolvimento cultural.
19
Fonte: Agenda 21 da Cultura, aprovada pelo Fórum Universal das Culturas realizado em Barcelona
(ES), em 2004. Disponível em: http://blogs.cultura.gov.br/cnc/files/2009/07/agenda21.pdf. Acesso em: 04
Mai. 2010.
35
como investimento, e não despesa. Investimento nos valores, na criatividade, na
imagem do país (internamente e no exterior) e na geração de emprego, renda e inclusão
socioeconômica. (REIS, 2008).
Para diversos autores, entre os quais Hansen e Barreto (2003), Economia da Cultura e
Economia do Conhecimento (ou da Informação) constituem o que ficou conhecido
como Economia Nova ou Nova Economia, devido ao fato de seu modo de produção e
de circulação de bens e serviços ser fortemente impactado pelas novas tecnologias, de
ser baseado em criação e não se amoldar aos paradigmas da economia industrial
clássica. Nesse novo modelo, inovação e adaptação às mudanças tecnológicas são
fundamentais e a capacidade criativa tem mais peso do que o porte do capital a ser
investido.
O surgimento desse novo modelo é descrito assim por Hansen e Barreto (2003, p.101):
O setor de serviços em conjunto com a indústria da alta tecnologia,
especificamente com as tecnologias da informação que hoje fazem parte da
vida cotidiana, modificaram o mercado de trabalho e estão remodelando a
divisão internacional do trabalho. Esse conjunto de transformações sentidas
mundialmente nas ocupações empregatícias e na criação de novos empregos
no setor de serviços passou a configurar a chamada “Nova Economia”
(BEYERS, 2002), que hoje, mediante a permeação das tecnologias da
informação em quase todos os setores e atividades econômicos, tornou-se
ainda mais visível.
Para os autores, na Nova Economia a vontade dos empresários é determinante para se
definir as localizações das atividades econômicas, diferentemente do que acontecia no
modelo anterior, que priorizava a “lógica locacional de custos e sua influência sobre a
distribuição das indústrias”. (HANSEN, BARRETO, 2003, p. 102). Descentralização e
um forte fenômeno regional de aglomeração seriam características básicas desse
modelo, que utilizaria a nova noção de Path-dependency,20 agora aplicada ao conceito
de região, ou seja, os caminhos do desenvolvimento regional são vistos como
dependentes das trajetórias históricas, entendendo-se que as regiões possuem caminhos
próprios, onde conhecimentos formais e tácitos são produzidos. Há, assim, o
20
Os processos de Path-dependency foram estabelecidos por economistas evolucionistas, como Dosi
(1984), que analisaram como as tecnologias se desenvolveram ao longo de caminhos e trajetórias
históricas. [...] Numa abordagem econômica evolucionista, aquilo que fazemos depende da soma dos
caminhos tomados e estes são frutos de processos históricos culturais. (HANSEN e BARRETO, 2003, p.
102).
36
reconhecimento para fins econômicos de spillovers de conhecimento cumulativo e
significante, isto é, o aproveitamento dos modos conhecidos de se fazer coisas como
base para se fazer novas coisas.
Para Cooke e Morgan (1998, apud HANSEN e BARRETO, 2003, p. 103), as novas
aglomerações desse modelo são locais, com característica de descentralização, baseadas
em pequenas empresas e no setor de serviços, e marcadas por três aspectos chave: 1) os
caminhos do desenvolvimento regional, vistos como dependentes de trajetórias
históricas); 2) as aglomerações como efeitos de externalidades, isto é, do conhecimento
acumulado, da competência organizacional, da capacidade de articulação etc.; 3) a
existência de infraestrutura institucional de normas, regras e práticas, junto com ativos
sócio-culturais e políticos que sustentam e melhoram a qualidade da aglomeração.
Segundo Reis (2002), o conceito de economia da cultura abarca o setor econômico e
simbólico da cultura, como a arte, o folclore, o artesanato, a indústria cultural, o
patrimônio material e imaterial, e envolve a produção, circulação e consumo de
produtos e serviços culturais. Isto é, a economia da cultura integra o segmento de
serviços e lazer, cuja projeção de crescimento tem sido superior à de qualquer outro,
estimando-se que esteja crescendo 10% ao ano21. Tal potencial de crescimento é
considerado bastante elástico, uma vez que o setor depende pouco de recursos
esgotáveis, já que seu insumo básico é a criação artística ou intelectual e a inovação.
A autora alerta para a diferenciação entre economia da cultura e economia criativa,
mostrando que esta última é mais abrangente, pois incluiria também o esporte, o
turismo, a propaganda, a moda e a arquitetura, entre outros, como explica:
Se formos partir para uma análise mais profunda, deveremos levar em
consideração, por exemplo, processos inerentes à era digital, como a
capacitação de softwares, o processamento de dados, as telecomunicações e
a internet, que também compõem os quadros da Economia Criativa. (REIS,
2002, p. 35).
21
“Global Entertainment and Media Outlook 2004-2008”. (PRICE WATERHOUSE COOPERS, 2004
apud PORTA, 2008, p. 1).
37
Throsby (2001 apud AMARAL FILHO, 2008, p. 9) propõe a seguinte classificação para
as atividades e indústrias culturais: o “núcleo duro” seria formado por “atividades
criativas acompanhadas de conteúdo simbólico e algum grau de propriedade intelectual,
nas quais se encontram a música, a dança, teatro, literatura, artes visuais, artesanato,
vídeo, multimídia”. Numa segunda faixa, “próxima e correlata”, ele inclui as atividades
ligadas à edição, rádio, jornal, filme, TV e revista e, por fim, atividades “menos
próximas, mas ainda correlatas, a arquitetura, a propaganda e o turismo”.
Estudos realizados por Porta (2008) apontam a economia da cultura como o setor de
maior dinamismo na economia mundial hoje, registrando crescimento de 6,3% ao ano,
enquanto o conjunto da economia cresce a 5,7%. O Banco Mundial, segundo a autora,
estima que a economia da cultura responda por 7% do PIB mundial (2003); nos EUA, a
cultura é responsável por 7,7% do Produto Interno Bruto (PIB), por 4% da força de
trabalho, e os produtos culturais são o principal item de exportação do país (2001); na
Inglaterra, corresponde a 8,2% do PIB (2004), emprega 6,4% da força de trabalho e
cresce 8% ao ano desde 1997.
O debate atual sobre desenvolvimento econômico tem incorporado a compreensão –
compartilhada por vários autores, entre eles Silva (2007) – da necessidade de interação
entre processos culturais, econômicos e sociais, na perspectiva da contribuição da
cultura ao desenvolvimento humano e social de uma sociedade, além da geração de
recursos econômicos. Reis (2007) vai mais além ao defender a cultura como quarto pilar
da sustentabilidade, ao lado do financeiro, do social e do ambiental. A autora baseia-se
nos estudos do analista cultural australiano Jon Hawkes que, em 2001, lançou The
Fourth Pillar of Sustainability – Culture’s essential role in public planning22,
defendendo a importância fundamental da cultura na gestão pública e seu valor
inestimável para avaliar o passado e planejar o futuro.
Ao analisar a importância de se estudar a cultura sob o ponto de vista econômico, Silva
(2007) destaca o peso da produção cultural nos processos de desenvolvimento e
integração social:
22
Quarto Pilar da Sustentabilidade – o Papel essencial da cultura no planejamento público. Ainda sem
tradução para o português.
38
Diversos argumentos têm justificado ou exigido o dimensionamento dos
processos de produção e de consumo culturais. O principal desses
argumentos diz respeito ao peso da produção cultural nos processos de
desenvolvimento e integração social. Por um lado, a cultura perpassa todas
as dimensões da vida em sociedade e se relaciona com processos de
sociabilidade e sua reprodução. Por outro, em sentido mais restrito, liga-se
aos direitos e à cidadania. (SILVA, 2007, p. 19).
Segundo o autor, o Brasil apresentaria importantes diferenciais competitivos nesse
setor: 1) a facilidade de absorção de novas tecnologias; 2) a criatividade e a vocação
para inovação; 3) a disponibilidade de profissionais de alto nível em todos os segmentos
da produção cultural; 4) a alta qualidade e a boa aceitação de nossos produtos culturais
em diferentes mercados.
Carsalade (2005, p. 3) destaca três pontos onde cultura e economia se encontram no
cenário contemporâneo. O primeiro diz respeito ao processo de valorização do
patrimônio cultural pelas populações em busca de reforço das identidades locais, como
estratégia de resistência. Isso as levaria a exigir do poder público “ações de preservação
de seu patrimônio cultural e recursos para a manutenção de suas manifestações únicas”.
Exemplos seriam a luta das cidades mineiras pela manutenção de seus centros
históricos, a valorização da culinária diferenciada, como o queijo do Serro, e a
revalorização das bandas de música em toda Minas Gerais. A isto se somaria o
crescimento da economia terciária, como prestação de serviços e, também, dos bens
intangíveis, o que levaria os bens culturais “a gerar um lastro concreto, além de
funcionar como importante fator econômico”.
O segundo ponto desse encontro seria favorecido pelo afastamento do Estado de suas
funções tradicionais de produtor e provedor, levando “como resposta, a necessidade
imperiosa da contribuição social e de formas de gestão parceiras e participativas”.
Segundo o autor, essa “crise de governabilidade e o questionamento do papel do estado
têm contribuído, também, para a ascensão dos fatores culturais à mesa de negociações
de ações do governo”. Seriam estes os “lugares em que a cultura encontra o seu
"habitat" e influi verdadeiramente”. (CARSALADE, 2005, p. 4).
O terceiro ponto diz respeito à geração de trabalho e renda, cada vez mais influenciada
pelas novas tecnologias, que levam à substituição da mão-de-obra extensiva e pouco
39
qualificada, obrigando a sociedade a explorar novas formas de qualificação profissional,
além da criação de novos nichos de mercado. Segundo Carsalade (2005), este processo
beneficiaria a cultura, que, para a sua produção, exigiria “qualidades especiais ligadas
ou às formas de expressão peculiares causadas pela imersão nos valores diferenciados
de cada lugar (as manifestações musicais regionais, por exemplo) ou à qualificação
formal em especializações características do trabalho cultural (como os produtores
culturais ou os especialistas em restauração de bens culturais)”. Em relação aos novos
nichos de mercado, o autor cita como exemplo “o Turismo, negócio que mais cresce no
mundo com o aumento da longevidade e da rede de comunicações”
A participação da cultura nas atividades econômicas do país já seria bastante expressiva,
como indicam dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), apontando a existência de 320 mil empresas voltadas para a produção cultural,
gerando 1,6 milhões de empregos formais. Ou seja, os empreendimentos da cultura
representariam 5,7% do total de empresas no país que seriam responsáveis por 4% dos
postos de trabalho, sendo que o salário médio mensal pago pelo setor é de 5,1 salários
mínimos, valor equivalente à média da indústria e 47% superior à média nacional.
(PORTA, 2008, p. 2) A última estatística a respeito do PIB cultural brasileiro é de 1995,
e apontou que ele representa aproximadamente 1% do PIB nacional. 23
Diante desses números, a autora aponta um conjunto de características que vêm
conferindo à economia da cultura status de setor estratégico para o desenvolvimento:
1. A geração de produtos com alto valor agregado, cujo valor de venda é em
grande medida arbitrável pelo criador; 2. a alta empregabilidade e a
diversidade de empregos gerados em todos os níveis, com remuneração
acima da média dos demais; 3. o baixo impacto ambiental; 4. seu impacto
positivo sobre outros segmentos da economia, como no caso da relação
direta entre a produção cultural e a produção e venda de aparelhos
eletrônicos (tv, som, computadores etc.) que dependem da veiculação de
conteúdo; 5. suas externalidades sociais e políticas são robustas. Os bens e
serviços culturais carregam informação, universos simbólicos, modos de
vida e identidades; portanto, seu consumo tem um efeito que abrange
entretenimento, informação, educação e comportamento. Desse modo, a
exportação de bens e serviços culturais tem impacto na imagem do país e na
sua inserção internacional; 6. o fato do desenvolvimento econômico desse
setor estar fortemente vinculado ao desenvolvimento social, seja pelo seu
23
Fonte: MinC. Disponível em: www.cultura.gov.br/politicas/dados_da_cultura/economia_da_cultura.
Acesso em: 05 Abr. 2010.
40
potencial altamente inclusivo, seja pelo desenvolvimento humano inerente à
produção e à fruição de cultura; 7. o potencial de promover a inserção
soberana e qualificada dos países no processo de globalização. (PORTA,
2008, p. 2).
É ainda recente o estudo da atividade cultural como atividade econômica que, assim
como as demais, cria empregos e renda, recolhe impostos e contribui para a geração de
riqueza e crescimento. O surgimento da economia do conhecimento, abordado
anteriormente, foi fundamental para criar uma base de análise da economia da cultura.
Essa base seria formada por elementos como
[...] as externalidades positivas produzidas pela cultura vis-a-vis da
sociedade; necessidades de investimento de longo prazo; especificidade na
remuneração dos agentes, tendo em vista a forte presença da incerteza, a
rigidez dos custos marginais na produção dos espetáculos ao vivo; a presença
da utilidade marginal crescente, no lugar de utilidade marginal decrescente,
como acontece com os bens e serviços comuns, e a importância da ajuda
pública ou privada no apoio à realização e à socialização das atividades
culturais. (AMARAL FILHO, 2008, p.5).
Para o autor, esta base torna-se necessária diante da impossibilidade de se dimensionar
os produtos culturais (bens ou serviços) utilizando-se apenas as metodologias
econômicas tradicionais que orientam a formação do preço pela teoria do valor
(quantidade de trabalho incorporada na mercadoria) ou pelo “comportamento da curva
de utilidade marginal proporcionada pelo consumo dos bens e serviços. Ou seja, quanto
mais se consumir um bem ou serviço, menor será a utilidade marginal proporcionada
por esse consumo”. (AMARAL FILHO, 2008, p.5).
Diversos autores, ente eles Reis (2008), apontam a carência de estatísticas e pesquisas
como um dos maiores entraves para o reconhecimento da importância da economia da
cultura no Brasil. É fato admitido que a cultura se apóia em processos de transformação
da realidade, mas, para que isso seja reconhecido, antes de tudo é preciso conhecê-lo.
Ao adotar a Economia da Cultura como um dos seus principais eixos teóricos, a
investigação realizada buscou contribuir para aumentar o conhecimento sobre esse tema
e oferecer elementos que permitam intervir para transformar o cenário da música de
Belo Horizonte.
41
1.4 Gestão Social
O conceito de gestão social é tido por diversos autores, entre eles França Filho (2003),
como em construção, pois apenas muito recentemente despertou interesse no âmbito
acadêmico. A natureza complexa distinguiria a forma de gestão por ele contemplada de
outras, pois compreenderia uma dupla dimensão de abordagem, a organizacional e a
societária. Como o próprio termo já adianta, ela se definiria antes por sua finalidade
voltada para o social, contrariando o entendimento convencional de gestão como
atividade orientada, em primeiro lugar, para uma finalidade econômica.
Mas, para além da sua finalidade referida aos objetivos da gestão, esse autor propõe que
a gestão social seja pensada, também, como um meio, um processo, um modus operandi
de como se faz a gestão. Embora o termo, numa visão econômica, possa se confundir
com a própria gestão pública – o Estado gerindo as necessidades da sociedade –, França
Filho (2003) defende uma leitura do processo da gestão das políticas públicas numa
dimensão que vá além do Estado, contemplando a gestão das demandas e necessidades
do social pela “via da própria sociedade, através das suas mais diversas formas e
mecanismos de auto-organização, especialmente o fenômeno associativo” (FRANÇA
FILHO, 2003, p. 3).
Na dimensão organizacional, a gestão social se distinguiria da gestão estratégica ou
privada e da gestão pública ao “subordinar as lógicas instrumentais a outras lógicas
mais sociais, políticas, culturais ou ecológicas”. (FRANÇA FILHO, 2003, p.4). Ela
atuaria num âmbito diferente do circuito do mercado (originariamente da gestão
privada) e do circuito estatal (da gestão pública): a esfera da chamada sociedade civil,
que é pública, mas não estatal. Seu grande diferencial estaria na utilização do
econômico como meio para atingir fins sociais ou culturais, invertendo a lógica da
gestão para fins de acumulação privada de riquezas.
Nessa perspectiva, esta dissertação se apoiou na leitura, proposta por Tenório (1998) e
por outros autores, de que a gestão social deve atender, por meio da esfera pública, o
bem comum da sociedade, e de que o processo decisório deve ser exercido por diversos
sujeitos representativos de diferentes interesses sociais. Desta forma, as práticas sociais
42
de gestão e suas análises devem partir sempre do ponto de vista da Sociedade, e não do
Estado, do Trabalho e não do Capital.
Esse autor trabalha com a “perspectiva teórico-crítica da Escola de Frankfurt, que surge
na Alemanha nos anos 30, na Universidade de Frankfurt, e que discutiu a racionalidade
instrumental como razão inibidora da emancipação do homem”. (TENÓRIO, 1998, p.
4). Para ele, a dialética da teoria crítica prevê a primazia da totalidade sobre o particular,
isto é, da sociedade em relação ao sujeito, apontando a grande diferença entre o geral e
o particular e “a determinação deste pelo geral”.
Assim, ninguém pode refletir sobre si mesmo ou ainda sobre a humanidade,
como se fosse um sujeito livre de determinadas condições históricas. Decerto,
um indivíduo pode abstrair-se de certos interesses pessoais, pode excluir, na
medida do possível, todas as particularidades impostas pelo seu próprio
destino, porém todos os passos de seu pensamento serão sempre de um
determinado homem de uma determinada classe num determinado momento.
(HORKHEIMER, 1990, p. 118 apud TENÓRIO, 1998, p. 5)
Para Tenório (1998), na gestão social o processo decisório é exercido por diferentes
sujeitos sociais e o gerenciamento é mais participativo e dialógico, lógica oposta à que
subsidia a gestão tecnoburocrática e monológica, característica da gestão estratégica de
índole privada. Essa ação dialógica se desenvolveria de acordo com os pressupostos da
racionalidade comunicativa (ação racional voltada para o entendimento) defendida por
Habermas:
[...] quando os atores tratam de harmonizar internamente seus planos de ação
e de só perseguir suas respectivas metas sob a condição de um acordo
existente ou a se negociar sobre a situação e as conseqüências esperadas. (...)
o modelo estratégico da ação pode se satisfazer com a descrição de estruturas
do agir imediatamente orientado para o sucesso, ao passo que o modelo do
agir orientado para o entendimento mútuo tem que especificar condições para
um acordo alcançado comunicativamente [...]. (HABERMAS, 1989, p. 165
apud TENÓRIO, 1998, p.11)
Na perspectiva da ação dialógica, o pressuposto é de que a gestão social parte de um
consenso racional pelo qual a verdade deixaria de ser uma relação entre o indivíduo e
sua percepção de mundo, para derivar de um acordo alcançado mediante a discussão
43
crítica, a apreciação intersubjetiva.
Segundo Tenório, diferentemente da gestão
estratégica, baseada no agir monológico, onde a linguagem é utilizada apenas como
meio para transmitir informações para que uma pessoa possa influenciar outra(s)
visando a continuação intencional de uma interação, na ação comunicativa, dialógica,
“um indivíduo procura motivar racionalmente outro(s) para que este concorde com sua
proposição – neste tipo de ação a linguagem atua como uma fonte de integração social”.
(TENÓRIO, 1998, p. 13).
Na gestão social orientada pela racionalidade comunicativa, os atores de um processo,
ao fazerem suas propostas, buscam um acordo a partir das argumentações expostas por
todos os participantes. Este acordo deverá ser alcançado por meio da razão, do
conhecimento, e não pela força ou coação. “A argumentação não é um processo de
decisão que acabe em resoluções, mas sim um procedimento de solução de problemas
que conduza a convicções” (HABERMAS, 1991, p. 180 apud TENÓRIO, 1998, p. 12).
Este processo valorizaria a liberdade da pessoa, sua responsabilidade social e exercício
da cidadania.
Na revisão da literatura realizada, o conceito de gestão social pressupõe o concurso de
outros, tais como: democracia, participação popular/participação social, mobilização
social, descentralização, intersetorialidade e rede. Na visão de diferentes autores, entre
eles Junqueira (2004), tais conceitos integram estratégias de um novo modelo de gestão,
o social, comprometido com a qualidade de vida da população.
Segundo Toro e Werneck (1996, p. 9), “democracia é uma forma de construir a
liberdade e a autonomia de uma sociedade, aceitando como seu fundamento a
diversidade e a diferença”. O artigo primeiro da Constituição Brasileira consagra a
escolha pelo Estado Democrático, tendo como fundamentos, entre outros, os
fundamentos da cidadania e da dignidade humana. O entendimento é de que o conceito
de democracia passa pela possibilidade de que o destino de uma sociedade não esteja
fora dela, mas nas mãos de todos de que dela participem.
Nesse conceito a noção de público se confunde com aquilo que convém e interessa a
todos, que se constrói e se fortalece na sociedade civil. Portanto, a força das instituições
públicas estaria no fato de que elas devem sintetizar e representar os interesses de todos
44
os setores da sociedade. Nessa linha, Frey (2001) defende o conceito de democraciaparticipativa, que abre perspectivas para a superação das desigualdades econômicas e
que, também, permite o alcance da sustentabilidade ambiental:
Um modelo democrático-participativo, adaptado à realidade sócio-econômica
e ambiental dos países pobres não pode se eximir - como o faz a teoria da
democracia competitiva - da sua responsabilidade de, por um lado, apresentar
perspectivas para a superação das desigualdades sócio-econômicas e, por outro
lado, considerar a compatibilidade do modelo com as exigências da
sustentabilidade ecológica. (FREY, 2001, p.21).
No contexto da democracia participativa, o conceito de participação popular adquire
destaque. Apontada como “referencial de ampliação das possibilidades de acesso dos
setores populares a espaços antes não ocupados, dentro de uma perspectiva de
desenvolvimento da Sociedade Civil” por Jacobi (2000, p.4), a questão da participação
popular, que teve mais repercussão na década de 70, é vista como fundamental para o
fortalecimento dos mecanismos democráticos. Segundo o autor, a estreita vinculação
entre participação e processo de descentralização constituiria mecanismo essencial para
a democratização do poder público, “além de criar um espaço vital para o
fortalecimento de uma cidadania ativa e para o processo de democratização da ação do
Estado e das suas práticas institucionalizadoras”.
O Brasil, a exemplo das demais nações latinoamericanas, possui uma tradição marcada
por ações estatizantes, centralizadoras, patrimonialistas, que geram padrões de relação
clientelistas e burocráticos. Nesse contexto, novas formas de participação popular, que
ultrapassem a dimensão da democracia representativa (limitada a ações mediadas pelos
políticos, eleições e integração formal aos governos) têm sido discutidas por diversos
autores, a partir de sua dimensão cotidiana e de seu impacto na sociedade. “Trata-se de
pensar sobre a participação da população e a sua relação com o fortalecimento de
práticas políticas e de constituição de direitos que transcendem os processos eleitorais e
seus freqüentemente ambíguos e/ou contraditórios reflexos sobre a cidadania”.
(JACOBI, 2000, p 6).
45
No período de redemocratização24, surge no Brasil uma sociedade civil mais ativa e
organizada, que, por meio de movimentos de pressão, conquista novos espaços públicos
de interação e negociação. Segundo Jacobi (2000), é nesse contexto que emerge a
participação social, cidadã, “principalmente como referencial de rupturas e tensões”,
gerando novas práticas de participação “associadas a uma mudança qualitativa da
gestão”, que repercutem na sociedade.
As transformações político-institucionais e a ampliação de canais de
representatividade dos setores organizados para atuarem junto aos órgãos
públicos, como conquista dos movimentos organizados da Sociedade Civil,
mostram a potencialidade de construção de sujeitos sociais identificados por
objetivos comuns na transformação da gestão da coisa pública, associada à
construção de uma nova institucionalidade. (JACOBI, 1990 apud JACOBI,
2000, p.10).
Rofman (2007) construiu uma tipologia definindo cinco tipos de participação social nas
políticas estatais: 1) Participação baixa ou nula: a participação consiste apenas em
receber os resultados dessas políticas; 2) Participação na execução das ações: é uma
participação de baixa intensidade, onde os atores sociais participam da implementação
de ações já planejadas anteriormente; 3) Participação associada à implementação: a
participação da sociedade civil é feita mediante uma gestão associada com os órgãos do
Estado, que lhes permite intervir nas decisões sobre as formas e condições de
implementação das políticas; 4) Participação no desenho das decisões: os atores não
estatais participam das decisões políticas, do estabelecimento das prioridades e na
alocação dos recursos, além da formulação dos programas; 5) Participação no controle e
monitoramento: os atores da sociedade civil participam do controle e da fiscalização da
ação do Estado.
Para muitos autores, entre os quais Toro e Werneck (1996), a participação é uma
aprendizagem e deve ser considerada uma necessidade para o desenvolvimento social.
Mas, para que haja uma efetiva participação social é necessário que os atores se
mobilizem. Essa mobilização social – na visão de Toro e Werneck (1996, p. 5) –
aconteceria quando “um grupo de pessoas, uma comunidade ou uma sociedade decide e
24
Tem início na década de 1980, após o fim da Ditadura Militar – regime implantado pelos militares em
1964, por meio de um golpe, e que durou até 1985.
46
age com um objetivo comum, buscando, quotidianamente, resultados decididos e
desejados por todos”. Ela pressupõe um ato de escolha, de livre participação, com o
objetivo de provocar e construir mudanças, e tem como fundamental o processo de
comunicação no seu sentido amplo de compartilhamento de discurso, visões e
informações.
Por estar orientada por um propósito comum, a mobilização social teria um sentido
público, que convém a todos, e, para ser útil à sociedade, tem de estar voltada para a
construção de um projeto de futuro. Segundo Toro e Werneck (1996, p. 5), se o “seu
propósito é passageiro, converte-se em um evento, uma campanha e não em um
processo de mobilização. A mobilização requer uma dedicação contínua e produz
resultados quotidianamente”.
Identificada com a democratização, a participação social tem como referência o
fortalecimento dos espaços de socialização, da autonomia crescente nas decisões e da
descentralização do poder, que assume importância fundamental. Segundo Junqueira
(2004), descentralização não seria apenas um processo de transferência de atribuições e
competências no âmbito do Estado (entre os três níveis de governo e entre as suas
organizações), mas também para entes privados de caráter público, possibilitando que a
sua gestão ocorra com o envolvimento dos seus usuários. Neste aspecto, assume papel
importante por contribuir para o empoderamento desses usuários, que passam também a
decidir sobre os rumos dos serviços e da gestão.
Para o autor, a descentralização é um processo de transferência de poder que determina
a redistribuição das decisões e
envolve mudanças na articulação entre Estado e sociedade, entre o poder
público e a realidade social, e implica mudar a atuação do Estado, seu papel
na gestão das políticas sociais. O Estado deixa de ser o único responsável
pelas soluções dos problemas sociais, mesmo que tenha como sua
competência a garantia aos cidadãos dos seus direitos sociais. (JUNQUEIRA,
2004, p. 5).
Para que as políticas sociais tenham eficácia, é necessário considerar seus beneficiários
como sujeitos e participantes da sua gestão. Para isso, elas precisam ser entendidas
como direito do cidadão, com caráter distributivo e não compensatório, a partir de “uma
47
nova relação entre Estado e Sociedade, em que a preocupação não seja a de resolver
pontualmente os problemas sociais como carências. A redefinição dessa relação é que
permitirá transformar essas carências em direitos”. (OLIVEIRA, 1994 apud
JUNQUEIRA et al., 1997, p.17). Para os autores, essa mudança só ocorrerá com um
trabalho efetivo de “educação para a cidadania”, para que os diferentes atores sociais
possam tomar consciência de seus direitos de cidadãos.
A transferência de poder que a descentralização propicia permite o surgimento de uma
rede de relações entre os atores envolvidos nos serviços (prestadores e usuários), onde
cada um faz valer sua identidade e autonomia. Além da descentralização, também a
intersetorialidade beneficiaria o processo de aperfeiçoamento da gestão social na
solução dos problemas sociais, ao integrar as diversas políticas públicas direcionadas a
grupos de população que ocupam determinado território. Entendida como uma nova
lógica para a gestão das cidades, a intersetorialidade busca superar a fragmentação das
políticas, a partir da compreensão do cidadão e suas necessidades na sua totalidade.
A intersetorialidade é a “articulação de saberes e experiências no
planejamento, realização e avaliação de ações para alcançar efeito sinérgico
em situações complexas visando o desenvolvimento social, superando a
exclusão social” (JUNQUEIRA & INOJOSA, 1997 apud JUNQUEIRA,
2004, p. 5).
Como uma nova lógica de gestão de políticas, a intersetorialidade pressupõe mudanças
nas práticas e nas culturas organizacionais que podem gerar insatisfações e resistências
de grupos contrariados. Por isso, exigiria investimento na formação das pessoas que vão
lidar diretamente com o atendimento das necessidades dos usuários dos serviços
públicos, para compreenderem a importância de se garantir os direitos sociais da
população. A sua adoção também implicaria na concepção de novas formas de executar
os serviços, assim como de planejá-los e controlá-los, pressupondo “um novo fazer que
envolva mudanças de valores, de cultura, como um fenômeno ativo, vivo, através do
qual as pessoas criam e recriam os mundos dentro dos quais vivem”. (MORGAN, 1996,
p. 135 apud JUNQUEIRA, 2004, p. 4).
Gerir as políticas públicas utilizando-se do conceito de intersetorialidade significa
adotar uma nova lógica para a atuação das organizações governamentais, que deixam de
48
ser informadas pela especialização, pela setorialização e pela autonomização, para
adotarem uma elaboração integrada de saberes e de percepções do ser humano e de sua
realidade social. (JUNQUEIRA, 2004). Por sua complexidade, a realidade assim
compreendida exigiria um conhecimento capaz de integrar as diversas dimensões que
determinam os problemas sociais e sua interação, invertendo a lógica dos atuais
governos municipais, que, com suas respectivas secretarias setoriais, a exemplo das
secretarias dos estados e dos ministérios federais, atuam de forma paralela e
desarticulada, servindo de obstáculos a gestões democráticas e inovadoras.
(JUNQUEIRA et al., 1997).
Para que a intersetorialidade se concretize e seja bem-sucedida, a cidade deve ser
considerada na sua totalidade, fazendo com que seus diferentes grupos populacionais se
tornem sujeitos do processo, capazes de compreender seus problemas e encaminhar
soluções de forma articulada. Nessa perspectiva, ganha destaque a metáfora da rede – a
possibilidade de intercâmbio e interação de pessoas, instituições, comunidades e
municípios mobilizados em função de uma ideia ou de ações abraçadas coletivamente.
Para Villela (2008), isso representaria o fim da lógica compartimentada e isolacionista
que informava a estrutura das organizações no período fordista, resultado das mudanças
no estilo de gestão e nas formas de relacionamento entre as empresas.
O autor descreve os elementos estruturantes de uma rede como sendo os nós
(organizações ou atividades), as ligações (relacionamento entre organizações), os fluxos
(de bens e informações) e as posições (estrutura de divisão do trabalho). A conexão
entre os nós é que definiria a estrutura da rede, sendo que o potencial de combinações
entre os nós seria determinado pela coesão e as necessidades de compartilhamentos.
No contexto da gestão social das políticas públicas, o conceito de rede é introduzido
com a perspectiva da construção de relações entre os diversos atores sociais,
preservando sua identidade, com o objetivo de viabilizar e aperfeiçoar os recursos
necessários ao encaminhamento das soluções e obtenção dos resultados almejados.
O termo rede, em sua multiplicidade, nos remete tanto a uma dimensão
conceitual como a um sentido instrumental. Nesse sentido ela é uma
proposta de ação como um modo de funcionamento do social, um modo
49
espontâneo de organização em oposição a uma dimensão formal e instituída.
Assim, a rede, em muitos casos, em vez de ser um processo rígido e
estereotipado cede lugar a outros que são criativos e inventivos (SAIDÓN,
1995, p. 203 apud JUNQUEIRA, 2004, p. 7).
Segundo alguns autores, entre eles Martinho (2003), uma rede teria como instrumento
básico a informação e o seu livre fluxo. Pode partir de um território ou de um recorte
temático, mas, necessariamente, tem duas características fundamentais: interlocução
política e interligação horizontal, isto é, sem hierarquias. Entre as principais vantagens
de se trabalhar em rede, o autor destaca quatro: a) a perspectiva de maior
sustentabilidade para os processos, b) a capacidade de potencializar talentos e
processos, c) o empoderamento de seus integrantes, a partir da interconexão entre os
atores e da ausência de um poder de comando, d) a maior capacidade de inovação do
que a permitida numa estrutura hierárquica.
Para Castells (2003, p. 572), as redes constituem a nova morfologia social das cidades,
representando uma transformação qualitativa da experiência humana, porque tem uma
primazia sobre a ação social, já que a presença ou ausência na rede e a dinâmica de cada
rede em relação às outras são “fontes cruciais de dominação e transformação de nossa
sociedade”. O autor argumenta que a lógica das redes modificaria de forma substancial
a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura.
Nessa lógica, afirma: “o poder dos fluxos é mais importante do que os fluxos do poder”.
Pelo que se viu anteriormente, a construção de um SPIL passa, entre outros fatores, pelo
necessário engajamento e atuação participativa dos atores envolvidos e pela valorização
dos processos de aprendizagem e inovação, de interação local e cooperação. Nessa
perspectiva, o aprofundamento da compreensão do conceito de gestão social nos
diferentes processos de democracia, participação e mobilização, além dos aspectos da
descentralização, da intersetorialidade e da atuação em rede, mostrou-se essencial à
realização dessa dissertação.
50
1.5 Governança
A inclusão do conceito de governança no eixo teórico do presente estudo se justificou
pelas suas relevantes relações e implicações para a prática da gestão social. A revisão da
literatura permitiu identificar visões que ampliam a compreensão do termo governança
para além do seu entendimento como “práticas de controle”, dando conta de que ele se
refere ao “modo de exercício do poder” em decisões organizacionais e institucionais.
(FISCHER, 2002). Neste sentido, governança aparece como poder partilhado ou ação
coletiva gerenciada. Assim, criar estruturas de governança significaria definir uma
dinâmica de incentivo à participação e engajamento dos atores sociais de uma
organização ou instituição no processo decisório estratégico, valorizando estruturas
descentralizadas. (GUIMARÃES; MARTIN, 2001).
Para a RedeSist (LATRES E CASSIOLATO, 2005, p. 3):
No caso específico dos ASPILs, governança refere-se aos diferentes modos
de coordenação entre os atores e atividades, que envolvem da produção à
distribuição de bens e serviços, assim como o processo de geração, uso e
disseminação de conhecimentos e de inovações. Existem diferentes formas
de governança e hierarquias nos sistemas produtivos, representando formas
diferenciadas de poder na tomada de decisão (centralizada e descentralizada;
mais ou menos formalizada).
Ao tratar a ideia de governança como uma matriz, por considerá-la uma estrutura
incorporadora e um ambiente gerador de uma rede interconectada de idéias pragmáticas,
Santos (2009) aponta a existência de dois conceitos de governança. O primeiro,
neoliberal, teria fracassado política e socialmente ao “silenciar-se” sobre e não oferecer
nenhuma alternativa positiva para conceitos que fundamentaram a teoria crítica
moderna, tais como transformação social, participação popular, justiça social, relações
de poder e conflitos sociais.
O segundo, que o autor chama de governança insurgente contra-hegemônica, é apontada
como tendo sido “gerada no ventre da globalização alternativa”, em contraposição à
globalização neoliberal. Para Santos (2009), esta globalização contra-hegemônica surge
a partir de 1999, forçada pelos movimentos sociais e pela sociedade civil organizada por
51
meio de redes e da construção de vínculos entre o global e o local, com o objetivo de
realizar uma luta em conjunto contra a desigualdade, a miséria e a discriminação
provocadas ou intensificadas pela globalização neoliberal, apoiando-se na ideia de que
outro mundo é possível.
Quanto a este segundo conceito de governança, Santos (2009) esclarece que ele também
enfrentaria os desafios e dilemas da governança neoliberal, como a não participação dos
grupos sociais mais excluídos, aqueles que seriam os beneficiários diretos de uma luta
bem-sucedida contra a globalização neoliberal, e que, ao contrário, estão longe de ver
seus interesses e aspirações levados em conta. No primeiro conceito, esses grupos
seriam vistos como integrantes de um todo, sem diferenciação, e, no segundo conceito,
seriam “não-existentes”:
As any other matrix, it is, in fact, based on a principle of selection, and,
thus, on the binary inclusion/exclusion, but, in this case, the excluded, rather
than being present as excluded, are utterly absent and out of the picture.
Governance is therefore a matrix that combines horizontality and verticality
in a new way: both are self-generated, the former as all-existing, the latter
25
as non-existing. (SANTOS, 2009, p. 1).
Para enfrentar esses desafios, a realização da governança precisaria contar, entre outras
condições, com um forte processo de descentralização (deslocamento de poder para os
níveis periféricos) associado a uma estratégia de inclusão social que permitisse alcançar
o desenvolvimento social, “entendido como a ampliação das condições de qualidade de
vida e do exercício da cidadania de uma dada população, com o objetivo de promover o
compartilhamento da riqueza material e imaterial disponível em um grupo social em
determinado momento histórico”. (JUNQUEIRA et al., 1997, p. 18).
Villela (2008) aponta a existência de dois tipos de governança local: a exercida pelo
setor público e a exercida pelo setor privado. Cada uma, a seu modo, seria responsável
pela coordenação dos sistemas produtivos locais com a cadeia global (fornecedores,
compradores, outros produtores), assim como pelo estímulo à competitividade entre os
produtores locais e pela difusão do conhecimento entre eles.
25
Como qualquer outra matriz, é, na verdade, baseada em um princípio de seleção, e, portanto, no
composto binário inclusão/exclusão, mas, neste caso, os excluídos, ao invés de estarem presentes como
excluídos, estão totalmente ausentes e fora do cenário. Governança é, portanto, uma matriz que combina
horizontalidade e verticalidade de uma maneira nova: ambas são auto-geradas, a primeira como
‘existentes-no-todo’, este último como não-existentes. (SANTOS, 2009, p. 1).
52
A governança do setor público se realizaria pelas efetivas assistência e promoção dos
produtores locais organizados em um arranjo local ou em um SPIL. O autor cita como
exemplo o caso dos distritos industriais da região do Vêneto, na Itália, que, a partir da
década de 1970, receberam forte apoio das instituições de governo locais para sua
estruturação e manutenção. Nessa forma de governança as ações se traduziriam na
criação de centros de treinamento e desenvolvimento dos produtores locais, centros de
apoio e prestação de serviços tecnológicos e agências governamentais de
desenvolvimento.
No que diz respeito à governança local exercida pelo setor privado, o papel das
associações de classe e agências privadas locais voltadas para o desenvolvimento
assume grande relevância, pois elas assumiriam a função de catalisadoras “do processo
de desenvolvimento local por meio de ações de fomento à competitividade e de
promoção do conjunto das empresas”. (SUZIGAN et al., 2002, p.10 apud VILLELA,
2008, p. 15).
Diversos autores, entre os quais Dowbor (1999) e Junqueira et al. (1997), ao discutirem
os processos de governança, defendem uma ação mais incisiva dos governos locais na
promoção do desenvolvimento, apesar de reconhecerem as dificuldades impostas pelo
seu restrito poder de intervenção em fatores vinculados diretamente à economia mundial
e nacional e à falta de recursos para investimento. Eles acreditam, porém, que há espaço
para ações de prefeituras que contribuam para romper circuitos fechados de acumulação
e para gerar emprego e renda. Buscar o desenvolvimento social, com garantias dos
mínimos sociais para todos os cidadãos, exigiria
uma interferência intencional e monitorada nas questões que estão no espaço
de governabilidade da Prefeitura, demandando a identificação de problemas
dos grupos populacionais em relação a padrões de qualidade de vida e
requerendo ações que articulem saberes e experiências de diversos campos do
conhecimento. (JUNQUEIRA et al., 1997, p. 21).
Entretanto, os autores apontam a inadequação da organização do trabalho das
administrações municipais em geral, tradicionalmente de característica “verticalizada e
piramidal”. Essas características dificultariam o “reconhecimento do cidadão como
sujeito – e não objeto de atuação –, bem como de suas necessidades e expectativas,
53
moduladas pelo perfil territorial e, do meio-ambiente onde vive e das condições sociais
peculiares a cada grupo da população, como renda, escolaridade etc.” (JUNQUEIRA et
al., 1997, p. 21). Essa lógica, contudo, somente poderia ser mudada, segundo os autores,
com decisão política capaz de quebrar estruturas de poder desse tipo.
Além de delicado, esse processo implica enfrentar grandes dificuldades geradas por três
contradições que lhe seriam inerentes: a) entre a adesão dos novos dirigentes ao projeto
de mudança e aos seus projetos políticos pessoais; b) entre a adesão dos funcionários ao
projeto de mudança e os seus interesses corporativos; c) entre a adesão da população à
oportunidade de ampliar o espaço de cidadania e o exercício de direitos e deveres
cívicos e a expectativa de benefícios imediatos, de curto prazo e de caráter
assistencialista. (JUNQUEIRA et al., 1997).
Mas, tanto na visão de Dowbor (1999) quanto na de Junqueira et al. (1997), essas
contradições podem ser superadas numa nova lógica de governança, por meio de um
processo amplo e democrático, que inclua a implementação de mecanismos de
mobilização e participação social, sob a lógica da intersetorialidade e da revalorização
das pessoas e da função de recursos humanos, o que requer a apreciação e o incremento
dos saberes técnicos que informam a prestação dos serviços públicos e sua canalização
para ações articuladas.
De um modo geral, a governança deveria reduzir os custos de transação dos atores
envolvidos em um APL ou SPIL, assumindo o papel de ligação entre os nós (empresas)
da rede, à medida que surjam deficiências do sistema. A governança pode contribuir
para a sustentabilidade do arranjo ou sistema através de projetos estruturantes que
possibilitem as mudanças necessárias para combater tais deficiências. Devido à
descentralização de poder característica de um SPIL, Villela acredita que a governança
deveria exercer papel de “coordenação, de animador, de provedor de informações, de
educador e de incitador de novas tecnologias, de processos de aprendizado, de
inteligência competitiva etc.” (VILLELA, 2008, p. 15).
54
1.6 Desenvolvimento Local
A premissa de que a diversidade e a riqueza da produção musical de Belo Horizonte
podem ser consideradas condutores com
grande potencial de geração de
desenvolvimento local (DL) tornou este conceito importante fundamento teórico dessa
dissertação. A revisão da literatura indicou, contudo, a existência de controvérsias
teóricas sobre DL envolvendo distintas abordagens conceituais e metodológicas.
No Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, há vários significados para o termo
desenvolvimento, dentre os quais três se destacam: ação ou efeito de desenvolver (se);
aumento das capacidades ou possibilidades de algo, progresso; crescimento econômico,
social e político de um país, região, comunidade. Para Fischer (2002), desenvolvimento
seria um conceito, ou melhor, uma rede de conceitos que pode estar diretamente
associada a um adjetivo como “local” e “não seria possível falar de desenvolvimento
local sem referência a conceitos como pobreza e exclusão, participação e solidariedade,
produção e competitividade, entre outros que se articulam e reforçam mutuamente ou se
opõem frontalmente”. (FISCHER, 2002, p.2).
O surgimento do conceito de DL nas sociedades capitalistas é visto de forma diversa
por diferentes autores, que lhe atribuem dimensões completamente distintas. Buarque
(1999), por exemplo, destaca a sua característica de processo endógeno que aconteceria
em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos, capaz de promover o
dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população. Para o autor, a
mobilização das energias da sociedade e a exploração de suas capacidades e
potencialidades específicas podem significar transformações nas bases econômicas e na
organização social local.
Para Barquero (1995), é preciso cuidado ao analisar o assunto, pois sob a denominação
de DL muitas vezes se esconderiam intervenções de caráter muito diferente, como, por
exemplo, aquelas que visam apenas criar ou desenvolver empresas; as de caráter
puramente assistencial que objetivam desenvolver projetos para dar empregos a jovens;
ou as que focalizam somente a manutenção do patrimônio histórico e cultural ou, ainda,
a proteção do meio-ambiente. Segundo o autor, o DL não surge como um movimento
55
social para alterar o curso do sistema econômico, mas trata-se, ao contrário, de um
fenômeno do próprio capitalismo para responder às fases de crise da acumulação
econômica.
É possível (...) aceitar que o processo de reestruturação produtiva se realiza
através de formas de acumulação e regulação mais flexíveis. Os sistemas
locais de empresas e as políticas de desenvolvimento local são fenômenos
que respondem à lógica do ajuste do sistema produtivo na fase depressiva do
ciclo econômico. Sob tal perspectiva, a estratégia de desenvolvimento local
deve ser concebida como uma resposta do sistema sócio-institucional aos
desafios colocados pelas mudanças no modelo de acumulação e não como
um "movimento social", tal como pretendido por alguns. (BARQUERO,
1995, p. 236).
Nessa leitura, as políticas de DL seriam parte da dinâmica atual da economia de
mercado e estariam servindo ao processo de reestruturação do sistema capitalista, a
partir das transformações do mercado de trabalho e do próprio sistema produtivo.
Em oposição a esse pensamento, outra corrente defende que tais políticas, se baseadas
na democracia participativa e nas ações comunitárias, seriam o contraponto ao
pensamento neoliberal, na medida em que representariam uma alternativa ao livre
mercado como determinante das diretrizes da economia, ao atribuir à sociedade civil o
papel principal na definição dos rumos do desenvolvimento. Frey (2001) está entre
esses estudiosos.
As teorias da democracia participativa e da democracia deliberativa, como
também o comunitarismo, evidenciam a crescente desilusão com o potencial
transformador do Estado. Representam a busca de uma alternativa ao livre
mercado como modelo único de tomada de decisão sobre os rumos de
desenvolvimento das sociedades, assim como a esperança depositada na
própria sociedade civil como ator principal rumo ao desenvolvimento
sustentável da sociedade contemporânea. (FREY, 2001, p. 13).
Já segundo Vitte (2006), a estratégia de DL no Brasil refletiria um movimento pósditadura militar em direção às bases, ou seja, à revalorização dos espaços locais
municipais enquanto territórios políticos, econômicos e sociais, que poderiam se
preparar para se colocarem a serviço da luta democrática no campo popular. Segundo a
autora, esse processo seria decisivo para resgatar o significado do papel do município
56
como agente do desenvolvimento econômico do país, em contraposição à centralização
do poder ocorrida principalmente no período autoritário (1964-85), que tinha na
instância nacional a sua referência de análise e intervenção. A multiplicação de
iniciativas como projetos, instituições, pesquisas e seminários voltados para o DL, que
vêm se realizando em todo o país, envolvendo diferentes instituições públicas,
demonstraria esse movimento de valorização do local.
Quanto ao aspecto estratégico, o DL é compreendido pelos autores citados como a
utilização de recursos e competências locais disponíveis para enfrentar e superar os
entraves que impedem a obtenção da qualidade de vida para o conjunto da população.
Nessa dimensão, o DL não teria como meta apenas a produção de bens e o aumento da
geração local de emprego e renda, mas a valorização dos ativos próprios da população
concernida, de seus saberes e cultura, da sua capacidade de organização, da sua
proatividade na busca de soluções para problemas vividos que venham ao encontro do
seu modo peculiar de ser. (DOWBOR, 2007).
Para alcançar tais metas, seria necessário o envolvimento democrático e engajado do
conjunto dos atores sociais concernidos, compreendendo-se que é na localidade em que
as pessoas moram e constroem suas vidas que se encontra grande parte das soluções,
pois elas têm mais condições de conhecer mais profundamente a realidade em que
vivem do que outra realidade. Isso lhes daria a capacidade de participar e intervir no
desenvolvimento com conhecimento de causa.
Dowbor (2007, p. 79) é um dos autores que valorizam o papel dos municípios como
protagonistas do desenvolvimento:
De certa forma, os municípios formam os “blocos” com os quais se constrói
o país, e cada bloco ou componente tem de se organizar de forma adequada
segundo as suas necessidades, para que o conjunto – o país – funcione. (...)
É nesse plano que desponta a imensa riqueza da iniciativa local: como cada
localidade é diferenciada, segundo o seu grau de desenvolvimento, a região
onde se situa, a cultura herdada, as atividades predominantes na região, a
disponibilidade de determinados recursos naturais, as soluções terão de ser
diferentes para cada uma. E só as pessoas que vivem na localidade, que a
conhecem efetivamente, é que sabem realmente quais são as necessidades
mais prementes, os principais recursos subutilizados, e assim por diante. Se
elas não tomarem iniciativas, dificilmente alguém o fará para elas.
57
Conforme defende o autor, a ação local, com apoio das esferas estadual e nacional, seria
o elemento essencial de políticas de equilíbrio do desenvolvimento, na medida em que
facilitaria a intervenção do cidadão nos assuntos da sua própria vizinhança e sobre os
quais tem conhecimento direto. Isto contribuiria para democratizar as decisões. E, em
casos de países subdesenvolvidos, como o Brasil, o poder local teria outra importância:
a de permitir, mesmo que não assegure, o surgimento de equilíbrios mais democráticos
frente ao grande poder centralizado das elites.
Na visão dessa corrente de pensamento, a política de DL – que pressupõe tecnologia
alternativa, pequena produção, além do espaço local em contraposição ao espaço
nacional ou internacional – teria maior preocupação com o fortalecimento dos processos
do que apenas com os resultados e daria mais atenção às relações entre agentes públicos
e privados, buscando potencializar experiências de cooperação e de formação de redes
de contatos voltadas para o desenvolvimento originado internamente nas comunidades.
(DOWBOR, 2007).
Hansen e Barreto Jr. (2003) salientam a necessidade de uma dinâmica industrial
endógena de aglomerações, onde os atores envolvidos devem ser da própria
comunidade, a exemplo do ocorrido em vários países emergentes, incluindo aí o Brasil,
com experiências avaliadas em todo o seu território. Para eles, DL
Pode ser entendido como um processo de crescimento econômico que
implica numa contínua ampliação da capacidade de agregação de valor sobre
a produção, bem como da capacidade e absorção da região, cujo
desdobramento é a retenção do excedente econômico gerado na economia
local e/ou a atração de excedentes provenientes de outras regiões. Esse
processo tem como resultado a ampliação do emprego, do produto e da
renda local da região. (HANSEN; BARRETO JR., 2003, p. 262).
Estes autores também apontam outras características que contribuiriam para o sucesso
do desenvolvimento local: a existência de infraestrutura de valores humanos, a troca de
conhecimentos, uma base social e cultural comum – preocupação com a identidade da
coletividade, a qualidade de vida, os tipos de empregos gerados e a integração social – e
a existência de parcerias entre governos, comunidades e agentes produtivos. Nessa
mesma direção, Silveira (2001) defende a necessidade de combinação de três fatores,
considerados por ele alicerces de processos de DL: a formação de capital humano e
58
social; a constituição de novos espaços públicos de formulação e gestão; e a
mobilização produtiva dos territórios.
Para o autor, capital humano estaria associado às “dinâmicas de aprendizagem,
construção de conhecimento e desencadeamento de mudanças comportamentais”,
enquanto capital social se referiria aos “laços de confiança e cooperação, às
competências associativas e às configurações interpessoais e interorganizacionais”.
Capital social seria de fundamental importância para garantir o empoderamento das
populações locais, em especial aquelas em situação de vulnerabilidade e exclusão. Para
isso, implicaria a criação de esferas públicas “organicamente ligadas ao tecido social,
como base para a sociedade influir sobre as políticas públicas”. Mais do que simples
parcerias, o autor defende a “inovação institucional - ou criação de novas
institucionalidades participativas”. (SILVEIRA, 2001, p. 45). (Destaques mantidos
como no original).
A constituição de novos espaços públicos de formulação e gestão é vista por Silveira
(2001) como um dos elementos estruturantes do desenvolvimento local. Estaria ligada à
inovação institucional e à criação de ambientes onde se combinam “articulações estadosociedade e intraestatais”. Para seguirem nessa direção, os arranjos ou SPILS deveriam
sustentar-se
em
ideias
básicas,
como
integração
e
participação
(parcerias,
empoderamento de atores, etc.). “Um dos fatores de sustentabilidade em processos de
desenvolvimento local seria, portanto, a construção de identidades próprias a estes
arranjos, o que supõe considerável grau de horizontalização nas relações
interorganizacionais”. (SILVEIRA, 2001, p. 46).
A mobilização produtiva do território, considerada por Silveira (2001) o terceiro
alicerce de um processo de DL, agregaria o desafio de “interligar o social com o
produtivo”, isto é, articular combate à desigualdade e à exclusão com dinâmicas de
inserção socioeconômica. “Articulam-se aqui a inclusão social, o elo cidadania-trabalho
e a democratização de renda e riqueza. A discussão sobre novas formas de relação
socioprodutiva e, particularmente, o microempreendedorismo articulado em redes,
emerge neste campo de questões”. (SILVEIRA, 2001, p. 47). (Destaques mantidos
como no original).
59
Outra dimensão valorizada pelos autores dessa corrente é a da política de participação
democrática, sobre a qual o DL necessitaria de se sustentar para fazer a disputa com as
elites dominantes, buscando alterar as condições de poder existentes, em defesa dos
grupos sociais mais desfavorecidos política, social e economicamente (FREY, 2001).
Neste sentido, democratização e descentralização seriam inseparáveis e mutuamente
inclusivas e potencializadoras da participação popular nos processos de decisão e de
efetivação da justiça social.
Na estratégia de DL, o planejamento alcançaria importância crucial, devendo “ser
compreendido não apenas como orientado pelas necessidades da população, mas
também como conduzido por ela”. (FREY, 2001, p.10). (Grifos como no original). Sua
ação deveria, necessariamente, abranger a política de recursos humanos – a sua
modernização, melhor utilização, melhor formação e nível mais justo de remuneração –,
as modificações no sistema de organização da informação e o reforço da capacidade
administrativa (DOWBOR, 2007). Nessa linha, seria preciso haver intencionalidade no
desencadeamento de um processo de DL, que precisaria, necessariamente ser “pensado,
planejado, promovido ou induzido" (FRANCO, 2000 apud SILVEIRA, 2001, p. 2).
Outros dois importantes aspectos envolvendo as políticas de DL são destacados por
Dowbor (2007, p. 81). O primeiro diz respeito ao fortalecimento das estruturas dos
movimentos locais de participação (como as organizações da sociedade civil e os
sindicatos), considerado “indispensável para que interesses mais amplos constituam um
‘contrapeso’ democrático às estruturas esclerosadas das elites tradicionais e das
corporações”. O segundo está ligado ao processo de aprendizagem, que deveria
envolver todas as organizações, e não apenas as escolas, para, de forma articulada com a
realidade, contribuir para as transformações necessárias.
Uma educação que insira nas suas formas de educar uma maior
compreensão da realidade local terá de organizar parcerias com os diversos
atores sociais que constroem a dinâmica local. Em particular, as escolas, ou
o sistema educacional local de forma geral, terão de articular-se com
universidades locais ou regionais para elaborar o material correspondente,
organizar parcerias com ONGs que trabalham com dados locais, conhecer as
diferentes organizações comunitárias, interagir com diversos setores de
atividades públicas, buscar o apoio de instituições do sistema S, como
SEBRAE ou SENAC, e assim por diante. (DOWBOR, 2007, p. 82.).
60
Ávilla (2006) cunhou a expressão “comunidade ativada para DL” significando que não
existiria “comunidade pronta para DL” e sim localidades com situação propícia para
assumirem seu próprio desenvolvimento, mas que precisariam de um investimento para
tanto. Esta dissertação se encaminhou nessa direção, como se verá nos próximos
capítulos.
1.7 Considerações finais
O arcabouço teórico apresentado acima e considerado, nesta dissertação, como
necessário à fundamentação da construção do Sistema Produtivo e Inovativo Local da
Música de Belo Horizonte, será apresentado, a seguir, num quadro sintético. Foram
listados os fundamentos necessários para que o SPIL alcance competitividade dinâmica
e sustentada e as suas respectivas características. Estes fundamentos balizaram a análise
final dos dados obtidos nas pesquisas documental, bibliográfica e empírica.
QUADRO 01
Fundamentos teóricos para balizar a criação do SPIL da música de Belo
Horizonte e suas características
(continua)
Fundamentos teóricos para balizar a
Características
criação de um SPIL
Dimensão territorial.
Diversidade de atividades e atores econômicos,
políticos e sociais.
Conhecimento tácito.
Inovação.
Espaço onde ocorrem os processos produtivos,
inovativos e cooperativos.
Além das empresas e associações de classe, envolve
as organizações públicas e privadas voltadas para
formação e capacitação de recursos humanos,
pesquisa, política, promoção e financiamento.
Conhecimento que não está codificado, mas implícito
e incorporado em indivíduos, organizações e até
regiões, apresentando forte especificidade local
devido à proximidade territorial e a identidades
culturais, sociais e empresariais, caracterizando-se
como elemento de vantagem competitiva.
Processo que se origina de múltiplas fontes e de
complexas interações entre atores, de caráter
sistêmico e interativo. Pode ser localizado, pois
independe de ser novo ou não em termos nacionais ou
61
QUADRO 1
Fundamentos teóricos para balizar a criação do SPIL da música de Belo
Horizonte e suas características
(continua)
Fundamentos teóricos para balizar a
criação de um SPIL
Características
mundiais. A capacidade de inovação é determinada
por fatores sociais, políticos, institucionais e culturais
específicos aos ambientes em que se inserem os
atores econômicos.
Aprendizado.
Governança.
Articulações.
Economia da cultura.
Gestão Social.
Participação popular.
Aquisição e construção de diferentes tipos de
conhecimentos,
competências
e
habilidades.
Possibilita aperfeiçoar habilidades em desenvolver,
produzir e comercializar bens e serviços. É
socialmente determinado e influenciado por formatos
organizacionais, institucionais e políticos específicos.
“Diferentes modos de coordenação entre os atores e
atividades, que envolvem da produção à distribuição
de bens e serviços, assim como o processo de
geração, uso e disseminação de conhecimentos e de
inovações’. (LASTRES, CASSIOLATO, 2005, p. 3
Envolvimento dos diferentes atores do SPIL com as
capacitações e os recursos humanos, naturais, técnicocientíficos, empresariais e financeiros, assim como
com outras organizações e com o mercado
consumidor local. Aproveitamento das sinergias
coletivas geradas pelas interações entre empresas e
destas com os demais atores do ambiente onde se
localizam.
Abarca o setor econômico e simbólico da cultura,
como a arte, o folclore, o artesanato, a indústria
cultural, o patrimônio material e imaterial, e envolve
a produção, circulação e consumo de produtos e
serviços culturais. Entendida na perspectiva da
contribuição da cultura ao desenvolvimento humano e
social de uma sociedade, além da geração de recursos
econômicos.
Voltada ao bem comum da sociedade, refere-se ao
processo decisório exercido por diversos sujeitos
representativos de diferentes interesses sociais e ao
gerenciamento participativo e dialógico da busca de
solução de problemas e de construção de convicções.
Prática social e política de constituição de direitos e
envolvimento dos atores da sociedade civil na tomada
de decisões sobre políticas públicas, tais como:
definição de prioridades, alocação de recursos,
formulação de programas, controle e fiscalização da
ação do Estado.
62
QUADRO 1
Fundamentos teóricos para balizar a criação do SPIL da música de Belo
Horizonte e suas características
(conclusão)
Fundamentos teóricos para balizar a
criação de um SPIL
Mobilização social.
Descentralização do poder.
Intersetorialidade.
Rede.
Desenvolvimento Local.
Características
Engajamento ativo de atores sociais, com suas
crenças e recursos, orientado por apelo à participação
ativa e voluntária, propósito comum de mudança,
sentido público do que convém a todos e pela
construção de um projeto societário de futuro.
Processo de transferência de competências e
capacidades que determina a redistribuição das
decisões políticas. Envolve mudanças na articulação
entre Estado e sociedade, de forma que aquele deixa
de ser o único responsável pelo equacionamento dos
problemas sociais e os beneficiários das políticas
públicas são vistos como sujeitos e participantes da
sua gestão.
Nova lógica para gestão das políticas públicas, que
busca superar enfoques e práticas fragmentados, a
partir da compreensão do cidadão e de suas
necessidades na sua totalidade. Recorre à integração
das diversas políticas públicas direcionadas a grupos
populacionais que ocupam determinado território.
Parte do princípio da importância de se garantir todos
os direitos sociais da população.
Possibilidade de intercâmbio e interação de pessoas,
instituições, comunidades e municípios mobilizados
em função de uma ideia ou de ações abraçadas
coletivamente. Baseia-se na perspectiva da construção
de relações entre os diversos atores sociais,
preservando sua identidade, com o objetivo de
viabilizar e aperfeiçoar os recursos necessários ao
encaminhamento das soluções e obtenção dos
resultados almejados.
Estratégia de utilização de recursos e competências
locais disponíveis para enfrentar e superar os entraves
que impedem a obtenção da qualidade de vida para o
conjunto da população. Busca não apenas a produção
de bens e o aumento da geração local de emprego e
renda, mas a valorização dos saberes, da cultura, da
capacidade de organização e da proatividade da
população concernida em buscar soluções para seus
problemas a partir de seu modo peculiar de ser.
Depende, principalmente, da existência de
infraestrutura de valores humanos, de uma base social
e cultural comum e da existência de parcerias entre
governos, comunidades e agentes produtivos.
Planejamento e fortalecimento das estruturas dos
movimentos locais de participação são fundamentais.
63
2
ESTRUTURAÇÃO SUSTENTÁVEL DA CULTURA COMO ATIVIDADE
ECONÔMICA: A MÚSICA NO CONTEXTO DE BELO HORIZONTE
A economia de mercado floresce
desenvolvimento social. (Amartya Sen)
sobre
os
alicerces
do
2.1 Introdução
Neste capítulo serão analisadas as condições que possibilitam ou dificultam a
estruturação sustentável da cultura como atividade econômica, especialmente no que diz
respeito às atividades musicais desenvolvidas na capital de Minas Gerais. Tendo em
vista que as políticas, tanto públicas quanto privadas, interferem diretamente nos
processos de criação de sistemas produtivos – como visto no capítulo anterior –, a atual
conjuntura nacional, que permeia a política cultural, é um dos principais aspectos que
serão abordados.
Serão consideradas as implicações da legislação federal relativa ao financiamento
cultural nas duas últimas décadas, particularmente os mecanismos de incentivo fiscal; o
comportamento do mercado, sobretudo das empresas patrocinadoras; e os impactos da
cultura na economia local. Os desdobramentos desses mecanismos, identificados na
esfera da legislação do Estado de Minas Gerais e do Município de Belo Horizonte,
também serão apresentados, com o objetivo de se caracterizar o financiamento do
segmento da música na capital.
2.2 A política nacional de cultura e seus reflexos locais
Segundo a Fundação João Pinheiro,
No Brasil os instrumentos de política pública de cultura são claramente
insuficientes. Historicamente, sofrem com a falta de recursos orçamentários,
baixa visibilidade política, baixa profissionalização e, sobretudo, capacidade
de gestão. Soma-se a isto a ausência de equipamentos culturais na maior
parte dos municípios, um mercado cultural completamente desregulado e a
64
falta de informações sistemáticas, atualizadas e confiáveis para subsidiar a
gestão de um sistema nacional de cultura. É histórica e crônica a falta de
informações sobre a cultura no país. (FJP, 2010, p. 10).
Os estudos apontam que o Estado brasileiro tem praticado uma política cultural
fragmentada e descontinuada – centrada em projetos pontuais ou emergenciais,
caracterizados como eventos – que, apesar de importante para o estímulo e a criação de
condições materiais para muitas das ações implementadas nos últimos 20 anos, tem se
mostrado limitada por não conseguir atingir o objetivo de universalizar os direitos
culturais. Segundo o IPEA (2007), a principal diferença entre uma política cultural e
uma política de eventos estaria em seus objetivos. A primeira seria voltada para a
legitimação e universalização dos direitos culturais, enquanto a segunda se proporia à
legitimação e promoção dos governos. Enquanto a política cultural requer um
planejamento de longa duração, tendo como prioridade a geração de serviços
permanentes, a outra é de curto prazo e focada apenas em eventos pontuais.
Um dos fatores responsáveis por essa situação, citado pela FJP (2010), seria a ausência
de instituições consolidadas, com recursos técnicos, humanos e financeiros em
condições de executar uma política pública de cultura que consiga garantir esses
direitos. Embora, hoje, todos os estados brasileiros disponham de uma Secretaria de
Cultura, nos municípios a situação mostra-se bastante variável quanto à estrutura
institucional responsável pela gestão pública da cultura. Segundo o Ministério da
Cultura (BRASIL, 2009), em 70,9% dos municípios brasileiros a função cultural não
dispunha de um órgão próprio, sendo formalmente exercida em secretarias municipais
em conjunto com outras políticas (principalmente educação, turismo e esportes); apenas
9,4% dos municípios contavam com uma secretaria de cultura exclusiva e 1,9% com um
órgão da administração indireta para cuidar exclusivamente dessa área.
Mesmo nas capitais a cultura ainda não se encontra institucionalmente estruturada. Belo
Horizonte é um desses exemplos. Sexta maior metrópole brasileira em população,
segundo o IBGE26, a capital mineira teve a sua Secretaria Municipal de Cultura extinta
em 2004 e substituída por uma fundação da administração indireta, ligada ao gabinete
26
Fonte:
IBGE.
Disponível
em:
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766. Acesso em: 17
Out. 2010.
65
do prefeito: a Fundação Municipal de Cultura (FMC). A inclusão da cultura no rol das
secretarias municipais tem sido valorizada pelo próprio Ministério da Cultura – MinC
(IBGE, 2006; BRASIL, 2009), que a considera um indicativo da importância atribuída à
área nas pesquisas que realiza para avaliar a gestão municipal.
Outra característica da capital mineira é a ausência de um Conselho Municipal de
Cultura, considerado pelo MinC (BRASIL, 2009) uma das formas recentes de interação
institucional entre a sociedade civil e o poder público municipal. O de Belo Horizonte,
criado pela lei municipal n° 9.577, de julho de 2008, até março de 2011 não havia sido
instalado, mesmo com a decisão da II Conferência Municipal de Cultura, realizada em
outubro de 2009, de que houvesse a sua implantação “com caráter deliberativo e
processo de regulamentação participativo e democrático, em seis meses, a partir da data
desta Conferência” 27.
O Sistema Nacional de Cultura (SNC) 28, que vem sendo implantado pelo governo
federal e que já significa um marco importante para a área no país, prevê como seus
elementos constitutivos no âmbito municipal, a existência de um órgão gestor, um
sistema municipal de financiamento à cultura, Conferência Municipal de Cultura, um
conselho municipal de política cultural, um sistema municipal de informações e
indicadores culturais e um programa municipal de formação cultural, além de sistemas
setoriais de cultura (entre eles o da música) e de um plano municipal de cultura. Além
da Fundação Municipal de Cultura, da Conferência e da Lei Municipal de Incentivo à
Cultura de Belo Horizonte (LMIC) 29, a capital mineira não dispõe de nenhum desses
instrumentos.
Esses sistemas municipais, em articulação com os sistemas estaduais, o sistema nacional
e representações da sociedade civil, dariam o suporte à gestão compartilhada da política
nacional de cultura e o acesso dos municípios ao Fundo Nacional de Cultura (FNC) –
fundo público constituído por recursos direcionados à execução de programas, projetos
27
Fonte:
Site
da
Fundação
Municipal
de
Cultura.
Disponível
em:
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?app=fundacaocultura. Acesso em: 15 Nov. 2010.
28
Projeto de Emenda Constitucional, PEC 416/2005, que tramita no Congresso Nacional, cria o Sistema
Nacional de Cultura (SNC) – “processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura,
democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da federação e a sociedade”. (ANEXO I).
29
Lei Municipal n° 6.498, de 29 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto Municipal n° 11.103,
de 5 de Ago. 2002.
66
ou ações culturais provindos de nove Fundos Setoriais, entre eles de um específico para
a música. Dentro deste arcabouço, foi sancionada pelo então Presidente da República,
em dezembro de 2010, a lei que instituiu o Plano Nacional de Cultura (PNC)30, que
estabelece as diretrizes da política nacional de cultura para os próximos dez anos, a
serem seguidas por estados e municípios. São questões que precisam ser levadas em
conta ao se discutir as condições para o desenvolvimento do setor musical de Belo
Horizonte.
No âmbito estadual, embora a legislação mineira garanta a existência de um Conselho
Estadual de Cultura (Lei 11.484 de 10/06/1994, em vigor, que revogou a Lei n° 8.502
de 19/12/1983, que o havia criado), o mesmo encontra-se desativado há mais de uma
década. Na Recomendação N° 7, de 23 de junho de 2010, o Conselho Nacional de
Política Cultural (CNPC) aponta Minas Gerais, ao lado dos estados do Paraná e de
Rondônia, como os únicos a “não terem constituído e instalado conselhos estaduais de
política cultural”.31 Para o CNPC, a instalação dos conselhos nas esferas estaduais e
municipais é fundamental para que haja o repasse de recursos federais.
O segundo fator importante, apontado pela FJP (2010), que influencia a situação da área
cultural é a falta de informações sistemáticas, atualizadas e confiáveis que possam
subsidiar a sua gestão. Embora haja registro de algumas pesquisas e estatísticas sobre a
área da cultura no país, feitas por entidades governamentais e não-governamentais, a
produção de informações e indicadores culturais ainda não existe de forma sistemática,
atualizada e coordenada. A primeira iniciativa de âmbito nacional neste sentido só se
concretiza em 2009, com a publicação pela Fundação Nacional de Artes (Funarte),
ligada ao Ministério da Cultura (MinC), do Anuário de Estatísticas Culturais 2009:
Cultura em Números32. O surgimento desse instrumento constituiu o primeiro passo em
direção à recente criação do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais
30
A Lei n. 12.343 de 02 Dez. 2010, entre outras providências, institui o Plano Nacional de Cultura, que
define os princípios e objetivos para a área cultural nos próximos dez anos, discrimina os órgãos
responsáveis pela condução de suas políticas e os aspectos relativos ao seu financiamento. (ANEXO II).
31
Fonte: Diário Oficial da União de 29 Jul. 2010, p. 9. Disponível em:
http://www.cultura.gov.br/cnpc/wp-content/uploads/2009/03/recomendacao-07-dou.pdf. Acesso em: 10
Out. 2010.
32
Disponível
em:
http://www.cultura.gov.br/site/wpcontent/uploads/2009/10/cultura_em_numeros_2009_final.pdf. Acesso em: 15 Set. 2010.
67
(SNIIC) 33, que permite conhecer e mapear a situação da cultura no país, a partir da
análise dos aspectos econômicos da produção nacional de bens e serviços culturais; das
despesas orçamentárias do governo com a administração, operação e suporte dos órgãos
de cultura; da posse, pelas famílias, de bens duráveis relacionados à cultura e, também,
do perfil socioeconômico da população ocupada em atividades culturais.
Com a parceria firmada em 2004, o Ministério da Cultura solicita ao IBGE a inclusão
de um bloco de cultura na Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC34,
realizada anualmente desde 1999, a partir de informações das prefeituras de todos os
municípios do país sobre as práticas da gestão municipal. A MUNIC se torna, então,
outra base de dados que permite a realização de diagnósticos sobre a infraestrutura da
cultura, a partir dos equipamentos instalados nos municípios brasileiros.
Um terceiro e fundamental fator apontado pela FJP (2010) é a carência de recursos
orçamentários para a cultura. Segundo a pesquisa, a política cultural em exercício hoje
no país baseia o seu financiamento fundamentalmente nos recursos advindos das leis de
incentivo – a Lei Rouanet de 1991 e a do setor audiovisual de 1993, responsáveis pela
maior parte dos projetos culturais nos últimos 20 anos. Como fontes federais de
financiamento menos importantes surgem o Fundo Nacional de Cultura e o Fundo de
Investimento Cultural e Artístico (Ficart). Exemplo desse quadro no âmbito municipal,
os dados encontrados pela FJP (2003a, p. 59) apontam que
[...] em 98% dos municípios mineiros (813 municípios) a despesa em cultura
representa uma participação relativa na despesa total inferior a 3%. Esses
percentuais mostram a reduzida importância relativa das despesas em cultura
no volume dos gastos orçamentários totais de cada um dos municípios
mineiros [...].
Vários estudos, entre eles o do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA,
2007), criticam a omissão dos governos anteriores em relação às políticas culturais,
33
Criado pela lei 12.343, de 02 Dez. 2010, que também instituiu o Plano Nacional de Cultura (PNC).
Disponível
em:
http://www.cultura.gov.br/site/wpcontent/uploads/2009/10/cultura_em_numeros_2009_final.pdf. Acesso em: 16 Set. 2010.
34
Fonte:
MinC.
Disponível
em:
www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2005/munic2005.pdf. Acesso em: 17 Set. 2010.
68
apontando a ausência de uma ação sistemática do Estado brasileiro na indústria cultural,
à exceção do setor audiovisual e do cinema. Constata-se que o grande investimento na
produção cultural brasileira é privado, vindo de segmentos como as redes de televisão,
do mercado editorial e da indústria fonográfica.
Procurando reverter esta situação, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o
Projeto de Lei n° 6.722/2010, que institui o Programa Nacional de Fomento e Incentivo
à Cultura (Procultura), que irá substituir a Lei Rouanet. Estabelecendo novas regras de
incentivo fiscal à cultura, este Programa prevê os seguintes mecanismos: Fundo
Nacional da Cultura (FNC), que cria os fundos setoriais, demanda antiga da classe
artística, geridos por colegiados e comitês formados por representantes da sociedade
civil e com mecanismos de repasse de verbas, tais como editais públicos elaborados
com base em critérios claros e transparentes; Incentivo Fiscal a Projetos Culturais (toma
como base a Lei Rouanet); Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e ValeCultura35, criado por lei específica.
Segundo o art. 1° desse projeto de lei, o Procultura tem por “finalidade mobilizar e
aplicar recursos para apoiar projetos culturais que concretizem os princípios da
Constituição, em especial os dos Arts. 215 e 216” 36, cujos caputs determinam:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão
das
manifestações
culturais.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e
tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL, 1988, p. 141).
35
O Projeto de Lei 5.798 de 2009, que se encontra na última etapa de tramitação na Câmara dos
Deputados, cria o Vale-Cultura, prevendo benefício de R$ 50 por mês para trabalhadores com carteira
assinada, que recebem até cinco salários mínimos, para a compra de CDs, DVDs ou para aquisição de
ingressos para espetáculos de dança, teatro, cinema e circo. Fonte: MinC. Disponível em:
http://blogs.cultura.gov.br/valecultura. Acesso em: 22 Mar. 2011.
36
Fonte: MinC. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/2010/02/03/74194. Acesso em 15 Nov.
2010.
69
Em 2006, o Ministério da Cultura conseguiu que o Programa de Desenvolvimento da
Economia da Cultura (Prodec) fosse inserido no Plano Plurianual do Governo Federal.
Com isso, a construção de indicadores e diagnósticos, a capacitação, a promoção de
negócios, a divulgação de produtos e serviços culturais passaram a ter orçamento
próprio a partir de 2007, estimulando a organização de arranjos produtivos e o
desenvolvimento dos elos das diferentes cadeias produtivas.
Desde o advento dos mecanismos de incentivo fiscal criados pelo Governo Federal,
estados e municípios passam a replicar essas leis, seguindo na linha do incentivo à
cultura a partir da isenção fiscal, hoje responsável por mais da metade dos recursos da
área. Pela importância que esses mecanismos assumiram para o financiamento da
cultura no País, em particular em Belo Horizonte, essa questão será objeto de análise
detalhada na próxima seção deste capítulo.
Entre os principais problemas da atual política cultural brasileira, a FJP (2010) destaca,
ainda, a ausência de uma interrelação entre todos os elos das cadeias produtivas dos
diversos setores culturais, tais como: a formação de público, a criação, a produção, a
distribuição e o consumo/exibição. Para isso, contribuiriam a já mencionada política
baseada em eventos e a descontinuidade dos financiamentos, o que reforçaria o caráter
de descontinuidade do próprio trabalho artístico.
Também as altas taxas de informalidade do setor são consideradas um dos fatores
responsáveis pela precariedade das atividades culturais, às quais se associam riscos de
doença, perda de renda e a falta de proteção social, como os direitos ao envelhecimento
com qualidade de vida. Segundo o IPEA (2007), existia uma média, considerada
elevada, de 38,7% de ocupações informais no setor cultural brasileiro em 2001, sendo
que entre os músicos essa taxa chegaria a 91,1% no mesmo período. Apesar dessas
dificuldades, o número registrado de empregos formais no setor cultural brasileiro é
considerado bastante significativo: 700 mil empregos em 2000, registrando um
acréscimo nas ocupações formais em música de 1,7% entre 1992 e 2001. (FJP, 2010,
p.13).
Os problemas acima mencionados são considerados pela FJP (2010) grandes
empecilhos para se alcançar os objetivos pretendidos pelo Plano Nacional de Cultura
70
(PNC), como a integração das ações do poder público visando à defesa e valorização do
patrimônio cultural brasileiro e a democratização do acesso aos bens de cultura. Desse
cenário também participa o município de Belo Horizonte e a gestão do segmento
musical local, como será analisado mais adiante.
2.3 O financiamento da cultura: leis de incentivo fiscal e fundos
públicos
No âmbito do governo federal, a sistemática de financiamento da cultura baseia-se na
articulação entre duas fontes: o incentivo fiscal, que faculta a aplicação por pessoas
físicas e jurídicas de parte dos impostos devidos em atividades culturais; e os recursos
orçamentários nos quais se incluem o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e o Fundo de
Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional (Funcines).
O primeiro mecanismo brasileiro de incentivo fiscal, surgido em 1986, ficou conhecido
como Lei Sarney (Lei n° 7.505/86) e estimulava os empresários a investir na área
cultural em troca da dedução de parte do investimento realizado no Imposto de Renda
devido. Em 1992, ela é substituída pela Lei Rouanet (Lei 8.313/91) 37, atualizada pelo
Decreto-Lei nº 1.494, de maio de 1995, que criou o Programa Nacional de Apoio à
Cultura (Pronac). (FJP, 2003a). Atualmente, essa lei encontra-se em novo processo de
reformulação para se transformar num dos mecanismos do Procultura.
A outra lei federal de incentivo à cultura por meio da renúncia fiscal em vigor é a Lei do
Audiovisual (Lei n° 8.685/93), considerada a principal responsável pelo crescimento do
financiamento ao cinema e do número de filmes produzidos e em processo de produção
nos últimos anos. (FJP, 2003a). Ela segue a mesma lógica dos incentivos fiscais e se
destina a projetos cinematográficos de produção independente e a outros projetos de
exibição, distribuição e infraestrutura técnica da área audiovisual.
37
Cujo nome é uma homenagem a um de seus idealizadores, o embaixador Sérgio Paulo Rouanet, então
secretário da cultura da República.
71
Em 1991, São Paulo criou a pioneira Lei Mendonça (Lei n° 10.923/90), logo
reproduzida por vários municípios e estados. Ela permitia aos contribuintes aplicar na
cultura recursos deduzidos do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU) e
do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Na esfera estadual, as
deduções passam a ser feitas sobre o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação
de Mercadorias (ICMS) e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicação. (FJP, 2003a).
Por se tratarem de mecanismos independentes e de esferas distintas, as leis federal,
estadual e municipal de incentivo podem ser aplicadas simultaneamente a um mesmo
projeto, aumentando sua capacidade de captação de patrocínio. Segundo estudos da
Fundação João Pinheiro (2003a), as leis de incentivo à cultura têm desempenhado
importante papel no fomento e no crescimento do número de projetos culturais
patrocinados e nos valores gastos com cultura nas três esferas da União.
Muitas têm sido as vantagens apontadas como decorrentes desse mecanismo. Por parte
da sociedade, artistas e profissionais do setor viram na sua criação uma oportunidade de
obter recursos para enfrentar a ausência de apoio institucional para pesquisa, criação,
produção e circulação de bens artísticos e culturais. Segundo a FJP (2003a, p.11), “as
leis de incentivo fiscal à cultura se tornaram o grande veículo para que produtores
culturais e artistas de todo o país conseguissem viabilizar seus projetos”. A mobilização
de artistas e produtores para elaborar e apresentar projetos, iniciativa até então restrita
aos órgãos públicos, provoca um novo interesse pelo desenvolvimento cultural,
contribuindo para aumentar o protagonismo da sociedade. Dados da FJP (2003a)
comprovam o surgimento de várias associações e entidades voltadas para o apoio e
manutenção de diferentes instituições e organizações, como museus, teatros, grupos de
cultura popular, dentre outros, ampliando as possibilidades do patrocínio cultural.
Outra conseqüência positiva produzida por essas leis seria o surgimento, por meio da
organização em fóruns de debates e outras frentes em defesa das questões culturais, de
um movimento crescente da sociedade levando à reunião de demandas, até então
dispersas, em torno de interesses comuns. (FJP, 2003a). Exemplo significativo seria o
Fórum da Música de Minas, criado em 2008, a partir da mobilização do setor musical de
Belo Horizonte, que será objeto de análise mais adiante. A influência sobre a
72
profissionalização do setor artístico-cultural seria outro aspecto positivo atribuído ao
uso do mecanismo, pois para se habilitar ao usufruto dos direitos que as leis conferem,
empreendedores e artistas tiveram de adotar requisitos básicos de profissionalização,
melhorando, assim, a qualidade dos eventos e produtos culturais. (FJP, 2010).
A par da contribuição que os mecanismos de incentivo fiscal à cultura propiciaram ao
incremento da sua gestão, três pontos críticos se destacariam nesse processo, segundo a
FJP (2010):
O fato de ter gerado nas empresas a prática de patrocinar só projetos
aprovados por leis, de o patrocínio cultural estar atrelado à renúncia fiscal; A
ausência de monitoramento dos projetos, seja do ponto de vista artísticocultural, seja em relação ao acompanhamento de público pelas instituições
gestoras das leis, o que acaba por imprimir certo viés de política de balcão
aos projetos incentivados; O fato de o desenvolvimento do mercado de
patrocínio ter gerado realidades “perversas”, tais como o da adequação do
projeto inicial do empreendedor à demanda da empresa, o que significa um
tolhimento da liberdade criativa, segundo produtores culturais entrevistados,
“sem querer você vai conduzindo o seu projeto para aquilo que a empresa
quer”. (FJP, 2010, p. 16-17). (Grifos, aspas e itálicos conferem com o
original).
Contrariando as expectativas que acompanharam a criação dessas leis, dados coletados
pelo IPEA (2007) mostram que, a partir do advento do incentivo fiscal, as empresas, de
um modo geral, deixaram de lado e, na maioria das vezes, têm sistematicamente se
recusado a patrocinar projetos que não tenham sido aprovados mediante esse
mecanismo. Isto é, querem usar apenas os recursos da renúncia fiscal, para não
precisarem investir recursos próprios, e têm se oposto até mesmo à contrapartida,
demonstrando pouco interesse pelo desenvolvimento da cultura.
Apesar do aumento da captação de recursos, dados indicam uma diminuição na
contrapartida do empresariado. Segundo o IPEA (2007), em meados da década de 1990,
as empresas aportavam recursos novos da ordem de 60% e a renúncia representava os
outros 40%. No início dos anos 2000, essa relação havia se invertido, com a
contrapartida das empresas caindo para 40%. Em Belo Horizonte, este índice
atualmente é de 20%, mas parte do segmento cultural defende a sua extinção, com o
argumento de atrair novos patrocinadores.
73
O depoimento de um dos músicos entrevistados pela Fundação João Pinheiro, retrata
bem esse quadro:
Um aspecto que é muito complicado é a contrapartida. [...] Ano passado
tinha um projeto, aprovei o projeto. Quando eu fui atrás do patrocinador,
chiou por causa da história da contrapartida em dinheiro. Porque o meu
projeto aprovado era 100 mil e ele tinha que me dar mais 20 mil em dinheiro
do caixa dele. E eles como empresários não querem pôr esse dinheiro na
roda. Ainda falei com o cara: vamos dividir a contrapartida ao longo do
ano. Não, eu não posso fazer isso não porque tem a crise chegando aí. (FPJ,
2010, p. 17).
Análise complementar sobre o papel do empresariado nesse processo da renúncia fiscal
será apresentada na seção 2.3.1.
O segundo ponto crítico apontado pela FJP (2010) se refere à ausência de
monitoramento dos projetos após sua aprovação pelos órgãos gestores da Lei. Estes não
são, portanto, acompanhados com relação à qualidade artístico-cultural, à receptividade
e aceitação por parte do público, o que poderia contribuir para formulação de políticas
de formação de plateia. Dessa forma, não se obtém uma avaliação completa do
mecanismo. Um agravante desse problema seria o fato de as leis não levarem em conta
a existência de projetos que têm continuidade e que, por isso, precisariam de um
financiamento de maior prazo. Praticamente toda a legislação prevê 12 meses como
prazo máximo de execução de um projeto cultural, obrigando seus proponentes a
submeterem, anualmente, o mesmo projeto ao custoso processo de seleção e captação.
O terceiro ponto crítico mencionado relaciona-se diretamente a influências do mercado
sobre o artista, colocando a sua obra em risco potencial. A situação que leva o artista a
modificar ou “adaptar” sua proposta para se enquadrar nas exigências da empresa cujo
patrocínio pretende captar pode resultar em distorção, comprometendo o processo de
criação e a liberdade de expressão artística, que deveriam ser preservados. (FJP, 2010)
De um modo geral, a predominância de recursos de financiamento da cultura oriundos
de incentivo fiscal sobre aqueles de orçamentos públicos é criticada por artistas,
produtores e profissionais da área. A maior preocupação seria quanto à instabilidade
desta política de financiamento, pois o apoio das empresas é baseado na sua
74
rentabilidade, vulnerável às oscilações econômicas e do mercado. Exemplo recente seria
a crise econômica de 2008, que, segundo a FJP (2010, p. 15-16), “expôs artistas e
produtores culturais a uma situação de instabilidade que provocou o fechamento de
algumas empresas e levou muitos artistas a situações financeiras inviáveis”.
Tal fato contribuiu para mostrar a fragilidade desse modelo e reforçar a necessidade de
políticas de financiamento baseadas em investimentos diretos do próprio governo,
comprometidas com a sustentabilidade da área cultural. Isso demanda mudança de
direção, pois “a centralização da política cultural nas leis de incentivo tem desviado a
atenção para a diminuição dos orçamentos públicos de cultura, e substituído os recursos
orçamentários para o setor”. (FJP, 2010, p. 13).
2.3.1 O papel das empresas na política de renúncia fiscal
Como foi analisado, o mecanismo das leis de incentivo baseia-se na renúncia fiscal por
parte do Estado e no direcionamento de parte do imposto devido à União, Estado ou
Município ao patrocínio cultural de projetos escolhidos pelo próprio patrocinador,
pessoa física (indivíduo) ou jurídica (empresa), dentre aqueles já aprovados. Esse
modelo pressupõe parceria entre os três principais atores sociais envolvidos: a sociedade
(produtores culturais e artistas), que apresenta sua demanda ao Estado por meio de um
projeto; o Estado, que concede o incentivo e fiscaliza a execução do projeto e a
aplicação dos recursos; e o mercado, representado pelas empresas patrocinadoras, que
opta pela transferência de recursos para o produtor cultural em troca dos benefícios
fiscais oferecidos pelo Estado. (FJP, 2003a).
Exercendo o papel de indutor do financiamento privado, o Estado abre mão de parte do
imposto que lhe é devido em benefício da cultura e assume a responsabilidade de
delimitar as normas que regerão os mecanismos de incentivos fiscais. Cabe ao Estado a
definição dos percentuais de desconto sobre os impostos e o teto de incentivo das
empresas, por um lado, e a aprovação dos projetos que serão contemplados, de outro,
sinalizando para a sociedade e para o mercado as prioridades do investimento cultural.
(FJP, 2003a).
75
Uma característica importante dessas leis é a definição de um percentual de
contrapartida a ser desembolsado pelas empresas ao apoiar os projetos culturais, que
tem variado entre 15% e 20% do custo total. Essa regra visa garantir o envolvimento de
recursos próprios da empresa, independentes da isenção fiscal, criando condições
institucionais e o ambiente necessário para que as mesmas invistam no desenvolvimento
cultural do país. Ao analisar os investimentos por meio da Lei Estadual de Incentivo à
Cultura de Minas Gerais e as respectivas contrapartidas das empresas no período de
1998 a 2001, a FJP (2003a) conclui que
A leitura dos números referentes à participação própria dos patrocinadores
confirma a importância dessa exigência, uma vez que representa acréscimo
substancial de recursos para o setor da cultura, tão carente de financiamentos.
Além disso, os recursos da contrapartida são privados, o que estreita a
parceria entre o setor público e a iniciativa privada no fomento às atividades
artístico-culturais do estado. (FJP, 2003a, p. 47).
Essa idéia de estimular o incentivo das empresas faz parte do dispositivo desde a sua
criação e, segundo alguns autores, entre eles a FJP (2003a), surgiu não apenas para
propiciar um benefício contábil às empresas ou retorno de imagem,
[...] mas, visava criar uma atmosfera propícia e uma mentalidade coletiva
favorável à parceria entre Estado, produtores culturais e empresas com vistas
à criação e produção culturais - que, nesses termos, converte-se em um
compromisso das partes com o público”. (MOISÉS,1998, p.3 apud FJP,
2003a, p. 6).
Baseou-se na avaliação de que o mecanismo de incentivo fiscal poderia contribuir para
fomentar a atitude das empresas de investirem recursos próprios em cultura. Acreditavase que uma política intensiva de subsídios para a área colaboraria para estruturar o
mercado, permitindo que o Estado se retirasse progressivamente. Uma das hipóteses era
de que o retorno obtido pelas empresas por meio do chamado marketing cultural seria
suficiente para garantir-lhes o interesse em prosseguir no investimento, que lhes
possibilitava novos meios de promoção de suas marcas e produtos e uma nova
ferramenta de comunicação. (FJP 2003a).
Vem daí o caráter de mecenato inicialmente atribuído ao patrocínio pelas empresas por
meio das leis de incentivo. Segundo o Novo Dicionário Aurélio, mecenas seria o
76
“patrocinador generoso, protetor das letras, ciências e artes, ou dos artistas e sábios”.
(FERREIRA, 1975, p. 903). A intenção clara era a de que tal mecanismo fomentasse
essa prática no país. Entretanto, todas as análises, entre elas a da FJP (2003a), mostram
que a lei não conseguiu criar uma cultura de mecenato no Brasil. Em declaração
publicada no site do Ministério da Cultura, em outubro de 2008, o então Ministro Juca
Ferreira afirma que “95% do dinheiro dos projetos é público” e que “só no Brasil o
mecenato é pegar dinheiro do Estado pra fazer filantropia cultural” 38.
Essas afirmações baseiam-se no fato de que a renúncia fiscal, responsável pela maior
parte do financiamento da cultura brasileira hoje, tem sua origem no imposto devido
pela empresa, isto é, valores que, se não fossem destinados ao patrocínio cultural, iriam,
inevitavelmente, para os cofres do Tesouro. Seria, portanto, dinheiro público e não
haveria aí envolvido “patrocinador generoso” algum, ou seja, nenhum investimento
direto e despretensioso, prerrogativa que identifica o mecenato.
Outra característica das leis de incentivo que confirmaria essa leitura é o fato de
permitirem às empresas, como uma das contrapartidas, o uso da sua imagem na
divulgação dos projetos por elas patrocinados. Nesse caso, a empresa faz uso de
dinheiro público (imposto devido ao Estado) para viabilizar a realização de um projeto
cultural e se utiliza da divulgação desse projeto para obter vantagens financeiras e
mercadológicas, por meio do marketing cultural. (FJP, 2003a). Os estudos mostram que
os empresários descobriram que aliar uma manifestação cultural à imagem de suas
empresas e à de seus produtos pode trazer ganhos em razão da agregação de valores
simbólicos como beleza, sofisticação, exclusividade, ousadia e prestígio. Isto
contribuiria para aumentar o potencial mercadológico dos produtos, uma vez que o
consumidor tende a se vincular mais a uma marca que ele perceba associada a uma
atividade cultural de que goste ou que valorize. (FJP, 2003a).
Aos poucos, então, as empresas passam a reconhecer o potencial da cultura para atrair
público e conferir ganhos de imagem e credibilidade. Como lhes cabe escolher os
38
Fonte: Site MinC. Disponível em: http://blogs.cultura.gov.br/blogdarouanet/mudanca-definanciamento-e-destaque-em-dialogo-cultural. Acesso em: 10 Dez. 2010.
77
projetos a patrocinar, a decisão sobre a manifestação artístico-cultural que será levada
ao público (tipo, segmento cultural, público-alvo etc.) fica em suas mãos, apesar dessa
escolha recair sobre projetos previamente aprovados por representantes do setor público
e da classe artística que integram as comissões de avaliação dos projetos conforme
exigência da Lei. Sobre esta questão, um dos músicos entrevistados pela FJP se
manifesta da seguinte forma:
Mas o que acontece com a lei de incentivo? Ela faz com que o curador da lei
não seja uma pessoa voltada para cultura e sim o diretor de marketing da
empresa. Então, a empresa só vai patrocinar, por mais que seja por lei, por
mais que tenha isenção, só vai apoiar aquilo que tiver um retorno ótimo para
a empresa, vai querer os artistas que tragam o maior número possível de
público, e tenham repercussão na mídia. (FJP, 2010, p. 18).
Nesse processo, onde os patrocínios são tratados pelo viés exclusivo do marketing
mercadológico, projetos mais inovadores, experimentais ou ligados a manifestações de
caráter local acabam encontrando maior dificuldade para atrair a atenção das empresas.
A grande maioria dos projetos incentivados fica, assim, restrita a modalidades
consideradas mais populares e a regiões de maior concentração de riqueza e dinamismo
econômico. “No caso brasileiro, o sudeste do país - especialmente São Paulo e Rio de
Janeiro - é a região privilegiada de captação de recursos privados para a cultura. (FJP,
2003a, p.8).
Nessa perspectiva, respeitando-se a importante participação da iniciativa privada,
caberia ao Estado assumir o papel claro de regulador do mercado a partir de planos
estratégicos de investimento que conciliem os recursos injetados na cultura por meio do
incentivo fiscal com os investimentos com recursos do Tesouro. Para a FJP, o Estado
não pode “prescindir de sua função reguladora, especialmente porque o mecanismo
criado baseia-se em recursos públicos oriundos de renúncia fiscal”, devendo “orientar o
investimento privado para aquelas modalidades artísticas que expressem valores
culturais importantes para as comunidades que as geraram”. (FJP, 2003a, p. 6).
78
2.3.2 A Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais:
especificidades, aplicações e implicações para o
segmento musical
Por se tratar da principal fonte de recursos públicos para os projetos musicais de Belo
Horizonte, a Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais mereceu um olhar
mais detalhado no presente estudo. Instituída em 1997, passou por várias reformulações,
dando origem à Lei n° 17.615/08, regulamentada pelo Decreto n°. 44.866/08, em vigor.
Para a FJP essa lei tem possibilitado a realização de importantes projetos culturais no
Estado, recebendo o reconhecimento do setor artístico como “importante instrumento de
fomento e de estruturação da cadeia produtiva do setor cultural”. (FJP, 2010, p. 20).
Dados da FJP (2003a) indicam que a parcela dos recursos destinada à renúncia fiscal era
de 0,15% do montante da receita líquida anual do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS), ou R$ 8,9 milhões em 1998, primeiro ano de vigência
desta lei, e atingiu 30% (R$ 17,3 milhões) em 2001. Este índice permanece até hoje
(2011). Uma conclusão importante a que chegou a FJP (2010) é de que a música é um
dos segmentos culturais mais contemplados pela Lei de Incentivo Estadual:
[...] diversos projetos foram realizados para produção e circulação da música,
reforçando seu papel como uma das manifestações artísticas mais ricas de
Minas e de todo o país. [...] no período de 1998 a 2007, 59,9% dos projetos
aprovados e 66,7% dos incentivados são das áreas de música e artes cênicas”.
Essa concentração se manteve neste patamar ao longo de todos os anos
avaliados, indicando serem estas as duas áreas de maior peso nas atividades
artísticas e culturais do estado. (FJP, 2010, p. 20).
Em relação ao desempenho da Lei, o cenário mineiro, assim como o belo-horizontino,
acompanha o nacional nas críticas mais gerais que dizem respeito a questões como a
baixa consciência das empresas quanto ao seu papel no desenvolvimento da cultura; a
falta de orçamento e de diretrizes para a área; a ausência de financiamentos de longo
prazo; a influência das oscilações econômicas e de mercado; e, a principal crítica: o
caráter excludente e concentrador do ponto de vista das regiões mais e menos
desenvolvidas do Estado e da capital. (FJP, 2010).
79
Exemplo de exclusão seria a distribuição espacial no município de Belo Horizonte dos
empreendedores dos projetos culturais realizados por meio da Lei de Incentivo Estadual.
Análise da FJP constata grande concentração de projetos nas regiões “onde residem os
estratos mais elevados do município” (FJP, 2003b, p. 9), em detrimento dos bairros
mais periféricos. Os dados relativos ao período 1998 a 2002 mostram que:
Considerando somente os projetos apresentados por pessoas físicas residentes
em Belo Horizonte, verifica-se que 47% são de empreendedores da região
centro-sul, 15,3%, da região leste e 12,3%, da região oeste. Constata-se, pois,
uma concentração nas regiões em que residem os estratos sociais mais
elevados do município. As regiões periféricas como Barreiro, Venda Nova e
norte apresentaram, respectivamente, somente 0,9%, 1,1% e 1,4%, dos
projetos de Belo Horizonte. (FJP, 2003b, p. 9).
A relação de projetos de Belo Horizonte aprovados por meio da Lei de Incentivo
Estadual é um exemplo dessa exclusão. Os dados relativos ao período 1998 a 2002,
obtidos pela FJP (2003b), mostram que, enquanto 52,2% dos projetos de
empreendedores localizados na região Centro-Sul foram aprovados, esse índice alcança
somente 34,9% dos apresentados pelos de Venda Nova. E o índice de aprovação
diminui à medida que se avança para a periferia da cidade. Essas análises reforçam a
crítica à centralização da política cultural neste mecanismo, em detrimento de políticas
de Estado, como argumenta um dos músicos belo-horizontinos entrevistados pela FJP:
Falta uma política cultural. Se tivesse um mecanismo de financiamento que
não fosse “patrocínio-dependente”, teria uma liberdade criativa, uma
liberdade muito maior de implementar ações, se fosse garantida a
possibilidade de fazer projetos de longo prazo e com valores consideráveis.
Porque foi assim que se desenvolveu a indústria cultural de base [...] no
mundo. O mais perverso de tudo é que o estado se omite. Porque o que vira
política pública de cultura é só a lei. O que devia ser apenas um instrumento,
uma ferramenta, vira a própria política. Isso é o mais difícil. Então, quando
você pergunta: você viveria sem lei? Respondo: é claro que não, como é que
vou viver sem lei se só tenho a lei? (FJP, 2010, p. 15).
Sobre os pontos positivos, há o reconhecimento de certa modernização da produção
cultural do estado após a criação da lei de incentivo, que teria elevado o nível
profissional da área em todos os segmentos (música, teatro, dança etc.). Ao induzir a
formação profissional e exigir disciplina nos processos, contribuiria para combater a
informalidade e o amadorismo. Nesse sentido, a legislação mineira prevê que todo
80
projeto cultural incentivado deverá utilizar, total ou parcialmente, recursos humanos,
materiais e naturais disponíveis no Estado. Depoimento de outro entrevistado pela FJP
ressalta:
A economia da cultura, principalmente em Minas, existe antes e depois das
leis de incentivo. Houve uma modernização da produção após as leis.
Antigamente os shows de MPB mineiros eram realizados com quatro ou
cinco holofotes de luz branca, bem amador. Hoje tem uma equipe muito
sofisticada, consegue-se com a turma daqui fazer um DVD de qualidade,
bacana. (FJP, 2010, p. 18).
O incentivo à área cultural de Minas Gerais é realizado por meio da redução fiscal
referente ao ICMS, que pode ser deduzido no montante o equivalente a até 80% do
valor repassado ao projeto patrocinado. Diferentemente das demais, a legislação mineira
aceita como incentivador o contribuinte cujo ICMS esteja incluído na dívida ativa do
Estado, o que amplia os recursos destinados aos projetos culturais. A natureza do
projeto determina a faixa em que este se enquadra em relação ao valor máximo a ser
autorizado.
Em 2010, esses valores eram os seguintes: produtos culturais (filmes, CDs, livros etc.),
até R$ 270 mil; promoção de eventos (feiras, exposições, festivais, mostras), R$ 450
mil; manutenção de entidades artístico-culturais sem fins lucrativos, R$ 600 mil;
reforma e/ou construção de edificação, aquisição de acervo e de equipamentos, R$ 800
mil. Tais limites não se aplicam aos projetos financiados com recursos da quitação de
débito inscrito na dívida ativa. (MINAS GERAIS, 2010, p. 3).
Como contrapartida, a lei estadual estipula que pelo menos 20% do valor incentivado
devem corresponder ao investimento direto com recursos próprios do patrocinador, que
pode ser feito em moeda corrente, fornecimento de mercadorias, prestação de serviços
ou cessão de uso de imóvel, desde que necessários à realização do projeto, a partir de
negociação com o empreendedor cultural. (FJP, 2003a). Como incentivo fiscal, em
2010, toda empresa que apoiasse financeiramente um ou mais projetos culturais
aprovados conforme a lei poderia deduzir do imposto devido os recursos aplicados no
projeto, nos patamares de 3%, 7% ou 10% do ICMS devido, de acordo com o
faturamento anual da empresa.
81
Segundo a FJP (2003a), no segmento da música, especificamente no edital de 2001, o
índice de captação em relação aos projetos aprovados em todo o Estado indica que
gravação e lançamento de CD conseguiram captar 50%; espetáculos e shows, 69,8% e
circulação de show, 84,8%, este último superado apenas pelas exposições de artes
plásticas, com 100% de captação. Análise importante mostrou que a notoriedade ou
reconhecimento público do artista é uma condicionante importante para a obtenção do
patrocínio empresarial. Para a FJP (2003b), esse dado confirmaria uma das principais
hipóteses orientadoras da pesquisa por ela realizada: além de provocar distorções e
concentração na aplicação do mecanismo fiscal, essa diferenciação também se torna
fator de dificuldade para a democratização dos recursos para a área.
Os beneficiários do incentivo devem ser “projetos culturais de caráter estritamente
artístico-cultural que visem à exibição, à utilização ou à circulação pública de bens
culturais”, sendo proibida a concessão de incentivo a “projeto destinado ou restrito a
circuitos privados ou coleções particulares”. (MINAS GERAIS, 2010, p. 3). Os projetos
apresentados são analisados e selecionados pela Comissão Técnica de Análise de
Projetos (CTAP), com constituição paritária entre governo (técnicos da Secretaria de
Estado de Cultura e de suas instituições vinculadas) e sociedade (através de
representantes de entidades das classes artísticas do Estado).
O empreendedor cultural deve ser pessoa física ou jurídica comprovadamente
estabelecida em Minas Gerais, com objetivo prioritariamente cultural e com efetiva
atuação na área. As áreas culturais previstas na legislação mineira atual são nove, entre
elas a de “Música e respectivos eventos, festivais, publicações técnicas, seminários,
cursos e bolsas de estudos”, que interessam neste estudo.(MINAS GERAIS, 2010, p. 5).
2.3.3 Empresas usuárias da lei mineira de incentivo à
cultura
No Diagnóstico da Cadeia Produtiva da Música em Belo Horizonte, a FJP ressalta que
“muitas das tendências encontradas no período anterior permanecem cinco anos depois
do lançamento do primeiro relatório39. Como exemplos, o conjunto das empresas
39
Prestando Contas aos Mineiros: Avaliação da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, FJP, 2003.
82
patrocinadoras que são praticamente as mesmas [...]”. (FJP, 2010, p.19). Na falta de
estudo exclusivo do contexto belo-horizontino para esta dissertação, buscou-se neste
primeiro relatório da FJP (2003a) – que cobre o período de 1998, ano em que começou
a vigorar a Lei Estadual de Incentivo à Cultura, até o ano de 2001 – obter os dados
sobre o perfil dessas empresas, que são apresentados a seguir.
Importante ressaltar que, embora este estudo analise os dados referentes a todo o Estado
de Minas Gerais, área de abrangência da lei, Belo Horizonte se apresenta com grande
peso: em 2000, reuniu 34% do total da execução de projetos culturais do conjunto dos
853 municípios mineiros. A capital é sede de 71 das empresas patrocinadoras (25,2% do
total das incentivadoras do Estado) e faz parte da “região Central, na qual estão sediadas
151 empresas em 31 municípios, o que equivale a 61,1% do total das empresas que
investiram em projetos culturais”. (FJP, 2003a, p. 35) Esta região possui, ainda, o maior
número de projetos incentivados em todo o Estado – 80,7%, a grande maioria em Belo
Horizonte – e recebeu 58,1% (R$ 25,6 mi) do total de recursos investidos por meio da
aplicação da referida lei no período estudado.
Durante esses quatro anos, segundo a FJP (2003a), 745 projetos receberam patrocínio
(total ou parcial) de 229 empresas por meio da lei de incentivo fiscal, sendo que 152
projetos (20%) contaram com o apoio de duas ou mais empresas. Embora 97,2% sejam
empresas privadas e apenas 2,8% do setor público, as primeiras apoiaram em média 2,5
projetos por ano, enquanto as segundas, 4,5. O número de projetos incentivados pelas
empresas, entretanto, apresenta variação bastante alta: vai de apenas um projeto
patrocinado em todo o período – situação em que se encontram 130 empresas
patrocinadoras – até a média anual de 30 projetos, caso da Usiminas.
A análise mostra que as empresas pertencentes a três setores – indústria de
transformação (entre as quais se destacam as ligadas à metalurgia e à siderurgia, 28%, e
as
fabricantes
de
produtos
alimentares/bebidas/fumo,
10,3%),
comunicações
(principalmente a Telemig Celular, a Companhia de Telecomunicações do Brasil
Central (CTBC), a Telecom e a Telemar) e comércio (varejista e atacadista) –, em
conjunto, foram responsáveis pelo patrocínio de 88,2% dos projetos que captaram
recursos da renúncia fiscal orientada para o setor cultural. O setor de transporte foi
83
responsável por 5% e o de energia elétrica 4,6%. O setor extrativista mineral, 1,3%, a
agropecuária, 0,5% e o turismo, 0,3%, completam o quadro. (FJP, 2003a, p. 33)
Apesar de estarem em menor número, as grandes empresas, segundo a FJP (2003a),
foram responsáveis por incentivar quase o dobro de projetos (65,5%) do que as
empresas de médio porte (36,4%), além de também terem maior participação no volume
de recursos investidos (80,4% ou R$ 35,4 milhões). As empresas de porte médio,
embora sejam a maioria das que investem em projetos culturais (66,7%), responderam
por 19,6% dos recursos ou R$ 8,6 milhões. Enquanto as grandes empresas investem, em
média, anualmente, R$ 279 mil, os gastos médios das empresas de porte médio são de
R$ 34 mil. As empresas privadas responderam por R$ 42 milhões ou 95,2% do
incentivo, enquanto os gastos efetuados pelas empresas públicas totalizaram R$ 2
milhões ou 4,8%.
Entretanto, a participação dessas últimas no volume de recursos despendidos
é superior à das empresas privadas, o que significa que os gastos médios
efetuados pelo setor público são maiores se comparados aos da iniciativa
privada. Por ano, os gastos médios por empresa foram de R$ 112 mil para as
privadas e de R$ 349 mil para as públicas. (FJP, 2003a, p. 37).
Em relação aos investimentos por ramo de atividade, as indústrias metalúrgicosiderúrgicas e as empresas de comunicações responderam por 66,7% do total de
recursos aplicados (respectivamente, R$ 15,9 milhões e R$ 13,5 milhões), a preços
médios de 2001, percentual bem superior à participação do número de empresas
patrocinadoras desses dois setores (17,6%). Os ramos de energia elétrica e da indústria
de transformação (fabricantes de produtos alimentares, bebidas e fumo), somados,
corresponderam a 13,2% do montante gasto pelas empresas patrocinadoras. (FJP,
2003a).
Na análise da FJP, as empresas de comunicações, além de investirem mais recursos no
setor cultural, comparativamente às indústrias de metalurgia/siderurgia, também
destinaram maior volume de recursos por projeto cultural. “Em média, as empresas do
ramo de comunicações investiram, por ano, R$ 709 mil em 49 projetos culturais,
enquanto as de metalurgia/siderurgia aplicaram por volta de R$ 324 mil em 70
projetos”. (FJP, 2003a, p. 41).
84
Das 20 principais empresas do estado que financiaram projetos culturais no período40
(78,5% dos recursos disponíveis ou R$ 34,6 milhões), as duas maiores patrocinadoras
(Usiminas e Telemig Celular) responderam por R$ 18,1 milhões ou 52,3% dos recursos
gastos por essas empresas. As demais 209 empresas patrocinadoras, responsáveis por
pouco mais de um quinto dos recursos, apresentaram peso reduzido no fomento às
atividades artístico-culturais do estado.
No que se refere aos segmentos da cultura, o da música apresentou o maior número de
projetos patrocinados, embora, em termos de investimentos, tenha apresentado valores
mais baixos, se comparados aos segmentos de centros culturais e artes cênicas (este o
segundo mais incentivado). Dos projetos apoiados pelas empresas apontadas como as
maiores em número de projetos patrocinados no período (Usiminas e Telemig Celular),
37,1% eram do segmento da música e 28,1% das artes cênicas. (FJP, 2003a).
2.3.4 Os caminhos do financiamento do segmento da música de
Belo Horizonte
Ao analisar o financiamento do segmento da música de Belo Horizonte, o diagnóstico
realizado pela FJP afirma que a sua principal fonte é de recursos dos próprios artistas e
que isso “pode ser interpretado como uma consequência da dificuldade de aprovação de
projetos em leis de incentivo e da ausência de outra política pública para o setor”. (FJP,
2010, p. 91). 20% declararam trabalhar com recursos próprios, 7% com as leis de
incentivo e outros 7% com patrocínio. Os dados analisados pela FJP (2010) apontam
certa resistência por parte dos próprios músicos em apresentar projetos pautados nas leis
de incentivo (26% do universo pesquisado), por acreditarem que os beneficiados são
sempre os mesmos empreendedores; pela burocracia e dificuldade de aprovação e até
mesmo por desconhecimento dos processos. Os estudos apontam a exclusão da maior
parte dos empreendedores que buscam recursos com base nas leis de incentivo:
40
Usiminas (R$ 9,3 mi), Telemig Celular (R$ 8,8 mi), Companhia de Telecomunicações do Brasil Central
(CTBC) Telecom (R$2,2 mi), Companhia Siderúrgica Belgo Mineira (R$ 1,8 mi), Companhia Força e
Luz Cataguazes-Leopoldina (R$ 1,5 mi), Belgo Mineira Participação Indústria e Comércio (R$ 1,3 mi),
Refrigerantes Minas Gerais (R$ 1,1 mi), Telecomunicações de Minas Gerais (Telemar) (R$ 1, 1 mi),
Companhia Mineira de Metais e Magnesita, CEMIG, BMB, Acesita, Cia de Tecidos Santanense, Coop.
Central de Prod. Rurais, Santana Irmãos e Cia, NET BH, Maxitel, Camargo Corrêa Cimentos e Petrobrás.
85
Há um verdadeiro funil, que se inicia quando das inscrições nos editais para a
solicitação de recursos e vai-se estreitando cada vez mais nas fases de
aprovação dos projetos e captação de recursos junto ao empresariado. (FJP,
2010, p. 90).
Os números indicam que, nos últimos cinco anos, em Belo Horizonte, apenas 56% dos
projetos apresentados com base nas leis de incentivo estadual e municipal obtiveram
aprovação e, destes, somente 44% conseguiram captar patrocínio no mercado. Apesar
desses entraves, haveria um reconhecimento generalizado pela categoria artística de
Belo Horizonte de que o financiamento da cultura por meio desses mecanismos tem
sido responsável pelo incremento da cadeia produtiva do setor musical. (FJP, 2010).
Por outro lado, assim como acontece com a lei federal, também no âmbito estadual é
grande a crítica ao excessivo apelo da política cultural a este mecanismo e à
concomitante falta de orçamento público e de diretrizes para o setor. (FJP 2010) Em
2001, por exemplo, a área da Cultura teve participação da ordem de 0,08% do volume
total dos recursos do Tesouro estadual mineiro, representando R$ 14,9 milhões de um
“montante total de gastos de R$ 18,5 bilhões, realizados pelos órgãos da administração
direta estadual”. Esse valor foi inferior ao montante de recursos movimentados pela Lei
Estadual de Incentivo à Cultura no mesmo ano, que, “considerando a parcela da
contrapartida das empresas patrocinadoras, atingiu, aproximadamente, R$ 15,3
milhões”. (FJP, 2003a, p. 63).
Outro exemplo significativo dessa situação é o que envolve a comparação entre os
recursos destinados aos projetos musicais da capital pelo Fundo de Cultura41 mineiro e
os provenientes da lei estadual de incentivo fiscal. Somados os anos de 2006, 2007 e
2008, foram R$ 2,974 milhões provenientes do Fundo. Destes, R$ 571.920 aplicados
em 2006, R$ 738.542 em 2007 e R$ 1, 664 milhão em 2008. Comparados com os
recursos oriundos do patrocínio das empresas, apenas no ano de 2007, por exemplo, os
recursos da lei de incentivo atingiram a cifra de R$ 5,082 milhões, ou seja, quase 700%
maior que o investimento do Fundo no mesmo ano. (FJP, 2010, p. 34-35).
41
Criado pela Lei n° 15.975 de 12 Jan. 2006, o Fundo Estadual de Cultura tem entre seus principais
objetivos apoiar financeiramente a criação, manutenção e difusão de ações culturais no Estado, além do
aperfeiçoamento dos artistas, estimulando o desenvolvimento cultural especialmente no interior.
86
Estudos, entre os quais o da FJP (2010), mostram que nas três esferas de governo os
recursos provenientes do Tesouro, as chamadas verbas públicas, que seriam, em tese, a
fonte para a criação e implementação de políticas de Estado de cultura, são a menor
fatia desse bolo, insuficientes para atender à demanda crescente e incapazes de permitir
a consolidação de projetos na área. Dados disponíveis no site do Ministério da Cultura 42
demonstram que os recursos públicos destinados à cultura brasileira em 2010
corresponderam a 1,0% do orçamento federal (R$ 2,2 bilhões) – índice que, pela
primeira vez, atingiu o mínimo recomendado pela ONU43.
Sobre a demanda potencial (projetos apresentados) e a realizada (projetos aprovados e
efetivamente captados no mercado) por meio da Lei de Incentivo mineira, os dados da
FJP (2010) mostram que no segmento da música esse índice oscilou de 16% em 2003 a
27% em 2007, sendo que o ano de 2002 foi o único com alto índice de aprovação (68%
dos projetos apresentados). Descartando a possibilidade de inadequação técnica dos
projetos ser a causa desse baixo índice, por considerar que os cinco anos de vigência da
Lei teriam sido suficientes para a capacitação dos empreendedores, o Diagnóstico da
FJP aponta como uma das causas desse descompasso
[...] a própria centralidade da política de financiamento à cultura em
praticamente um único mecanismo: o da renúncia fiscal. Os dados revelam,
portanto, o caráter excludente dessa política, tanto no que se refere à
aprovação dos projetos quanto na obtenção de incentivo/patrocínio das
empresas: o índice de projetos com patrocínio no período oscilou de 25% em
2007, pior ano da série, a 75% no melhor ano – 2004. (FJP, 2010, p. 21).
Ao longo desses seis anos, 720 projetos de música foram realizados em Belo Horizonte
com incentivo fiscal, correspondendo a 56% dos projetos aprovados com base na Lei.
Em termos de recursos, o total pleiteado no período de 2002 a 2007 foi de R$
297.831.000; o montante aprovado (pela Comissão Julgadora) foi de R$ 96.805.000 e o
valor incentivado (captado no mercado) atingiu a cifra de R$ 52,831.000,
42
Disponível em http://www.cultura.gov.br/site. Acesso em: 10 Dez. 2010.
Tramita no Congresso Nacional a PEC 150/2003, que avança em relação ao índice proposto pela ONU,
vinculando à Cultura 2% da receita federal, 1,5% das estaduais e 1% das municipais, uma das principais
reivindicações aprovadas na II Conferência Nacional de Cultura, realizada em março de 2010.
43
87
correspondendo a 55% dos valores aprovados. Os dados obtidos pela FJP (2010)
demonstram que em todos os anos da série os empreendedores não conseguiram aprovar
nem 50% do pleiteado. Este índice é ainda menor na relação entre os projetos pleiteados
e os patrocinados, onde o melhor índice foi o de 2005: 33%.
Para a FJP (2010, p. 27), essa discrepância entre os valores pleiteados e os efetivamente
incentivados evidenciaria a “inexistência de controle pelo setor público dos resultados
da política de cultura em vigor, principalmente quando seu mecanismo de
financiamento central é a renúncia fiscal”. Apesar dessa situação, a música, como já foi
visto, é um dos setores culturais de Belo Horizonte mais contemplados pela lei de
incentivo estadual.
Outro dado que chama a atenção é a predominância de festivais entre os projetos: 123
ao longo do período estudado. A importância está no seu caráter permanente e no
impacto econômico gerado pelo grande número de pessoas envolvidas na sua
organização, contribuindo para a geração de emprego e renda para o setor. Destaque
também para a produção de CDs – no período, mais de 80 CDs de artistas diferentes –,
além da realização de cerca de 90 turnês de lançamento dos CDs e de produção e
lançamento de DVDs. Há, ainda, projetos visando a formação de plateia, divulgação,
pesquisa e produção de documentários. (FJP, 2010).
A respeito dos empreendedores musicais (pessoas físicas ou jurídicas, com e sem fins
lucrativos, e entidades públicas) que obtiveram o incentivo, os dados apontam uma clara
predominância de pessoas físicas em todos os anos de análise. Por outro lado, segundo a
FJP, a criação dessas leis provocou a formação de muitas empresas, produzindo
“impacto positivo na profissionalização do setor cultural, embora ainda predomine, para
a maioria dos artistas, a informalidade de suas atividades”. (FJP, 2010, p. 28).
Comparado com a Lei Estadual de Incentivo Fiscal, o número de projetos musicais
financiados pelo Fundo Estadual de Cultura, assim como o dos recursos financeiros
investidos, é bem menor. Voltado para projetos com menor apelo mercadológico, o
Fundo aprovou 43 projetos desde a sua criação em 2006: 10 em 2006, 13 em 2007 e 20
em 2008. Os valores aprovados corresponderam a R$ 571.920 em 2006, R$ 738.542 em
2007 e R$ 1,974.524 em 2008. Em 2006 e 2007 foram encaminhados 91 projetos para o
88
fundo, enquanto 1.355 projetos deram entrada para a seleção mediante a lei de incentivo
no mesmo período. (FJP, 2010, p. 33).
Diferentemente da Lei de Incentivo, a quase totalidade dos empreendedores que
utilizaram recursos do Fundo é de pessoas jurídicas, devido à regulamentação legal do
instrumento, que limita a participação aos entes jurídicos. Os projetos realizados são
bastante variados. Em 2006, por exemplo, incluíram, entre outros, oficinas de produção
e circulação de música contemporânea, construção de sede, acervo de música antiga,
revitalização de escola e comemoração de aniversário de bandas. (FJP, 2010).
Um aspecto do Fundo considerado importante é a política de redução das desigualdades
regionais, que tem direcionado cada vez maiores parcelas de recursos para o interior, em
detrimento dos projetos voltados para Belo Horizonte. Dos 43 projetos aprovados no
período, apenas 11 eram para a capital, embora muitos dos empreendedores dos projetos
realizados no interior sejam de Belo Horizonte. (FJP, 2010, p. 36).
Experiência mais recente de gestão do segmento, o Projeto Música Minas é
emblemático desse cenário e, de alguma forma, sintetiza o dinamismo do setor musical,
por um lado, e a distância do governo, por outro. A ideia surgiu em 2008, quando
representantes do segmento decidiram criar um plano de exportação e disseminação da
música mineira a partir do recém criado Fórum da Música de Minas Gerais, que se torna
o gestor oficial do programa. O projeto – voltado para compositores, intérpretes e
instrumentistas de diversos gêneros e tendências musicais –, é apresentado à Secretaria
de Estado de Cultura de Minas Gerais (SEC), que decide incentivá-lo, destinando-lhe
orçamento de R$ 1,550 milhão em 2009, distribuídos em duas categorias: a de
Circulação Nacional de Artistas Mineiros e a de Passagens para Deslocamentos
Nacionais e Internacionais44. (MINAS GERAIS, 2009).
O sucesso da iniciativa levou a SEC a renovar o projeto em 2010. Entretanto, em maio
daquele ano, tornou pública a decisão do Governo do Estado de cancelar o Música
44
A primeira selecionou 25 músicos residentes no Estado, que circularam por diversas capitais com seu
show, participaram de oficinas culturais em cidades do interior, além de cursos de capacitação de
profissionais da cadeia produtiva da música, e puderam fazer residência artística (ser convidado para
participar de algum projeto musical em outro estado ou país). A segunda categoria, regulamentada pelo
Edital de Passagens, contribuiu para que profissionais da música participassem de festivais, feiras e
congressos para os quais haviam sido oficialmente convidados.
89
Minas, bem como outros projetos culturais, alegando incompatibilidade com resoluções
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre ações governamentais durante o processo
eleitoral. Somente após forte mobilização do segmento, que realizou diversas
manifestações com grande repercussão na mídia local e nacional, o Governo Estadual
voltou atrás e o projeto foi mantido, mas com cortes no orçamento e a transferência de
sua gestão para o Estado, por meio da Fundação Clóvis Salgado.
Um aspecto relevante a ser destacado é o que se refere ao financiamento da produção
dos músicos das vilas e favelas de Belo Horizonte. Segundo a FJP (2010), o seu
trabalho é bancado com recursos próprios “na medida em que não têm condição de se
beneficiar com as leis de incentivo”. Sobre os motivos dessa dificuldade, depoimento
dado à FJP é elucidativo:
A falta de informação é um deles. As pessoas não têm a menor ideia do que sejam as
leis, falta conhecimento de como elaborar projeto, prazo de inscrições, é um universo
restrito de pessoas que acompanham. Elaborar um projeto exige conhecimento técnico.
É tudo muito complexo, justificativa, objetivo, linguagem, depende de uma elaboração
aprofundada de narrativa de texto, de conceitos. A questão de montar documentação,
currículo, portifólio, para quem nunca teve contato, gera dificuldades e dúvidas. A
captação de recursos é outra coisa complexa. Ainda que seja aprovado, o contato com
patrocinadores é difícil, e sem patrocínio o projeto fica inviabilizado. (LIBÂNIO, 2007,
p.126-128 apud FJP, 2010. p. 176).
2.3.4.1 A política municipal de financiamento
No que se refere aos recursos municipais, a Lei Municipal de Incentivo à Cultura de
Belo Horizonte (LMIC), criada por iniciativa da Prefeitura em 1993, também se baseia
em dois mecanismos: o Fundo de Projetos Culturais (FPC) – destinado a projetos
experimentais, sem apelo comercial e o Incentivo Fiscal (IF) – destinado a projetos que
estão inseridos na lógica de mercado e que buscam patrocínio via repasse do ISSQN das
empresas prestadoras de serviços. Segundo a FJP, “anualmente, são destinados cinco
milhões para os projetos culturais aprovados”. (FJP, 2010, p. 37). Destes, 60% são
destinados ao Fundo de Projetos Culturais e 40% ao Incentivo Fiscal.
Em ambos os mecanismos foram estabelecidos os seguintes limites de valores para os
projetos apresentados em 2010: até R$ 150 mil para projetos que envolvessem
90
manutenção de entidade artístico‐cultural sem fins lucrativos; até R$ 170 mil para
projetos relacionados a produtos, serviços e/ou eventos culturais; até R$ 200 mil para
projetos que envolvessem reforma e/ou construção de edificação, aquisição de acervos e
equipamentos.
No período de 2003 a 2007, a Lei Municipal de Incentivo à Cultura recebeu 465
projetos e reprovou 88% deles. Dos 55 aprovados, apenas 44 conseguiram captar
recursos no mercado. Para a FJP, este alto índice de reprovação
demonstra que, da mesma maneira que a lei e o fundo estadual, a lei
municipal não atende à demanda de financiamento de projetos dos
empreendedores culturais. Como a lei estadual abarca um número muito
maior de projetos, tem sido o principal meio de financiamento dos projetos
musicais da capital. (FJP, 2010, p. 37).
Apesar de pouco numerosos, a variedade dos projetos musicais realizados por meio da
lei municipal é um indicativo da importância do setor para a cidade. Eles abrangem
desde o aspecto da formação musical até a formação de público; além de festivais
diversos (de corais, jazz, música independente, colonial) e apresentações em variados
locais da cidade, a preços populares, de diferentes gêneros musicais – do erudito ao
popular –, envolvendo artistas locais e nacionais.
Quanto aos recursos financeiros, a modalidade Incentivo Fiscal da lei municipal
movimenta montante bem inferior ao estadual: o investimento por meio de patrocínio
no período foi de R$ 2,4 milhões. Ela também apresenta grande diferença entre recursos
pleiteados e aprovados, que nunca passaram de 70%, embora o índice de captação seja
mais elevado, tendo alcançado 95% (em 2003) e 83% (em 2005), mas decrescido em
2006 (58%) e 2007 (34%). Ao contrário do mecanismo estadual, o Fundo de Projetos
Culturais do município investiu valor superior ao movimentado pelo incentivo fiscal
municipal: R$ 4,3 milhões no mesmo período. (FJP, 2010, p. 40).
O mecanismo de incentivo fiscal de Belo Horizonte prevê uma contrapartida
sociocultural, isto é, uma ação a ser desenvolvida pelo projeto como retorno ao apoio
financeiro recebido. Esta contrapartida deve ser acordada entre o empreendedor e a
Fundação Municipal de Cultura (FMC), responsável pela implementação da Lei, e deve
91
estar relacionada “à descentralização cultural e/ou à universalização e democratização
do acesso a bens culturais”, sendo que seus custos não podem ser incluídos no
orçamento do projeto. (BELO HORIZONTE, 1993, p. 2).
Em relação à natureza dos empreendedores dos projetos incentivados, a exemplo da lei
estadual, a municipal apresenta predomínio de pessoas físicas, face ao número de
pessoas jurídicas. Essa situação se repete com os projetos aprovados e realizados com
recursos do Fundo Municipal. Neste também se verifica grande diferença entre projetos
apresentados e aprovados: apenas 69 num total de 426, entre 2003 e 2007; os quais,
somados aos 44 projetos patrocinados na modalidade Incentivo Fiscal, totalizam 113
projetos realizados pela LMIC de Belo Horizonte, entre 2003 e 2007, envolvendo o
montante de R$ 6,682 milhões. (FJP, 2010, p. 48).
Também em relação ao Fundo Municipal, os projetos aprovados e realizados dão a
dimensão da diversidade e multiplicidade de eventos criados pelo setor musical de Belo
Horizonte. Eles vão de festival de música eletrônica a mostras de música colonial
brasileira e da América Latina, passando por oficinas integradas de criação, formação,
experimentação e pesquisa musical, criação de kit de musicalização para jovens e
crianças, além de oficinas de desenvolvimento e qualificação artístico-cultural voltadas
para a instrumentação; chegando à implantação de um estúdio comunitário para atender
artistas moradores de vilas e favelas da cidade. Festival internacional de violão, de
choro, mostra de cultura hip hop e circuito de samba também foram contemplados.
(FJP, 2010).
2.4 Os impactos da atividade cultural na economia mineira
Conforme análise apresentada no primeiro capítulo, o mercado que envolve a economia
da cultura não é apenas um espaço de trocas de mercadorias, mas também um lugar
onde se processam interações sociais e simbólicas, cujo universo assume grande
relevância nas estratégias de produção e reprodução sociais. Segundo a Fundação João
Pinheiro,
92
[...] o conteúdo simbólico da cultura, responsável pela formação das
identidades dos indivíduos e povos, confere a ela uma singularidade em face
dos outros setores quando considerados sob a ótica econômica. Tratar
adequadamente a cultura como setor produtor de riqueza material é também
não perder de vista suas implicações com as dimensões simbólica e
constitutiva que fazem de cada povo o que é. (FJP, 2003a, p. 47).
Se, por um lado, é fundamental levar em consideração essas dimensões da cultura, por
outro, faz-se necessário compreender o seu lado ainda pouco conhecido e discutido
pelos próprios envolvidos na sua produção, isto é, a sua característica de atividade
econômica, que também gera emprego e renda, recolhe impostos e contribui para a
produção de riqueza e crescimento. Estudo realizado pela FJP (2003a) comparou os
estímulos produzidos pelos investimentos culturais feitos por meio da lei mineira de
incentivo com os de outros setores da atividade econômica, principalmente o de
serviços, no qual o segmento cultural encontra-se inserido.
Observaram-se duas características básicas: a de que o impacto econômico da cultura
em sua cadeia de fornecedores diretos e indiretos é maior do que o gerado pelas demais
atividades de serviços (comércio, transportes, comunicações etc.); e a de que o seu
tamanho em relação às demais é bastante reduzido. Para a FJP (2003a), isso significa
que, embora os gastos em cultura gerem mais emprego e renda que os realizados nas
outras atividades, no conjunto da economia seus efeitos não são sentidos de forma
significativa, devido ao seu reduzido tamanho econômico.
Outra observação importante é a de que, em função de sua estrutura de consumo
intermediário, essas atividades culturais têm fortes encadeamentos com os demais
setores da economia.
Assim, por exemplo, para cada unidade de produção - R$1,00 - da atividade
(que vai toda para a demanda final/consumo das famílias), o PIB gerado
diretamente corresponde a R$0,36. Já o PIB total, considerando os efeitos
indiretos e induzidos, é de R$1,09, ou seja, a economia gera riqueza
ligeiramente superior ao valor produzido pelas atividades culturais. Esses
efeitos são diferenciados conforme as distintas atividades culturais. Assim, na
atividade de audiovisual, para cada R$1,00 consumido pelas famílias a
economia gera um PIB de R$1,30. Para festival/show/mostra esse valor
atinge R$ 1,27, em artes cênicas, R$1,22, e em gravação de CD, R$1,31,
todos superiores à média do conjunto das atividades culturais. (FJP, 2003a, p.
48).
93
Com respeito aos efeitos produzidos no emprego e na arrecadação, essas mesmas
atividades apresentam resultados superiores à média. Elas geram, em média, 245
empregos para cada R$ 1 milhão consumido pelas famílias, sendo 319 empregos na
atividade audiovisual, 310 em festival/show/mostra, 306 em artes cênicas e 324 em
gravação de CD, índices superiores à média do conjunto das atividades culturais. Como
comparação, na indústria automobilística o resultado é de 40 empregos, e em
comunicações, 56. (FJP, 2003a).
Com relação à capacidade de geração de ICMS, as atividades culturais estudadas
apresentam desempenho superior ao de segmentos produtivos consolidados:
O ICMS gerado (considerando-se o efeito total) pelo conjunto das atividades
culturais equivale a 4% do valor da produção dessas atividades, superior aos
2,6% de comunicações e a 0,8% de material de transporte (onde se encontra a
indústria automobilística). (FJP, 2003a, p. 49).
Para a FJP (2003a), esses dados demonstrariam o grande potencial de geração de
emprego, renda e impostos dessas áreas culturais, que, entretanto, não se realçaria
devido à sua pequena dimensão econômica. Como exemplo, cita as 62 mil pessoas
empregadas nessas atividades culturais em 2000, somente na Região Metropolitana de
Belo Horizonte, e o rendimento médio da cultura 18,3% superior ao da população
ocupada no mesmo ano e região. (SANTANA E SOUZA, 2001 apud FJP, 2003a).
2.5 Considerações finais
As condições para a estruturação sustentável da cultura como atividade econômica em
Belo Horizonte e os instrumentos e meios para sua promoção identificados neste
capítulo foram organizados no quadro sintético, apresentado a seguir. Ressalte-se que a
análise dessas condições foi feita dentro da perspectiva do segmento da música, objeto
de estudo da presente pesquisa.
94
QUADRO 02
Condições para a estruturação sustentável da cultura como atividade econômica
em Belo Horizonte e instrumentos e meios para sua promoção.
(continua)
Condições para a estruturação sustentável da
cultura como atividade econômica de BH
Estruturação dos órgãos de gestão da cultura no
âmbito estadual.
Integração da Prefeitura de Belo Horizonte ao
Sistema Nacional de Cultura.
Aumento dos recursos destinados à cultura.
Reformulação das diretrizes das leis de incentivo,
tanto estadual, quanto municipal.
Instrumentos e meios para a promoção das
condições
Reformulação das estruturas, propiciando
recursos técnicos, humanos e financeiros em
condições de executar uma política pública de
cultura voltada para a legitimação e
universalização dos direitos culturais.
Implantação do Conselho Estadual de Cultura.
Criação de um sistema estadual de informações
e indicadores culturais.
Criação da Secretaria Municipal de Cultura.
Implantação do Conselho Municipal de Política
Cultural.
Criação de um sistema municipal de informações e
indicadores culturais.
Criação de um programa municipal de formação
cultural.
Criação de sistemas municipais setoriais de
cultura.
Criação de um plano municipal de cultura.
Reestruturação do sistema municipal de
financiamento à cultura.
Aplicação dos índices definidos pela PEC
150/2003 que vinculam à cultura 1,5% da receita
estadual e 1% da receita municipal.
Realização de campanhas de conscientização das
empresas quanto ao seu papel no desenvolvimento
da cultura e do município.
Implantação dos mecanismos de participação das
empresas de menor porte.
Criação de mecanismos de estímulo ao
investimento em cultura pelas empresas de médio
e pequeno porte.
Estímulo à contrapartida financeira das empresas,
a partir da criação de condições institucionais e do
ambiente necessário.
Estímulo ao patrocínio de projetos experimentais.
Criação de mecanismos de monitoramento da
execução dos projetos aprovados pelos órgãos
gestores da Lei de Incentivo no que diz respeito à
qualidade artístico-cultural e ao comprimento dos
objetivos propostos.
Criação de mecanismos de circulação das
produções culturais das diversas regiões da capital,
a partir da descentralização dos investimentos.
95
QUADRO 02
Condições para a estruturação sustentável da cultura como atividade econômica
em Belo Horizonte e instrumentos e meios para sua promoção.
(conclusão)
Condições para a estruturação sustentável da
cultura como atividade econômica de BH
Criação de uma Política Estadual de Cultura.
Cumprimento pelo Estado do seu papel na
regulação do mercado.
Instrumentos e meios para a promoção das
condições
Criação de instrumentos de participação da
sociedade na construção, monitoramento e
avaliação dessas políticas, a começar pela imediata
implantação do Conselho Estadual de Cultura;
Criação de instrumentos que garantam os recursos
para a área;
Estabelecimento de diretrizes claras e coerentes,
que levem em conta a interrelação entre todos os
elos das cadeias produtivas dos diversos setores
culturais, tais como: a criação, a produção, a
distribuição e o consumo/exibição;
Implantação de mecanismos que garantam a
continuidade do trabalho artístico, a partir de
financiamentos de longo prazo;
Formulação de políticas de formação de plateias.
Criação de planos estratégicos de investimento que
conciliem os recursos injetados na cultura por
meio do incentivo fiscal com os investimentos com
recursos do Tesouro.
Diminuição da informalidade do setor.
Implantação de políticas de estímulo ao exercício
da profissão de músico na capital e fora dela.
Criação de mercados externos para a produção
cultural mineira, especialmente a musical.
Reformulação e institucionalização do programa
Música Minas.
Construção de parcerias com instituições culturais
estrangeiras.
96
3. A ECONOMIA DA MÚSICA EM BELO HORIZONTE
O ambiente criativo gera inovação. (Manuel Castells)
3.1 Introdução
Segundo vários autores, entre eles Werkema (2010), Belo Horizonte – planejada para
ser a capital do Estado – nasce da união de esforços de mineiros de todo o interior, gente
de todas as partes do país e imigrantes estrangeiros, que buscam empregos e melhores
oportunidades de vida. Essa mistura teria sido fator importante para que a capital se
tornasse uma síntese das manifestações culturais do Estado, refletindo toda sua
diversidade e criatividade.
Essas características se refletiriam de forma bastante contundente no segmento musical.
Bruno Martins (2009), ao analisar a origem do movimento Clube da Esquina, entre os
anos 1960 e 1970, afirma que seus integrantes, além de trazerem as influências
musicais, também trouxeram um pouco da sua cidade natal, a partir de “suas referências
históricas e culturais particulares”. O autor considera que isso “fez da capital mineira
um solo aglutinador, em torno do qual as cidades de onde partiram tais viajantes se
avizinhavam pelos caminhos da canção”. (BRUNO MARTINS, 2009, p. 46).
Para Werkema (2010, p. 98), seriam “muitos hoje os mineiros”, mas “dois tipos marcam
sua fisionomia humana e cultural”: “o minerador, que se localizou nas zonas centrais do
estado, em busca do ouro e pedras preciosas, e o sertanista, este criador de gado,
catrumano45, porque sempre anda a cavalo, em ‘quatro patas’”. Essas duas matrizes, de
raízes, estariam muito presentes na música mineira e belo-horizontina. Dos imigrantes
estrangeiros, as principais influências na música sofridas pela capital teriam vindo dos
espanhóis e dos italianos, por meio de expressões culturais como o corso (cortejo de
carros com apresentações musicais utilizado no Carnaval) e a ópera.
45
Expressão derivada do italiano (quatro mani), que em português significa quatro mãos, “usada por
Auguste Saint-Hilaire em viagem ao Norte de Minas, em 1817”. (WERKEMA, 2010, p. 98).
97
Essa origem diversificada seria responsável pela grande versatilidade – característica
preponderante do segmento musical belo-horizontino – que influencia diretamente a
economia da música da capital no que diz respeito aos gêneros musicais envolvidos e
suas implicações:
Lugar de encontro entre os recém-chegados do interior mineiro e aqueles que
nasceram na capital [...], Belo Horizonte foi o ponto de partida para a criação
de uma nova musicalidade que carrega em um andor a densidade barroca dos
cantos entoados nas festividades religiosas; que paquera a melodia chorosa
das noites de serestas; que flerta com a imprudência acrobata do jazz; que
namora a batida harmoniosa do violão bossa-novista; que se envolve à
cadência mestiça da canção latino-americana; que acompanha o batuque
ritmado do congado e se deixa levar pelo delírio, eletrizado pelas guitarras do
rock. (MARTINS, BRUNO, 2009, p. 41).
O músico Makely Ka46 enfatiza uma vertente importante dessa origem diversificada, a
da música negra.
Uma característica que é muito pouco estudada aqui em Minas e em Belo
Horizonte – por ser essa espécie de prisma do Estado – é a influência da
cultura negra, [...]. Minas é o segundo estado com maior população negra
do país. Só que a população negra de Minas é de origem “banto” 47, não
“ioruba” 48, como na Bahia. [...] que traz uma outra carga de informação, e
eu acho que isso influencia muito na nossa música, de uma forma que a
gente não tem muita noção. Os congados que tem aqui na região
metropolitana... Essa influência é muito forte, muito presente.
A segunda característica marcante da economia da música da capital é a sua história de
independência em relação às grandes gravadoras ou majors49. Segundo a FJP (2010, p.
55), ao longo das décadas de 1980 e 1990, outro mercado veio “se estruturando de
forma paralela ao imposto pelas grandes gravadoras: o dos artistas independentes” 50,
enquanto “apenas uma minoria dos artistas da cidade estava vinculada às majors”.
46
Um dos entrevistados na presente pesquisa.
“Raça negra sul-africana à qual pertenciam, entre outros, os negros escravos chamados no Brasil
angolas, cabindas, bengueles, congos, moçambiques”. (FERREIRA, 1975, p. 183).
48
“Povo negro do grupo sudanês da África ocidental, que vive no sul da Nigéria, no Daomé e no Togo”.
(FERREIRA, 1975, p. 782).
49
Denominação dada às grandes gravadoras multinacionais, que hoje são quatro: Universal Music Group,
Sony BMG Music Entertainment, EMI Group e Warner Music Group. “No Brasil, a única empresa com
capital exclusivamente nacional que se enquadra neste segmento é a Som Livre, que segue a agenda
internacional da música independentemente das preferências regionais do Brasil”. (SEBRAE, 2008, p. 24)
50
O mercado da música independente “inclui todas as produtoras, cessionárias ou concessionárias de
fonogramas que contenham interpretações ou execuções de obras musicais ou lítero-musicais de qualquer
gênero e que, por difundirem, distribuírem e/ou comercializarem tais fonogramas (seja diretamente, seja
via terceiros) podem ser consideradas selos, distribuidoras ou gravadoras independentes”. (SEBRAE,
2008, p. 24).
47
98
Esta realidade provoca a necessidade de profissionalização e aprimoramento levando o
artista a se transformar em produtor e realizador do seu produto, o que irá definir a
terceira peculiaridade importante da cadeia produtiva da música de Belo Horizonte.
Segundo a FJP (2010, p. 52), o segmento musical da capital de Minas Gerais se insere
no mercado “através de uma rede de serviços e atores que se intercomunicam
constantemente, assumindo vários papéis na cadeia produtiva”. Esta seria uma das
diferenças marcantes entre a cadeia produtiva local e a dos grandes centros brasileiros,
como Rio de Janeiro e São Paulo, cujos mercados são baseados na ação das majors.
Também seria característica do que a RedeSist (2005) chama de “inovação
incremental”, pois introduz melhoria no processo e na forma de organização da cadeia
produtiva da música de Belo Horizonte, gerando maior eficiência e redução de custos.
Essa característica foi fundamental para que a Fundação João Pinheiro definisse os elos
ou fases da cadeia produtiva da música de Belo Horizonte, assim identificados:
[...] o artista; os mecanismos públicos de fomento e incentivo à cultura; os
direitos autorais; a formação acadêmica e técnica; os produtores e agentes; a
indústria de instrumentos e equipamentos musicais; os estúdios de ensaio e
gravação; as empresas de locação de som e iluminação; os produtores e
agentes artísticos; a distribuição; a divulgação, veiculação, mídia (local,
regional, nacional e internacional); os espetáculos; a formação de platéias.
(FJP, 2010, p. 53-54).
Este capítulo analisa estes elos, a partir do conceito de cadeia produtiva adotado pelo
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE (2008, p. 18),
entendido como “uma rede de interrelações entre vários atores (agentes) de um sistema
industrial, que permite a identificação do fluxo de bens e serviços através dos setores
diretamente envolvidos”. Levou-se em consideração, ainda, que a cadeia produtiva da
música tem no fonograma51 sua principal unidade produtiva (além dos CDs – compact
discs –, DVDs52, espetáculos, festivais etc.) e possui, segundo o SEBRAE (2008, p. 19),
“seis macro-elos – Pré-produção, Produção, Distribuição, Divulgação, Comercialização
51
Unidade produtiva da música, em geral comercializada em formato de álbum (diversas músicas em um
só “produto”) e concebida de forma conjunta por uma gravadora, um produtor artístico e o(s) artista(s).
(SEBRAE, 2008).
52
Abreviação de Digital Versatile Disc ou Disco Digital Versátil, em português, é uma mídia considerada
de ótima qualidade para vídeos e recursos multimídia em geral. (SEBRAE, 2008).
99
e Consumo – em que as funções e os agentes atuam de forma linear e subordinada a
estes macro-elos”.
Tais macro-elos – mais precisos enquanto conceituação geral do mercado – foram
tomados como referência para se analisar os elos identificados pela FJP (2010) na
cadeia produtiva da música de Belo Horizonte. Eles foram analisados dentro da
perspectiva de se conhecer as condições que possibilitam ou dificultam a estruturação
sustentável da música como atividade econômica da capital mineira. Buscou-se não
perder de vista as peculiaridades locais, onde “os elos da cadeia se incorporam e se
mesclam, transpondo os limites de cada fase”, pois, como os artistas, em sua maioria,
são também produtores, distribuidores e divulgadores, “as funções se somam e se
entrelaçam”. (FJP, 2010, p. 80).
Numa análise subjacente, mas dentro da perspectiva traçada, também foram estudados
os dados relativos à participação no processo musical da cidade das vilas e favelas,
consideradas de grande importância no contexto geral da capital. Foram utilizados os
dados levantados pela FJP (2010), os quais, embora tenham sido apontados como “não
precisos em termos estatísticos”, pelo fato de que “seus músicos não se encontram
organizados em associações ou sindicatos” (FJP, 2010, p. 172), forneceram informações
relevantes sobre esse segmento.
3.2 Caracterizando os elos da cadeia produtiva da música de Belo Horizonte
Na ausência de grandes gravadoras na cidade e diante das peculiaridades locais
marcadas pelas novas formas de comercialização da música, a partir das novas
tecnologias, e pela forte dependência das leis de incentivo, o estudo da FJP (2010, p.
53), que se constitui em uma das principais fontes de dados da presente dissertação,
baseou-se na análise do que chamou “o artista-criador”.
Para construir a amostra da pesquisa, a FJP (2010) partiu do levantamento dos artistas e
compositores com atuação profissional no município, registrados nas seguintes
entidades da categoria: Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), União Brasileira de
Compositores (UBC), Sociedade Independente da Música (SIM), Associação Artística
100
dos Músicos de Minas Gerais (AMMIG), Cooperativa dos Músicos de Minas
(COMUM) e Sindicato dos Músicos Profissionais de Belo Horizonte.
Foi levado em consideração, ainda, que “grandes e destacados artistas trabalham suas
carreiras sem saírem da cidade, gerando uma cadeia econômica considerável” (FJP,
2010, p. 53) e que a capital mineira é referência nacional quando se trata de conhecer o
posicionamento do consumidor em relação a algum produto cultural. “Muitos artistas
estreiam seus shows em Belo Horizonte, considerada, ao lado de Curitiba, um
termômetro de avaliação de sucesso de uma nova empreitada artística”. (FJP, 2010, p.
55).
Outro fator importante considerado foi o avanço das tecnologias digitais que reduzem
os custos da produção e facilitam a entrada no mercado das gravadoras de menor porte,
conhecidas como independentes ou indies53. Este avanço pode ser comprovado nos
dados da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD)54, que indicam
crescimento substancial da participação do segmento digital no total das vendas do
mercado fonográfico brasileiro, de 2% em 2006 para 12% em 2008, com queda na
mesma proporção das músicas comercializadas em suporte físico (CD e DVD).
3.2.1
Pré-produção ou fatores condicionantes do funcionamento da indústria
Para o SEBRAE (2008), a fase de pré-produção não faz parte da cadeia da música em si,
já que não determina suas características, formatos ou remuneração. Ela reúne um
conjunto de fatores condicionantes, vistos como os insumos para o funcionamento da
indústria e que exercem influências nas fases seguintes da cadeia. Considerados os
“pressupostos para a existência de um mercado de música e de produção do
fonograma”, esses condicionantes, cujas características são analisadas a seguir, seriam
em primeiro lugar o capital humano e a sua formação; a indústria de equipamentos para
53
Abreviação da palavra de origem inglesa Independents (independentes) que, na cadeia produtiva da
música, caracteriza as gravadoras ou selos que não fazem parte das gigantes da indústria fonográfica.
(SEBRAE, 2008)
54
Fonte: ABPD. Mercado brasileiro de música 2009. Rio de Janeiro, 2009. 10 p. Disponível em:
http://www.abpd.org.br/downloads/Final_Publicacao_09_2010_CB.pdf. Acesso em: 31 Jan. 2011.
101
som, edição e gravação; os fornecedores de insumos para a produção dos suportes; a
indústria de instrumentos musicais e a educação musical. (SEBRAE, 2008, p. 20).
3.2.1.1 Capital humano: o artista; a formação acadêmica e técnica
“Amor pela música e a determinação” são os fatores principais que levam os músicos de
Belo Horizonte a manter o ritmo de suas atividades, segundo a FJP (2010, p. 110). Os
dados obtidos indicam que para 31% dos artistas pesquisados essas são as principais
motivações. Em segundo lugar, a realização de shows é o estímulo mais importante para
5%; enquanto patrocínios, amadurecimento profissional, qualidade do trabalho,
utilização da internet como instrumento de divulgação, atuar em toda a área musical e
relacionamentos pessoais, cada uma com 4%, são as outras motivações mais citadas.
A maioria declara ser compositor (78%), instrumentista (69%) e/ou cantor (63%). Um
grupo elevado, de 49%, tem na produção cultural seu principal tipo de trabalho,
enquanto as funções de arranjador e professor também apresentam índices
significativos, de 42% e 35%, respectivamente. Quanto às atividades musicais que
desenvolvem, a realização de shows em teatros e casas de espetáculos (80%) é a
principal, seguida da gravação em estúdio (60%) e da música ao vivo em bares e
restaurantes (40%). Concertos e recitais são realizados por apenas 20% dos
entrevistados. (FJP, 2010).
O segmento da música da cidade possui um capital humano bastante experiente: 52%
têm 16 ou mais anos de atuação no mercado, sendo que metade destes já está na
profissão há 25 anos ou mais. Outros 34% têm seis ou mais anos no mercado, e apenas
1% tem menos de um ano de atuação profissional. Essa experiência, entretanto, não se
reflete na remuneração percebida pelo segmento. A média dos cachês pagos por
apresentação em Belo Horizonte é considerada muito baixa: 47% recebem até R$
500,00; 29% recebem entre R$ 500 e R$ 3.000; e apenas 3% têm cachê acima de R$
10.000.
A comparação entre os preços médios de cachê por apresentação, fixados pelo Sindicato
dos Músicos Profissionais de Belo Horizonte e os sindicatos das outras grandes praças
102
brasileiras, mostra grande defasagem dos preços praticados na capital mineira. Quando
a comparamos com o Rio de Janeiro, por exemplo, vemos que a participação de um
instrumentista em um show de artista nacional é remunerada em R$ 430 em BH e em
R$ 830 na capital fluminense; para fazer um arranjo, o músico em BH recebe R$ 402,
enquanto o do Rio tem cachê de R$ 1.410. A gravação de um jingle tem diferença ainda
mais gritante: R$ 430 e R$ 3.300; e a diferença para gravação de um solo em uma faixa
musical é de quase 500%: R$ 430 e R$ 2.000, respectivamente. (FJP, 2010).
Dessa forma, a atividade musical proporciona remunerações médias anuais muito
baixas, de até 10 mil reais para 29% dos músicos e entre 10 e 50 mil reais para 30%.
Apenas 7% faturam acima de 50 mil reais e “os artistas com renda média anual acima
de 100 mil reais são aqueles vinculados a algum selo e/ou gravadora e têm projeção
nacional”. (FJP, 2010, p. 109).
A relação estabelecida entre tempo no mercado e atividade desenvolvida mostrou que,
dos que se apresentam em bares e restaurantes, o maior percentual, de 33%, é de quem
tem menos de um ano de profissão, sendo apenas 14% com mais de 25 anos. A
proporção é inversa quando se trata de gravação em estúdio: 32% têm mais de 25 anos
de atividade, enquanto 18% têm menos de cinco anos. (FJP, 2010).
Esse capital humano mostra-se eclético e flexível. Quanto à forma de apresentação, 55%
afirmam fazer trabalho solo, enquanto 46% integram uma ou mais formações musicais
de forma fixa ou eventual, sendo que um mesmo músico pode participar dos dois
grupos. 31% declararam convidar outros músicos para fazerem parte de suas
apresentações, indicando um índice significativo de trabalho em parceria. Bandas (56%)
constituem a formação mais comum e corais a menos procurada, apenas 5%. Orquestras
e grupos de música de câmara apresentam índice de 13% cada um, dando uma dimensão
do segmento da música erudita na cidade, embora seja preciso considerar que muitos
grupos de câmara são formados por integrantes das orquestras. (FJP, 2010).
Os gêneros praticados indicam uma formação variada dos músicos. A música popular
brasileira (MPB) é o principal gênero praticado em Belo Horizonte, segundo a FJP
(2010): 80% dos músicos declararam executá-la. Rock e pop (39%), samba (29%) e
103
regional (15%) são os outros gêneros com índices significativos. 10% dos músicos
declaram trabalhar com música para publicidade.
Os baixos índices apresentados pelos gêneros rap/hip-hop/funk
55
(4%), sertanejo (3%)
e pagode/axé (2%), importantes na cidade, são explicados pela FJP (2010) pelo fato da
maioria dos músicos que trabalham nesses campos não estar organizada formalmente e,
portanto, não fazer parte do universo da pesquisa. O mesmo se aplicaria ao gospel, cujo
1% encontrado não refletiria a realidade da cidade, sede de um dos grupos com índices
de vendas superiores a um milhão de CDs por edição (Diante do Trono, da Igreja
Batista da Lagoinha) e que, recentemente, firmou parceria com a major Som Livre.
A comparação entre atividade desenvolvida e gênero musical mostrou que a maioria das
atividades ligadas à MPB acontece em shows (35%), gravações em estúdios (26%) e em
bares e restaurantes (19%). A música erudita concentra-se em shows (30%) e em
concertos e recitais (26%), enquanto gospel (50%) e sertanejo (38%) apresentam os
maiores índices de gravação em estúdio, seguidos do rap/hip-hop/funk (33%) e
rock/pop (31%).
Entre os músicos das vilas e favelas da capital, os estudos apontam a liderança do
pagode no ranking dos gêneros musicais, (15% do total dos grupos musicais), seguido
do samba (11%), do rap (11%), do gospel
56
(10%) e do pop rock (10%). Numa faixa
inferior, em termos percentuais, há a MPB com 6,5% e o forró, funk e a música
sertaneja, com 5% cada um. Percentuais ainda mais baixos referem-se ao reggae, à
música instrumental e à música erudita (definida neste contexto como “música
clássica”).
O gospel, entretanto, apresentaria grande tendência de expansão, pelo crescimento das
igrejas neopentecostais, que executam amplamente o gênero musical em seus cultos,
55
O movimento Hip-Hop, criado em Nova Iorque por jamaicanos, na década de 1970, e que chegou ao
Brasil no início da década de 1980, possui três vertentes principais: na música, o rap, abreviatura para
rhythm and poetry (ritmo e poesia), longas letras que tratam de questões da comunidade negra; na dança,
o break; e nas artes plásticas, o grafite. “As linguagens do rap, do break e do grafite tornaram-se os
pilares da cultura hip hop”. (DAYRELL, 2005, p.47 apud FJP, 2010, p. 173). Funk: gênero musical
originado na chamada black music, que surgiu nos guetos de Nova Iorque e, gradualmente, foi
extrapolando as fronteiras dos Estados Unidos. (FJP, 2010).
56
No inglês, gospel, no português, evangelho, é um gênero musical utilizado nos cultos das igrejas
neopentecostais, mais precisamente durante o rito inicial ou louvor. (FJP, 2010).
104
atribuindo-lhe grande importância até mesmo na migração de fiéis entre igrejas,
motivados pela força e a qualidade da música realizada. O rap, por sua origem ligada à
cultura negra, também se expande para além dos tradicionais bailes em escolas públicas,
quadras cobertas e pequenos salões nas periferias. “O grupo NUC57 é representativo
desse crescimento, já tendo participado da abertura de grandes eventos, como o Festival
de Arte Negra (FAN), o Festival Internacional de Teatro Palco e Rua (FIT) e os projetos
Tons & Sons e Conexão Telemig Celular”. (FJP, 2010, p. 177-178).
No perfil do artista das vilas e favelas, os dados apontam que “esses jovens têm como
sonho uma carreira musical que signifique uma alternativa de sobrevivência”, mas
“encontram extrema dificuldade para sobreviver da música, principalmente a partir do
momento em que constituem famílias”. O processo de exclusão escolar e a falta de
empregos seriam os grandes obstáculos. (FJP, 2010, p. 174). Faz-se importante observar
que esses artistas ainda precisam “romper significativas barreiras com relação aos
preconceitos existentes na sociedade contra músicos e músicas pertencentes às
periferias”. (FJP, 2010, p.178).
No que diz respeito à formação acadêmica dos músicos em geral, nesta profissão o
diploma em si faz quase nenhuma diferença. “A carreira musical, principalmente para
os gêneros mais populares (pop, rock, sertanejo, samba), assim como a música popular
em geral independe da formação acadêmica” (FJP, 2010, p. 94) e a formação teórica
não é item obrigatório para obtenção do registro junto à Ordem dos Músicos Brasileiros.
Belo Horizonte, entretanto, oferece boas oportunidades de formação musical. Possui
duas instituições de ensino vinculadas a universidades públicas: as escolas de música da
Universidade Federal de Minas Gerais (EM/UFMG) e da Universidade Estadual de
Minas Gerais (ESMU/UEMG), esta mais voltada para a licenciatura e ambas com maior
ênfase na música erudita, oferecendo cursos de graduação e pós-graduação. No âmbito
estadual, registre-se, ainda, a importante atuação do Centro de Formação Artística
(Cefar) da Fundação Clóvis Salgado (FCS).
57
Negros da Unidade Consciente (NUC), grupo de rap criado em 1997, no bairro Alto Vera Cruz (Região
Leste), cujas letras, musicalidade e performances vêm construindo uma identidade própria para o rap
produzido em Belo Horizonte. Tem se apresentado em vários estados brasileiros, entre os quais Rio de
Janeiro e São Paulo. Em 2004, fez sua primeira apresentação nacional no evento Hip Hop Havana, em
Cuba. Fonte: Site Favela é Isso Aí. Disponível em: http://www.favelaeissoai.com.br/noticias.php?cod=20.
Acesso em: 20 Out. 2010.
105
Entre as escolas particulares, destaca-se a Fundação de Educação Artística (FEA),
criada em 1963 e que oferece uma gama variada de cursos de instrumentos, canto e
iniciação musical. É significativo o número de instituições voltadas para o ensino da
música popular na cidade. “Iniciado em 1983 com a Música de Minas Escola Livre, esse
crescente movimento de formação gerou centenas de escolas em Belo Horizonte, dentre
elas, por exemplo, a Babaya Escola de Canto, a Acorde Escola de Música e a
Promusic”. (FJP, 2010, p. 60-61).
No que diz respeito à formação de técnicos e demais profissionais vinculados à
infraestrutura (iluminadores, sonoplastas, cenógrafos, técnicos de mixagem e
masterização etc.), apesar da grande demanda, a oferta de cursos é deficitária na capital.
Para se aperfeiçoar, os profissionais dessas áreas precisam recorrer a cursos no Rio de
Janeiro, São Paulo ou até mesmo em outros países. (FJP, 2010).
Em relação à gestão e à produção musical, no entanto, há registros de que esses setores
começam a receber mais atenção com a implantação de cursos livres, de ensino superior
e pós-graduação, que, “embora em fase embrionária, representam um enorme avanço na
profissionalização e adequação ao mercado”. (FJP, 2010, p. 94). Com o objetivo de
democratizar o acesso de artistas e grupos da periferia às leis de incentivo à cultura,
como forma de garantir a produção do seu trabalho, também há dados que comprovam a
realização de cursos de capacitação neste sentido. (FJP, 2010).
3.2.1.2 A indústria de equipamentos para som (edição e gravação) e
iluminação
Para o SEBRAE (2008, p. 20), a indústria de equipamentos eletroeletrônicos (para
gravação e edição de música e para iluminação de eventos) é outra variável da fase de
pré-produção da cadeia da música, por constituir importante insumo para as gravadoras,
determinando “os novos formatos e as novas técnicas de gravação, que podem agregar
novas formas de trabalhar os arquivos de áudio e proporcionar maior qualidade ao
fonograma”.
106
O mercado brasileiro disponibiliza uma infinidade de marcas internacionais de
prestígio, além de marcas nacionais, oferecendo grande variedade de preços e
especificações capaz de atender à necessidade de cada cliente. (SEBRAE, 2008). Belo
Horizonte possui um bom ramo de comercialização e importação de microfones e
equipamentos de gravação e palco em geral, mas os impostos cobrados fazem com que
eles cheguem à cidade com preços muito elevados em relação aos praticados no
mercado internacional. (FJP, 2010).
3.2.1.3 Os fornecedores de insumos para a produção dos suportes
Fora da internet, o fonograma depende de suportes físicos para a sua comercialização
(CD, DVD, VHS58, SMD59, HD-DVD e Blu Ray60). Segundo a Fundação João Pinheiro,
Belo Horizonte “possui empresas atuantes em praticamente todos os elos”, mas haveria
“defasagem no que se refere às editoras, distribuidoras e fábricas de CDs”, o que geraria
“dependência das empresas do Rio de Janeiro e São Paulo e de Manaus, que atendem a
todo o Brasil”. (FJP, 2010, p. 81).
Como os CDs e DVDs são fabricados em sua maioria em São Paulo, em
Manaus, ou são importados, existe um mercado significativo de empresas
representantes e duplicadoras que atende a uma fatia cada vez maior de
artistas em início de carreira e àqueles que estão associados à música
evangélica. (FJP, 2010, p. 98).
Essas empresas que produzem o meio físico para circulação da música apresentam alto
poder de influência no mercado, não pela sua especialização ou concentração, mas pelos
altos custos de replicagem que geram para as gravadoras independentes, devido às
baixas tiragens comuns às mesmas, em comparação com as majors. (SEBRAE, 2008).
58
Video Home System ou Sistema de Vídeo Caseiro, em português.
Semi Metalic Disc ou Disco Semi Metálico, em português.
60
DVD de Alta Definição (High Definition ou HD-DVD) e Blu Ray (anteriormente chamado blue-ray)
são formatos concorrentes que tendem a substituir o atual DVD por possuírem maior capacidade de
armazenamento. (SEBRAE, 2008).
59
107
Suporte físico da produção interrompido com o surgimento do CD, o disco de vinil61
começou a voltar ao mercado nos últimos anos na esteira de movimentos nostálgicos de
volta ao passado. Existe, entretanto, apenas uma fábrica do produto no país – a
Polysom, única da América Latina – localizada no município de Belford Roxo, no Rio
de Janeiro, que, após fechar as portas em 2007, votou a operar com força total no início
de 2010. O custo do seu produto é considerado muito elevado, como atesta informação
do selo belo-horizontino Vinyl Land Records, criado em 2008, cujos discos são
prensados na Alemanha, devido aos altos custos da produção no Brasil.62
3.2.1.4 A indústria de instrumentos e equipamentos musicais
Outro fator integrante da fase da pré-produção, a indústria de instrumentos musicais
(vistos como insumos para a produção e a composição de músicas) é tida como
condicionante da cadeia produtiva na medida em que pode determinar o acesso aos
produtos, através da oferta e do preço. Belo Horizonte reflete o panorama nacional,
onde existem poucas fábricas de instrumentos musicais, levando à necessidade de
importação para suprir a demanda. Essa característica, além de encarecer os produtos e
aumentar a dificuldade de acesso a instrumentos de qualidade, “pode afetar a qualidade
musical do que é composto, gravado e consumido”. (SEBRAE, 2008, p. 20).
Para a FJP (2010), a comercialização e a importação de instrumentos musicais está bem
estruturada na capital mineira. O entrave, assim como acontece com os equipamentos
para gravação, são os impostos, que ainda encarecem os instrumentos, embora a
valorização do real em relação ao dólar tenha tornado os preços mais atrativos
recentemente. A cidade possui fábricas de instrumentos de corda (violões e guitarras),
de percussão e alguns luthiers63, cujo trabalho tem sido mais demandado por
instrumentistas de cordas e arco, na procura por produtos exclusivos.
61
O disco de vinil, ou simplesmente vinil, ou ainda Long Play (LP), ou coloquialmente bolachao, é uma
mídia para a reprodução musical desenvolvida no início da década de 1950, que usa um material plástico
chamado vinil. (SEBRAE, 2008)
62
Fonte: Selo Vinyl Land Records. Disponível em: http://vinyllandrecords.com. Acesso em: 15/12/11.
63
Artesãos que fabricam ou reparam instrumentos de cordas com caixa de ressonância. (Fonte: Dicionário
Houaiss)
108
“O mercado de instrumentos musicais se aqueceu em proporções geométricas nos
últimos anos em Belo Horizonte”, afirma a FJP (2010, p. 95), atribuindo o fato ao
aumento no número de lojas, além da melhoria do câmbio. “Isso gerou consumo direto
de instrumentos e equipamentos no mercado da própria capital”. Os dados apontam
também que “uma grande parcela dos entrevistados aproveita viagens de espetáculos
para adquirir produtos em outros estados ou países”. (FJP, 2010, p. 95).
3.2.1.5 A educação musical e a formação de plateias
Um aspecto integrante da fase da pré-produção considerado importante pelo SEBRAE
(2008) é a formação de plateias. A questão é vista do ponto de vista da educação
musical das crianças, visando o consumidor do futuro. “Se as crianças tiverem a música
como objeto de estudo e conhecimento dentro da sua grade de formação curricular, se
tornarão mais aptas a conhecer e a consumir música em seus mais variados estilos”.
(SEBRAE, 2008, p. 20).
Nessa perspectiva, a entrada em vigor, em 2011, da lei federal nº 11.769, que obriga a
inclusão do ensino da música na Educação Básica (que engloba a educação infantil e o
ensino fundamental) é um primeiro passo muito importante. No entanto, para que gere
os efeitos desejados do ponto de vista musical – desenvolver a criatividade e a
sensibilidade e difundir o senso estético – será preciso que toda a comunidade envolvida
fique atenta para assegurar um ensino musical de qualidade, com metas pedagógicas
precisas e contínuas e com profissionais capacitados, como defende a diretora da
Associação Brasileira de Ensino Musical (ABEM), Sônia Regina Albano de Lima, em
entrevista ao site Educar para Crescer64.
Lisiane Bassi, coordenadora do Ensino de Música de Franca (SP), considerado
referência nacional, em entrevista ao mesmo site, aponta um caminho: "Não queremos
formar músicos, mas desenvolver a criticidade para não aceitar tudo o que a mídia
impõe, conhecer as raízes da música brasileira, despertar o gosto pela música, preservar
64
Fonte: Site Educar para Crescer. Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/politicapublica/musica-escolas-432857.shtml. Acesso em: 30 Jan. 2011.
109
nosso patrimônio musical e aumentar o repertório musical nacional e internacional” 65.
Ao desenvolver a escuta, pretende-se atuar diretamente sobre a qualidade de fruição da
música.
A realidade, entretanto, aponta um caminho árduo a ser perseguido para se alcançar este
objetivo. Informações fornecidas por alguns dos entrevistados na presente pesquisa
indicam que várias empresas de software estariam preparando programas digitais de
ensino da música para serem oferecidos às escolas, numa atitude contrária ao espírito do
movimento que gerou a nova lei. A questão mais preocupante é que tais ferramentas
estariam sendo desenvolvidas exclusivamente por técnicos em computação, sem
participação de músicos e pedagogos. Ao analisar programas deste tipo existentes no
mercado, Krüger et al. (1999, apud VIANA JÚNIOR, 2010, p.3), afirmam que “a
maioria dos aplicativos não se fundamenta nos mais recentes parâmetros pedagógicos,
psicológicos, sociológicos e de outras áreas específicas da educação musical, o que
limita as vantagens da aplicação educacional destes”.
Belo Horizonte se ressente de políticas de formação de público. Embora bastante
restrito, o trabalho mais consistente vem sendo desenvolvido pelas instituições públicas
(UFMG, UEMG e FCS), além da FEA, instituição privada. Nessa direção, elas têm
oferecido cursos de extensão (de iniciação musical, de instrumentos e canto) voltados
para a comunidade. As escolas públicas mantêm importantes e tradicionais grupos como
big bands, coros de câmara, variadas formações de cordas, metais e percussão, bandas e
orquestras sinfônicas, que, além de servirem como laboratórios para seus estudantes,
realizam apresentações gratuitas e permanentes. (FJP, 2010).
Vale destacar o atual trabalho do Conservatório UFMG, que durante mais de 40 anos foi
sede da Escola de Música da Universidade. Desde 2000 – quando se transformou em
um centro de referência cultural, após a transferência da Escola para o campus da
Pampulha –, tem oferecido projetos de formação de plateia e de divulgação de
compositores e intérpretes da capital mineira, voltados para diferentes gêneros musicais,
tais como Concertos Didáticos UFMG (de música erudita), Quarta Cultural (música
erudita e instrumental contemporânea), Prata da Casa (produção de alunos, ex-alunos e
65
Fonte: Site Educar para Crescer. Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/politicapublica/musica-escolas-432857.shtml. Acesso em: 30 Jan. 2011.
110
professores da Escola de Música da UFMG), Para Todos (música popular), Pinzindin
(choro), Sambaqui (samba) e Domingo na Feira (bandas e grupos populares da região
metropolitana de Belo Horizonte).
A formação de plateias ou sensibilização do público fora do universo das escolas
também tem sido alvo da preocupação de diversos músicos e produtores culturais belohorizontinos, através de projetos didáticos voltados para públicos específicos.
Entretanto, como alerta a própria Fundação, “com exceção de alguns projetos
institucionais das instâncias de governo, praticamente todas as ações de formação de
plateia provêm de empreendedores culturais que dependem visceralmente das leis de
incentivo”. (FJP, 2010, p 94). O entendimento é de que isso seria um complicador na
medida em que atrelaria a realização dessas ações à seleção dos projetos e à captação
dos recursos.
A volta do ensino da música ao currículo da educação básica é um grande e
fundamental avanço, mas trará consequências a longo prazo. Do ponto de vista do curto
e do médio prazo, ainda há muito que fazer para fomentar o mercado. Os estudos
apontam que a formação de público é a base para a formação do gosto musical, hoje
completamente formado pela mídia. O público gera demanda pela música e esta, por sua
vez, gera novos públicos. Este trabalho, entretanto, está bastante distante da realidade
belo-horizontina. (FJP, 2010).
3.2.2
Produção
A produção é caracterizada por ser a fase onde acontece a concepção do produto em si –
a música. Na cadeia da indústria fonográfica os principais atores do elo produção são as
gravadoras, responsáveis por todo o processo (estrutural, humano, jurídico) que
transforma o fonograma num produto passível de venda. Na cadeia tradicional esse
papel cabe às grandes gravadoras, as majors. Na cadeia da música independente, as
pequenas gravadoras ou indies assumem este papel. No Brasil, o SEBRAE (2008)
aponta a existência de mais de 400 produtoras e/ou selos independentes de diversos
portes, em sua maioria micro e pequenas empresas, que possuem, em conjunto, grande
111
participação no mercado, especialmente nos nichos66 criados a partir de critérios como
estilo de música, região geográfica, público-alvo etc. O órgão destaca, entretanto, não
haver uma quantidade suficiente de dados de mercado para retratar fielmente as
independentes. Os dados da FJP (2010) mostram que Belo Horizonte possui produtoras
independentes experientes, embora alguns artistas prefiram contratar empresas do Rio
de Janeiro ou São Paulo para a realização deste trabalho.
Normalmente, o mercado atua com quatro formatos de produtos: catálogo
(relançamento no mercado de um projeto ou álbum de determinado artista, como é um
produto que já existe, não há necessidade das outras fases de produção); projeto especial
(relançamento de obras de artista que já morreu; resgate de obras raras relacionadas a
esse artista ou que trabalham aspectos adicionais à música, como imagens, filmes etc.);
lançamento (colocação de um novo álbum no mercado); e selo (formato onde existe
uma unidade de tema, gênero ou filosofia que agrupa trabalhos de diferentes artistas,
indicando valores e ideias similares que permeiam as músicas). (SEBRAE, 2008, p. 21).
3.2.2.1 Caminhos percorridos até o produto final
Para um lançamento (criação de um produto novo) tem de haver primeiro o processo de
criação e composição, onde são feitas as letras, a música e os arranjos para o álbum.
Além dos artistas (intérprete – cantor ou cantora – e instrumentistas), este processo
requer a presença do diretor ou “produtor musical e artístico, responsável por dar
unidade ao trabalho, escolher o repertório e conduzi-lo até que se tenha o master67 da
gravação”. (SEBRAE, 2008, p. 21).
Segundo a FJP (2010), o mercado das produtoras (empresas ou pessoas físicas) de Belo
Horizonte estaria em ascensão, devido aos cursos implantados na cidade. Também teria
66
“Nichos de mercado são pequenos segmentos ou públicos cujas necessidades particulares são pouco
exploradas ou não atendidas pelas empresas. A estratégia de aproveitamento de nichos está justamente na
identificação das bases de segmentação que, quando exploradas, fornecem um diferencial ou uma
vantagem competitiva para a empresa”. (SEBRAE, 2008, p. 81).
67
Gravação do master: processo de pós-produção que prepara e transfere o material gravado de uma fonte
contendo a mixagem final para um dispositivo de armazenamento chamado master, pelo qual todo
produto (DVD, CD ou até mesmo uma música única) deve passar antes de chegar ao consumidor final.
(SEBRAE, 2008).
112
sido identificada “uma proliferação de salas específicas para ensaio em Belo Horizonte,
muitas delas montadas pelas próprias bandas e artistas, cientes da necessidade de
otimização da produção dos discos”. (FJP, 2010, p. 100).
Esta etapa também inclui os aspectos legais, como os contratos firmados pelas partes
envolvidas, formalizando responsabilidades, remunerações, participações e os direitos
autorais (remuneração gerada para autores e editores das músicas a serem gravadas, pela
utilização das mesmas). A questão dos direitos autorais foi sempre polêmica e alvo de
grandes debates. Está em curso no país um processo de reforma da Lei dos Direitos
Autorais, a partir de iniciativa do Ministério da Cultura.68
Inicialmente, as majors, através dos contratos, se tornavam donas da obra do artista,
recebendo os direitos autorais, além de um percentual sobre a venda do produto.
Através de muita batalha legal, alguns artistas conseguiram reaver o direito às suas
criações artísticas, mas até hoje essa situação persiste. Aos poucos, a categoria foi se
reunindo em “sociedades de registro e fiscalização do recolhimento de direitos autorais,
atuando junto ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD)”, buscando
promover maior transparência e esclarecimento sobre o assunto. (FJP, 2010, p. 64).
Nos novos modelos de negócio por meio da web69 os direitos de propriedade intelectual
seriam um desafio, não apenas no que diz respeito ao controle da pirataria70, mas quanto
à necessidade de adaptação de indústrias, como a musical, ao paradigma digital. O tema
também tem merecido frequentes e acirrados debates. (SEBRAE, 2008). Redes sociais e
sites de conteúdo formulados pelos usuários vêm criando uma série de regulamentações
para evitar ações legais de gravadoras, além de editoras, estações de TV e estúdios de
cinema. A conhecida rede social Myspace licenciou tecnologias de áudio para prevenir
que músicas protegidas por direitos autorais sejam publicadas nos perfis pessoais dos
usuários da rede. A ferramenta de segurança permite o bloqueio de gravações protegidas
68
Fonte: Site do Ministério da Cultura. Disponível em www.cultura.gov.br. Acesso em: 15 Jan. 2011.
World Wide Web (em português: rede de alcance mundial), também conhecida como WWW ou
internet.
70
“Pode-se definir pirataria como a prática de copiar, distribuir e vender CDs e DVDs sem autorização do
produtor fonográfico e sem recolher impostos e direitos autorais conexos e fonomecânicos”. (SALAZAR,
2010, p. 46).
69
113
por direitos, antes mesmo de o usuário torná-las públicas, controlando todas as
gravações dos áudios enviados por membros da comunidade para seus perfis71.
Segundo a FJP (2010), só agora o artista independente começa a ter consciência da
importância do registro de sua obra e, em Belo Horizonte, por falta de informação, esse
processo seria recente. Data do final da década de 1980 a instalação de um escritório da
Associação de Músicos Arranjadores e Regentes (AMAR) na capital, trazido pelos
autores Paulo César Pinheiro e Fernando Brant, com objetivos de esclarecimento e de
registro dos interessados. No Diagnóstico da Cadeia Produtiva da Música de Belo
Horizonte, a Fundação João Pinheiro informa que, apesar de essencial para a pesquisa,
não obteve junto ao ECAD os dados relativos aos direitos autorais pagos às obras dos
compositores da capital. “Um ponto de interrogação permanece então no que se refere
ao valor dos direitos autorais pagos aos artistas de Belo Horizonte e de Minas”. (FJP,
2010, p. 65).
O passo seguinte neste elo da cadeia é a gravação, que envolve a escolha de estúdio,
engenheiros de som e técnicos responsáveis pelas condições de gravação. Para a FJP
(2010, p. 100), “Belo Horizonte conta com grandes e reconhecidos estúdios
profissionais, por sua tradição e/ou qualidade. Esses fatores resultam numa oferta
surpreendente desses serviços, em contraponto com a demanda por profissionais
técnicos especializados”. Seriam mais de cem estúdios de gravação profissionais, além
da parcela significativa de músicos que possuem estúdio próprio (26% entre os
pesquisados no período de 2003 a 2008).
Nas etapas posteriores acontecem a mixagem e a masterização72 que, ao final, irão gerar
uma fita (master) – formato final do produto, que estará pronto para reprodução e
distribuição. Dados da FJP (2010) mostram Belo Horizonte com profissionais
experientes nesta área, embora registrem que alguns artistas prefiram realizar este
trabalho com empresas do Rio de Janeiro ou de São Paulo.
71
Fonte: Site MCK. Disponível em: http://www.mck.com.br/novidade.htm. Acesso em: 12 Fev. 2011.
Mixagem: processo onde é feita a harmonização dos instrumentos gravados, do ponto de vista do
volume, ritmo e timbre, e, eventualmente, corrigidas falhas de gravação. (SEBRAE, 2008). Masterização:
última etapa do processo de gravação e primeira do processo de fabricação do produto, onde são feitos a
edição das faixas e o nivelamento sonoro, garantindo-se o equilíbrio do som de uma faixa para outra,
buscando garantir bom nível de audição nos equipamentos de reprodução. (FJP, 2010).
72
114
Paralelamente, no caso em que a distribuição é feita em suporte físico, há a produção
gráfica, onde são definidas as diretrizes para criação e produção da capa, encartes e
textos, que irão definir a apresentação do CD ou DVD. A FJP (2010, p. 102) registra a
existência de “excelentes profissionais nesta área” na capital. A última etapa desta fase
da cadeia é o envio da master para prensagem dos CDs e da arte da capa para
impressão, informando as quantidades a serem produzidas. (SEBRAE, 2008, p. 22).
Nas produções que não incluem suporte físico, os artistas, através dos recursos
tecnológicos e da internet, podem se lançar no mercado independentemente de
gravadoras. Nesses casos, muitas vezes, criação, composição, gravação, mixagem e
masterização são feitas pelo próprio artista, que também pode criar seu próprio portal,
registrar e divulgar sua obra, para ser ouvida on line73 ou para download74. O artista
torna-se também produtor, assumindo vários papéis da cadeia produtiva.
3.2.2.2 Peculiaridades da produção musical em Belo Horizonte
Belo Horizonte, segundo a FJP (2010), apresenta importantes peculiaridades nesta fase
da cadeia produtiva da música, e, dentro dos objetivos do presente estudo, é importante
que sejam destacadas. Diferentemente do eixo Rio-São Paulo, que, seguindo o que
ocorre em outras grandes metrópoles internacionais, tem como elo comercial mais forte
as grandes gravadoras ou majors, o segmento musical da capital de Minas Gerais se
insere no mercado a partir de uma rede de serviços e atores em constante
intercomunicação, que assumem diferentes papéis na cadeia produtiva.
De um modo geral, numa economia do segmento musical, seus atores não têm papel
estanque. Este estudo mostrou que essa característica é ainda mais evidente em Belo
Horizonte, onde o artista-criador do produto, na maioria dos casos, também é o
fomentador, produtor, contratante de serviços e divulgador, inserido no que se
73
Ouvir uma música online significa ouvi-la diretamente da internet, isto é, sem precisar copiá-la no disco
rígido do computador ou em algum dispositivo, tal como um CD-ROM.
74
Processo pelo qual se dá a cópia de arquivos armazenados em outros locais da internet.
115
convencionou chamar de mercado independente. Essa característica teria sido
construída ao longo das últimas décadas.
À margem das grandes gravadoras, os artistas mineiros das décadas de 80 e
90, em sua absoluta maioria independentes, começaram a aparecer no
mercado nacional de forma espontânea, por demanda de ouvintes de rádios.
O Skank, por exemplo, surgiu a partir da faculdade de Psicologia da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e conseguiu, por meio de
mídia espontânea e divulgação paralela, chamar a atenção de uma grande
gravadora (Major) pelo volume enorme de vendas e público alcançado em
um curto espaço de tempo. O grupo abriu portas para alguns dos mais
expressivos grupos de sucesso nacional: Pato Fu, Jota Quest, e Tia Nastácia.
(FJP, 2010, p. 55).
Esse movimento em Belo Horizonte refletia o que vinha ocorrendo no resto do país,
quando alguns artistas (muitos deles ícones da música brasileira) deixaram as grandes
gravadoras para criar selos próprios e administrar seus direitos autorais. “Esse
gerenciamento, ainda que em escala reduzida, originou catálogos menores e
diferenciados com menores preços, gerando assim uma migração do público
consumidor (fiel a esses artistas) para os novos produtos”. (FJP, 2010, p. 57). Esse
processo gerou uma abertura de possibilidades para outros nomes em ascensão, além de
provocar mudanças no perfil do mercado, como comprova “uma gama de artistas de
outros gêneros que se destacaram na cena mineira, a partir de Belo Horizonte: Titane,
Saulo Laranjeira, Tadeu Franco, Celso Adolfo, Marcus Viana e Paulinho Pedra Azul,
este com vendas superiores a 30 mil discos por ano”. (FJP, 2010, p. 56).
Para a FJP (2010), é a partir desse processo que a cadeia mineira começa a produzir um
mercado paralelo ao comercial, utilizando estratégias de ações individuais e intensas,
que facilitavam a exposição espontânea na mídia, e de eventos que criavam espaço em
nichos não atingidos pelos estilos de música impostos pela mídia, especialmente o
público universitário. Nesse momento, a força dos independentes fica mais visível, seu
número aumenta e o artista vai se transformando em produtor/realizador de seu produto,
suprindo a ausência de agentes artísticos, cuja oferta não conseguia atender à crescente
demanda. “Surgiram então centenas de artistas/produtores, com produtos de qualidade
técnica cada vez mais aprimorada, que, no entanto, não conseguiam encontrar formas de
divulgar, circular e escoar a produção musical”. (FJP, 2010, p. 56).
116
Essa realidade teria permeado toda a década de 90, chegando aos dias atuais,
provocando a necessidade de união dos artistas em associações e cooperativas, com o
objetivo de conseguir maior visibilidade e sustentabilidade para o seu produto/obra
criativo. Segundo a FJP (2010), Belo Horizonte possui grande número de artistas
regulamentados, seja na Ordem dos Músicos do Brasil, seja na União Brasileira de
Compositores, ou afiliados à Associação dos Amigos da Música de Minas Gerais, à
Sociedade Independente da Música, à Cooperativa da Música de Minas, à ONG Terra
Verde e registrados no cadastro da ONG Favela é Isso Aí.
Na perspectiva do trabalho em parceria, surgem, na última década, os chamados
coletivos – grupos de artistas de tendências específicas que se unem para buscar, em
rede, fortalecer seus movimentos e promover maior divulgação dos trabalhos –, abrindo
uma nova perspectiva para o mercado da música independente da capital. Tais coletivos
se caracterizariam como uma inovação organizacional, conceito defendido pela
RedeSist (2005) para a introdução de novos meios de organizar a produção, distribuição
e comercialização de bens e serviços. Mais ligada ao mercado do rock e da música
alternativa, a ação dos coletivos constrói redes de comunicação, troca de experiências e
socialização de tarefas, que extrapolam os limites da cidade e do estado. (FJP, 2010).
Entre os coletivos atuantes na capital, destaca-se o Coletivo Pegada – grupo que agrega
sete bandas, produtores, músicos, editores, designers, poetas, DJs, jornalistas, cineastas
e outros profissionais –, onde os participantes se envolvem em todos os elos da cadeia,
da criação das músicas à produção, passando pela divulgação, distribuição e
comercialização. Realizam, também, trabalho em parceria com outros coletivos da
capital e de outros estados, como explica um de seus integrantes:
A gente tem web-teams, street-teams75, que saem divulgando [...] A gente
produz camisas, [...] um ajuda o outro, de forma que todo mundo consegue
chegar àquele objetivo final que é a estruturação de uma cena [...] que é
feita de várias outras ações e essa cadeia vai se expandindo [...] buscando
parcerias com outros coletivos, com outras ações, com outras pessoas, e a
tendência é que isso cresça e que todos possam fazer essa troca de forma
diferente, mas a gente quer que as coisas sejam da forma que a gente
acredita. A gente não quer se voltar para o mercado, a gente gostaria que o
mercado se voltasse pra gente – às vezes não é o fato de ser comercial que
vai deixar de ser independente. (FJP, 2010, p. 66).
75
Web team: equipes da web, em português. Street teams: equipes de rua, em português.
117
Exemplo contundente de organização coletiva, na contramão do grande mercado
nacional ainda sob a hegemonia das majors, foi a criação por artistas locais, unidos em
associações e cooperativas, do Projeto Música Minas, programa de divulgação e
exportação da música mineira, já analisado no capítulo anterior. A iniciativa – que em
2011 está passando por uma avaliação a partir de discussão promovida pelo Fórum da
Música de Minas Gerais – representou importante passo para alavancar a cadeia
produtiva da música da capital, embora ainda careça do apoio governamental para a sua
continuidade.
A produção musical de Belo Horizonte ainda baseia-se no CD – suporte físico mais
utilizado pelos artistas da capital. Entre 2003 e 2008, 73% dos músicos pesquisados
gravaram até cinco CDs; 9% gravaram entre cinco e 10; 3% gravaram entre 10 e 20;
apenas 1% gravou entre 20 a 50 CDs, enquanto 14% não gravaram nenhum CD no
período. Bem menos utilizado, o DVD não foi opção para 67,6% dos entrevistados, e
apenas 28,8% gravaram até cinco no período. 1,6% gravou entre cinco e dez, e 1,5%
entre 10 e 20. Apenas 0,5% gravou entre 20 e 50 DVDs durante os cinco anos
pesquisados. (FJP, 2010).
Característica importante da produção musical da cidade é a que diz respeito à
participação das vilas e favelas. Apesar das dificuldades, o estudo da FJP (2010) mostra
que os artistas dessas áreas marginalizadas têm encontrado soluções para vencer a
barreira da invisibilidade e mostrar a música que vêm produzindo. Para isso, lançam
mão de estúdios improvisados dentro de suas próprias casas e de estúdios populares
que, no entanto, não permitem uma boa qualidade técnica aos CDs.
A ONG Favela é Isso Aí abriga um estúdio comunitário para gravação e distribuição
dos produtos dos artistas das vilas e favelas de Belo Horizonte. Além de prestar
assessoria aos artistas, o estúdio também produz os programas de rádio que são
veiculados em parceria com a Rádio Inconfidência, integrante do sistema estadual de
comunicação76. Entre as principais dificuldades vividas pelos artistas dessas regiões
estão a falta de espaços para produzir, ensaiar, apresentar e comercializar o trabalho; a
76
Fonte: Site da ONG Favela é Isso Aí. Disponível em: http://www.favelaeissoai.com.br. Acesso em: 12
Fev. 2011.
118
ausência de condições materiais para a produção dos CDs, e a dificuldade de acesso à
mídia e aos meios de divulgação. (FJP, 2010).
Dados da FJP (2010) indicam que em Belo Horizonte, “de modo geral, a produção é
feita pelos próprios artistas ou produtores culturais” e que a cidade “possui bons
profissionais nesta área”. Entretanto, apontam que “a ausência de uma política cultural
com base em recursos orçamentários de caráter permanente é o que tem inviabilizado a
maior organização dos músicos na defesa de seus direitos e de sua sustentabilidade”.
(FJP, 2010, p. 110).
Peculiaridade importante da produção da capital mineira, não apenas musical, mas
cultural, é a que diz respeito aos custos gerais para realização de eventos artísticos.
Vários dos entrevistados na pesquisa afirmam que Belo Horizonte oferece custos
diferenciados, mais baixos e favoráveis em relação ao Rio e Janeiro e a São Paulo, seja
de cachês ou de outros serviços públicos que têm que ser pagos para os
empreendimentos de grande porte. A localização central de Minas no mapa brasileiro –
que permitiria uma economia de escala e competitividade de custos – seria uma das
razões para isto. Também o aluguel dos espaços, a montagem de palco, som etc., seriam
mais baratos na capital mineira.
Quanto ao emprego formal dos músicos na capital, ou seja, empregados com registro
em carteira profissional, as estatísticas da RAIS – Relação Anual de Informações
Sociais – do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)77 indicam que do total de
1.265.316 empregos gerados em Belo Horizonte em 2008, apenas 313 eram de músicos
– instrumentistas, compositores, arranjadores, regentes, musicólogos e intérpretes. Fazse importante ressaltar que, como os trabalhadores do setor de música costumam não ter
vínculo empregatício, há subestimativa nesses dados. Embora possa ser considerado
pequeno em relação ao universo dos empregados totais, este número seria mais
significativo do que os 310 músicos registrados na cidade do Rio de Janeiro (RJ), se
considerado o universo de 2.161.698 empregados formais gerados naquela metrópole,
em 2008. Em Salvador (BA), este número seria de 133, num universo de 719.993
77
Fonte: RAIS/MTE. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/rais/resultados-definitivos.htm. Acesso em:
12 Jun. 2010.
119
empregados; enquanto São Paulo (SP) registra 663 músicos para um total de 4.489.076
empregados formais; e em Curitiba a proporção é de 155 para 771.798.
Esses dados permitem calcular o coeficiente de especialização, definido pela RAIS
como “a participação relativa dos músicos no emprego total do município ou região
dividida pela participação relativa dos músicos brasileiros no total de emprego no
país”78. Assim, chega-se ao coeficiente de 1,23 para Belo Horizonte79, o que significa
que a participação de músicos no emprego formal na capital mineira é 23% superior à
média nacional. Isto é uma indicação clara da especialização da capital mineira na
atividade musical, muito além das registradas nas demais capitais mencionadas, que
apresentaram os seguintes coeficientes: Rio de Janeiro, 0,71; São Paulo, 0,73, Salvador,
0,91 e Curitiba, 1,0.
Esta especialização significa que Belo Horizonte tem uma proporção de músicos no
mercado formal de trabalho 23% superior à proporção de músicos na média nacional.
Por outro lado, três das outras grandes capitais analisadas apresentam um coeficiente de
especialização bem inferior ao nacional: 29% menor no Rio de Janeiro (0,71 menos 1
vez 100), 27% menor em São Paulo e 9% menor em Salvador; enquanto Curitiba
apresenta a mesma proporção da participação nacional.
A força desse coeficiente da capital mineira aponta para um indicador econômico
altamente favorável ao SPIL da música proposto, pois mostra, em Belo Horizonte, a
possibilidade de um peso dos atores musicais num arranjo do setor que não se
observa nas outras capitais analisadas. Este dado torna-se altamente significativo se
levarmos em conta as grandes dificuldades para o exercício da profissão de músico na
capital, ao contrário do que acontece no eixo Rio-São Paulo, por exemplo, que se
beneficia da influência de grandes mídias (jornais, rádios, TVs); da presença de público
com alto poder aquisitivo, aliado ao maior acesso à cultura; e da localização das majors
neste eixo.
78
Fonte: RAIS/MTE. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/rais/resultados-definitivos.htm. Acesso em:
12 Jun. 2010.
79
E = (Nmi/Ni)/(Nm/N), onde E é o coeficiente de especialização, Nmi o número de músicos no
município i, Ni o emprego total no município i, Nm número de músicos no país e N o emprego total no
= 1,23
país. E = 313/126531
7939/39441566
120
3.2.2.3 O mercado da produção independente
Sobre o mercado de música independente, dados da Associação Brasileira de Música
Independente (ABMI)80 demonstram que, embora cerca de 80% da produção nacional
de fonogramas estejam nas mãos dos independentes, eles representariam apenas 25% do
total vendido no país (cerca de 13 milhões em 2004). As majors atuariam por meio de
operações em grande escala, onde um único álbum pode vender mais de 100 mil cópias,
enquanto os números das pequenas gravadoras são bem mais modestos. (SEBRAE,
2008). Para a ABMI, “as majors se especializaram no processo de produção do CD em
si, ao passo que as Independentes se focaram em melhores níveis técnicos para a
produção do fonograma”. (SEBRAE, 2008, p. 29).
Depoimento de importante representante de alguns dos maiores selos independentes
internacionais dá a dimensão dessa questão:
Cada vez mais eu sinto que os selos lidam realmente com arte e cultura,
respeitam os artistas com quem trabalham — opina Martin Mills, fundador e
presidente da Beggars Banquet Records e do Beggars Group, que representa
quatro dos mais influentes selos da atualidade: Matador (Interpol), Rough
Trade (The Strokes), 4AD (The National) e XL Recordings (Vampire
Weekend). — Não estamos nisso para ganhar dinheiro, mas para fazer surgir
o tipo de música que possa mudar a vida das pessoas. Quando isso acontece,
é claro que ganhamos dinheiro. Mas esse não é o motivo que nos leva a
81
trabalhar com música .
Apesar desse quadro, estudos – entre eles o do SEBRAE (2008) – destacam o aumento
da força das gravadoras independentes como um todo (de 22% para 25% de
participação no mercado, de 2004 para 2005) e uma tendência de que esse crescimento
se intensifique, enquanto registra-se queda no mercado das majors, atribuída ao
aumento da pirataria e da crescente utilização da internet (tanto para divulgação como
para venda de músicas). Segundo o IPEA (2007), os CDs e fitas cassete (K7)82 piratas83
80
Fundada em 2003 por 30 selos de todo o país, preocupados com a defesa dos direitos das gravadoras
independentes, contava, em julho de 2007, com mais de 120 sócios, tendo como missão identificar e
promover atividades de interesse comum em benefício da produção musical independente. (SEBRAE,
2008).
81
Fonte: Site Jornal O Globo. Disponível em: http://extra.globo.com/tv-e-lazer/sucesso-do-arcade-fireconsagra-trabalho-dos-selos-indies-1103613.html. Acesso em: 20 Fev. 2011.
82
Tipo de suporte de gravação de áudio lançado em 1963 pela empresa holandesa Philips. Utiliza
basicamente o mesmo processo que a gravação em rolo, só que os carretéis e todo o mecanismo de
movimento da fita se encontram alojados numa caixa plástica de 10cm x 7cm, facilitando o manuseio e a
utilização. É tocado num gravador cassete. (SEBRAE, 2008).
121
representam de 30% a 40% do total vendido pela indústria fonográfica do país. Outro
aspecto relevante diz respeito à tendência de segmentação do mercado das indies:
[...] o mercado das independentes está mais voltado para pequenos
segmentos ou até nichos, sejam eles geográficos, por estilo musical ou por
perfil de público. Ou seja, pequenas gravadoras tendem a se concentrar em
uma determinada região do país, limitando sua distribuição, a escolher um
portfólio de produtos restrito a um único gênero musical (em uma estratégia
de alta especialização) ou a se focar em determinados públicos-alvo; [...] É
importante frisar que, muitas vezes, essas “escolhas” são ditadas pela falta de
recursos (humanos, mercadológicos, financeiros, know how etc.) para ampliar
a distribuição geográfica, os estilos e/ou os públicos trabalhados. (SEBRAE,
2008, p. 29).
Exemplo de destaque da cena mineira é o selo independente belo-horizontino Cogumelo
Records, criado na década de 1980, que, no auge do movimento de MPB do Clube da
Esquina, atingiu o público jovem num outro nicho da produção musical – o da música
metal. Este selo, que continua em atuação, foi responsável pelo lançamento de dezenas
de discos de enorme vendagem, alavancando, em nível internacional, grupos como
Sepultura, Overdose, Sarcófago e Holocausto. (FJP, 2010). Primeiro selo independente
de Belo Horizonte e um dos primeiros do Brasil, o Bemol – criado na década de 1960 e
com ativa atuação até hoje – contribuiu para o fomento de uma cultura de gravações e
profissionalização da música produzida no Estado, ampliando a produção e distribuição
musical para todo o país e criando um catálogo com alguns títulos ainda existentes.84
No país, em 2004, existia apenas uma grande gravadora independente – Trama Music –
responsável, naquele ano, por cerca de 8% das vendas do segmento, ou um milhão de
cópias. Nesse mesmo ano, o consumo per capita de música independente no Brasil foi
estimado em 0,07 CD/habitante. (SEBRAE, 2008). Para a FJP (2010, p. 106), isso
comprovaria que, apesar de toda essa “revolução que se delineia no setor fonográfico, a
hegemonia das majors no mercado convencional da música ainda é evidente. Dados do
83
O mercado tem se mobilizado contra a pirataria. Em 2010, as companhias norte-americanas Verayo e
SkyeTek anunciaram o desenvolvimento de um chip de segurança de baixo custo, que poderá ser
implantado nos produtos, permitindo identificar, a partir do uso de um leitor, se determinado produto é ou
não falsificado. No Brasil, a ABPD criou, em 1995, a Associação Protetora dos Direitos Intelectuais
Fonográficos (Apdif), com o objetivo de combater a reprodução não autorizada de gravações musicais.
(SALAZAR, 2010)
84
Fonte: Site Música de Minas. Disponível em: http://www.musicademinas.com.br. Acesso em: 11 Fev.
2011.
122
ECAD e ranking de vendas das maiores lojas do ramo demonstram que o que mais
vende é o produto criado pela mídia”.
Essa realidade se repete em Belo Horizonte, onde nos últimos anos os artistas que
constam nos rankings de vendas são aqueles vinculados às grandes gravadoras, como,
por exemplo, a banda Jota Quest (com mais de duas músicas em alguns anos) e o Skank
(banda presente em todas as listagens). Além de confirmar a hegemonia das majors na
indústria fonográfica brasileira e mineira, isto demonstraria que o movimento
decorrente da diversificação de mídias e das novas formas de consumo ainda seria
insuficiente para se contrapor a ela, embora haja evidências contundentes de mudança
nos hábitos dos consumidores. (FJP, 2010). Esta questão é analisada com mais
profundidade no próximo capítulo.
No mercado virtual, estratégias inovadoras e ousadas têm sido utilizadas,
particularmente, por novos artistas independentes, com o objetivo de incrementar a sua
divulgação e a distribuição de seus produtos. Dados do SEBRAE (2008) apontam que
os brasileiros têm utilizado bastante o site americano de relacionamentos Myspace.com
para oferecer músicas gratuitamente, divulgar um álbum ou um show, mas que, por
enquanto, não haveria “dados concretos de mercado que comprovem os reais ganhos
dessa estratégia”. (SEBRAE, 2008, p. 29). Em Belo Horizonte, o Myspace é o site mais
utilizado, ao lado do Orkut e dos blogs. (FJP, 2010).
Na mesma direção, artistas já consagrados, considerados de grande expressão e com
público cativo, chegam a oferecer gratuitamente o download e a leiloar o valor das suas
músicas, como forma de atrair novos públicos. Um exemplo seria o lançamento em
setembro de 2007 do novo álbum In Rainbows, da banda inglesa Radiohead, quando foi
oferecida ao consumidor a possibilidade de escolher o preço que gostaria de pagar pelo
download do produto, a partir de zero. Em duas semanas, o site da banda registrou 500
mil downloads, com preço médio pago equivalente a R$ 25,00, mostrando que, mesmo
com a opção de não pagar nada pelas músicas, o consumidor demonstrou disposição em
remunerar o trabalho dos artistas. (SEBRAE, 2008, p. 28).
A iniciativa – facilitada pelas novas tecnologias – considerada mais inovadora de
financiamento da cultura e que está ligada ao mercado independente da música é o
123
chamado crowdfunding (financiamento pela multidão)85. Trata-se de uma modalidade
de cooperação coletiva onde várias pessoas contribuem com pequenas quantias,
usualmente pela internet, para viabilizar uma ideia, um projeto ou um negócio de outras
pessoas ou organizações. A colaboração é espontânea e a opção é tomada por quem
gosta e se identifica com o objeto do financiamento86.
Aspecto essencial do crowdfunding na cultura é que não se trata apenas de uma doação:
os colaboradores recebem uma contrapartida que, na música, pode ser o próprio produto
financiado (CD, DVD, ingressos para show etc.). Dessa forma, pessoas físicas podem
viabilizar uma criação artística. No Brasil, a ideia ganha força com a criação de vários
sites, entre eles o carioca Queremos, que busca levantar fundos para atrair shows em
que bandas musicais possam se apresentar na cidade do Rio de Janeiro. Através da
divulgação, o site levanta um número mínimo de vendas de ingressos, para então
contratar o show. Como nos sites de compras coletivas, se o show não acontece, o
público é reembolsado87.
3.2.2.4 Entidades governamentais e institucionais que regulam e
condicionam o setor
Como parte do elo da produção, o SEBRAE (2008) inclui as entidades governamentais
e institucionais que regulam e condicionam o setor. As entidades governamentais – dos
três níveis: federal, estadual e municipal – teriam o papel principal de criar políticas
fiscais, incentivos e políticas públicas para a cultura, visando regulamentar o fluxo de
recursos e facilitar o acesso a patrocínios. A responsável pela atuação direta em Belo
Horizonte seria a Fundação Municipal de Cultura, órgão da Prefeitura, além da
Secretaria Estadual de Cultura, cujas principais ações voltadas para a música estariam
85
Exemplos tradicionais de crowdfunding seriam os impostos que uma coletividade paga para financiar
projetos do governo ou a contribuição de empresas para projetos sociais, utilizados há décadas. A
iniciativa ganhou força nos EUA quando o presidente Barack Obama levantou milhões de dólares para a
sua campanha eleitoral em 2008 usando o crowdfunding. Fonte: Crowdfunding Brasil. Disponível em:
http://crowdfundingbr.com.br. Acesso em: 08 Fev. 2011.
86
Fonte: Crowdfunding Brasil. Disponível em: http://crowdfundingbr.com.br. Acesso em: 08 Fev. 2011.
87
Fonte: Site Bolsa de Ofertas. Disponível em: http://www.bolsadeofertas.com.br/queremos-um-novomodelo-de-compra-coletiva. Acesso em: 08 Fev. 2011.
124
ligadas aos mecanismos de financiamento, como os fundos e as leis de incentivo,
analisados no capítulo 2. No âmbito federal, o responsável é o Ministério da Cultura,
(MinC) que possui uma representação na capital mineira, cujas principais ações, que
repercutem no segmento da música da capital, estão ligadas à Lei Rouanet, também já
estudada no capítulo anterior. Em 2005, o MinC criou a Câmara Setorial de Música,
órgão consultivo, integrada por representantes do segmento de todo o país.
Associações, sindicatos e sociedades diversas teriam o papel de defender as posições
dos diferentes agentes da cadeia da música, criando normas, determinando pisos
salariais, valores de arrecadação de direitos autorais etc. Exemplos de entidades
institucionais brasileiras: o ECAD, a ABMI e a AMAR, entre outras. Organizadas e
gerenciadas por músicos e compositores, as editoras e sociedades de autores – em sua
maioria com sede no Rio de Janeiro e em São Paulo – são responsáveis pela distribuição
dos valores recolhidos pelo ECAD referentes à execução pública das músicas em rádio,
TV, cinema e eventos.
Segundo a FJP (2010), Belo Horizonte conta, atualmente, com a filial da União
Brasileira de Compositores (UBC), com a editora Mais Música e com o escritório
regional do ECAD. Paralelamente, existem associações e cooperativas de músicos e
produtores que se ocupam de questionar e promover a reflexão sobre os direitos dos
artistas e suas possibilidades de trabalho.
A grande maioria dos autores de Belo Horizonte ainda detém os direitos
sobre suas obras e negociam diretamente com intérpretes e produtores. Mas
cada vez mais filiam-se às associações fiscalizadoras, em sua maioria com
sede no Rio de Janeiro e em São Paulo, para melhor observarem o
recolhimento sobre a execução de suas músicas. (FJP, 2010, p. 64).
3.2.3
Distribuição
Para ser eficiente, a distribuição deve não apenas atender às demandas, mas também
criar novas demandas, e, para isso, a etapa da divulgação é fundamental. Nesse elo da
cadeia produtiva atuam os selos e distribuidoras nacionais e locais. No entanto, a
distribuição também pode ser feita pela internet, diretamente pelos artistas, pelas lojas
125
especializadas, por meio de compra para envio postal, entre outras formas. (SEBRAE,
2008)
Para o SEBRAE (2008), a forma pela qual a música será disponibilizada ao mercado –
suporte físico (CD/DVD) e/ou on line (via web) – é definida pela estratégia de
marketing da empresa, que se baseia no gênero musical e no público-alvo do produto,
levando em consideração a estratégia e o posicionamento da empresa no mercado
fonográfico. No caso do suporte físico, devem ser levados em consideração o transporte
e os níveis de estocagem necessários para garantir um preço viável ao produto. Na
distribuição para venda on line, o conteúdo musical do produto (total ou parcial) pode
ser colocado em
sites para download gratuito, sites especializados na comercialização de
músicas, sites das grandes “lojas de departamento virtuais” (como
Americanas, Submarino etc.) ou a empresa pode montar uma loja virtual da
sua própria gravadora/selo para vender seus conteúdos musicais. (SEBRAE,
2008, p. 22).
No caso das produtoras independentes, a distribuição (seja por meio de CDs, DVDs ou
em MP388) é considerada fator fundamental para a segmentação do mercado, devendo
garantir que o produto esteja à venda onde o potencial comprador espera encontrá-lo,
isto é, em locais de fácil acesso e em casas especializadas (principalmente se
especializadas no estilo musical). (SEBRAE, 2008).
A evolução tecnológica dos meios de distribuição de música no Brasil, estudada pelo
SEBRAE (2008), mostra uma sequência que vai das apresentações pessoais em um
show, passando pelo rádio, o disco de vinil, a TV, a fita K7 e o CD, até chegar ao DVD
(que permite reprodução e até gravação de som e imagem) e a internet (que permite a
venda de músicas on line). Dados de 2009 divulgados pela ABPD89 – que apura apenas
o mercado das majors – registram um aumento extraordinário de 159,4% das vendas
digitais via internet (incluindo os licenciamentos) em relação ao ano anterior. Os CDs
88
Mpeg Audio Layer 3: Consiste em um código aberto de arquivo digital para música que tem a
capacidade de compressão em um tamanho doze vezes menor do que o antigo formato adotado pelas
gravadoras, o WAV, e ainda mantém a qualidade e as características da matriz de reprodução.
Considerado o maior concorrente do CD no mercado atual (SEBRAE, 2008, p. 80).
89
Fonte: Associação Brasileira dos Produtores de Discos. Mercado brasileiro de música 2009. Rio de
Janeiro, 2009. 10 p. Disponível em:
http://www.abpd.org.br/downloads/Final_Publicacao_09_2010_CB.pdf. Acesso em: 31 Jan. 2011.
126
ainda representam 60% do mercado total de música no país, enquanto os formatos em
vídeos musicais (DVD e Blu Ray) ficaram com 28,1% e os formatos digitais (internet e
telefonia móvel), 11,9%.
Para o SEBRAE (2008, p. 33), esses novos meios de distribuição acabaram por se
constituir em “novos mercados, cada vez mais importantes para o negócio de música,
como um todo, e especialmente para o subsetor de música independente, que tem maior
dificuldade para distribuir seus produtos utilizando os canais tradicionais de venda”.
(Grifos do original). Segundo a ABPD90, do total vendido em suporte digital em 2008,
78% foram comercializados por celular e 22% por internet.
Os dados de 2009, entretanto, indicam uma completa inversão entre essas duas mídias.
Pela primeira vez, o percentual das vendas pela internet superou o das vendas feitas
através da telefonia móvel, sendo em 2009 (58,7%) mais que o dobro do que
representava em 2008. No Brasil, a UOL Megastore, Terra, Sonora, I-Música e MusiG
estão entre os maiores vendedores virtuais de música, além dos sites eletrônicos
vinculados a selo como Biscoito Fino, que já se adaptam e geram demanda por
legislações específicas para normatizar o comércio virtual de músicas. (FJP, 2010).
Em Belo Horizonte, a FJP (2010) constatou que as distribuidoras e a internet são as
duas principais formas de distribuição da música, cada uma alcançando índice de 16%.
Os shows (13%) constituem a terceira opção mais importante de distribuição dos
produtos, enquanto as lojas e a venda direta independente correspondem a 9% cada
uma. Os selos (5%) e amigos/contatos (4%) foram as outras duas formas de distribuição
mais citadas. As livrarias e as gravadoras aparecem com participação de apenas 2%.
Segundo a FJP (2010, p. 61), para enfrentar “o grande gargalo verificado na cadeia da
música em Belo Horizonte, que passa justamente pela difusão/circulação, divulgação e
distribuição do produto cultural gerado pelo artista, algumas redes de distribuição se
formam na capital”. Entre as mais destacadas são citadas a Sonhos e Sons, a Karmim, a
Música que vem de Minas e, mais recentemente, a Comum, todas trabalhando com a
mídia física (CD e DVD).
90
Fonte: ABPD. Mercado brasileiro de música 2009. Rio de Janeiro, 2009. 10 p. Disponível em:
http://www.abpd.org.br/downloads/Final_Publicacao_09_2010_CB.pdf. Acesso em: 31/01/2011.
127
Os estudos detectaram vários projetos individuais, aprovados pela lei de incentivo à
cultura, voltados para a distribuição da música na capital, além do “sítio em construção
"Música de Minas", dedicado à divulgação e comercialização da produção
independente, com previsão de venda de áudio via internet”. (FJP, 2010, p. 79). Os
músicos belo-horizontinos têm utilizado as estratégias virtuais com objetivo de atingir
um número cada vez maior de nichos, incorporando ao mercado novos valores.
Em relação aos músicos das vilas e favelas, os dados da FJP (2010) apontam que eles
também têm procurado criar redes de divulgação e distribuição do seu trabalho,
vendendo discos a preços praticamente simbólicos e até mesmo negociando com
vendedores de CDs piratas para que seus produtos também sejam pirateados e alcancem
um público maior. Para a FJP (2010), isso indicaria que a venda dos CDs não teria fins
comerciais, mas sim de divulgação do trabalho musical.
3.2.4
Divulgação
Assim como o elo da distribuição, o da divulgação está muito associado às estratégias
de marketing das empresas produtoras, que avaliam as demandas de comunicação de
cada álbum, cuidando de criar e produzir as peças publicitárias, monitorar as listas de
execução das principais estações de televisão e rádio do país e, principalmente, criar um
esquema adequado de suporte promocional ao lançamento, por meio de shows,
entrevistas, turnês etc. (SEBRAE 2008). A divulgação é fundamental para gerar
conhecimento do produto junto ao público-alvo.
Nesse processo são utilizadas as mídias tradicionais – imprensa (jornais e revistas),
rádios (AM e FM), televisão (aberta e fechada) –, voltadas para o público de massa,
além das mídias não convencionais ou inovadoras, que incluem a internet. Materiais
gráficos de apoio, como displays (mostradores), banners, outdoors, cartazes, panfletos e
brindes também fazem parte das opções de divulgação da música. Aspecto relevante da
divulgação tradicional é o chamado jabá91, forma quase institucionalizada de se garantir
91
“Jabá é uma forma reduzida da palavra jabaculê, que significa suborno e, por extensão de sentido,
gorjeta, gratificação ou qualquer subterfúgio utilizado para corromper alguém. O jabá, no contexto da
radiodifusão, é concedido pelos interessados – artistas, promotores ou gravadoras – para garantir que
determinadas canções sejam executadas. Com o passar do tempo, esta prática se naturalizou e passou a
ser chamada de projeto de promoção de marketing”. (SEBRAE, 2008, p. 79).
128
que determinadas canções sejam executadas nas rádios, para o qual é preciso garantir
verbas.
Estratégia importante das majors, o jabá visa intensificar e massificar a execução de
uma determinada música ou de um clipe de trabalho para mantê-lo em evidência,
gerando o interesse imediato, o aumento das vendas e, muitas vezes, a fabricação de um
novo sucesso ou ídolo. Esse tipo de sucesso tem prazo de validade, uma vez que é
resultado do chamado marketing de pressão, onde através da superexposição são criados
os sucessos de ocasião: a música da novela, a música do verão, a música do amor etc.
(SEBRAE, 2008). Para vários estudiosos do assunto, entre eles a FJP (2010), essa
estratégia estaria começando a surtir efeitos menores do que o programado pelas
gravadoras. “As inúmeras opções do mundo virtual, o crescimento da TV a cabo e, com
ela, o advento de canais comunitários e alternativos das rádios comunitárias e a pirataria
vêm provocando uma diferenciação nos hábitos de consumo”. (FJP, 2010, p. 61).
Na cadeia produtiva da música de Belo Horizonte, a principal forma de divulgação da
música encontrada pela FJP (2010) é a internet (30%), seguida pela informação boca a
boca (13%) e os shows (10%). Os jornais (9%), rádios (8%) e TVs (3%) têm papel
limitado na divulgação da música criada pelos artistas da cidade. Panfletos, cartazes,
banners, catálogos impressos, filipetas e press-releases são a principal forma de
divulgação para 5% dos músicos. Entre os produtores independentes a divulgação se dá
prioritariamente pela internet (redes sociais como Orkut e Myspace, sítios de venda
virtual) e por meio dos espetáculos, seguidos pelas rádios públicas e comunitárias e
pelos festivais de música que ocorrem no meio virtual e pelo interior do país. (FJP,
2010).
Para os artistas das vilas e favelas, o problema da divulgação é ainda mais grave. A falta
de canais de divulgação atingiria mais duramente os artistas destas regiões,
“prejudicados pelas constantes ausências de recursos financeiros e de acesso aos meios
convencionais de exposição ao público, o que acarreta o confinamento da sua produção
artística aos limites da região geográfica em que residem”.92 Para tentar minimizar o
92
Fonte: Site da ONG Favela é Isso Aí. Disponível em: http://www.favelaeissoai.com.br. Acesso em: 12
Fev. 2011.
129
problema, foi criada a Agência de Notícias Favela é Isso Aí, pela ONG de mesmo
nome, que divulga a produção artística das comunidades por meio de um jornal
impresso bimestral, de boletim eletrônico quinzenal, da assessoria de imprensa aos
eventos e grupos culturais e do envio de pautas para a mídia tradicional local e estadual.
Tal agência teria se tornado referência para a mídia na busca de fontes para a cobertura
cultural na periferia.93
Os dados analisados sobre o elo da divulgação da cadeia produtiva da música da capital
apontam para a falta de suporte da mídia impressa (jornais e revistas) e das rádios e TVs
em geral, que poderia significar a possibilidade de um alcance mais abrangente e de
mais informação ao público. “Este é um dos principais gargalos da cadeia produtiva da
música em Belo Horizonte”. (FJP, 2010, p. 102) A exceção ficaria para alguns poucos
programas realizados pela TV Minas e a Rádio Inconfidência, ambas pertencentes ao
sistema estadual de comunicação.
A proliferação de festivais, fenômeno recente do mercado brasileiro da música, tem
desempenhado importante papel na divulgação dos novos artistas, ocupando papel até
então assumido apenas pelas gravadoras. Esse mercado em crescimento provocou a
criação da Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin)94 e atraiu grandes
empresas, tradicionais patrocinadoras da cultura, como a Petrobrás e o Instituto Moreira
Salles. (SEBRAE, 2008).
Iniciativa importante na perspectiva da divulgação do trabalho musical, o projeto Vozes
do Morro, lançado em 2008 pelo Governo do Estado, surge como uma tentativa de
ampliar espaços para músicos e bandas musicais oriundos de vilas e favelas de Belo
Horizonte e mais três municípios da região metropolitana: Ibirité, Ribeirão das Neves e
Santa Luzia. O projeto consiste na divulgação do trabalho de artistas selecionados
nessas comunidades nas principais emissoras de rádio e televisão do Estado, que cedem,
gratuitamente, espaço para veiculação de clipes e spots. Da estratégia de divulgação,
também faz parte a realização de um grande show de encerramento do projeto. (FJP,
2010).
93
Fonte: Site da ONG Favela é Isso Aí. Disponível em: http://www.favelaeissoai.com.br. Acesso em: 12
Fev. 2011.
94
Com sede em Goiânia (GO), já conta com mais de 20 festivais espalhados pelo país, todos com pelo
menos três anos consecutivos de produção. (SEBRAE, 2008).
130
3.2.5
Comercialização
Embora diversos estudos confirmem a dominação do mercado pelas majors, esses
mesmos estudos, entre eles o da FJP (2010), sugerem uma crescente e acelerada
mudança de hábitos dos consumidores, comprovada pelos dados da ABPD95 de 2009,
que registram aumento, já citado, de 159,4% das vendas digitais via internet, em relação
ao ano anterior. Assim como no elo da distribuição, essas novas tecnologias acabaram
por criar novos mercados também para a comercialização da música como um todo,
com repercussão especial para a música independente, mais necessitada de canais
alternativos de venda. Também para o SEBRAE (2008, p 34), embora ainda pouco
representativos, “é praticamente certo que os meios on line serão os principais canais de
distribuição do mercado fonográfico no futuro próximo”.
Iniciativas recém chegadas ao mercado brasileiro confirmam essa expectativa ao
proporcionar outros meios legais de se consumir música, além dos downloads pagos,
como é o caso do serviço oferecido pelo provedor de internet Terra, através do projeto
batizado Sonora, que é apresentado no site da empresa como o “mais completo serviço
de música digital da América Latina”
96
. Nessa linha, no início de 2011, a Som Livre
criou o projeto Escute, que a coloca diretamente no mercado de distribuição digital. Em
acordo com as majors e algumas indies, o projeto disponibiliza cerca de um milhão de
músicas nacionais e internacionais para comercialização em download e streaming
(formas de distribuir a informação por pacotes, sem necessidade de se fazer um
arquivo), a partir de uma assinatura mensal, cujo valor mais caro cobrado (R$ 14,99
mensais) dá direito a todo o acervo97.
Segundo a FJP (2010), espetáculos (shows) e internet são hoje os principais meios de
comercialização dos produtos musicais de Belo Horizonte, com destaque para a
segunda. “A comercialização do produto cultural advindo da criação artística encontra
atualmente na internet o seu grande veículo”, que vai dos grandes varejistas virtuais até
os pequenos sites de distribuidores e cooperativas. (FJP, 2010, p. 77). Nesse novo
formato de comercialização o produto principal passa a ser a faixa musical, fazendo
95
Fonte: ABPD. Mercado brasileiro de música 2009. Rio de Janeiro, 2009. 10 p. Disponível em:
http://www.abpd.org.br/downloads/Final_Publicacao_09_2010_CB.pdf. Acesso em: 02 Fev. 2011
96
Fonte: Site do Terra. Disponível em: http://sonora.terra.com.br. Acesso em: 07 Fev. 2011.
97
Fonte: Site Som Livre. Disponível em: http://www.escute.com/musicstore. Acesso em: 07 Fev. 2011.
131
surgir a figura do microprodutor musical e representando um grande facilitador do
mercado da música independente, especialmente na capital.
A rede mundial de computadores abre um leque quase imensurável de opções
àqueles que buscam qualquer gênero, de qualquer artista, de qualquer parte
do mundo. Desta forma, tudo é acessível a todos. “Milhões de pessoas
comuns são os novos formadores de preferências [...]”, afirma Anderson
(2006). Essa análise reflete os caminhos encontrados pelos artistas de Belo
Horizonte para se fazerem ouvir e existir profissionalmente. (FJP, 2010, p.
57).
Para se popularizar no Brasil, entretanto, o processo de comercialização pela internet
encontra um entrave, que é a ainda pequena difusão da banda larga no país, formato
necessário para a venda direta dos fonogramas (em álbuns ou individualmente), pois é o
recurso que permite baixar adequadamente as músicas e indispensável para o download
de vídeos. Apesar da expansão dos últimos anos, o Brasil tem uma das piores relações
conexões de banda larga/número de habitantes da América Latina: apenas 4,2%. Outro
obstáculo apontado seria a falta de hábito do brasileiro de fazer compras via internet:
menos de 50% dos internautas brasileiros realizaram pelo menos uma compra on line.
(SEBRAE, 2008, p. 34).
A força da comercialização por meio da internet é utilizada pelo autor Chris Anderson
para explicar sua teoria denominada “cauda longa”, onde a grande movimentação do
mercado pelos pequenos criadores e produtores artísticos faz com que ocupem uma fatia
considerável do mercado musical. Para a FJP (2010, p. 57), a cadeia produtiva da
música de Belo Horizonte deve ser analisada sob a luz desse fenômeno, pois ela seria
fortemente impactada por essa “nova dinâmica de marketing e vendas”.
Os shows – o outro meio importante de comercialização da música independente em
Belo Horizonte – passaram a desempenhar papel diferente na cadeia produtiva da
música nos últimos anos. Considerados locais de exposição dos novos trabalhos dos
artistas e utilizados como ferramentas de marketing para alavancar as vendas no varejo,
após a década de 1990 eles trocam o papel no elo da divulgação da cadeia pela
importante participação na geração de receitas, tornando-se fundamentais na fase da
comercialização.
132
Hoje os shows constituem uma das maiores fontes de renda dos artistas;
sendo assim, o artista precisa vender CDs/DVDs, ter sua música tocada nas
rádios e até oferecer download gratuito de suas obras pela internet, tudo isso
para conquistar o público-alvo, atraí-lo para assistir os shows e, dessa forma,
obter um bom retorno financeiro. Alguns exemplos deste cenário podem ser
vistos nos sites de bandas como Chiclete com Banana e Babado Novo, cujas
agendas contêm mais de 100 shows ao ano. (SEBRAE, 2008, p.30).
Na cadeia produtiva tradicional da música, no processo de comercialização do produto
por meio do suporte físico, além da divulgação do álbum, é preciso planejar os locais de
venda, o que significa selecionar geograficamente as praças (cidades) e também o tipo
de estabelecimento (pontos de venda) em que o produto será comercializado. Em Belo
Horizonte, os principais pontos de venda do mercado legalizado são os mesmos do resto
do país: livrarias, lojas especializadas, grandes redes varejistas, supermercados e bancas
de jornal. Já os camelôs são os pontos de venda onde são comercializados os CDs
piratas. (SEBRAE, 2008).
3.2.6 Consumo
Último elo da cadeia produtiva, o consumo aparece tanto no ato da compra do álbum ou
fonograma, quanto no ato de fruição da música, que pode ser através de execuções
públicas ou domésticas. As execuções públicas são realizadas por meio do rádio, TV,
celular, shows, espetáculos (em restaurantes, bares, boates, bailes), cinemas, teatros,
festas populares, academias etc. Nelas, as pessoas que ouvem a música não pagam
diretamente pelo seu consumo, ou seja, nada pagam à indústria fonográfica. Nesses
casos, a remuneração da cadeia produtiva é feita pelo recolhimento dos direitos autorais,
de responsabilidade da mídia que veicula a música, do organizador do evento etc. Este
recolhimento é fiscalizado e recebido pelo ECAD, órgão responsável por repassar às
associações de direitos autorais as parcelas que cabem a cada artista/autor/músico
associado. No consumo doméstico – por meio do suporte físico ou virtual comprado na
web – o consumidor remunera diretamente a cadeia quando paga pelo álbum e produto
(fonograma). (SEBRAE, 2008, p.23).
A tecnologia digital - internet, celular e TV – tem sido considerada a maior difusora da
música da história da humanidade, convergindo divulgação e consumo em tempo real.
133
Mas a tecnologia não é a única responsável pelo surgimento de novos mercados.
Mudanças de hábitos ou demandas diferentes por parte da população também podem
criar novos nichos. Exemplo recente seria a decisão de algumas gravadoras de voltar a
trabalhar com o disco de vinil. Suspenso após o surgimento do CD, o vinil teria voltado
para atender segmentos da população em busca de uma volta ao passado para relembrar
a infância ou simplesmente resgatar antigas formas de entretenimento. Na esteira dessa
demanda, a indústria lançou no mercado modernos equipamentos de som que
reproduzem tanto CDs e DVDs como discos de vinil e até mesmo a fita K7, como o
micro system da marca TEAC, batizado de Nostalgia GF 680 e cujo preço é de
aproximadamente R$ 1.200,0098. (SEBRAE, 2008).
O surgimento em Belo Horizonte da Vinyl Land Records, em 2008, vem na esteira desta
nova perspectiva. Especializada em discos de vinil, em dois anos ela computou 13
lançamentos (10 compactos e três LPs). O número é considerado significativo, não
apenas por se tratar de formato redescoberto recentemente, mas pelo fato de ser um selo
totalmente independente, que faz a maioria de seus contatos em shows e feiras.99
É importante observar que essas alterações nas práticas de consumo e na percepção dos
consumidores em relação à música levam ao surgimento de diferentes players
(participantes) do setor musical, como a Microsoft e a Apple, que, reinventando seu
modelo de negócios, passam a produzir tocadores de MP3 e a realizar a distribuição de
músicas via internet, disputando espaço na competitiva indústria da música e do
entretenimento. (SEBRAE, 2008).
Um dado relevante sobre o consumo musical no país é o que diz respeito à origem da
música. Segundo o SEBRAE (2008), em 2004, 43% das vendas eram de música de
origem internacional. Em 2007, esse percentual caiu para 23%, com a música nacional
alcançando 77% de todas as vendas. Quanto aos gêneros musicais mais consumidos,
constatou-se uma relativa estabilidade da segmentação do mercado, no período entre
2001 e 2004. Os dez maiores gêneros musicais apresentaram pouca variação, seguindo
98
Fonte: Site Todaoferta. Disponível em: http://todaoferta.uol.com.br/comprar/toca-vinil-teac-nostalgiaplataforma-giratoria-gf680-OPE33O4KJF#rmcl. Acesso em: 03 Fev. 2011.
99
Fonte: Selo Vinyl Land Records. Disponível em: http://vinyllandrecords.com. Acesso em: 15 Dez. 2011
134
basicamente a seguinte colocação, por ordem decrescente de preferência: pop-rock,
sertanejo, religioso, MPB, regional/forró, pagode/samba, axé music, infantil e erudito.
Ao se comparar esses dados com os relacionados aos gêneros mais executados pelos
músicos belo-horizontinos, constata-se uma inversão, pois, como já analisado, na
capital, em primeiro lugar, vem a MPB (executada por 80% dos músicos), em segundo
lugar o pock-rock (39%), seguido do samba (29%) e da música regional (15%).
3.3 Os impactos das novas tecnologias na cadeia produtiva da música
Uma curiosidade apontada por Alkmim et al. (2005) é a de que a internet e a indústria
de software fizeram “a música sair do corpo e voltar a ser uma essência intangível,
intocável, invisível”; ao contrário do fonógrafo, criado em 1877, que tornou possível
“capturar o som, dominá-lo, trazê-lo do éter para o mundo físico”, dando origem a um
negócio bilionário – a indústria fonográfica. (ALKMIM et al., 2005, p. 151).
Devido às suas próprias características, a música – dentre todas as indústrias criativas –
tem sido considerada a mais impactada pelo uso das tecnologias digitais em sua
produção, disseminação, distribuição e consumo. Esta é uma situação característica de
inovação tecnológica, definida pela RedeSist (2005), que encontra-se bastante presente
na cadeia produtiva de Belo Horizonte. O surgimento de novos softwares que permitem
que arquivos sejam armazenados e disponibilizados para compartilhamento, a exemplo
do pioneiro Napster e depois do Kaaza, Soulseek, LimeWire e outros, subverteu o
modelo de produção e de negócio da indústria fonográfica, que viu seu poder ser
reduzido. (SEBRAE, 2008).
As plataformas de divulgação na web, que estreitam o processo de comunicação,
juntamente com os novos canais de distribuição, também contribuem para mudar a
realidade da indústria da música e alterar definitivamente a forma de consumo. Esse
contexto tem influenciado até mesmo o conceito de produto musical, pois a venda do
fonograma passa a ser só uma das formas de se obter retorno financeiro, enquanto o
valor da experiência e do relacionamento começa a ser percebido como fundamental
nessa equação. (SEBRAE, 2008).
135
Aliadas ao home studio (estúdio caseiro), essas novas tecnologias de informação e
comunicação (TICs) têm possibilitado não só que novos artistas surjam, mas que eles
alcancem espaços nas etapas da distribuição e do consumo antes completamente
controladas pela indústria. Tecnologias como o MIDI100 – cujo arquivo não possui o
áudio de uma música, mas as instruções para que um sintetizador possa produzi-lo,
como os instrumentos, notas, timbres, ritmos, efeitos e outras características, podendo
ser considerado uma partitura digitalizada – contribuem para alterar radicalmente o
processo de criação e produção artística. Com o computador transformado em um
pequeno estúdio de música e vídeo, esse processo passa, cada vez mais, a dispensar a
intermediação.
Assim, aconteceu uma “desintermediação” da venda de música, ou seja, o
papel das grandes gravadoras como intermediárias indispensáveis e – até
então – inevitáveis entre o artista e seu público reduziu-se drasticamente.
Produtores e artistas passaram a ser capazes de difundir sua música sem a
intervenção da indústria fonográfica; a pirataria, embora ilegal, tornou-se
uma prática socialmente aceitável na maioria dos países (incluindo o Brasil)
e, em conseqüência, houve uma queda brusca na venda de CDs. (SEBRAE,
101
2008, p. 13-14).
Essa ausência de intermediação fica ainda mais evidente no processo de divulgação,
pois, hoje, como destaca a FJP (2010), cada vez mais o músico é divulgador de si
mesmo.
Essas tecnologias, que possibilitam a convergência de mídias digitais, tornam possível
carregar e baixar arquivos diretamente do computador para ouvir a música produzida
em qualquer parte do mundo, sem depender das gravadoras, como acontecia antes. No
Brasil, no site iMusica – pioneiro na distribuição de fonogramas pela internet e pelo
celular – a compra pode durar apenas alguns minutos. Basta que o consumidor crie uma
conta, escolha as músicas e deposite os créditos, finalizando o processo, para que o
100
Musical Instruments Digital Interface ou Interface Digital para Instrumentos Musicais: tecnologia
padronizada de comunicação entre instrumentos musicais e equipamentos eletrônicos (teclados, guitarras,
sintetizadores, sequenciadores, computadores etc.), possibilitando que uma composição musical seja
executada, transmitida ou manipulada por qualquer dispositivo que reconheça esse padrão. (SEBRAE,
2008).
101
A porcentagem de CDs piratas sobre o total de CDs vendidos no Brasil era de 40% em 2005.
(SEBRAE, 2008).
136
produto escolhido seja tocado à vontade102. Muito além do avanço tecnológico, segundo
Reis (2007), detecta-se uma mudança de paradigma, de espectador passivo para o
“garimpeiro ativo” ou o “protagonismo individual”.
Fato marcante é a integração com o celular, a partir do lançamento do iPhone103, em
2007, permitindo o surgimento de milhares de aplicativos voltados para a música, desde
um simples afinador até emuladores (imitadores) de instrumentos musicais. O site
Estrombo104, voltado para a música, cita dois exemplos nessa linha: o da banda
americana Atomic Tom, cujos integrantes tiveram seus instrumentos roubados e deram a
volta por cima gravando um clipe no metrô de Nova Iorque com a ajuda de iPhones
ligados a um amplificador; e o da banda virtual inglesa Gorillaz, primeira a gravar um
álbum inteiro utilizando somente o iPad105 e a disponibilizá-lo para download
gratuitamente no dia 25 de dezembro de 2010, como presente de Natal aos fãs, obtendo
grande repercussão mundial.
Para Durand (2001), o avanço tecnológico da mídia digital seria um fator de
barateamento da cultura para o consumidor final, o que colaboraria para a ampliação do
mercado e o desenvolvimento da economia da cultura do país. Alguns autores, entre
eles Reis (2007), alertam para o fato de a exclusão digital levar à exclusão cultural.
Embora acreditando que as tecnologias digitais possibilitam um sem-número de canais
alternativos de distribuição, além de oferecerem uma gama enorme de formas de criação
de baixo custo, a autora cita o problema de serem poucos os que se beneficiam desse
modelo.
Nessa direção, os números do Anuário de Estatísticas Culturais 2009 (BRASIL, 2009),
embora registrem 67,9 milhões de usuários da internet no Brasil, apontam duas
características importantes: o acesso à rede cresce à medida que o nível de escolaridade
também se eleva (0,17% para os sem estudo e 69% para os que têm superior completo),
o mesmo acontecendo em relação à renda (16% de acesso entre os que recebem R$ 300
e R$ 599 e 83% na faixa de R$ 4.500 ou mais). Para Reis (2007), esse quadro seria
102
Fonte: Site iMusica. Disponível em: http://www.imusica.com.br/. Acesso em: 08 Fev. 2011.
Smartphone da Apple, isto é, celular de terceira geração ou 3G, que incorpora várias tecnologias antes
só disponíveis em computadores.
104
Fonte: Site Estrombo. Disponível em: www.estrombo.com.br. Acesso em: 22 Jan. 2011.
105
Aparelho eletrônico da Apple, que navega na internet por meio de conexões sem fio (Wi-Fi e 3G) e
traz conexão bluetooth para se comunicar com periféricos, como teclados e webcams sem fio.
103
137
característico da exclusão da maioria, não apenas desse processo de produção,
distribuição e acesso alternativo, mas também de uma linguagem crescentemente
inalcançável.
Essas facilidades geradas pelas novas tecnologias criam, por outro lado, uma situação
nova que, a longo prazo impactará de forma decisiva a cadeia produtiva da música.
Trata-se da extinção do suporte físico e da própria necessidade de se possuir a música,
como analisado no estudo sobre A Cadeia Produtiva da Economia da Música:
uma vez que a tecnologia wireless esteja difundida e os pacotes
diversificados de streaming permitam ao consumidor escutar sua seleção no
local que quiser, não haverá a necessidade de se “possuir” a música, qualquer
que seja o formato. Com isto, a comercialização de CDs e de download via
Internet já surge fadada à obsolescência, ainda que não de imediato. O
marketing também sofrerá mudança radical, tornando-se continuamente mais
personalizado. (ALKMIM et al., 2005, p. 67).
3.4 A inovação no mercado da música de Belo Horizonte ao longo dos tempos
Confirmando uma das hipóteses da presente pesquisa, os estudos da FJP (2010, p. 5253) apontam Belo Horizonte como uma cidade
notoriamente produtora de qualidade e quantidade musical com vários
“rótulos de inovação” criados ao longo dos anos: Clube da Esquina (anos 70),
berço do Pop e capital do Metal (anos 80 e 90), Capital do Violão, Capital da
Viola, “Meca” da música instrumental (a partir de 2005), entre outros.
Além de produzir inovação, a cidade também tem se mostrado aberta a novas tendências
musicais, como atesta a Fundação João Pinheiro:
O primeiro grupo independente que alcançou sucesso em âmbito nacional foi
o Boca Livre, do Rio de Janeiro. Com vendas e sucesso consideráveis,
fortaleceu sua carreira principalmente em Minas Gerais, estado notoriamente
aberto a novas tendências musicais. (FJP, 2010, p.55).
138
A capital mineira é ainda referência nacional quando se trata de avaliar a receptividade
do público a novos lançamentos. Ao lado de Curitiba, capital do Paraná, Belo Horizonte
é escolhida por artistas e gravadoras para a estréia de shows, por ser considerada um
termômetro de avaliação de sucesso de uma nova empreitada artística. (FJP, 2010, p.
55).
Um dos principais símbolos de inovação musical, o Clube da Esquina, segundo Bruno
Martins (2009), “alterou significativamente os rumos da canção popular brasileira”,
criando uma “linguagem própria, com alto grau de elaboração e originalidade”.
(MARTINS, BRUNO, 2009, p. 12). O álbum duplo Clube da Esquina, lançado em
1972, é reconhecido pela crítica especializada como “um marco divisor na produção
fonográfica brasileira do século XX”, por sua “ousadia musical”, “variedade rítmica” e
“experimentação incomum na canção popular realizada até o período”. (MARTINS,
BRUNO, 2009, p. 37). Até mesmo no tempo de duração das faixas, que até então
giravam em torno de três a quatro minutos, o autor identifica inovação nesse álbum, que
trazia uma canção (Estrelas) com apenas vinte e sete segundos e outra (Dos Cruces)
com surpreendentes cinco minutos e dezoito segundos, quebrando completamente o
padrão comercial da época.
Inovação também apontada pelo autor nos novos padrões rítmicos criados por Milton
Nascimento, que, junto com Wagner Tiso – ambos músicos autodidatas – introduzem
no cenário belo-horizontino uma musicalidade original, inventiva, feita
por meio da superação de poucos recursos disponíveis, característica comum
da grande maioria dos artistas populares em começo de carreira na época.
Diferentemente dos padrões rítmicos binários, ternários e quaternários, base
da música brasileira, Milton passa a desenvolver músicas em compassos
quinários (em cinco tempos), além de trabalhar com compassos híbridos
(pulsações diferentes numa mesma música). (MARTINS, BRUNO 2009, p.
33).
Em toda a sua trajetória, o Clube da Esquina mostra-se aberto a novidades. Bruno
Martins (2009, p. 40) registra sua abertura ao diálogo com representantes de outras
tendências da canção popular, realizando “novas parcerias que ampliaram ainda mais as
fronteiras sonoras divisadas em seu percurso”. Por outro lado, o trabalho feito na cidade
também repercutia internacionalmente, com as canções do Clube da Esquina sendo
139
interpretadas por nomes como Sara Vaughan, Wayne Shorter, Pat Metheny, Ron Carter,
Cat Stevens, Paul Simon, James Taylor, Mercedes Sosa, entre outros, “aumentando
assim a fama do grupo de compositores formado em Belo Horizonte”. (MARTINS,
BRUNO, 2009, p. 40).
As raízes culturais negras, a tradição musical das cidades do interior mineiro,
o diálogo com a canção latino-americana, o contato com os jazzistas norteamericanos, o acolhimento dos novos procedimentos sonoros criados a partir
da bossa-nova, além das influências do rock universalizadas pelos Beatles,
consituíram um leque de possibilidades a serem exploradas. Nova maneira de
viver e experimentar a canção brasileira, o Clube da Esquina surpreendeu o
país ao combinar, de maneira inovadora, o que havia de mais atual em
circulação pelas capitais do mundo com os particularismos da base cultural
mineira de fundo arcaico e provincial. (MARTINS, BRUNO, 2009, p. 12).
A movimentação da cena musical da cidade é antiga e demonstra que, há várias
décadas, os músicos locais já acompanhavam de perto o que ocorria em outras praças,
inclusive internacionais, buscando agregar valores inovadores ao seu trabalho. Bruno
Martins (2009, p.31) registra que, na década de 1950, “Paulo Horta, irmão mais velho
de Toninho Horta106, foi um dos fundadores do Jazz Fun Club, que reuniu os
aficionados pelo estilo e contribuiu para o desenvolvimento criativo de uma geração de
grandes músicos”. Na boate Berimbau Club, no Edifício Malleta, o grupo se reunia para
ouvir e divugar nomes como Stan Kenton, Duke Ellington, Countie Basie, Sara
Vaughan, Ella Fitzgerald, Wes Montgomery, Charlie Parker, Max Roach, Roy
Hamilton.
Ainda na década de 1950, a juventude de Belo Horizonte escutava os primeiros acordes
do rock nas matinês do “Clube dos 50”, localizado no bairro boêmio e seresteiro de
Santa Tereza, onde se podia ouvir e dançar ao som de Johnny Restivo, Bill Halley, Paul
Anka e Elvis Presley. Bruno Martins (2009) destaca o fato de Belo Horizonte,
considerada “provinciana”, já ter naquela época o seu próprio ídolo em matéria de
guitarrista, o mestre Chiquito Braga, enquanto em outras capitais o forte eram as “festas
de arromba”, os “manifestos tropicalistas” e até “passeata contra as guitarras”.
(MARTINS, BRUNO, 2009, p.28).
106
Integrante do Clube da Esquina, considerado por alguns críticos como “o maior guitarrista brasileiro
vivo”. Fonte: Site Nova Cultura. Disponível em: http://novacultura.de/wb/pages/musica/o-som-dobrasil/toninho-horta.php. Acesso em: 26 Fev. 2011.
140
Na década de 1960, era bastante conhecido o “ponto dos músicos”, localizado na
calçada do Edifício Guimarães, na Avenida Afonso Pena, no coração da cidade. O local
era referência para grande parte dos profissionais da música da cidade (instrumentistas,
crooners, técnicos de som etc.), que ali conversavam sobre as novidades do mercado,
trocavam discos e partituras e até faziam negócios, montando novos grupos ou fechando
contratos para tocar em bailes, bares e festas, inclusive no interior do estado.
(MARTINS, BRUNO, 2009). Nessa mesma década de 60, mais precisamente em 1969,
registra-se a realização do 1° Festival Estudantil da Canção de Belo Horizonte, com a
participação apenas de estudantes e músicos amadores, que, segundo Bruno Martins
(2009), era uma oportunidade de agregar os jovens que pretendiam viver de música na
cidade.
3.5 Considerações finais
Os condicionantes da economia da música de Belo Horizonte identificados neste
capítulo, bem como as suas implicações para o desenvolvimento do SPIL da música da
capital, foram sistematizados e são apresentados no quadro abaixo:
QUADRO 03
Condicionantes da economia da música de Belo Horizonte e suas principais
implicações
(continua)
Condicionantes da economia da
Principais implicações
música de BH
Histórica confluência de artistas de todas as
regiões do estado e influências de outros
países.
O produto musical recebe influências culturais distintas
(barroca, da cultura negra, de migrantes do interior do
estado, de imigrantes italianos e espanhóis –
principalmente), que geram uma música diversificada,
rica, dotada de grande versatilidade.
Músicos com
formação variada.
Capital humano experiente, eclético, flexível
e dedicado à música.
Grandes e destacados artistas trabalham sua carreira a
partir de BH.
Existência de diversos movimentos voltados para
diferentes gêneros musicais, cujo trabalho é
reconhecido nacional e internacionalmente.
Independência em relação às majors.
Surgimento de uma rede de serviços e atores em
constante intercomunicação e, que assumem diferentes
papéis na cadeia produtiva.
141
QUADRO 03
Condicionantes da economia da música de Belo Horizonte e suas principais
implicações
(continua)
Condicionantes da economia da
Principais implicações
música de BH
Crescimento do mercado independente, paralelo ao
comercial, contribuindo para profissionalizar o mercado
local.
Produtos de qualidade técnica cada vez mais aprimorada.
Busca de novos nichos de mercado.
União dos artistas em associações e cooperativas.
Elevada participação de músicos no âmbito
do emprego formal da capital mineira (23%
acima da média nacional, segundo cálculos
efetuados a partir dos dados da RAIS/MTE),
significando uma clara especialização de
Belo Horizonte na atividade musical, muito
além das registradas em grandes capitais
como Rio, São Paulo e Salvador.
Belo Horizonte apresenta um contingente expressivo dos
principais atores de um SPIL da música – o que é
altamente favorável à proposta –, apesar das grandes
adversidades enfrentadas pelos músicos para o exercício
da sua profissão.
Elos da cadeia produtiva que se sobrepõem
e atores que se intercomunicam.
Maior profissionalização e aprimoramento desses atores.
Incremento do processo de articulação desses atores e da
formação de redes.
Apresentação ao vivo é a principal unidade
produtiva desse mercado.
Grande e variada oferta de espetáculos musicais: dos
artistas entrevistados pela FJP, 80% fazem shows em
teatros e casas de espetáculos; 40% se apresentam em
bares e restaurantes; e 20% realizam concertos e recitais.
Público exigente
tendências.
novas
Impulsiona a busca pela qualidade artística; estimula as
inovações.
Financiamento dependente das leis de
incentivo.
Embora o benefício fiscal facilite o acesso ao patrocínio,
a área cultural fica dependente de outro setor da
economia, cuja lógica é completamente diferente.
Justifica, aparentemente, e estimula a ausência de
políticas culturais com base em recursos orçamentários
de caráter permanente.
Grande influência das tecnologias digitais.
Reduz os custos da produção; facilita a ação das indies;
gera diversificação e confluência de mídias, além de
novas formas de consumo, criando novos mercados.
Altos custos, que dificultam o acesso amplo da
população, e a pouca difusão da banda larga no país
podem contribuir para a exclusão cultural.
Baixas remunerações.
Dificulta ao músico sobreviver exclusivamente da
profissão.
Existência de grandes centros voltados para
o ensino da música.
Possibilidades variadas de formação e especialização em
música.
Baixo investimento
plateias.
Mercado se ressente da falta de fomento de público,
maciçamente influenciado pela mídia tradicional e pouco
preparado para a produção independente e experimental.
e
aberto
em
a
formação
de
142
QUADRO 03
Condicionantes da economia da música de Belo Horizonte e suas principais
implicações
(conclusão)
Condicionantes da economia da
Principais implicações
música de BH
Baixa oferta de cursos de formação de técnicos
e
demais
profissionais
vinculados
à
infraestrutura
(iluminadores,
sonoplastas,
cenógrafos,
técnicos
de
mixagem
e
masterização etc.).
Deficiência na oferta de técnicos especializados para
viabilizar a realização de shows.
Inexistência de indústria de equipamentos para
som (edição e gravação) e iluminação.
Altos impostos para importação aumentam os custos e
dificultam as produções.
Ausência de empresas que produzem o meio
físico (prensagem de CDs) para circulação da
música.
Poucas fábricas de instrumentos musicais,
levando à necessidade de importação para
suprir a demanda; comercialização e
importação de instrumentos musicais bem
estruturadas.
Mercado de produtoras em ascensão; presença
de
grandes
e
reconhecidos
estúdios
profissionais de tradição e qualidade; muitos e
bons profissionais na área da produção gráfica.
Não interfere na produção, devido à grande oferta
desse tipo de empresa no resto do país.
Ausência de grandes empresas de distribuição e
comercialização do produto musical.
Dificuldade de difusão da produção local.
Surgimento de redes independentes de distribuição e
difusão dos produtos.
Pequena participação de Jornais, Rádio e TV na
divulgação musical. Internet é a principal forma
de divulgação da música.
Maior investimento na divulgação por meio dos
shows, das rádios comunitárias e dos festivais.
Criação da Agência de Notícias Favela é Isso Aí.
Localização
brasileiro.
Permite uma economia de escala e competitividade de
custos dos eventos artísticos em relação ao eixo RioSão Paulo.
central da
capital no
mapa
Impostos elevados encarecem os produtos e criam
maior dificuldade de acesso a instrumentos de
qualidade, o que pode afetar a qualidade da produção
musical.
Oferta desses serviços elevada, variada e com muita
qualidade.
Estímulo ao trabalho em parceria e à redução dos
custos das produções.
Fortalecimento do movimento independente.
Surgimento de estúdios populares; criação do projeto
Vozes do Morro, de iniciativa do governo estadual.
Dificuldade de difusão da produção musical das vilas
e favelas além de seus domínios.
Aumento da participação dos artistas na reflexão
sobre os seus direitos e suas possibilidades de
trabalho.
Criação do Fórum da Música de Minas Gerais e do
programa Música Minas.
143
4. INSTRUMENTOS E MEIOS NECESSÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DO
SPIL DA MÚSICA DE BELO HORIZONTE
Só vai desenvolver e crescer pra ser conhecida no Brasil e no mundo
no dia que o povo daqui conhecer, porque quem conhece, gosta;
ninguém gosta do que não conhece. Quem gosta, defende; ninguém
defende o que não gosta; e quem defende, divulga e divulga com a
razão e com o coração, porque está defendendo, conhece e gosta.
(TADEU MARTINS)
4.1 Introdução
A revisão da literatura realizada confirma a hipótese inicial desta pesquisa de existência,
em Belo Horizonte, de um cenário musical rico, diversificado, com volume e qualidade
na produção. Os dados analisados até aqui apontam para uma grande potencialidade dos
potenciais encontrados, isto é, grande qualidade – riqueza, variedade, valor econômico,
inovação – da vocação musical da capital, identificando a existência de várias das
condições necessárias à criação de um sistema produtivo e inovativo local, apresentadas
no primeiro capítulo.
Neste capítulo, são apontados alguns instrumentos e meios necessários para que tais
potencialidades possam se transformar em condições reais para a criação de um SPIL da
música de Belo Horizonte. Tais condições são entendidas como o conjunto básico de
fatores, circunstâncias e meios de ordem econômica, social, política, cultural e ética. A
falta de informações consistentes sobre o assunto foi um problema a ser contornado,
pois, como destaca a antropóloga e gestora cultural Marcela Bertelli107, “a gente não
tem realmente dados, informações consistentes atuais sobre esse campo – nem sobre o
campo cultural em Belo Horizonte, quiçá o campo da música”.
Assim, esta etapa da pesquisa baseou-se nas dezoito entrevistas realizadas com
diferentes atores do cenário musical e cultural da cidade: músicos, produtores e gestores
culturais, jornalistas, professores, agentes públicos, bem como um estudioso da
107
Parecerista do Ministério da Cultura (MinC) nas áreas de Música e Humanidades; consultora do
SEBRAE.
144
economia de Minas Gerais, cujos nomes e referências encontram-se no APÊNDICE D.
As críticas e sugestões recebidas – apresentadas a seguir – foram analisadas na
perspectiva da busca de soluções que sirvam para pavimentar o caminho para a
construção do SPIL da música de Belo Horizonte.
4.2 Qualidade e diversidade da produção: diferenciais favoráveis do
mercado belo-horizontino
O capital humano de Belo Horizonte – formado por artistas de qualidade e diversidade
reconhecidas –, cuja origem foi analisada no capítulo anterior, é considerado fator de
excelência entre os pressupostos necessários para a existência de um mercado de
música. “O potencial musical, a gente não tem de se preocupar com isso, a gente tem de
sobra aqui”, afirma o músico e produtor musical Geraldo Vianna108. O compositor
Fernando Brant109 concorda: “há uma qualidade e uma diversidade muito grande aqui,
de todos os tipos” e afirma que a proposta de criação de um sistema produtivo local
“não só está dentro da realidade, como acho que é uma necessidade o pessoal da área
da música se unir para poder mostrar coletivamente a sua produção”.
Para o músico e agitador cultural Makely Ka110, “o volume e a qualidade da produção
aqui impressionam qualquer pessoa que chega”. Ele vai mais além ao falar sobre a
proposta do SPIL: “a gente tem a matéria prima para esse salto; a diversidade
também”. Segundo ele, Belo Horizonte “tem a cena mais criativa do país”, tem “essa
questão toda da efervescência da produção, da criatividade”.
O compositor, instrumentista e produtor Mestre Jonas111 afirma que “a gente tem uma
produção muito diversificada e muito boa, e isso é visto pelas pessoas de fora”. Ele
exemplifica com a grande procura gerada fora do estado e do país a partir da
participação de um grupo de artistas mineiros na feira internacional de música realizada
108
Violonista e compositor. Possui 42 CDs e dois DVDs lançados. Idealizador e coordenador do projeto
Música de Minas, que já cadastrou cerca de 500 músicos mineiros. Disponível em:
http://www.musicademinas.com.br. Acesso em: 05 Fev. 2011.
109
Integrante do movimento Clube da Esquina e presidente da União Brasileira dos Compositores (UBC).
110
Compositor e instrumentista, considera-se um “cantautor” – cantor que canta suas próprias
composições. Um dos fundadores e membro da direção do Fórum da Música de Minas Gerais.
111
Ligado ao movimento do samba, é responsável por alguns dos principais projetos indoors voltados
para o fomento do gênero na cidade, como o Samba do Compositor, realizado em parceria com Miguel
dos Anjos e Dudu Nicácio e o Samba na Madrugada.
145
em Copenhague112, na Dinamarca em 2006, e na Feira Música Brasil (FMB)113,
realizada em Recife (PE), em 2007: “quando a moçada começou a ter contato com a
produção daqui, através das feiras, [...] e viram o tanto de coisa que tem aqui, elas
ficaram sedentas de saber mais”. A iniciativa levou vários grupos a se apresentarem no
exterior.
Essa produção rica e variada está presente em todas as regiões da cidade. “O
Aglomerado114 tem vários grupos, vários artistas, tem o de rock que tá ganhando muita
projeção, o Pelos de Cachorro, tem o Na Cadência do Samba; tem grupos de teatro,
tem sertanejo, caipira, tem gente estudando música na UFMG, tem folia de Reis”.
(MESTRE JONAS). O atual trabalho musical belo-horizontino também tem presença
marcante no restante do país. Avaliadora de projetos de música para o MinC, Bertelli
diz que encontra artistas da capital nos festivais e encontros realizados pelo país. “Tem
sempre alguém dessa nova cena na programação. E isso tem me chamado atenção”.
A tradição de uma harmonia diferenciada – com origens na música barroca e influências
recebidas da cultura negra, dos imigrantes das diferentes regiões do Estado e até de
outros países – é unanimemente apontada como um dos fatores dessa qualidade. Brant
explica: “as gerações aqui se sucedem, parece até um moto contínuo, é fonte. Vai cada
vez mais”. Makely concorda:
Temos uma geração que eu acho que ela dialoga e ela dá continuidade e dá
prosseguimento a uma tradição da música produzida em Minas, que é a
questão da harmonia. [...] eu acho que o Clube da Esquina ele bebe muito
dessa fonte da harmonia, mas acho que a harmonia vem já talvez da música
barroca. Eu acho que existe uma produção hoje que dá sequência a essa
linha evolutiva da música mineira. E é muito curioso que mesmo quem nega
tem ela como referência; mesmo o pessoal do rock, de três acordes, que quer
negar a harmonia, a referência ainda é a harmonia que eles tão negando, e
isso é muito curioso.
112
Womex – The World Music Expo. Disponível em: http://www.womex.com. Acesso em: 05 Fev. 2011.
113
Ação do Programa de Desenvolvimento da Economia da Cultura (Prodec) do Ministério da Cultura,
inaugurada em 2007, teve as duas primeiras edições realizadas em Pernambuco e a terceira, em dezembro
de 2010, em Belo Horizonte (MG). Tem como objetivo “reunir a cadeia produtiva da música, evidenciar
sua qualidade e diversidade, capacitar seus profissionais e, acima de tudo, promover seus negócios”.
Fonte: site do MinC. Disponível em: www.cultura.gov.br. Acesso em: 05 Fev. 2011.
114
Aglomerado da Serra, maior favela de Belo Horizonte. Localizada na região Centro-Sul, é formada por
oito vilas. Fonte: www.pbh.gov.br. Acesso em: 20 Fev. 2011.
146
Para Mestre Jonas, a localização de Minas no centro do Brasil, fazendo fronteira com
diversos estados, seria uma característica marcante, aliada à influência do movimento
Barroco: “acaba que a gente tem influência dessa coisa do samba que é feito na Bahia,
no Rio, e dessa cultura nossa do Barroco, que deu essa harmonia nossa até no samba”.
Segundo o instrumentista, compositor e produtor musical Marcus Viana115, “o que
provoca a melodia e o ritmo pra nós é a harmonia. Nenhum lugar do Brasil tem isso. É
uma música completamente harmônica”.
Este processo de criação da música de Belo Horizonte incorpora uma das características
consideradas fundamentais para um SPIL pela RedeSist (2005): o conhecimento tácito,
ou conhecimento que não está codificado, mas encontra-se implícito e incorporado nos
músicos da capital mineira. Apresentando forte especificidade local – exemplificada
pela harmonia diferenciada –, ele é possível pela proximidade territorial e pelas
identidades culturais e sociais que contribuem para caracterizá-lo como elemento de
vantagem competitiva da cadeia produtiva local.
As condições para a formação e capacitação desse capital, do ponto de vista artístico,
são outro fator favorável da capital – considerada importante polo de formação musical.
“Belo Horizonte, nesse aspecto, está liderando”, afirma Geraldo Vianna. “A UFMG,
por exemplo, deu um passo à frente ao criar a disciplina de música popular; a FEA116
tem um trabalho fantástico, que atende a gêneros e estilos diferentes”, explica. Para
Bertelli, as escolas de música da capital – universidades e cursos de formação livre –
contribuem para que os músicos atuais sejam “muito qualificados”, tenham “uma boa
formação musical, uma boa capacidade criativa”. Entretanto, ela acredita que, no que
diz respeito ao conteúdo, ainda faltaria material bibliográfico, partituras.
Essa nova música, criativa, inventiva, que tá aí, ela não tá no ensino. Falta
material de ensino dessa música. [...] acho que a universidade ainda está
muito atrasada. Pensa na música harmorial do Nordeste: que grande
material sonoro para as escolas de música – da década de 70, não é de
agora. E a universidade não usa esse material. Eu estou falando de quarenta
anos. É um buraco grande ainda. Então, eu acho que falta material pra
trabalhar com a música mais contemporânea, mais atual. (BERTELLI).
115
116
Criador e diretor do Selo Sonhos e Sons.
Fundação de Educação Artística.
147
Embora reconheça em Belo Horizonte “um grande polo da educação musical”, o
produtor cultural Lucas Mortimer117 diz sentir falta “ainda, do contato maior da
universidade com a realidade”. O produtor cultural Talles Lopes118 também defende
que os artistas deveriam “explorar melhor a relação com as universidades”. Para ele,
isso não seria problema exclusivo da capital, mas algo que ocorre no país inteiro.
Argumentando ser ali um espaço “onde teria um público mais qualificado, porque é o
espaço da livre circulação do conhecimento, da informação”, ele confessa não
“entender o porquê a gente ainda não consegue ter uma aproximação maior”.
4.3 A questão do público e a formação de plateias
De um modo geral, Belo Horizonte é vista como tendo um público exigente. Isto seria
fruto, por um lado, de certo conservadorismo e, de outro, das referências muito altas de
qualidade que seriam geradas por uma cena “muito mais consistente e diversificada”,
com “um padrão muito mais alto” do que o de outros lugares, o que faria com que as
pessoas “não aceitassem qualquer coisa”. (MAKELY). Para ele, isso acabaria “criando
um padrão também de qualidade e de exigência do próprio criador”, isto é, do músico.
Acostumada a gerir projetos culturais de diferentes portes e tipos na capital, Bertelli
também vê um “público extremamente crítico, exigente”, o que não considera um
problema; ao contrário, acha que “isso é ótimo”, porque “aumenta a qualidade”.
Makely acredita na existência de um campo a ser explorado, um público “ávido por
novidade, que acompanha os artistas” e também mais ligado na realidade: “eu sinto que
o público fica mais satisfeito quando faço um show mais crítico, mais ácido, com mais
comentários, [...] quando você insere algum elemento do cotidiano, comenta uma
notícia, quando faz uma crítica”. Para Lopes, a capital mineira “tem um público
qualificado, que acaba alimentando o próprio mercado”.
117
Membro do núcleo coordenador do Coletivo Pegada integrante do movimento independente Fora do
Eixo.
118
Presidente da Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin).
148
O professor Clélio Campolina Diniz119 acredita que a ideia do mineiro conservador seria
uma imagem que ficou, mas, embora haja “muita gente conservadora, tem muita gente
progressista”. Ele reconhece Belo Horizonte como uma cidade “muito heterogênea, boa
parte da população de origem rural”, e que “está constituindo uma camada social que
tem hoje conhecimentos musicais, sensibilidade”. Ele destaca o fato de a cidade ser “um
grande centro educacional”, que, além da UFMG, com quase 50 mil alunos, conta com
outras universidades e instituições de ensino. Para ele, isso contribuiria para que a
cidade tenha “uma juventude bem informada”, onde “a maioria fala língua
estrangeira”.
Essas características sinalizariam a existência de um público altamente favorável para a
sustentação de um sistema produtivo da música. Diniz acredita que na capital circula
muito dinheiro, que vai movendo uma estrutura econômica cada vez mais dependente
do setor de serviços. Segundo ele, à medida que a renda cresce a cesta de consumo da
pessoa muda e, além dos itens básicos de sobrevivência, aumenta as suas possibilidades
de consumo, inclusive de bens culturais. Para isso se tornar uma demanda, entretanto,
haveria a questão educacional, pois a população precisaria ser motivada, sensibilizada.
Nesse sentido, ele acredita que a capital “tem um grande potencial”.
Para Geraldo Vianna, a princípio, o público da capital seria “favorável”, mas seria
preciso um trabalho para lembrá-lo do movimento musical que acontece na cidade.
Compartilhando esse pensamento, Makely cita o exemplo bem sucedido do projeto
Reciclo Geral, realizado em 2002, para dar visibilidade ao trabalho autoral da nova
geração. Semanalmente, durante dois meses, um grupo de compositores e intérpretes
independentes, de vários gêneros, ainda desconhecido do grande público, realizou
shows só com músicas autorais, que chamaram a atenção da mídia e, principalmente,
levaram um grande público a lotar o Reciclo Cultural Asmare120 em todas as noites de
sua realização. “Ninguém tinha gravado disco ainda”, e “a gente começou a encher a
casa e ninguém acreditava”. Isto demonstraria a existência de público para esse tipo de
trabalho.
119
Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre, doutor e pós-doutor em Ciência
Econômica, é estudioso de economia regional urbana e economia mineira, entre outros temas.
120
Associação dos Catadores de Material Reaproveitável de Belo Horizonte.
149
No campo da música erudita, Belo Horizonte também possui público significativo.
Segundo o jornalista e pesquisador Mauro Werkema121, “há no belo-horizontino um
gosto também pela música sinfônica, a música erudita”. Também haveria “um singular
e excepcional gosto do público” pela ópera: “nas grandes montagens de natureza
operística, o que nós víamos no Palácio das Artes é que tudo que fizemos lotou. E as
pessoas me dizem que essa é uma predição que vem de muitos anos, desde o início da
capital”.
Analisando o lado da oferta, Bertelli destaca que Belo Horizonte é das poucas capitais
brasileiras que produzem óperas, mas que “a gente não percebe isso como um
diferencial” e que a “cidade exporta músico todo dia; as principais orquestras e coros
do Brasil têm músicos daqui”. Corroborando esta análise, Werkema destaca o grande
potencial de produção da Fundação Clóvis Salgado por intermédio do Centro Técnico
de Produção de Mazargão, com todos os elementos da “grande cenografia: a grande
marcenaria, a adereçaria, a pintura, tudo isso temos”; e o Palácio das Artes, com os
seus corpos artísticos, “um coral lírico de alta competência, a velha Orquestra
Sinfônica; a Orquestra Filarmônica, de padrão internacional”.
Os dados levantados confirmam esta vocação de Belo Horizonte para a música erudita e
a ópera. Segundo a pianista e professora Tânia Mara Lopes Cançado122, há uma
“evolução do poder da música erudita em BH, que eu pude ver nesses meus 60 anos de
observação e de vida”. Embora compreenda que ela atinja um público restrito,
comparativamente a outros gêneros musicais, a professora reconhece que “a gente tem
uma história, não só de compositores de outras cidades de Minas Gerais que vieram
para cá”, como é o caso de “famílias tradicionais de músicos como a de Sebastião
121
Ex-Presidente da Fundação Clóvis Salgado, atual Assessor Técnico da Secretaria de Estado de Turismo
de Minas Gerais e diretor do Instituto Horizontes.
122
Ex-diretora da Escola de Música da UFMG e idealizadora do Parque Escola Cariúnas – projeto
desenvolvido pela Sociedade Artística Mirim de Belo Horizonte, localizado na região Norte da capital,
considerado referência na formação musical de crianças e jovens. Em 2010, foi qualificado pelo MinC
como Ponto de Cultura.
150
Viana”
123
, mas como a “história da Rádio Inconfidência, que foi um poder de
divulgação muito grande na década de 50, com programação específica, orquestras,
ópera, opereta”.
A pianista destaca o importante papel da Banda da Polícia Militar, criada no início do
século XX que, “ao lado da música erudita, também trabalhava a popular e a marcial”
e de onde saíram os primeiros docentes do Conservatório Mineiro de Música, que deu
origem à Escola de Música da UFMG. A orquestra Sinfônica da Polícia Militar de
Minas Gerais, criada por Sebastião Viana na década de 1950, foi, durante muitos anos, a
única da capital. Em 1972, Viana cria a Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de
Minas Gerais, como um laboratório para os alunos da graduação e da pós-graduação.
Em 1976 é criada a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, um dos grupos estáveis do
Palácio das Artes, que havia sido inaugurado em 1971.
Como um expoente desse processo, Cançado destaca o papel do maestro Sérgio
Magnani, italiano, que veio ministrar aulas em Belo Horizonte em 1950, e foi
responsável pelo “trabalho de formação de gerações de músicos, instrumentistas,
cantores e regentes”. Por sua representatividade, dedicação ao campo da música e sua
atuação nas áreas de pesquisa e magistério, foi agraciado com o título de Cidadão
Honorário de Belo Horizonte. Arthur Bosman, compositor alemão – um dos importantes
professores da Escola de Música da UFMG na década de 60 – é outro destaque, “pela
obra imensa que deixou aqui”.
Outro regente importante, lembrado pela pianista é David Machado que, na década de
80, como professor convidado da UFMG, vindo do Rio de Janeiro, “reforçou o estilo
mais erudito e trouxe o potencial dos grandes corais universitários, a partir de
experiência vivida na Venezuela, naquele movimento de orquestras e grupos de música
lá”. Finalmente, a professora aponta a criação, em 2008, da Orquestra Filarmônica de
123
Em 1933, transferiu-se de sua cidade natal, Visconde do Rio Branco (MG), para Belo Horizonte,
ingressando na banda da Polícia Militar. Estudou flauta, harmonia, composição e regência na Escola de
Música da UFMG. De 1946 a 1950 foi assistente e revisor das obras de Heitor Villa-Lobos no Rio de
Janeiro, onde se diplomou no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. De volta a BH, em 1950,
organizou a Orquestra Sinfônica e a Banda de Música da Polícia Militar de MG. Por dez anos foi regente
da Sociedade Mineira de Concertos Sinfônicos; durante dois anos foi diretor da Escola de Música da
UFMG. Seus filhos Marcus Viana e Andersen Viana também são músicos. Fonte: Site A Música que
Vem de Minas. Disponível em: http://amusicaquevemdeminas.blogspot.com/2010/02/banda-da-policiamilitar-de-minas.html. Acesso em: 20 Fev. 2011.
151
Minas Gerais como uma importante contribuição para a cena da música erudita da
capital, principalmente pela grande quantidade de músicos estrangeiros que trouxe para
a cidade – o que “contribui para o intercâmbio artístico e a dinamização do setor” –,
mas, também, pelo trabalho de difusão do gênero no estado e no país.
Reforçando a importância do canto lírico local, Belo Horizonte será sede, em abril de
2011, pela terceira vez, de mais uma edição do Concurso Internacional de Canto Bidu
Sayão124, a mais importante competição vocal da América Latina e a que oferece os
melhores prêmios: mais de R$ 70 mil em dinheiro. “Organizada pela São Paulo Imagem
Data Casa da Ópera, a competição tem como objetivo identificar novos talentos,
colocando-os em evidência e ampliando seus níveis de referência”.
125
Em quase todas
suas edições, Minas Gerais tem sido o estado com maior número de candidatos
classificados, reafirmando a vocação para o gênero. A edição de 2011 conta com 11
candidatos mineiros, a grande maioria formada em Belo Horizonte.
Todo esse quadro aponta para a necessidade de um trabalho de formação de plateias,
condição fundamental para o desenvolvimento de um mercado da música. A iniciativa
considerada mais inovadora nesse aspecto, mas que só trará resultados a médio ou longo
prazo,é a inclusão da disciplina de educação musical na Educação Básica, a partir de
agosto de 2011. Makely acredita que “isso vai trazer um impacto muito grande”,
especialmente se o ensino significar “um momento de os meninos aprenderem a ouvir”,
o que “já seria um ganho gigantesco, inclusive pra quem faz música”.
Além das dificuldades para aplicação dessa lei, analisadas no capítulo anterior, o fato
dela não determinar que o responsável pela disciplina seja músico exigirá investimento
pesado na capacitação desses professores, pois, segundo Cançado, para se alcançar os
objetivos propostos, “você precisa ter um profissional habilitado, com vivência, senão,
124
O concurso homenageia a artista brasileira Bidu Sayão, grande estrela do canto lírico brasileiro e uma
das grandes cantoras do século XX , que foi a parceira favorita de Villa-Lobos por 38 anos e, por mais de
uma década, foi a principal soprano do Metropolitan Opera House de Nova Iorque. Fonte: Site Página
Cultural. Disponível em: http://paginacultural.com.br/concursos/concurso-internacional-de-canto-bidusayao. Acesso em: 30 Mar. 2011.
125
Fonte: Site Página Cultural. Disponível em: http://paginacultural.com.br/concursos/concursointernacional-de-canto-bidu-sayao. Acesso em: 30 Mar. 2011.
152
não vai adiantar nada”. Segundo ela, algumas instituições de Belo Horizonte, como a
UFMG e o SESI-MG126 já iniciaram cursos e projetos nessa direção.
Para Geraldo Vianna, “não está havendo trabalho de formação de público”. Ele baseia
sua afirmação na avaliação do que é tocado “no sistema, na mídia”, que não contribuiria
para aumentar a sensibilidade das pessoas. Ao contrário, como ele diz, “estão
emburrecendo o público”. Na opinião de Cançado, trata-se de um trabalho que deveria
ser contínuo, um investimento permanente nas crianças, por meio de um leque de
ofertas de opções artísticas, pois não seria possível se formar público de um dia para o
outro, já que isso estaria diretamente ligado ao nível de sensibilidade das pessoas.
O nível de sensibilidade é que faz essa compreensão. Quando você
desenvolve na população o nível de sensibilidade, ela cresce em habilidades
pessoais; aumenta a sensibilidade ouvindo, participando [...]. Com uma
ação contínua você tem, com certeza, um público melhor do que aquele que
só ouve o que o rádio, a matéria de massa tá ali oferecendo. [...] O que a
gente quer é que a pessoa assista um Milton, mas ao mesmo tempo possa
entrar num teatro e ouvir a Filarmônica, assistir a uma peça de teatro [...] .
A sensibilidade trabalhada modifica a criança, o jovem, rapidamente.
(CANÇADO).
Como exemplo, a professora cita o caso ocorrido em 2010 com o violoncelista alemão
Alban Gerhardt, que veio a Belo Horizonte se apresentar na Orquestra Filarmônica de
Minas Gerais e também fez um recital no Parque Escola Cariúnas. Após executar duas
suítes inteiras de Bach para cerca de 200 crianças, ele teria comentado ser “raríssimo
ver um público infantil com aquela concentração durante 40 minutos”. Para a
professora, isto é resultado de um trabalho de quatro, cinco anos, em que as crianças
“continuamente estão aqui dentro, num processo onde trabalham a criatividade, a
musicalização, um instrumento... É a sensibilidade que muda”. Bertelli concorda que
“formar plateia tem a ver com educação” que permita à pessoa “se interessar por
aquele tipo de música”, que lhe ”possibilite ter curiosidade pelas coisas, ter paciência,
ter necessidade da beleza, sensibilidade; não tem jeito de escapar disso”.
Ainda no que diz respeito às plateias, Cançado vê a sinalização do surgimento de um
novo público, que viria da periferia em busca de atividades culturais fora de suas
comunidades, como decorrência de projetos paralelos desenvolvidos por várias ONGs e
126
Serviço Social da Indústria de Minas Gerais.
153
pelos Pontos de Cultura implantados pelo Governo Federal. Haveria uma “plateia vindo
de uma periferia que antes ela não saia de lá. O que foi que a mobilizou? Foi a cultura
que chegou a pontos que jamais alguma coisa acontecia lá”. Para a professora, apesar
das críticas que se possa fazer aos Pontos de Cultura127, eles representam um ganho para
o Brasil, por se tratarem de “pontos de grande difusão da cultura”.
Um fator considerado desfavorável à formação de plateias seria a existência de muitos
espetáculos musicais com entrada franca, oferecidos de forma indiscriminada, sem
planejamento e objetivos didáticos. Geraldo Vianna acredita que projetos com entrada
franca são fundamentais, mas, na maioria, não teriam “um planejamento de como
trabalhar o público [...]: é de graça, vamos lá então!”. Ele acredita que essas iniciativas
não estariam contribuindo para maior informação e formação do público no sentido de
estimulá-lo a buscar qualidade, a ficar mais atento às inovações.
Para o músico, as leis de incentivo teriam grande responsabilidade por essa situação,
pois, ao financiarem a maioria de projetos com entrada franca, teriam contribuído para
disseminar a cultura do “tudo de graça”, colaborando para a perda de público.
“Investiram muito numa certa preguiça até mental, e as consequências, a médio prazo,
são complicadas”, prevê. Concordando, Bertelli acredita que teria se estabelecido um
“círculo vicioso, onde as pessoas buscam só aquilo que é gratuito” e, nesses casos, não
é a programação que importa, “mas sim ir ao evento sem pagar o ingresso”.
A parecerista do MinC acha importante haver eventos gratuitos, principalmente em
espaços públicos, de rua, mas diz que “é preciso ter uma lógica de sustentabilidade
também dos espaços”, o que não estaria acontecendo. Ao contrário, Belo Horizonte
estaria vivendo grandes contradições, como “cercar a Praça da Estação e exigir
ingresso para um evento” e, ao mesmo tempo, “se faz um evento gratuito dentro do
Palácio das Artes. É uma loucura!”.
127
“São entidades reconhecidas e apoiadas financeira e institucionalmente pelo Ministério da Cultura que
desenvolvem ações de impacto sócio-cultural em suas comunidades. Somam, em abril de 2010, 2,5 mil
em 1122 cidades brasileiras, atuando em redes sociais, estéticas e políticas”. Fonte: MinC. Disponível em:
http://www.cultura.gov.br/culturaviva/ponto-de-cultura. Acesso em: 05 Fev. 2011.
154
Brant defende o trabalho de público como responsabilidade de toda a sociedade: “a
gente tem público, mas ele tem de ser informado da existência dessa música enorme que
existe aqui e, para isso, a gente precisa das secretarias de cultura, de desenvolvimento,
das empresas”. Embora considerado ainda “incipiente”, o produtor cultural Tadeu
Martins128 destaca o trabalho de formação de plateia desenvolvido pela UFMG por meio
dos concertos didáticos e dos projetos culturais que realiza; o trabalho da Fundação
Clóvis Salgado, com os concertos no Parque Municipal; e o da Fundação de Educação
Artística e do SESC, “que têm projetos cumprindo esse papel”.
Nas vilas e favelas da cidade, a falta de formação de público também é considerada um
grave problema. Segundo a socióloga Clarice Libânio129, “a gente sabe que é um
processo lento, depende de uma série de variáveis da própria região, [...] a história
local, a cultura local, e isso, de fato, não é uma coisa que é considerada”. Para ela, a
origem do problema estaria na falta de interação dos equipamentos públicos de um
modo geral – especialmente dos centros culturais – com as comunidades. Ela cita um
exemplo concreto:
A gente tem o exemplo lá do Alto Vera Cruz, que é um dos centros culturais
mais antigos, que foi conquistado em parceria com a comunidade; e, na hora
de fazer a gestão, a Prefeitura falou “não, a gestão é nossa”. Então, os
movimentos culturais se afastaram e hoje usam muito mais um outro espaço
que tem lá do que o próprio Centro Cultural. (LIBÂNIO).
Para a gestora, a questão da formação de público estaria ligada a uma oferta permanente
e variada, que permitisse às pessoas a assimilação das novas linguagens e gêneros e a
criação do hábito de consumo cultural. “Você precisa ter periodicidade com oferta
diferenciada”. Como exemplo de trabalho nessa linha ela cita a Campanha de
Popularização do Teatro e da Dança, realizada há 37 anos na capital por iniciativa do
Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais (Sinparc). “Você pode ter
muitas críticas à campanha, mas chegam pessoas que você não tem a menor noção que
elas um dia iriam ao teatro, e falam que já foram à peça tal etc. [...] Esse é um
processo de formação de público”.
128
129
Diretor do Instituto Vale Mais – Instituto Sociocultural do Jequitinhonha.
Diretora Executiva da ONG Favela é Isso Aí.
155
Realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Fundação Municipal de
Cultura, o Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte (FIT-BH) –
que completou dez anos em 2010, quando pela primeira vez foi realizado em vilas e
favelas – também é apontado por Libânio como importante nesse sentido. Pesquisa
realizada pela ONG Favela é Isso Aí junto ao público do Festival mostrou que 41% dos
entrevistados assistiam a um espetáculo teatral pela primeira vez. “É um número enorme
de pessoas que estava tendo acesso pela primeira vez àquele tipo de linguagem. [...]
Acho que esse é um processo de formação de público, é a oferta”.
No que diz respeito à oferta de projetos públicos de música, entretanto, os dados
levantados mostram que Belo Horizonte está na contramão deste caminho. Além de
apontar a descontinuidade de eventos culturais anuais importantes no calendário da
cidade, como o Festival de Rock Independente, o Festival de Arte Negra e a Bienal de
Poesias, Makely questiona o fato de que Belo Horizonte “não tem um festival de
música”. Segundo Tadeu Martins,
todos os projetos de formação de público que a Prefeitura realizava ou
apoiava acabaram. [...] Os eventos públicos de rua, que são importantes pra
formação de público, caíram pra zero, praticamente. Existiam 290 por ano,
hoje não tem nenhum. [...] tinha o Praça Sete às Seis e Meia, acabou; tinha o
projeto Minha Praça, com shows simultâneos acontecendo em 12 praças da
cidade, nenhum existe mais. Seresta em Santa Tereza toda sexta-feira,
acabou; Canta BH na Praça Raul Soares, todo sábado, de uma às cinco,
acabou; Música ao Pé das Árvores, maravilhoso, com orquestra e tudo, na
Bernardo Monteiro, acabou.
Mestre Jonas lembra o projeto Palco da Periferia – importante iniciativa da comunidade
do Aglomerado da Serra –, que, com o apoio da Prefeitura por meio da Belotur130,
conseguiu se manter durante três anos. “Dois dias de shows, com eventos de música,
apresentação de danças, exposições, artistas plásticos, costuras, trabalhos artesanais”,
que tiveram de ser suspensos quando a Prefeitura retirou o apoio. Por parte do governo
estadual, o cantor, ator, jornalista e produtor cultural Thelmo Lins131 lembra a extinção
de projetos de música (como o Fim de Tarde) realizados pelo Palácio das Artes, que
contribuíam para lançar e divulgar novos talentos locais e que acabaram por falta de
apoio. “Toda quarta-feira, seis e meia, tinha um show diferente lá, com preços
130
Empresa Municipal de Turismo, a Belotur, criada pela lei n° 3.237, de 11/08/80, é um órgão municipal
que se dedica à promoção do turismo. Originalmente encontrava-se vinculada à Secretaria Municipal de
Cultura, Turismo e Esportes. Atualmente está ligada diretamente ao gabinete do prefeito.
131
Músico, ator e Administrador do Teatro Santo Agostinho.
156
baratos”. Makely cita os projetos Música Independente132 e Expresso Melodia133, que
acabaram e “ninguém deu satisfação, ninguém falou mais nada”.
Outro programa considerado importante por todos os músicos e produtores ouvidos,
mas que também foi suspenso pela Prefeitura sem qualquer explicação, é o Arena da
Cultura. Segundo Tadeu Martins, o projeto, que possibilitava “ao povo conhecer os
talentos que tem nessa cidade, [...] desapareceu”. Realizando atividades em duas linhas
de ação: “formação e capacitação” e “difusão cultural”, o projeto buscava “ampliar o
acesso dos cidadãos de Belo Horizonte aos bens artísticos e culturais” através da
“realização de oficinas do ciclo de iniciação artística nas áreas de Artes Plásticas,
Dança, Música e Teatro, nos Centros Culturais da Fundação Municipal de Cultura”.134
Para nós [...] o Arena da Cultura é fundamental. [...] É um projeto que de
fato atinge [...] os moradores de vilas e favelas, que não teriam acesso a uma
formação. Ele capacita em gestão, informação, essa coisa de aonde ir, como
fazer, mas capacita, também, artisticamente, em teatro, dança, música, artes
plásticas. (LIBÂNIO).
Segundo Bertelli, o trabalho desenvolvido pelo projeto “provocou muita gente a entrar
pro campo da cultura, da música. Tem uma série de compositores, de poetas, de
pessoas que ganharam força a partir da passagem pelo Arena da Cultura”. Apesar da
importância da iniciativa, ela lamenta que “ele jamais foi sequer avaliado”. Para
Cançado, a interrupção de projetos importantes e bem-sucedidos refletiria a ausência de
políticas públicas sólidas. Ela seria causada por problemas de gestão governamental, na
maioria das vezes baseada em desejos pessoais ou projetos de campanha do governante
ou de gestão das empresas: “um governo que está começando interrompe um projeto,
não quer mais, porque foi o outro que fez; ou então é a empresa, por motivos
financeiros, de mercado”.
132
Projeto realizado pela Fundação Clóvis Salgado em parceria com a Sociedade Independente da Música
(SIM), Rádio Inconfidência e TV Minas, com o objetivo de “dar oportunidade a novos intérpretes,
compositores e instrumentistas que se dedicam à música brasileira, com destaque para shows inéditos e
novos encontros entre artistas”, além de “valorizar a diversidade de gêneros musicais”. Fonte: site
Secretaria
de
Estado
da
Cultura
(SEC).
Disponível
em:
http://www.cultura.mg.gov.br/?task=interna&sec=1&cat=39&con=1270. Acesso em: 03 Mar. 2011.
133
Projeto da SEC, realizado por meio da Fundação Clóvis Salgado, que, através de um caminhão-palco,
difundia a produção artística mineira na periferia da capital e no interior do Estado. Fonte: site Instituto
Cultural Sérgio Magnani. Disponível em: http://www.institutosergiomagnani.org.br/gestao-deprojetos/outros-projetos. Acesso em: 03 Mar. 2011.
134
Fonte: www.pbh.gov.br. Acesso em: 22 Fev. 2011.
157
De acordo com Marcus Viana, “o poder público é o único que tem capacidade de
mudar isso em curto prazo, investindo nos artistas locais, na propaganda dos já
famosos e puxando os novos”, com vistas à criação de público. O músico vê a
necessidade de se criar “eventos periódicos, bem divulgados”, onde “a participação
principal seja dos artistas locais”, e de que haja ações “aumentando a capacidade de
força dos artistas locais que escolheram morar aqui”.
Os artistas baianos do axé – cujos shows na cidade enchem o Mineirão, lotam os hotéis,
atraem gente de outros estados, movimentam a economia – seriam um exemplo. Ele diz
não ser contra esse tipo de evento – “um fenômeno da baianidade que atravessou
fronteiras” – e que eles servem de lição para os mineiros: “a gente podia lançar a
música das montanhas, atrair gente do Brasil todo, a Estrada Real toda tinha de estar
com festivais. Será que o governo não acorda?”.
4.4 Inovação: característica favorável do mercado da música de Belo
Horizonte
As palavras de Geraldo Vianna resumem o que acontece no segmento da música da
capital mineira do ponto de vista da inovação:
As propostas artísticas aqui têm coisas fenomenais, inovadoras, muita
proposta experimental, muita proposta apurada de jazz, muita proposta
apurada de choro. É inovação você pegar um gênero lá do princípio do
século passado até metade do século e propor novas linguagens, é uma
forma de inovar uma coisa tradicional. [...] Na música erudita, a quantidade
de gente propondo coisas novas está em efervescência. (VIANNA,
GERALDO).
Como analisado no capítulo anterior, essa inovação acompanha a história do movimento
musical da cidade. Como uma das grandes marcas, ela passa pelo Clube da Esquina –
que, nas palavras de Marcus Viana “era diferente de tudo, foi muito à frente” –, até
chegar aos tambores do Grupo Tambolelê135, que mistura ritmos ancestrais utilizados na
Folia de Reis e no Congado com pitadas de sons contemporâneos, como blues, rock'n
135
Criado em 1995, é formado por Santonne Lobato, Geovane Sassá e Sérgio Pererê. Fonte: Grupo
Tambolelê. Disponível em: http://www.orkut.com/Community?cmm=258607&hl=pt-BR. Acesso em: 17
Fev. 2011.
158
roll, funk e black music, e ao multiinstrumentista Maurício Tizumba, reconhecido
internacionalmente. “Os tambores daqui são diferentes dos tambores da Bahia, por
exemplo; são mais lentos, têm uma coisa muito profunda, [...] um Congado; o tambor
mineiro é mais denso”, explica Marcus Viana.
O próprio Marcus Viana é responsável por algumas marcas de inovação da música
criada em Belo Horizonte. Foi o primeiro a eletrificar um violino em Minas Gerais, na
década de 1970, além de fundar o grupo de rock progressivo Sagrado Coração da Terra,
que misturava “a alma sinfônica com ritmos modernos”, defendendo, já naquela época,
“uma bandeira meio ecológica em prol da transformação espiritual e planetária”. O
violinista também foi pioneiro, no Brasil, ao compor trilhas sonoras inteiras para
novelas – Pantanal, da TV Manchete, exibida em 1990, e O Clone, da TV Globo, de
2001 –, depois de já ter feito trilhas para espetáculos do grupo de balé do Palácio das
Artes e do Grupo Primeiro Ato, ambos de Belo Horizonte. Mas foi só depois de fazer
sucesso fora do Estado que ele começou a ser reconhecido em sua terra natal: “porque
Minas só aceita o que estoura fora. Nós temos um complexo feio de não valorizar o
filho da terra”.
A música instrumental mineira é outro exemplo de inovação. Ela produziu grandes
nomes, reconhecidos internacionalmente, a exemplo do guitarrista belo-horizontino
Toninho Horta – cujo CD Harmonia e Vozes foi indicado ao 11° Grammy Latino 2010
na categoria de melhor álbum de MPB; do saxofonista Nivaldo Ornelas, também natural
de Belo Horizonte – onde foi um dos fundadores do Berimbau Club, voltado para o
Jazz, na década de 1950, e que se apresentou ao lado de nomes internacionais como
Sarah Vaughan; do compositor e arranjador Juarez Moreira, nascido no interior de
Minas, mas cuja carreira foi desenvolvida a partir de Belo Horizonte e que possui discos
lançados nos Estados Unidos, Canadá, Japão e Europa.
Sobre o trabalho apurado de choro, apontado por Geraldo Vianna, os dados mostram
Belo Horizonte como uma das referências no gênero. “Soma do batuque, do lundu, com
a música portuguesa, a polca, a valsa, o minueto, e de outros mais”
136
, o choro
encontrou, na capital mineira, vasto campo para se desenvolver. Para isto contribuíram
136
Fonte: Site BH Choro. Disponível em: http://www.bhchoro.com.br/historiaetrajetoria.html. Acesso
em: 03 Set. 2010.
159
não apenas a origem da formação dos músicos locais, mas a sua flexibilidade e gosto
pela inovação, uma vez que o gênero tem na “liberdade de improvisação do intérprete –
quando cada um, a seu modo, pode demonstrar toda sua virtuose – uma das suas
características mais marcantes”.
137
A capital oferece pelo menos meia dúzia de espaços (bares e restaurantes) voltados
exclusivamente para a execução pública do choro, sendo um dos mais tradicionais
redutos (desde 1993) o Bar do Bolão (localizado no Bairro Padre Eustáquio), onde, em
2006, foi fundado o Clube do Choro de Belo Horizonte, associação sem fins lucrativos,
voltada para a divulgação e a promoção do gênero. Alguns de seus principais expoentes
são os grupos Belo Choro, Pedacinhos do Céu, Corta Jaca, Duo 13 Cordas, Chora Pro
Nobis, Chora o 7 e Flor de Abacate que, desde 1989, realiza trabalho inovador em
Minas Gerais de pesquisa, estudo e divulgação da música instrumental brasileira, com
destaque para o choro, já tendo lançado três CDs. 138
Tadeu Martins aponta Belo Horizonte como uma das grandes referências em inovação
por meio da viola, o que teria levado a capital a se tornar sede da Associação Brasileira
dos Violeiros e do Instituto Brasileiro da Viola Caipira, que promove o maior prêmio de
viola do Brasil – o Prêmio Excelência de Viola Caipira, em sua terceira edição. Ele
lembra o Carnaviola – carnaval movido a viola – que está em sua quarta edição e,
recebendo convites internacionais.
A viola em Minas Gerais virou uma referência para o Brasil e pro mundo
[...] Fernando Sodré, jovem, aqui de BH está participando de festivais
internacionais de jazz com viola. Chico Lobo está voltando agora de 12
shows na China. [...] Pereira da Viola está fazendo uma série de shows pelo
Brasil e pelo mundo, o Renato Caetano toca até rock na viola, são inovações.
(MARTINS, TADEU).
Inédito, segundo o produtor cultural, também seria o trabalho desenvolvido pelo grupo
Meninas de Sinhá do bairro Alto Vera Cruz, na Zona Leste. Criado em 1998, é formado
por mulheres da comunidade, que fazem um trabalho – já registrado em CD – de resgate
e divulgação da cultura popular por meio de cantigas de roda, cirandas e brincadeiras
137
Fonte: Site BH Choro. Disponível em: http://www.bhchoro.com.br/historiaetrajetoria.html. Acesso em:
03 Set. 2010.
138
Fonte: Site Clube do Choro de BH. Disponível em: www.clubedochorodebh.com.br. Acesso em: 03
Set. 2010.
160
infantis. Tadeu Martins cita, ainda, o inédito Carnaval Sanfônico, que aconteceu pela
primeira vez em Belo Horizonte em 2011, com as sanfonas substituindo os sopros –
tradição da festa popular –, resgatando “o carnaval à moda antiga, com marchinhas,
sambas, frevos, cantigas de rodas”. Inovador na capital também seriam os blocos
carnavalescos, que começaram a surgir em 2009 no período pré-carnaval e ganharam
força em 2011, arrastando centenas de pessoas pelas ruas de diferentes bairros da
cidade, inclusive nos dias do Carnaval. Mestre Jonas diz que o movimento é fruto de
“muita gente com esse mesmo pensamento, montando grupos, blocos, fazendo
marchinhas, divulgando na internet”.
Lopes acompanhou esse movimento: “em 2010, teve um boom de blocos, que surgiram
de forma muito espontânea”, e, em 2011, um grupo de músicos está preparando “a
gravação das marchinhas desses blocos pra sair uma coletânea das marchinhas, num
processo de estimular o renascimento do carnaval da capital”. Sem nenhum apoio ou
estímulo público, sem necessidade de uniformes, abadás ou fantasias, estes blocos são
formados por grupos de amigos, familiares, colegas de trabalho ou de escola, de todas
as idades. Seriam exemplos os blocos Da Cidade (Centro), Gamboa e Treme na
Linguiça (Savassi), Da Tetê (Santa Tereza), Mamá na Vaca e Sou Bento mas Não Sou
Santo (Santo Antônio), Santo Bando (São Bento), Sagrada Folia (Sagrada Família),
Concentra mas não sai (Funcionários), As Virgens do Formigueiro Quente
(Mantiqueira) e Carnasônico (Santa Efigênia). 139
Outros dois movimentos musicais inovadores, também surgidos de forma espontânea na
capital, ganharam força a partir da adesão popular, se apropriando de espaços públicos
para fazerem da rua o local de trocas e defesa do gênero musical do coração. Criado em
2004, o Quarteirão do Soul surge na região central de Belo Horizonte (Rua Goitacazes,
entre Curitiba e São Paulo), a partir do encontro de alguns amigos, entre eles Geraldo
Antônio dos Santos, o DJ Geraldinho, lavador de carros no local. Desde então, nas
tardes de sábado, homens e mulheres de meia idade transformam a rua em espaço de
dança e celebração da identidade que se estabelece a partir do gosto comum pela soul
music.
139
Fonte:
Jornal
Estado
de
Minas.
Disponível
em:
http://www.divirtase.uai.com.br/html/sessao_27/2011/02/27/ficha_carnaval/id_sessao=27&id_noticia=35336/ficha_carnaval
.shtml. Acesso em 03 Mar. 2011.
161
Os freqüentadores do local se apossaram da rua sem a permissão oficial da
prefeitura e realizam seus bailes a céu aberto. [...] em sua maioria negros,
trabalhadores de baixa remuneração: pintores, donas de casa, coveiros,
cabeleireiras, taxistas, mecânicos, lavadores de carros e outras funções, que
se encontram pelo prazer de ouvir e dançar a soul music. (RIBEIRO, 2008, p.
5).
A alguns quarteirões dali, também no centro da cidade, surge, em 2008, o duelo de
MC’s (Mestres de Cerimônias). Realizado debaixo do viaduto Santa Tereza, reúne “o
melhor das manifestações artísticas do Hip Hop”, com “roda livre de danças urbanas e
as tradicionais batalhas de rimas improvisadas”, realizadas sob o compasso das batidas
saídas dos toca-discos do DJ. O espetáculo, que muitas vezes incorpora a participação
de grafiteiros, é ponto de encontro de centenas de jovens das diferentes regiões da
cidade, nas noites de sexta-feira.140
Lopes considera inovador o movimento batizado de Praia da Estação, criado e
desenvolvido por grupos de artistas da capital, entre eles dezenas de músicos, para
protestar contra a decisão da Prefeitura de proibir “a realização de eventos de qualquer
natureza na Praça da Estação”.
141
A partir de mobilização pela internet, eles levaram
centenas de pessoas a se reunirem no local durante vários finais de semana. Para Lopes,
a experiência teria sido inovadora na medida em que a arte, de forma espontânea,
casual, levou à discussão de problemas que afetam a cidade, como a utilização dos
espaços públicos e a questão dos moradores de rua.
Ali, como uma brincadeira, indo pra praia, colocando um biquíni, os artistas
se reunindo, discutindo, [...] experiências bem inovadoras, que a atividade
dos músicos, da classe musical, vem conseguindo fazer, e conseguindo outros
desdobramentos para além de plataformas da própria música. (LOPES).
Inovador, também, é considerado o movimento Reciclo Geral, já mencionado como
exemplo de projeto de formação de público. Para Makely, aquele foi um marco, “foi o
primeiro show autoral, só com as próprias composições”, e “num dia que não tinha
público nenhum na casa, começou a ter excesso de público em poucas semanas de
projeto. Só divulgação boca a boca, não tinha Twitter; Facebook; mal tinha e-mail”. A
140
Fonte: Blog Duelo de MC’s. Disponível em: http://duelodemcs.blogspot.com/. Acesso em: 25 Jan.
2011.
141
Decreto n° 13.798 de 09 Dez. 2009 do Prefeito de Belo Horizonte. Fonte: Diário Oficial do Município.
Disponível em: http://portal6.pbh.gov.br/dom/iniciaEdicao.do?method=DetalheArtigo&pk=1017732.
Acesso em: 05 Jan. 2011.
162
iniciativa, segundo um dos veículos impressos locais, criou uma “ebulição criativa
poucas vezes vista na história da música feita no Estado”, mostrando o surgimento de
“uma nova e talentosa geração”142. Para Bertelli, o Reciclo foi a semente de um
movimento que está sendo responsável por levar a nova geração de compositores e
intérpretes da cidade a ser conhecida no Brasil inteiro.
A força do movimento foi tão grande, que dois anos mais tarde boa parte dos artistas
que dele participaram começou a gravar e a lançar o seu disco de estreia. Um deles, o
álbum A Outra Cidade, reuniu os músicos Kristoff Silva, Pablo Castro e Makely Ka,
além de convidados como Alda Rezende, Sérgio Pererê, Titane, Marina Machado e
Regina Spósito, entre outros. Também em 2005 foi a vez do álbum de Vitor Santana e
Mariana Nunes, que contou com participações de Mônica Salmaso, Sérgio Santos e
Juarez Moreira, entre outros; além do projeto da dupla Dudu Nicácio e Leopoldina.
Mestre Jonas, integrante do movimento, diz que “foi daí que tomei a carreira como
profissão e, a partir daí, comecei a me organizar pra viver disso”. Vários músicos
concordam que a possibilidade da criação coletiva, do trabalho em grupo, foi um dos
principais legados do Reciclo. Para eles, houve uma grande troca de informações e
experiências a partir da pluralidade de vertentes da música feita na capital, respeitandose o trabalho estético de cada um. Esse trabalho desenvolvido de forma cooperativa
seria o responsável por essa geração de músicos mineiros despontar com tanta força.
Dessa mesma época, Bertelli cita “o projeto Conexão, proposta lá da Cria Cultura143
com a atual Vivo (então Telemig Celular), que também foi o diferencial”. Segundo
Lopes, este projeto é exemplo de inovação na produção – área em que Belo Horizonte
teria atuação muito forte –, tendo sido replicado em outros estados, “gerando um
modelo inovador de gestão de projetos de lei de incentivo”. Por meio “de um processo
de gestão coletiva, de compartilhamento de serviços de informação, de tecnologia, você
142
Fonte: Jornal O Tempo. Disponível em: http://www.bhmusic.com.br/diversos/otempo.htm. Acesso em:
25 Fev. 2011.
143
Empresa de elaboração, desenvolvimento, gestão e produção de projetos culturais para o setor público e
privado, sobretudo ligados à área musical. Fonte: site Cria Cultura. Disponível em:
http://www.criacultura.com.br. Acesso em: 03 Mar. 2011.
163
gera uma ação que tem uma força muito maior do que a ação dos projetos
isoladamente”, explica.144
Outro exemplo de inovação também na área da produção seria o lançamento editorial do
Cancioneiro do Elomar pela Duo Editorial. Para Bertelli, uma das responsáveis pelo
projeto, diferentemente dos tradicionais songbooks, este foi feito pensando em quem iria
utilizá-lo, levando em conta “profundamente o que era a obra do Elomar, quem era
Elomar, qual era o universo sonoro do Elomar”. Também no suporte houve inovações:
do tipo e da cor do papel utilizado ao formato mais adequado para ser manuseado e
colocado numa estante, tudo foi pensado, afirma Bertelli.
Considerado popular, o músico baiano compõe para cantores de formação lírica e, numa
ação também considerada inovadora, está tendo a sua obra estudada e interpretada por
professores da Escola de Música da UFMG. “Claro que outros cantores, outros
músicos, já interpretaram o Elomar”, mas os daqui “foram os primeiros no Brasil que
abraçaram a obra dessa forma. Do ponto de vista da inovação, aqui se criou um grupo
de profissionais que interpretam Elomar constantemente”, explica a gestora. Em
agradecimento, o artista teria batizado a sala de concertos que construiu em sua fazenda
na caatinga baiana de “Teatro Escola Lírica Mineira”.
Uma característica unanimemente apontada pelos músicos entrevistados como fator
diferencial de Belo Horizonte é a que diz respeito ao grande trânsito existente entre os
diversos setores da música da capital, o que seria uma coisa inovadora. “BH tinha de ser
modelo nisso”, afirma Geraldo Vianna. “A música aqui é uma loucura, [...] todas as
pessoas se encontram, se conhecem, se interrelacionam e se respeitam”, afirma. Para
ele, continua havendo os músicos especialistas nos vários estilos, mas “eles conversam
entre si e dialogam com os outros estilos”. Sobre este aspecto, Brant cita o crítico
musical carioca Domingos Rafaelli, que “vai a encontros de músicos e nunca viu o que
acontece aqui, porque todos os músicos se dão bem, um vai ao show do outro,
prestigia; há uma união entre as pessoas que fazem música”.
144
No Conexão Vivo, a empresa, ao invés de apoiar projetos isoladamente, reúne vários já aprovados pela
lei de incentivo e os produz de forma coletiva numa mesma plataforma, potencializando a utilização dos
recursos. Em um único palco no Parque Municipal, são realizados shows durante 11 dias seguidos.
164
Makely reconhece essa característica como única na cena nacional: “tem um detalhe
muito curioso que eu acho que tem em Belo Horizonte e que eu não vejo em nenhuma
outra grande metrópole: é que não existe muito gueto”. Para o próprio Makely, isto
pode ser observado nas formações dos grupos, nas fichas técnicas dos discos, no público
que frequenta os shows, onde não haveria uma “divisão rígida das tribos urbanas
identificadas com estilos e gêneros musicais específicos, que se verifica na maioria das
grandes metrópoles”.
O músico faz uma reflexão sobre a importância que essa aproximação teria ao promover
“o encontro dos contrários de uma forma espontânea, não-programática”, encurtando
as distâncias impostas pelas profundas desigualdades sociais de Belo Horizonte –
apontada em pesquisa da ONU de 2009 como uma “das dez cidades com maior índice
de desigualdade social do mundo”145. Para ele, essa convivência musical, ou
“promiscuidade social na música produzida por essa nova geração”, contribuiria para a
existência do que ele chama de uma “tensão harmônica”.
A gente sabe que é uma cidade que tem realmente vários problemas de
desigualdade, a gente sente no dia a dia, a violência, a tensão... Mas, ao
mesmo tempo, no meio musical, eu sinto que é um ambiente onde essa tensão
afrouxa. Por quê? Em primeiro lugar, eu acho que não existe muito
sentimento de grupo. Por exemplo, eu vejo os músicos de formação erudita
da UFMG tocando nas rodas de samba; eu vejo o pessoal do hip hop
participando das folias e dos congados; na discussão aqui no Fórum você vê
o pessoal do rock discutindo com o pessoal da MPB, e isso não acontece em
outras cidades. [...] é uma característica de Belo Horizonte que merece
destaque, [...] ajuda a quebrar um pouco essa tensão, porque um mora no
morro, no Alto Vera Cruz, o outro mora no São Bento, e eles tocam juntos às
vezes. Isso é um dado salutar, isso ajuda a quebrar essa tensão dessa
146
diferença do IDH .
Outro aspecto considerado inovador na cena da capital é a organização de cooperativas
e de coletivos dos chamados fora do eixo – agrupamentos de artistas independentes com
o objetivo de otimizar, não apenas a produção artística, mas a difusão do trabalho
realizado, já analisados no capítulo anterior. Recém chegados ao movimento dos
145
Fonte:
site
UOL.
Disponível
em:
http://noticias.uol.com.br/ultimasnoticias/internacional/2010/03/19/brasil-tem-quatro-cidades-entre-as-mais-desiguais-do-mundo-dizonu.jhtm. Acesso em: 05 Jan. 2011.
146
Índice de Desenvolvimento Humano utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para medir
a qualidade de vida de uma determinada população. Fonte: site Brasil Escola. Disponível em:
http://www.brasilescola.com/brasil/o-idh-no-brasil.htm. Acesso em: 05 Jan. 2011.
165
músicos da cidade, esses dois modelos são responsáveis por introduzirem grandes
inovações na organização do segmento.
São dois modelos de certa forma concorrentes, mas que são complementares
também, porque eles trabalham com públicos diferentes, mas que têm um
princípio básico que é a economia criativa, comércio justo, troca de
informação, cultura livre, cooperativismo – independente de ser uma
cooperativa ou não, mas é um princípio fundante desse modus operandis
também. (MAKELY).
Pioneiro em Belo Horizonte, o Coletivo Pegada procura desenvolver um “trabalho de
qualificação dos produtos da música independente”, para que ela não seja “confundida
com a música amadora”, explica Mortimer. Com esse objetivo, ele busca ações
diferenciadas, desde a criação gráfica de cartazes de divulgação dos shows até
iniciativas inovadoras como “fazer a própria cobertura dos eventos, porque vimos que
isso era uma coisa que não tinha na cena”, para divulgar na internet. Para Mortimer, os
coletivos contribuem para o surgimento de novas idéias, novas ações, pois tudo é feito
com participação e muita discussão: “o fato da gente se encontrar semanalmente pra
debater todas as questões vai qualificando isso de forma a entender melhor cada um
dos processos”.
A nova relação de trabalho provocada pelo desenvolvimento da tecnologia é
considerada por vários dos entrevistados, entre eles Makely, outra grande inovação, por
permitir que o músico, mesmo tendo uma atividade que ele executa melhor, possa
compreender todas as demais atividades da cadeia produtiva. Isso lhe daria mais
conhecimentos e habilidades e, mesmo que não faça tudo diretamente, ele já não estaria
mais “falando de uma coisa completamente desconhecida”. Para o músico, isso
refletiria um “processo de mudança de paradigma de uma indústria cultural” baseada
na “lógica da divisão de trabalho”, o que nos levaria a entrar “num processo holístico
até, de ampliação dos saberes e de interlocução de conhecimentos”, onde “pela
primeira vez o operário tem o meio de produção na mão dele” e “vai dar conta de toda
a cadeia”. De acordo com ele, essa mudança da lógica de relação de trabalho “é muito
inovadora”.
166
Esse processo possibilitou o surgimento de um formato de parcerias – também
considerado inovador – que é o Banco de Serviços, onde os integrantes da cadeia
produtiva fazem permuta de tarefas “dentro de uma estrutura solidária, que é uma
forma de fomentar e potencializar as ações”, explica Makely. Como o músico passa a
se inserir na cadeia de várias formas, isso lhe abre oportunidades nesse processo de
troca de serviços, facilitando-lhe o acesso a vários projetos e contribuindo para que mais
produções sejam realizadas. (MORTIMER).
Do ponto de vista da comercialização, Makely considera que “a Feira Música Brasil ter
vindo pra cá foi uma grande inovação. É um lugar de negócios... acho que abriu um
caminho”. Segundo o músico, a iniciativa permitiu criar espaço para a realização de
outra feira do gênero, chamada Câmbio, pensada para o segundo semestre de 2011. Na
mesma direção, foi realizada em Belo Horizonte, em março de 2011, a primeira Feira
Música de Minas – MusiMinas –, com o objetivo de “apontar rumos e colocar nossas
dificuldades e conquistas na mesa de debate”. Dentro da feira, foi realizado o 1°
Encontro de Autores e Intérpretes, visando provocar a troca de experiências e
informações relacionadas à música entre “artistas, autores, intérpretes, veículos de
comunicação e representantes do mercado fonográfico; vislumbrando uma atuação mais
dinâmica destes profissionais num mercado cada vez mais competitivo e desigual” 147.
Outro fator considerado inovador pela maioria dos entrevistados foi a criação, em 2008,
do Fórum da Música de Minas. “Tem uma organização da sociedade aqui também que
é inédita, [...] é muito recente, mas é um dado relevante porque, da forma como se
organizou, não existem muitas outras cenas organizadas com essa configuração que a
gente tem aqui hoje”, afirma Makely. Segundo Mestre Jonas, “o Fórum da Música tem
um papel fundamental, porque ele aglomera os estilos” e “as coisas que estavam mais
segmentadas têm que ser organizadas”. Ele cita a assembléia do Fórum, realizada em
fevereiro de 2011, para exemplificar: “começou a vir gente do interior, a moçada da
viola, do rock [...], os coletivos”. Para Bertelli, “a palavra inovador é às vezes até um
pouco estranha pra uma coisa tão óbvia: se articular”, mas ela considera que essa
“articulação de músicos, de compositores, sobretudo dos novos compositores”, foi “um
diferencial”, que “acabou surtindo muito efeito”.
147
Fonte: Site Feira Música de Minas. Disponível em: www.musiminas.com.br. Acesso em: 05 Mar.
2011.
167
Um desses “efeitos”, o programa Música Minas (apresentado no capítulo 2), que o
Fórum criou e está gerindo junto com o Estado, também seria “uma ideia inovadora” na
opinião de Makely. Lopes acredita que o programa ajudou a dar mais visibilidade ao
Fórum de Minas, que se responsabilizou pela gestão dos recursos, ficando o poder
público com o papel de mediador. “Com a implementação do programa, a gente
conseguiu posicionar uma marca nacionalmente, porque a gente criou um programa de
circulação dos artistas”, explica. Para Lopes, a perspectiva de construção de um Fórum
de entidades e não de pessoas é importante e inovador porque “você acaba gerando a
necessidade de organização da sociedade civil”.
Embora visto de forma positiva, o surgimento do Fórum tem recebido várias críticas dos
próprios músicos, a maioria pelo fato de as entidades e associações que o constituem
não serem consideradas representativas dos segmentos que dizem representar.
Considerando o processo “um avanço”, mas que “tem que melhorar, avaliar”, Geraldo
Vianna argumenta:
Acho fundamental discutir amplamente com a classe. Hoje o Fórum da
Música discute com as associações, mas as associações – e eu estou falando
por contato pessoal com a classe toda – hoje não representam a opinião de
40% da classe. Então, enquanto não houver uma discussão muito ampla,
plena, das diretrizes, do que vai ser feito, como é que vai ser administrado
isso, com que objetivos, a gente vai continuar no mesmo lugar.
As associações a que Geraldo Vianna se refere são as várias entidades surgidas a partir
de divergências entre grupos de músicos da capital. Segundo Lins, da Associação dos
Músicos de Minas Gerais (AMMIG) teria nascido a Sociedade Independente dos
Músicos (SIM), de onde saiu o grupo que criou a Cooperativa da Música de Minas
(Comum). Por isso, hoje, de acordo com ele, quando se fala que “a entidade tal está
representada no Fórum da Música, que entidade é essa? Essa entidade tem cinco
pessoas que estão frequentando as reuniões.”
Para Geraldo Vianna “o Fórum veio pra amarrar essas associações”, que, em sua
opinião, “ainda atendem muito a interesses próprios”, pois teriam sido criadas a partir
de divergências: “eu discordo de você e, ao invés de a gente entrar em conflito e chegar
a uma conclusão, eu falo ‘então tá, fica com a sua empresa que eu abro a minha’. Isso
não resolve nada, mas foi o que aconteceu”. Segundo Tadeu Martins, o Fórum da
168
Música tem conseguido algumas conquistas porque um grupo de artistas se uniu, mas
concorda que a organização dos músicos em geral ainda “é muito fraca”.
4.5 Condições que precisam ser desenvolvidas para a construção do SPIL
Ao lado da cadeia criativa, bastante favorável em Belo Horizonte, outra importante
condição para que se possa propor a criação de um SPIL da música é a existência de
uma cadeia produtiva estruturada, com elos fortes e dinâmicos que abarquem as fases da
produção, distribuição, divulgação, comercialização e consumo. Como estudado no
capítulo anterior, todos esses elos estão presentes na cadeia de Belo Horizonte, embora
alguns estejam enfraquecidos, necessitando de fomento e investimento.
Do ponto de vista da produção, onde há a concepção do produto em si, a pesquisa
mostrou que este elo é o mais robusto em BH, com a capital oferecendo boas condições
para se cumprir todas as suas etapas. O mercado em ascensão de produtoras e os
estúdios de gravação de alto nível, além da existência de excelentes profissionais
especializados no processo de gravação e na produção gráfica, colocam a capital em
igualdade de condições com os grandes centros de produção de música do país.
Segundo Lopes, “você consegue fazer todo o processo de produção de um CD em Belo
Horizonte, com qualidade”.
Para Geraldo Vianna, no que diz respeito às condições de produção, “nós atingimos um
bom nível de qualidade, mas, como em qualquer lugar do mundo, há uma variação
muito grande”. Entretanto, ressalta que a cidade dispõe de técnicos excelentes, do mais
alto nível, cuja qualidade seria reconhecida até fora da cidade. “Eu gravo um disco em
Belo Horizonte e vou mixar num dos maiores estúdios do Rio ou de São Paulo e os
técnicos ficam loucos com a gravação”. Brant concorda: a “infraestrutra é muito boa”,
“não só os estúdios comerciais, como os particulares; tem muito estúdio muito bom,
com alta tecnologia”.
Neste elo, apenas na fase da masterização, em que a cidade também oferece boas
condições, as principais referências de qualidade ainda estariam em três estúdios de
169
fora, como aponta a produtora Rose Pidner148: “hoje em dia aqui tem muita condição.
Só mesmo na masterização as máquinas ‘bala’ estão em São Paulo (duas) e no Rio de
Janeiro (uma)”. Isso, entretanto, não comprometeria a qualidade do produto
integralmente produzido na capital mineira. Seria mais uma opção do artista que dispõe
de maiores condições financeiras. A ausência em Minas Gerais de uma fábrica de
reprodução de CD não é considerada problema. Segundo Geraldo Vianna, prensar os
CDs fora, hoje, não aumenta os custos da produção, devido à grande quantidade de
novas fábricas, além das tradicionais, localizadas em São Paulo e Manaus.
Os dados trazidos pela pesquisa confirmam o diagnóstico realizado pela FJP (2010) de
que o grande gargalo da cadeia produtiva da música em Belo Horizonte estaria nos elos
posteriores, isto é, nas etapas de distribuição, divulgação e circulação do produto. Todos
os músicos e produtores musicais entrevistados – com carreira já consolidada ou
iniciante – são unânimes em ressaltar a necessidade de se buscar formas de divulgar,
circular e escoar a produção musical da capital mineira. Lins explica:
Depois que o disco fica pronto, é um vácuo, você não sabe o que fazer, por
vários motivos. Primeiro, porque não tem essa cadeia estruturada da
distribuição, da difusão e tal. Segundo, porque você não tem dinheiro pra
fazer isso. Uma vez eu li a respeito de um disco do Leonardo, cantor
sertanejo, onde a relação era: num custo total de dois milhões, o disco era
quinhentos mil e um milhão e meio era divulgação. Aqui, você aprova
projeto pra fazer disco de quarenta mil reais, e só. Não sobra dinheiro pro
cartaz, não sobra dinheiro pra mídia radiofônica, não sobra dinheiro pra
nada. Então, o que acontece? Você não difunde.
Geraldo Vianna também aponta a circulação, a divulgação e a distribuição como os
grandes problemas da cadeia produtiva da cidade, pois, apesar de “já ter se falado
muito”, nunca houve uma “iniciativa forte de facilitar, viabilizar a promoção, projeção
e vendagem do produto feito aqui”. Segundo ele, “o mercado independente mineiro é
um dos maiores; há muitos anos ele produz muito”, mas aí “foi onde a gente errou”.
“Produz-se muitos CDs, vende-se poucos CDs”, constata. Endossando essa avaliação,
Pidner diz que “a distribuição continua ruim”. Ela cita o exemplo dos CDs produzidos
por meio das leis de incentivo, cuja grande parte “fica em casa, guardada, porque os
artistas não têm onde comercializar, não têm shows, nem como criar seu público”.
148
Musicista, presidente da Associação Artística dos Músicos de Minas Gerais (AMMIG).
170
Brant concorda com a origem do problema, “exatamente na distribuição e divulgação
dos trabalhos”.
Para Gerado Vianna, a sobrevivência do produto final estaria em jogo. “Não se faz um
disco com proposta artística, musical em um ano. Tem uma carga que vem antes, de 20
anos de estudo, de preparação de linguagem, de proposta, de estilo, de características
próprias na abordagem da música”. Para ele, este investimento pesado por trás do
produto final estaria ameaçado quando não se consegue difundir o disco, quando já se
sabe que ele “não vai ter saída, não vai ser divulgado, não vai ser assumido por alguns
órgãos políticos, culturais. [...] Aí, o negócio é meio assustador”.
Os altos custos de produção também contribuiriam para esta situação, além do
agravante de comprometerem a qualidade do produto final, acredita Geraldo Vianna.
“Grandes estúdios, grandes músicos estão sofrendo sérios problemas em relação aos
custos de produção” ao terem de se submeter a um “mercado ditatorial, que é pegar ou
largar, porque eu tenho quem faça”. Ele explica:
O produtor, o estúdio, dependem de clientes. A procura continua muito
grande, mas a oferta está sendo muito maior e está acontecendo um
fenômeno assustador que é o desprezo pelo refinamento absoluto, que
antigamente era uma preocupação, que continua ainda em alguns setores
nossos, mas não aquela preocupação. Porque a qualidade é uma coisa muito
sutil, o produto final, a sutileza, é uma coisa que me preocupa. Então, está
começando a nivelar por baixo na produção em BH e isso me preocupa. [...]
Antigamente, as pessoas primavam mais pela qualidade final, elas tinham
medo da falta de qualidade. (VIANNA, GERALDO).
Como já foi constatado, um dos pontos altamente favoráveis da cena musical de Belo
Horizonte é a sua tradicional qualidade de produção. Nesse sentido, o alerta de Geraldo
Vianna precisa ser levado em conta nas análises para criação do SPIL da música, do
ponto de vista de processos de longo prazo. A arte, por sua subjetividade, seria mais
complexa e exigiria parâmetros específicos para se julgar a sua qualidade. Na opinião de
Vianna, a vivência do músico, seu conhecimento técnico e a experiência seriam os
principais. “Quando você detona a qualidade, destrói esses conceitos, você nivela tudo,
perde o sentido total”, argumenta. Ainda do ponto de vista da qualidade, o músico
levanta outro aspecto que aconteceria em todo o país e que diz respeito à
preponderância do financiamento por meio das leis de incentivo, o que obrigaria o
171
artista a uma adaptação e a concessões que estariam desvirtuando o próprio fazer
artístico.
Popularmente, eu digo sempre que transformaram a arte em loteria. Não se
constrói carreira, concorre o tempo todo: você tem de entrar no concurso,
que são os editais da empresa, do estado, municipal, federal, [...] e eles estão
apontando pra uma direção perigosa. Não vejo a arte dirigida dessa forma
como uma saída pra quem é sério, que atua há muitos anos. (VIANNA,
GERALDO).
Defendendo a necessidade de “ampliação de fontes de financiamento”, o que exigiria
“monitoramento dos dados e da realidade para poder pensar lógicas de financiamento
coerentes com essa realidade”, Bertelli aponta um problema que estaria ocorrendo em
Minas Gerais. O estado “começou a manejar os recursos de incentivo fiscal dentro do
próprio estado. Tirou do mercado a possibilidade da captação”. Exemplo citado, o
recém criado Museu das Minas e do Metal – parte do Circuito Cultural Praça da
Liberdade, iniciativa do governo estadual –, cujo realizador, a empresa MMX, “aplicou
toda a lei Rouanet disponível em Minas naquele prédio, naquele museu, com uma
lógica de investimento, de funcionamento privado”, explica. Para Geraldo Vianna, a
“Fundação [Municipal de Cultura] é concorrente da classe artística, como o governo
estadual também é concorrente, a partir do momento em que você tem setores do
governo que captam recursos nas leis de incentivo”. Para ele, “a coisa precisa ser bem
estruturada e bem pensada para que o resultado seja em benefício da cultura”.
De acordo com Makely, o “problema dramático, o ponto nevrálgico da cena hoje” é a
divulgação. Em sua opinião, faltaria uma visão dos próprios músicos, que não estariam
atentos ao problema. “Acho isso um grande erro, um erro de visão, de estratégia” e que
estaria sendo cometido por todos: “mesmo grandes artistas, grandes nomes, têm pecado
nesse quesito”. Como exemplo, ele cita outro aspecto dos projetos para produção de
CDs, realizados por meio das leis de incentivo:
O cara tem cinquenta mil pra fazer o disco dele. Aí ele faz o encarte, prensa
o disco, grava o disco, paga os músicos, paga o estúdio, paga o designer, faz
um show de lançamento... E aí o que ele faz? Ele pega uma assessoria de
imprensa, manda o disco [...] pra meia dúzia de veículos aqui em Belo
Horizonte e acabou. Eu acho que, nesse caso, você tem cinqüenta mil, então
você vai tirar dez mil do seu projeto, você vai contratar um assessor de
imprensa nacional e vai fazer esse disco chegar na mão de quem precisa
chegar. (MAKELY).
172
Ele sugere a inclusão de um item no edital das leis de incentivo que obrigue o músico a
fazer uma assessoria de imprensa nacional, “porque isso reflete aqui dentro do Estado”.
Além da divulgação na mídia local e nas redes sociais, Makely considera fundamental
“essa imprensa ainda formadora de opinião”, defendendo que “tem que investir nisso”.
Para ele, haveria ainda muita “dificuldade em se transpor as barreiras do perímetro da
cidade e do estado também”. Essa avaliação vai ao encontro do pensamento de alguns
estudiosos do assunto, entre eles Durand (2009), para quem ainda é preciso valorizar
essa mídia. O autor lembra que, há vinte anos,
um brasileiro com um interesse mínimo em artes se extasiava quando
chegava a Paris e podia comprar em qualquer banca de jornal o Periscope e
se deparar com uma oferta cultural impensável para o Brasil. Hoje, [...] pelo
menos duas metrópoles, Rio e São Paulo, dispõem de cadernos de
entretenimento tão extensos quanto os parisienses. [...] Atente-se, pois, ao
potencial de informação que eles contêm acerca das obras, linguagens e
processo cultural geral [...]. São espaços de mídia que em geral não só
anunciam como qualificam a oferta cultural. (DURAND, 2009, p. 54).
Como analisado no capítulo anterior, os elos da divulgação e da distribuição estão muito
associados. Nesse sentido, a ideia proposta de divulgação nacional dos produtos de Belo
Horizonte pretende interferir diretamente no processo de distribuição dos mesmos.
Segundo Makely, a Trattore – maior distribuidora brasileira independente – tem como
colocar um disco no país inteiro. Mas a situação seria complicada, “porque o disco
entra no estoque e aí eles esperam as lojas pedirem o disco. Como que a loja vai pedir
o seu disco se ela nunca viu?”. Ele argumenta que a divulgação nacional poderia fazer
com que um jornal de Natal, no Rio Grande do Norte, por exemplo, publicasse matéria
sobre o trabalho de um músico mineiro, gerando curiosidade no consumidor e levando-o
a procurá-lo na loja, que, por sua vez, o demandaria da distribuidora.
A iniciativa mais importante, para Makely, seria a de enviar o produto, pois o jornalista,
ao receber um produto de fora, de qualidade, ao qual não teria acesso, perceberia o seu
valor e isso o levaria a escrever sobre o CD. Esse círculo virtuoso entre divulgação,
leitor/consumidor, ponto de venda e distribuidora aumentaria a chance do produto entrar
nas estatísticas de venda da distribuidora. A partir daí, o artista poderia começar a
visualizar o mercado do seu produto.
173
Então, o cara já tem um mapa ali do que ele vendeu, ele vai fazer uma
atuação na rede social, vai encontrar as pessoas que tão consumindo o
trabalho dele; aqueles vinte e cinco viraram setenta e cinco; ele já tem cem
pessoas ali, ele pode ir lá fazer um show; vai fazer um show pequeno, mas
ele vai começar a construir uma cena ali. E aí a circulação começa a
acontecer. (MAKELY).
Esta distribuição teria, ainda, outros aspectos perversos, como o valor que é pago ao
músico. Lins aponta: “numa dessas distribuidoras independentes, sabe quanto eu
ganhava por um disco que era vendido por 25, 30 reais? Um real e pouco”. Segundo
ele, a distribuidora fez “um trabalho legal, ela levou o meu disco pro Brasil inteiro, só
que é quase uma doação”. Assim, ele argumenta ser mais vantajoso vender os discos
nos seus shows, onde conseguiria arrecadar cerca de 20 reais por unidade.
Essa dificuldade no processo de divulgação não seria um problema recente nem isolado;
ela teria origem numa certa maneira de ser do mineiro e na falta de um canal de
comunicação de Minas com o país. “Tudo que é produzido aqui em Minas fica em
Minas. Esse foi sempre o grande problema de Minas, que é divulgar o que é feito aqui”,
acredita Makely. Para o músico, Belo Horizonte não teria poder de inserção nem mesmo
no interior de Minas Gerais, lembrando a realidade das várias regiões onde jornais de
outros estados têm muito mais penetração, como O Globo em Juiz de Fora, o Correio
Brasiliense em Uberlândia e os jornais paulistas no sul de Minas.
O mesmo argumento é apresentado por Geraldo Vianna, para quem “Minas Gerais
nunca foi um estado de fazer nomes. A gente tem certo complexo de inferioridade [...] a
gente cria uma ilusão muito grande em relação ao que vem de fora”. Para ele, a
solução seria valorizar, dar mais atenção para as produções locais. “A gente precisa
olhar para o próprio umbigo, passar um período pelo menos” fazendo isso. Como
exemplo, cita a Bahia, onde o governo teria investido em políticas públicas voltadas
para a cultura do entretenimento e do turismo, a partir de um amplo e planejado estudo
da realidade local.
Na mesma direção, Marcus Viana ressalta a importância de a população local ser a
primeira a valorizar os seus artistas e lamenta que isso não seja um traço dos mineiros,
como aconteceria em Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul, “os mais nativistas de
todos”, afirma. “Aqui, a gente tinha de valorizar qualquer movimento que fosse feito
174
pra conscientização do mineiro como formador de artista, porque o que faz o artista
desistir da vida é a aridez [...] a recepção do artista por parte do público.” Segundo
ele, “Minas não preza as pessoas daqui”. Ele exemplifica com experiência vivida
quando fazia divulgação de seu trabalho em Salvador, tendo ouvido o seguinte
argumento de um radialista:
– “aqui, há por bem tocar baiano, porque, afinal, estamos na Bahia, não é
mesmo? Mas vamos ver: mineiro, interessante, rock progressivo... vamos ver
se dá pra tocar”. Quando é que, em Minas, alguém vai receber um cara do
Rio de Janeiro e falar isso? Nunca!(VIANA, MARCUS).
Bertelli acredita que a diferença estaria no fato de o mineiro ser muito autocrítico.
“Imagina se o baiano vai ficar: ‘se a nossa música tem qualidade, se não tem; se a
gente é assim, se a gente é assado...’ Não vai. O que importa é fazer e acontecer”. Ela
diz que mesmo no Rio de Janeiro e em São Paulo tem visto uma quantidade grande de
projetos megalomaníacos, mas de conteúdo mínimo, em termos de qualidade, e, no
entanto, isso não os preocuparia, porque o que querem é fazer, “botar na praça”.
Segundo Bertelli, “a gente é muito autocrítico, perfeccionista. É uma característica
nossa”. O músico mineiro, para ela, “é um ser que preza ainda por passar uma
mensagem poética, uma letra de música bonita, uma harmonia bem feita, uma mistura
de instrumentos bem orquestrados, bem arranjados”.
Para Makely, estaria faltando “um posicionamento” por parte dos próprios músicos:
Acho que falta uma agressividade às vezes, sabe, uma agressividade positiva,
no sentido assim, de uma ousadia. Falta esse espírito mais desbravador.
Aquele estigma do “mineiro come quieto”, e fica ali, vai comendo pelas
beiradas, e às vezes não é reconhecido porque ele não se posicionou.
A preocupação com a necessidade de se conquistar o mercado mineiro para a produção
local está presente na fala de quase todos os entrevistados. Tadeu Martins, no entanto,
faz uma reflexão em busca de caminhos. Segundo diz, para se desenvolver o mercado
da música, o primeiro passo necessário seria possibilitar às pessoas conhecerem os
talentos locais, pois só conhecendo é possível gostar e, gostando, passa-se a defender e a
divulgar, criando-se, assim, um círculo virtuoso.
175
Em relação à divulgação realizada pela mídia tradicional local, as avaliações se
dividem. Alguns músicos acreditam que a mídia escrita seja boa e que não daria
divulgação maior pela falta de espaço, já que, como argumenta Geraldo Vianna, “em
Belo Horizonte, para cada dia que você quisesse noticiar só música, você enchia um
caderno só com a programação artística”. Brant discorda:
A gente não tem uma mídia nacional; a mídia é muito restrita, existe quase
um monopólio. Na imprensa escrita parece que não há nem vontade do
pessoal da rede líder de aparecer pro Brasil. Isso é prejudicial pra cultura
de Minas, pra política de Minas, pra tudo que é feito aqui. Porque, na
realidade, o que é produzido aqui, o que é veiculado aqui não tem realce
nenhum lá fora. (BRANT).
Lopes também vê problemas: “a mídia tradicional ainda tem uma dificuldade de
absorção dos movimentos novos”, mas já tivemos “melhoria de uns anos prá cá; alguns
jornais já começaram a abrir um pouco mais de espaço”. Para ele, os veículos
impressos, principalmente, ainda trabalham “com pautas requentadas”, se apoiando
muito “nas pautas das agências de notícias que vêm de fora”. Para Tadeu Martins, “a
mídia é madrasta”, porque daria prioridade para os artistas que vêm de fora ou que são
divulgados pelas majors, mesmo quando são inexpressivos ou pouco conhecidos.
Segundo ele, a cidade estaria adotando “a linguagem do dominado cultural”, segundo a
qual só teria valor o que vem de fora.
Se você pegar qualquer jornal – o Hoje em Dia tá melhorando –, a página
inteira da Cultura é dedicada pra quem vem de fora e para aqueles artistas
que a gravadora manda o material pro jornal. [...] Enquanto aqui você tem
valores, que eu poderia citar 300, que quando fazem um show você tem a
divulgação, mas pequenas notas. Parece que para os daqui se está fazendo
um favor. (MARTINS, TADEU).
Lins afirma ter ouvido de repórteres que “os nossos editores pedem pra gente
privilegiar, senão focar exclusivamente os artistas globais ou de grande conhecimento
da mídia”. Comparando com a grande divulgação dada à produção cultural local pelos
veículos do eixo Rio-São Paulo, que divulgam “até pequenos concertos dentro das
igrejas”, Cançado diz que aqui a publicação do que está acontecendo “é uma listinha de
nada, mas a gente tem certeza que a cada dia, nos vários espaços de BH, estão
acontecendo muito mais coisas”, e “não seria um email que vai resolver isso”. Para ela,
a mídia local estaria “muito mal direcionada”.
176
Na opinião de Lins, a mídia como um todo, em especial os veículos impressos, está
desconectada do que acontece no cenário cultural local. De acordo com ele, os veículos
de comunicação deveriam ser os canais entre o acontecimento (show, peça de teatro
etc.) e o público. Entretanto, “os meios de comunicação não cumprem esse papel e a
gente questiona qual é o papel que eles estão fazendo. Qual é o papel de um caderno de
cultura hoje?”. A partir dessas reflexões, propõe uma discussão sobre o que chama de
“invisibilidade do artista” em Belo Horizonte: apesar da quantidade de artistas e atores
produzindo intensamente, o público não teria a menor informação sobre este cenário.
Segundo Bertelli, a mídia impressa local é pontual, só divulga o evento no dia da sua
realização; “não tem um viés qualitativo, [...] não é investigativa”. Para a parecerista do
MinC, o público se interessa em saber com maior profundidade sobre o que vai assistir
e “a imprensa daqui se interessa pouco pela história, pela necessidade da área, pela
cultura; ela responde muito pouco a isso”. Bertelli também acredita que o jornal
precisaria ir além, falar das tendências, mas eles “não sabem, não acompanham, não
investigam”.
A mídia radiofônica e televisiva teria ainda mais problemas, inclusive as pertencentes
ao poder público. Para Geraldo Vianna,
ainda sofremos com rádio e televisão, que não contribuem para a nossa
música andar. [...] a TV Minas não abre as portas, só uma frestinha, e
mesmo assim às vezes fecha. A Rádio Inconfidência, a mesma coisa. [...]
Alegam que a pontuação (audiência) é baixa, que caiu [...]. Mas uma rádio
do Estado não pode ter isso.
O violonista defende maior integração entre os órgãos do governo estadual responsáveis
pela aplicação da lei de incentivo fiscal e o sistema estadual de comunicação. “Um
projeto é aprovado na lei estadual de cultura e ele não é abraçado pela Rádio
Inconfidência nem pela TV Minas. São coisas separadas e eu não entendo porque é
assim”. O argumento se baseia na constatação de que, se um projeto é suficientemente
bom para ser aprovado por um mecanismo do governo, ele também deveria ser bom
para ser trabalhado pelas mídias estatais.
De um modo geral, as emissoras de rádio da capital, na opinião de Lins, “não tocariam
músicas de artistas mineiros, a não ser daqueles que já, digamos assim, cruzaram a
177
barreira do eixo Rio-São Paulo [...], conseguiram uma projeção nacional”. Para tentar
minimizar a situação, elas incluiriam um ou outro programa sobre artistas mineiros.
Mestre Jonas concorda: “sinto falta de mais música de mineiro na programação da
Inconfidência. Nas outras, a possibilidade é muito remota de se tocar música daqui”. A
situação das emissoras de televisão seria ainda mais desfavorável, por se tratarem de um
meio muito mais caro e pelo fato de os canais menores, da TV fechada, possuírem
pequeno alcance de público. (LINS). Lopes também vê na televisão “uma dificuldade
muito grande”, pois o que “já está muito bem posicionado tem espaço, mas as
experiências inovadoras carecem disso”.
Com experiência de atuação como gestor de cultura na Prefeitura de Itabirito149, Lins
aponta um problema relacionado à divulgação dos músicos de Belo Horizonte no
interior do Estado. Ele relata o recebimento pelas secretarias de cultura dos municípios
da revista mensal Show Business, editada em São Paulo, que divulga endereços de
artistas e telefones de escritórios, além de anúncios com os músicos de maior
popularidade ou que dispõe de recursos financeiros para investir na publicação. “Essa
revista é que baliza o prefeito ou o secretário de cultura na contratação dos shows”; no
entanto, ela não traz “quase ninguém daqui de Minas Gerais, só alguns já
consagrados”. Como estratégia de divulgação, ele sugere que as distribuidoras de Belo
Horizonte contratem espaços nessa e em outras revistas do gênero, para divulgar os
músicos daqui junto às prefeituras, principais contratantes de eventos no interior.
Em relação às emissoras de rádio do interior, Lins aponta o mesmo problema de falta de
acesso à produção mineira. Segundo ele, alguns radialistas do interior recebem de uma
associação de emissoras de rádios de Brasília um CD com os principais temas
veiculados nas novelas “e é esse CD que toca na programação”, pois eles têm
dificuldade de acessar diretamente os músicos ou as produtoras. Para Lins, “a gente tem
que atacar é esse povo lá”, “convencê-los de que Minas tem uma produção local e
montar um CD, quem sabe?”. Para enfrentar esses problemas e baseado em experiência
realizada pela França150, ele sugere a criação de “bureaux151 culturais” nas cidades polo
149
Município mineiro, localizado na região do Quadrilátero Ferrífero, a 55 km de Belo Horizonte.
150
Desde 1993, o governo da França mantém um Bureau d’Export de la Musique Française (Instituto
Cultural para Exportação da Música Francesa), de “apoio ativo à indústria da música francesa”. Fonte:
Site do BureauExport. Disponível em: www.french-music.org. Acesso em: 21 Fev. 2011.
151
Escritórios, do francês.
178
do Estado, que seriam responsáveis pela difusão da música mineira. Geraldo Vianna
também vê na experiência francesa um bom exemplo de “investimento cultural
associado ao turismo” e acredita que só um trabalho integrado pode abrir “boas
perspectivas para o futuro”.
Conforme Werkema, a situação atual do elo da divulgação seria fator desfavorável para
a construção do SPIL da música de Belo Horizonte. “Quem produz hoje, quem monta
espetáculos, se queixa amargamente da questão da divulgação, da promoção. [...] A
mídia escrita ou eletrônica estabelecida é cara e não tem sensibilidade pra isso”. Um
problema sério para ele seria a falta de crítica especializada. “Pra começar, não tem
crítica, não há crítica de espetáculos aqui!”, constata. Makely também vê “a falta de
uma crítica mais aguerrida, mais consciente, mais preparada também”.
Duran (2009) é um dos autores que defendem a importância do papel da crítica:
Só os críticos e especialistas são capazes de discriminar valor cultural.
Assim, eles estão talhados para construir cenários qualitativos do fluxo
cultural [...]. Tendo um contato mais próximo com os bolsões de amadorismo
[...] e dominando em profundidade o código estético de sua especialidade,
tem o crítico uma visão privilegiada da esfera erudita e de suas pontes com a
cultura de massa e com as culturas populares. (DURAND, 2009, p. 53).
Já na questão da divulgação digital, é consenso que Belo Horizonte oferece muita
facilidade de acesso às novas mídias. Para Lopes, estaria havendo um movimento de
qualificação das redes de informação em cima das novas mídias. Nesse
sentido, acho que a gente tem um movimento bacana, com blogs
interessantes que já existem, com os próprios artistas e produtores
entendendo que hoje você tem de se ver como cidadão multimídia, você
mesmo já é o seu próprio veículo de comunicação, e investir nisso.
Como analisado no capítulo terceiro, além da produção, que teve o seu processo
popularizado pelas novas tecnologias, os elos da divulgação e da comercialização foram
os mais atingidos por elas. As inúmeras possibilidades criadas pelas redes sociais
contribuíram para o surgimento de um número incalculável de novos agentes com um
novo perfil de atuação. Belo Horizonte seria exemplar neste aspecto.
179
Cada vez mais os próprios músicos estão buscando experimentar, se
especializar dentro de outras coisas da cadeia além de fazer música; que é o
princípio da autogestão, que a gente vem trabalhando, porque é interessante
o artista se empoderar de outros meios que estão aí na cadeia produtiva pra
entender melhor o processo, saber como se adaptar em determinadas
situações. Acho que isso fez crescer o número de agentes de forma geral,
porque o cara é músico, mas ele tem um estúdio e grava outra banda; outro é
jornalista e escreve para um blog; outro músico é um fotógrafo. [...] acaba
que dá muitas possibilidades de facilidade de acesso nesse lance de troca de
serviços. Os próprios músicos podem trocar serviços entre si, o que facilita
que haja produções mais freqüentes e tal. (MORTIMER)
Na opinião de Makely, “Twitter e Facebook, hoje, são ferramentas imprescindíveis
quase que pra vida das pessoas”. Como estratégia de utilização das redes sociais para a
comercialização dos produtos musicais, Makely dá o exemplo de um aplicativo que
estaria desenvolvendo e que vai lhe permitir oferecer suas músicas para download
gratuito na internet. Por trás dessa iniciativa, entretanto, haveria uma estratégia de
comercialização de shows. A partir do terceiro download, o usuário é convidado a
preencher um cadastro, que se transformará num banco de dados, de modo que o músico
possa mapear seu consumidor, “saber onde que ele tá, qual o perfil dele, e você vai
vender o show pra ele, por exemplo”, explica.
O recente crescimento mundial das indies, que reflete o fortalecimento dos movimentos
independentes, seria mais um fator favorável para a criação do SPIL da música da
capital – forte nesse segmento. Após darem seus primeiros passos na década de 1990,
alguns dos mais importantes selos e bandas mundiais da atualidade passam a ocupar, a
partir da década de 2000, cada vez mais espaço na mídia, na moda e no mercado,
influenciando comportamentos e concepções estéticas em larga escala, antes privilégio
dos artistas vinculados às majors. O sucesso desses grupos comprova que não era por
uma questão de qualidade, mas sim pelo dinheiro disponível para a promoção e pelo
controle da distribuição, que os artistas ligados às majors conseguiam atingir o grande
público152.
Para a maioria dos entrevistados, as facilidades oferecidas pela internet e o fenômeno
das redes sociais seriam os principais elementos dessa transformação. Os sites de
relacionamento e as lojas de música on line seriam os caminhos para se enfrentar os
152
Fonte: Site Jornal O Globo. Disponível em: http://extra.globo.com/tv-e-lazer/sucesso-do-arcade-fireconsagra-trabalho-dos-selos-indies-1103613.html. Acesso em: 20 Fev. 2011.
180
dois principais problemas vividos pela música independente: falta de visibilidade,
devido à dificuldade de acesso à mídia tradicional; e dificuldade em convencer as lojas
de música a manter os discos em estoque. Como já analisado, a internet já é hoje o
principal meio de divulgação da música independente da capital e alguns sites já
alcançam certa penetração, como o Música de Minas, já mencionado, e o A Música que
Vem de Minas, projeto que, desde 2002, procura divulgar “a cultura mineira pelo país,
através da música e de seus artistas”
153
.A
agência MusicMinas, criada pelo compositor
e instrumentista Túlio Mourão, se considera uma “vitrine de artistas dos mais
tradicionais à nova geração, atuantes em Minas Gerais”, além de possibilitar ao músico
acesso a profissionais e serviços que facilitam a circulação de seu trabalho pelo Brasil e
pelo mundo.154
Esse crescimento da cena independente tem levado a uma inversão no fluxo de
produção entre majors e indies, num movimento internacional que já chegou ao país e
que pode ser favorável para a cadeia da música de Belo Horizonte. Pressionadas pelas
consequências do crescimento da internet, pelo surgimento de novas formas de vender,
distribuir, veicular e ouvir música, além da pirataria, física e digital, as majors
começaram a se arriscar menos, voltando seu investimento para projetos mais seguros e
nomes com potencial para ganhar dinheiro rápido. Isso fez com que muitos artistas mais
preocupados com um trabalho de qualidade se voltassem para as indies ou até mesmo
criassem mecanismo próprio de produção e distribuição independentes, contribuindo
para fomentar o segmento.155
No Brasil, artistas consagrados já trilharam esse caminho. Chico Buarque, que
anteriormente trabalhava com a major internacional BMG (associada à Sony Music), em
2005 assinou contrato com a Biscoito Fino, criada em 2000 e, hoje, umas das maiores
gravadoras independentes do país. Na mesma direção, Rita Lee deixou a major nacional
Som Livre, enquanto a cantora Maria Betânia lançou, em 2003, o selo independente
Quitanda. Em 2002, Marcus Viana criou, em Belo Horizonte, a gravadora independente
Sonhos e Sons e, em 2008, Milton Nascimento lançou o selo Nascimento Music.
153
Fonte: Site A Música que vem de Minas. Disponível em: http//www.amusicaquevemdeminas.com.br.
Acesso em: 23 Fev. 2011.
154
Fonte: Site Music Minas. Disponível em: http://www.musicminas.com.br. Acesso em: 23 Fev. 2011.
155
Fonte: Site Jornal O Globo. Disponível em: http://extra.globo.com/tv-e-lazer/sucesso-do-arcade-fireconsagra-trabalho-dos-selos-indies-1103613.html. Acesso em: 20 Fev. 2011.
181
Os depoimentos confirmam que a ausência de infraestrutura adequada para a realização
de shows e apresentações musicais em geral é outro grande fator desfavorável ao
desenvolvimento da cadeia produtiva da música da capital. Essa infraestrutura
envolveria tanto as questões materiais – espaços adequados (com acústica apropriada) e
condições técnicas de sonorização (equipamentos de qualidade) – quanto as questões
humanas, isto é, técnicos de qualidade e em quantidade para atender à demanda.
Para Brant, a música na capital “não tem espaço, tem só os barzinhos, não tem teatro
[...] falta muita coisa. A gente tem de criar essa infraestrutura”. Para Tadeu Martins,
até os bares e restaurantes deixaram de ser uma opção, devido à chamada Lei do
Silêncio156, que exige das casas um tratamento acústico para isolamento do ruído, que,
por se tratar de um investimento muito caro, levou vários empresários a optarem por
parar com as apresentações musicais.
Os bares com música ao vivo, que eram uma característica fortíssima de
Belo Horizonte, caíram demais. Hoje é muito difícil, porque, com a questão
da Prefeitura fiscalizar a sonorização, começou a gerar problemas e, com
isso, hoje a música como geração de emprego e renda perdeu muito. Os
músicos estão desesperados procurando lugar pra tocar. Até pra
sobrevivência, pro trabalhador, esse espaço tá faltando. (MARTINS,
TADEU).
Pidner destaca que os espaços existentes “não têm equipamento completo, a gente tem
de alugar. Nenhuma casa é completa”. Segundo ela, para grandes shows, haveria uma
expectativa do mercado quanto à inauguração, prevista para o primeiro semestre de
2011, do SESC Paladium, que seria “completo; comprou a mesa mais moderna que
existe, tem 1.350 lugares, estacionamento para 200 carros”. Maior do que ele, hoje,
apenas o grande teatro do Palácio das Artes, com 1.600 lugares, e o ginásio do Colégio
Dom Silvério (conhecido como Marista Hall), cuja acústica e falta de conforto são
bastante criticadas pelos músicos, e também pelos freqüentadores. Haveria previsão,
ainda, de inauguração de mais duas grandes casas de espetáculos na cidade: uma no
156
Lei municipal n° 9.505/08, “que normatiza o controle de ruídos, sons e vibrações em Belo Horizonte”.
Fonte: site da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Disponível em: http://www.cmbh.mg.gov.br. Acesso
em: 22 Fev. 2011.
182
local onde funcionou o Cine Brasil (na Praça Sete, centro da cidade) e outra no Centro
Cultural Banco do Brasil, integrante do Circuito Cultural Praça da Liberdade.157
Vistos com bons olhos pelo mercado, esses novos espaços, entretanto, suscitam uma
preocupação quanto à sua ocupação. “Fomos ver o teatro do SESC e uma das coisas
discutidas foi arrumar uma maneira desse espaço lá não ser só receptor de coisa que
vem de fora, mas que seja um espaço pra se fazer a cultura de BH ali dentro”, afirma
Brant. Para ele, seria importante discutir políticas de uso desses novos espaços pelos
artistas locais. Lopes argumenta na mesma direção: “a gente vai ter que ver como vai
utilizar os equipamentos estaduais e federais que estão chegando e que abrem um
potencial enorme”. O presidente da Abrafin também defende que a programação de tais
equipamentos possa ser discutida, para não deixar que “se paute da mesma forma que a
mídia se pauta, de requentar pautas e não dar espaço para esse novo que está
fervilhando em BH”.
Bertelli vê um problema na localização desses novos equipamentos culturais. Segundo
ela, haveria espaços dirigidos à música, mas eles estariam “todos concentrados no
mesmo raio ali do grande centro de Belo Horizonte. E os centros culturais públicos,
municipais, estão à míngua aí na periferia”. Geraldo Vianna contabiliza os prejuízos
gerados pelo problema da falta de infraestrutura:
Temos “n” teatros; outra coisa é você produzir ali. O teatro não negocia o
preço, aí vem ECAD, a produção em si; isso inviabiliza a produção. Todos
têm o espaço e a infraestrutura de pessoal, mas, quando se trata de
equipamento, você leva o equipamento, então é mais um custo cruel, né?
Quando se trata de iluminação específica, você leva a iluminação. No final
das contas, a produção – sem querer ser pessimista – não compensa.
Makely destaca o déficit na área de recursos humanos para operar equipamentos de som
e iluminação, uma demanda muito grande enfrentada com iniciativas pequenas,
isoladas.
157
Iniciativa do Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado da Cultura, o Circuito está sendo
desenvolvido em parceria com a iniciativa privada, com o objetivo de restaurar e dar novos usos aos
prédios públicos localizados na Praça da Liberdade, sendo implantados museus, centros culturais,
bibliotecas, espaços para cursos e oficinas, além de planetário, cafeterias, restaurantes e lojas. Fonte: site
Praça da Liberdade Circuito Cultural. Disponível em: http://www.circuitoculturalliberdade.mg.gov.br.
Acesso em: 23 Fev. 2011.
183
Os técnicos que a gente tem não têm formação. Não tem recursos pra formar
os técnicos que atuam nesse setor, desde produção até operação de luz, de
som, palco. É tudo improvisado, todo mundo é autodidata e tem algumas
áreas que é complicado ser autodidata. (MAKELY).
Para o músico, “essa situação, é um ultraje para o desenvolvimento da cena. Não tem
espaços adequados pra trabalho autoral”. Ele afirma haver uma incompreensão,
principalmente por parte das casas de show, da “cena autoral, representativa” existente
na cidade, “uma cena capaz de sustentar público, de tirar o cara de casa pra ir ver o
show”, argumenta. Isso contribuiria, segundo Makely, para gerar um grande problema
de sustentabilidade do mercado belo-horizontino da música, pois apenas as bandas
cover teriam “um circuito que talvez seja sustentável”, contando com alguns bares fixos
para apresentação, embora não tenham campo para desenvolver uma carreira, pois “o
circuito se consome em si mesmo”. Já quem trabalha com a música autoral passaria
“meses sem conseguir fazer um show”.
Segundo Marcus Viana, “nós temos teatros micro ou então temos casas imensas, mas
não temos o intermediário. O que falta é casa voltada para a música, com espaço
adequado, tratamento acústico”. Werkema, por sua vez, denuncia um “problema
grave”, que é o fato da capital não ter “um local para um espetáculo de massa, aberto,
de público acima de dez, quinze a vinte mil pessoas”. Isso não teria sido levado em
conta no planejamento da cidade ao longo dos anos, e hoje já não haveria mais área
física disponível para um empreendimento desses. Eventos desse porte são realizados
em áreas de municípios fronteiriços, como Santa Luzia e Nova Lima. Para o jornalista,
isto prejudicaria o desenvolvimento do turismo de negócios na cidade que, segundo ele,
poderia ser uma grande oportunidade para a difusão da produção musical local.
Tadeu Martins é ainda mais contundente: “tudo está conspirando contra o crescimento
desse talento musical nato de Belo Horizonte; falta espaço nessa cidade pra todo tipo
de música”. Ele aponta, ainda, um fator ideológico que dificultaria o desenvolvimento
de um dos gêneros que teria tradição na cidade: o samba.
Se você for avaliar um preconceito da cidade com um tipo de música, é com
o samba. O samba aqui é expulso de todo canto. A Rua do Samba que era um
encontro sábado, o dia inteiro lá na Rua Rio Grande do Sul, de lá foi
expulso, [...] de 79 prá cá ele já foi expulso de 14 ou 15 lugares diferentes da
184
cidade. [...] Acho que nesta questão do samba há um preconceito social e
racial. Já ouvi síndicos de prédios que brigavam pra tirar o samba de algum
lugar dizer o seguinte: “eu não quero essa negraiada fazendo essa algazarra
na minha porta”. (MARTINS, TADEU).
Makely aponta outro fator desfavorável no que diz respeito ao público. Segundo ele, nos
bares da capital que ainda oferecem música ao vivo as pessoas estão acostumadas a
beber, e conversar, enquanto acontece uma apresentação como música de fundo e não
como um show: “não tem ambiente, porque o público não foi educado pra ir ali assistir
ao trabalho autoral; [...] e o trabalho autoral não dá pra se submeter a essa situação”.
Afirmando ser um problema difícil, ele defende a criação de condições mínimas para
utilização desses espaços, “um trabalho de educação mesmo do público, de levar o
público pra ver o show. O show não é um detalhe, é o motivo pelo qual as pessoas estão
ali”.
Na mesma linha, Geraldo Vianna acredita que a extensa cadeia de bares e restaurantes
da cidade seja uma possibilidade a ser trabalhada, a partir de um processo de
conciliação e conscientização. “Já toquei várias vezes na Europa em clubes de jazz,
onde os caras bebem uísque, bebem cerveja, mas existe uma educação, eles ouvem a
música [...] durante o show não se servem bebidas. A coisa é tratada como um evento,
um show específico, não como música ambiente”. Makely cita o exemplo da Casa de
Francisca, recentemente criada em São Paulo, que estaria fazendo esse trabalho com
sucesso:
Antes do show, o cara sobe no palco educadamente e fala: “hoje a gente vai
ter aqui um show do José Miguel Wisnik. A gente pede para as pessoas
fazerem os seus pedidos agora, porque os garçons vão parar de servir
durante uma hora e quinze minutos. A gente pede para as pessoas não
falarem durante o show, porque vai atrapalhar”. (MAKELY).
Mestre Jonas também tem exemplo de situações que funcionam: “fiz um show em Paris,
numa casa que era restaurante, e, na hora do show, pararam de servir, baixaram a luz,
e aí era o show, todo mundo foi pra ver o show”. Ele concorda que em Belo Horizonte,
além das casas serem despreparadas, elas não conseguiriam “distinguir o conceito do
que é artístico”. Mas também acredita que estaria faltando um respeito maior pela
própria profissão de músico. “Falta exigir respeito, ele é profissional, tá gerando um
trabalho ali, é o motivo do público estar ali e é o que ganha menos; aceita demais:
toca a noite toda e ganha 50 reais!”, exemplifica. Pidner concorda: “o músico da noite
185
sofre muito, trabalha muito, ganha pouco. Não tem um sindicato, não tem assistência
médica, odontológica, não tem como se aposentar”.
Na mesma direção, a respeito da necessidade de reconhecimento da profissão, Bertelli
defende maior “atenção do ponto de vista da fiscalização e da legalização da profissão
de músico”. Ela lembra um problema sério: o fato de não haver nada que obrigue os
bares a passar o couvert artístico integral para o artista. “Não tem lei que proteja o
músico que toca em bar”. Segundo ela, a Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), por
exemplo, ao invés de ir ao bar fiscalizar se ele está repassando ao artista o couvert, “vai
lá fiscalizar se o músico tem a carteira da OMB”.
Apesar de destacarem uma solidariedade e um coleguismo entre os músicos da capital,
no que diz respeito ao fazer artístico – parcerias, trabalhos conjuntos, trocas de serviços
etc. – os entrevistados enfatizam a falta de uma visão de classe, uma rasa compreensão
da necessidade de união para se buscar conquistas para a categoria como um todo. Para
Pidner,
isso precisa ser trabalhado. Tá faltando um pouquinho de humildade, um
pouco mais de coleguismo, um pouquinho menos de egocentrismo
generosidade. Acho que isso são qualidades que o músico mineiro precisa
desenvolver, [...] quando você começa a falar do coletivo, aí você vê, o
interesse pessoal chega.
Considerando a organização dos músicos “ainda muito fraca”, Tadeu Martins diz que a
categoria “é assim, cada um por si e Deus por todos, [...] cada um quer abocanhar seu
quinhão: se eu conseguir o meu eu calo a boca, porque eu estou conseguindo. Precisa
ter uma união maior desses artistas”. Como afirma Geraldo Vianna, “desde que vim
para Belo Horizonte, em 81, já ouvia falar de encontros: ‘vamos fazer alguma coisa’.
Até hoje é assim, mas todo mundo prioriza o próprio trabalho, não existe consciência
da forma de administrar a cultura – é um aspecto, mas é verdadeiro”. Lins fala de sua
experiência vivida como membro da diretoria de uma das entidades da categoria:
Por mais que haja interesse em ver algumas questões resolvidas, existe muito
interesse pessoal, ou seja, os interesses coletivos não estavam à frente dos
interesses individuais. Então, à medida que uma ou outra pessoa não era
bem associada com determinada ação, ela se retirava, e ao mesmo tempo a
gente ia percebendo, como eu percebo até hoje, que existe um certo grupo
mais privilegiado, que esse grupinho se privilegia de quase todas as ações.
(LINS).
186
Marcus Viana vê o músico belo-horizontino “ilhado, cada um no seu mundinho”. Ele é
cético quanto ao problema: “a organização dos músicos não existe, nem nunca vai
existir, porque o artista é movido a ego, a vaidade, a compulsão criativa, ele é muito
egoísta”. De acordo com o violinista e empresário, a solução seria fazer com que as
organizações que dizem respeito às produções coletivas dos músicos não sejam geridas
pelos próprios músicos, porque o artista é “individualista; é normal da pessoa que está
gerenciando a própria obra: ele fica meio fanático com aquilo, perde um pouco da
racionalidade, da ética”. Para ele, o Fórum da Música “é um início”.
Nessa questão, Makely acha que “seja até um pouco uma contradição da cena”, pois
ele vê os músicos se mobilizando “quando vêem uma ação muito objetiva”, “que pode
ter um resultado prático”, como, por exemplo, realizar um festival, um show. Mas
quando se trata de discussões mais políticas, reivindicações, “elas acabam afastando
mesmo” e eles atuariam somente quando a situação “chega no limite”. Mesmo assim, a
participação ainda não seria tão ampla. Ele lembra o episódio ocorrido com o programa
Música Minas, que correu o risco de ser cancelado em 2010 e, mesmo assim, pequena
parte da categoria se dispôs a ir para a rua defendê-lo: “acho que podia ter tido muito
mais pessoas ali”. De acordo com o músico, “as discussões políticas e conceituais
ainda estão num outro patamar. As pessoas ainda não alcançaram esse grau de
politização”.
De qualquer forma, Makely acredita ser um dever do músico ter também uma atuação
política. “Acho que é uma dívida, que a gente tem de dar esse retorno; acho que a idéia
do artista romântico só que tá lá e toca e fica morando num castelo e inacessível; acho
que é uma função do artista ir para um debate, discutir, trazer isso e trazer as ideias”.
Bertelli afirma: “a gente quer cooperar, a gente quer se associar, mas a gente não sabe
fazer junto, a gente não sabe ser solidário, a gente não sabe dividir, a gente entra por
um interesse muito individual”. Para que as ações correspondessem às intenções, seria
necessário um trabalho educativo. Ela acredita que “o desejo expresso nas pessoas de se
associarem, de cooperarem, é o que pode favorecer uma educação à cooperação”.
187
4.6 Poderes públicos e setor empresarial
Outra faceta desse quadro, que diz respeito ao papel dos poderes públicos, apresenta
uma leitura desfavorável da atuação dos órgãos encarregados da gestão cultural na
capital. Na avaliação de Tadeu Martins, apesar do potencial musical da cidade ser muito
grande, “público e notório”, o espaço para se mostrar a produção mineira “é muito
pequeno e o apoio público, sobretudo, é muito acanhado”. Segundo ele, o poder público
“não teria capacidade de criar palco para essa produção”.
Cecília Regueira158 acredita que estaria faltando articulação entre os diversos órgãos do
governo para um trabalho planejado e integrado. Segundo ela, a Secretaria da Cultura é
que tem os recursos para desenvolver projetos culturais, mas seria preciso o aporte de
outras secretarias, pois “a cultura vai diminuir a violência, a criminalidade, a saúde vai
melhorar”, argumenta, constatando que “aqui no Brasil ainda não existe essa
percepção”. Lopes aponta na mesma direção, afirmando que é preciso um “exercício de
pressão política maior” para dar visibilidade à cultura de modo a ser entendida pelo
governo “como algo que é prioritário”:
Hoje em dia, normalmente eles não veem como prioritário, veem como
perfumaria, porque a questão da saúde é sempre mais importante, a
segurança pública é mais importante. Mas se a gente entender que com
projetos de arte-educação você está combatendo a violência? Com projetos
de arte-educação você está gerando cidadania, está trabalhando um ser
humano que é mais crítico, mais consciente dos seus direitos, dos seus
deveres? (LOPES).
Para Marcus Viana, “é o povo cultural que faz os governos abrirem o olho” e essa
pressão precisaria ser feita para que os governos se conscientizem de que “Minas é um
celeiro”. Ele aponta outro caminho que a música de Minas deveria trilhar: “seria
importante ter essa música maravilhosa nossa em todo polo turístico do Estado. Usar a
música como atrativo”. Geraldo Vianna também defende uma política intersetorial: “se
não houver uma política casada com vários setores, não só artísticos, musicais, acho
impossível”. Segundo o músico, há vários anos haveria tentativas de se desaguar a
produção musical feita em Minas, principalmente em Belo Horizonte, mas seriam quase
158
Especialista em gestão do Terceiro Setor e Diretora Executiva do Instituto Hartman Regueira.
188
todas frustradas “exatamente por isso”, porque “não existe esse casamento entre vários
setores que deem força, sustentabilidade. Então, a gente tem momentos bons e depois
desaparece tudo”. Nessa articulação, ele também acredita em ações associadas ao
turismo para alavancarem a cadeia da música na cidade.
A burocracia estatal, a falta de comunicação e o distanciamento dos governos da
sociedade seriam outros problemas graves apontados por vários dos entrevistados.
Segundo Bertelli, “a política tem que entrar em um diálogo real com a classe cultural.
A participação das pessoas não pode ser só um chavão. Tem que ter a participação, e
ela tem que ser desejada. Quando ela é desejada, você cria formas de comunicação”.
Segundo ela, é preciso que o gestor da cultura não veja apenas a necessidade estrutural
da área, mas compreenda sua “necessidade de diálogo, a necessidade criativa,
inventiva”. Werkema diz ser “preciso uma reformatação, um redesenho” dos órgãos de
cultura de Minas Gerais:
Os órgãos de cultura, sejam municipais, sejam estaduais, estão muito
burocratizados, muito ainda despreparados para terem políticas culturais ou
políticas públicas que possam estimular como merecem, com apropriação
conceitual, apropriação ideológica, apropriação pedagógica, apropriação
devida, essa vocação musical mineira. (WERKEMA).
Essa burocracia, segundo Regueira, faz com que mesmo entidades parceiras do governo
tenham de percorrer vários setores, sendo mandadas de um lado para outro, sem saber a
quem se dirigir, porque os próprios órgãos estatais não sabem tratar do assunto. “Tem de
haver dentro do governo uma comunicação mais clara, tem de haver departamentos
desenvolvidos para acolhimento do público, tem de haver um padrão de conhecimento
estabelecido nas diferentes áreas”, argumenta. Do contrário, as pessoas cansam,
desistem da ação, pois ficariam desestimuladas, pondera.
Para Brant, a cultura não estaria no foco da maioria dos políticos não apenas de Belo
Horizonte e do Estado, mas do Brasil inteiro, o que se refletiria na grande falta de
verbas para a área. ”É uma ignorância total”, afirma, pois
aqui tem uma música de alta qualidade, quantidade, diversidade, só que está
sendo mal empregada pela cidade e pelo estado. Podia estar empregando
mais gente, trazendo mais dinheiro pra cidade. [...] fez-se muito pouco, fazse muito pouco e não estou vendo ninguém com visão pra implementar
alguma coisa. Por isso a idéia desse sistema [SPIL] é boa. (BRANT).
189
Lembrando um problema crônico, Pidner diz que “o poder público fica brigando entre
si, cada um de um partido”. A professora Ivana Parrela159 concorda, dizendo que,
“especialmente na área de cultura, temos uma situação de muito embate entre os
órgãos federal estadual e municipal, no caso de Belo Horizonte”. Para Bertelli, hoje “a
gente tem três governos completamente distantes entre si e que têm olhares
completamente distintos pra realidade da cultura”. Quanto ao governo federal, ela
espera que se mantenha a lógica que vem sendo implantada e que gerou a criação do
Sistema Nacional de Cultura. Para dar sequência, aponta a necessidade de se “montar o
sistema municipal de cultura”. Mortimer avalia que o governo federal “estava
caminhando bem, até a entrada da nova ministra” [Ana de Hollanda]. Werkema
reconhece “um avanço do Ministério da Cultura em várias coisas [...]. Esses editais,
por exemplo”.160
Avaliando o governo estadual, Bertelli diz que
o governo do estado tem uma visão de privatização de todos os setores, de
repasse da gestão pública para as OSCIPS controladas pelo governo, porém,
com uma visão privada, uma visão que não leva em conta a participação
pública [...]. Eu estou falando isso em relação aos espaços, às políticas
regionais, ao trato com os Pontos de Cultura, a tudo. É uma questão de visão
de mundo, de conceito. Uma lógica de funcionamento pelo viés do privado.
Então, tudo é resolvido, tudo é conversado numa relação privada, e o
interesse público, realmente, tá em segundo, em terceiro, em quinto plano.
Segundo Werkema, “a Secretaria de Estado da Cultura vive [...] um momento de
empobrecimento de políticas públicas, de recursos humanos, de recursos financeiros”.
Libânio acrescenta ao diagnóstico, a ausência de um sistema estadual de informações
culturais. Sobre a questão da integração, ela diz que “você tem um monte de políticas de
superintendência de museus, um monte de políticas das bibliotecas, mas tudo disperso.
Falta integração; a integração das ações é fundamental”. Geraldo Vianna, além de
defender uma melhor estruturação dos órgãos públicos de cultura na cidade, ressalta a
159
Coordenadora Geral do Museu Padre Toledo (da Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade,
pertencente à UFMG); presidente da Associação Cultural do Arquivo Púbico da Cidade de Belo
Horizonte e membro do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), órgão colegiado integrante da
estrutura básica do Ministério da Cultura.
160
O MinC utiliza editais de seleção pública para apoiar projetos e premiar iniciativas culturais por meio
de concursos, festivais, prêmios e pesquisas em todas as áreas da cultura. Fonte: MinC. Disponível em:
http://www.cultura.gov.br/site/categoria/editais-ministerio-da-cultura. Acesso em: 08 Mar. 2011.
190
importância do planejamento. “Se o governo não tiver uma estrutura pra dar suporte
fica difícil para administrar”. Mas, para ele, o problema vai mais além.
Cultura depende fundamentalmente de dinheiro, mas o dinheiro não é
fundamental para que a cultura se alastre. É um paradoxo, mas que tem que
ser resolvido. Hoje a cultura do imediatismo está descartando aquele que
pensa, que faz o planejamento. Está muito voltada para o que realiza. Eu
acho que tem de haver as duas coisas, trabalhando lado a lado, senão vai ser
catastrófico. (VIANNA, GERALDO).
Para Tadeu Martins, “falta um investimento maior em BH, [...] criar uma via de mão
dupla do interior com a capital”. Ele lembra projeto do governo estadual de 1983, que
chegou a criar 300 festivais de música nas cidades do interior, fomentando o segmento.
Com baixo custo, “o estado apoiava pra fazer o projeto, ajudar a organizar e mostrar
como fazer”. Não envolvia despesas financeiras, que ficavam a cargo das prefeituras e
de patrocinadores locais. “Vinha músico, compositores de outros estados; era uma
verdadeira ebulição cultural”, relembra. “Hoje, Minas só tem 18 festivais, todos
sobreviventes desse período. É hora de voltar os olhos pra isso”, propõe.
Pidner lembra que “no plano estadual conseguimos emplacar um projeto, mas que
precisa virar lei para garantir”, referindo-se ao Música Minas. Para Regueira seria
necessária uma ação do Estado, no sentido de unir esforços. Segundo ela, o apoio
empresarial hoje aos projetos culturais, assim como aos sociais, seria muito
fragmentado e poderia ser mais eficiente se, através da Secretaria de Cultura, por
exemplo, eles se unissem e “criassem um programa que fortalecesse a cultura como um
todo”, pois “é muito difícil trabalhar com pequenos projetos, quando você sabe que, se
você somasse, você teria recursos suficientes para transformar uma realidade”.
Para que isso possa ocorrer, entretanto, ela vê necessidade de um trabalho de “educação
para com os empresários”, de distinção entre marketing social e responsabilidade
social, pois acredita que “a empresa também deve investir para que a nação se
desenvolva”, sensibilidade que ainda não existiria no Brasil. Brant vê em Minas “os
empresários muito conservadores; não exatamente entendem a importância que a
cultura pode ter pra cidade e pro estado”. Segundo Tadeu Martins, seria mais fácil
captar recursos no Rio de Janeiro e em São Paulo, “porque já têm uma visão diferente
das empresas”. Já “aqui, só tem algumas empresas com esse pensamento. [...] ainda
191
funciona muito essa questão provinciana. Talvez por isso tenha essa dificuldade tão
grande de desenvolvimento”. Segundo Makely, Belo Horizonte “tem três empresas que
patrocinam e essas três empresas não conseguem dar conta da diversidade toda, e aí
você tem um déficit muito grande, muita gente fica de fora”.
No âmbito do município, Makely considera que “a Fundação Municipal precisa de um
‘sacode’, porque é muita inoperância. Uma cidade igual BH não ter uma secretaria eu
acho gravíssimo. Cidades do interior têm secretarias, que tão atuando muito mais do
que a Fundação”. Bertelli concorda: “a Prefeitura realmente paralisou a política
pública municipal [...] não há política pública municipal. Não há desenho de política
pública”. Ela critica o que chama de ações restritas, pontuais, que transformam a FMC
apenas numa produtora de eventos. Para a gestora, trata-se de
uma Fundação Municipal de Cultura muito enfraquecida, a partir do
momento em que perdeu o status de secretaria, com baixo orçamento em
relação ao percentual mínimo indicado pela UNESCO. Imagina um
município que foi vanguarda, dos primeiros municípios a ter uma secretaria
exclusiva de cultura, a ter uma política pública de cultura, a ter um museu
que conta a história da própria cidade! Tudo aqui foi tão inovador, e depois
tudo foi tão menosprezado! (BERTELLI).
Parrela, que participou das discussões sobre a transformação da Secretaria Municipal
em Fundação, em 2004, acha a existência da secretaria “fundamental, que coloca a
cultura em pé de igualdade com outras áreas do governo”. Mas, para ela, “o grande
argumento que seduziu a administração municipal” foi a “enorme dificuldade de
agilizar os processos pela lógica da produção cultural”. Isso balizou a decisão, já que,
com a falta de recursos financeiros, “seria impraticável manter essas duas estruturas”.
Libânio aponta a falta de diálogo, de participação e de informações qualificadas para
que a Prefeitura desenvolva ações na área cultural. “Estão sendo feitas ações sem
embasamento de pesquisas. [...] Quais são as prioridades? [...] Tem que discutir com a
cidade: intenção, desejos. Acho que falta um diagnóstico mesmo”, afirma. Para Mestre
Jonas, a relação da Prefeitura de Belo Horizonte hoje com a sociedade seria de “100%
de restrição, ela restringiu os espaços [...] não poder tocar na praça, tem a lei do
silêncio”. Ele explica não ser contra as regulamentações, mas acha que “algumas
concessões podiam ser feitas”. Ele cita a proibição de eventos na Praça da Estação pela
Prefeitura, em dezembro de 2009, como uma decisão ”muito radical. Não me lembro
192
deles terem chamado as entidades pra conversar; fica uma coisa muito de cima pra
baixo”.
Mortimer diz: “a Fundação Municipal de Cultura não tem uma política clara pra
música” e “não vejo nada sendo feito para que isso aconteça”. Bertelli lembra a
realização pela Fundação da Conferência Municipal de Cultura e questiona: “o que
aconteceu dessa Conferência? Qual é a capacidade, depois, que a Fundação tem de
aproveitar todo esse conteúdo da Conferência, de operacionalizar esse conteúdo?”
Martins acredita que “nós vamos entrar numa fase pior ainda no que diz respeito ao
poder público municipal”, devido à reforma administrativa feita pela Prefeitura no
início de 2011, que, entre outras medidas, extinguiu a gerência de eventos da Belotur.
Segundo o produtor cultural, a capital estaria vivendo “uma situação de hiato na
produção cultural”, pois a reforma não levou essa atribuição para nenhum outro órgão
da Prefeitura: “eles não pertencem à FMC, nem à Belotur, nem às regionais, nem à
Secretaria de Esportes [...], os eventos de lazer da cidade estão órfãos, ninguém sabe
onde eles estão na nova estrutura”.
Parrela se preocupa com as relações pessoais e políticas que se sobrepõem aos
interesses públicos, mencionando uma preocupação com o que ocorre hoje na FMC,
onde prevaleceria “uma lógica pessoal, e não institucional”. Segundo ela, “hoje temos
uma presidente da Fundação que tem, digamos, boas relações políticas”, por isso ela
teria “esse espaço pra participação” no governo que a área da cultura poderia deixar de
ter com uma troca de gestor, por exemplo. Sobre a necessidade de construção de
políticas públicas, Parrella exemplifica com o que ocorre entre a própria população nas
discussões do Orçamento Participativo, onde músicos entram em pé de guerra com o
pessoal do teatro, que por sua vez não reconhece os setores do patrimônio, e tudo isto
porque “nunca chegamos a discutir” o problema como um todo, a partir de uma visão
do interesse público, que gere políticas públicas. No que diz respeito à música, ela
exemplifica:
Temos ótimos espaços para discutir, para formar esses profissionais, mas
não tem essa integração em nenhum momento, não se pensou nisso como
uma política de educação, de cultura, que inclui, por exemplo, na questão
das bandas, formação de profissionais que vão lidar com manutenção dos
instrumentos musicais; uma discussão de política cultural em BH que
articule as diversas áreas. (PARRELA).
193
Pidner entende que “ainda tem muita coisa que se fazer para criar política pública para
a música” em Belo Horizonte. “Precisamos de algum mecanismo, algo que force os
poderes a criar uma coisa mesmo sustentável”, argumenta. Nessa perspectiva, os
conselhos de cultura, tanto municipal quanto estadual, poderiam exercer papel
importante. Para Makely, a inexistência desses conselhos “é muito desfavorável”. Lopes
defende maior diálogo com a FMC, “e, aí, a gente retoma, mais uma vez, a necessidade
do Conselho Municipal de Cultura, muito importante”. Segundo ele, é necessária,
também, a implantação do Conselho Estadual de Cultura, que “talvez seja, hoje, a pauta
mais importante que a gente tem na discussão de uma política cultural em Minas”.
Os dados apresentados e analisados neste capítulo foram obtidos por meio de entrevistas
semiestruturadas. Dos 18 entrevistados, 16 preencheram um pequeno formulário no
qual se solicitava a enumeração em ordem decrescente de itens de uma lista de
condições que, a priori foram consideradas importantes como parte de um plano de
ação para a organização do SPIL da música de Belo Horizonte.
A consolidação das enumerações realizadas pelos entrevistados permitiu verificar que
14 (87,5%) destacaram as políticas voltadas para a criação ou fomento de públicos
como primeira prioridade. Condições de incentivo, apoio, promoção, parceria e
financiamento da produção musical foram indicadas por 11 (68,8% dos consultados)
como a segunda prioridade para a organização do referido SPIL. Criação ou fomento de
políticas públicas para institucionalizar o segmento foi apontada como terceira
prioridade por 10 participantes ou 62,5%. Criação ou fomento de clima cooperativo e
associativo foi considerada a quarta prioridade por nove entrevistados (56,2%). Criação
ou fomento de sistemas de informação foi eleita a quinta prioridade por 50,0% do total,
o que corresponde a oito participantes.
As demais condições apresentadas obtiveram índices inferiores a 44% de indicações.
São elas: criação ou fomento de mercados (43,7%); criação ou fomento de
oportunidades de trabalho (43,7%); criação ou fomento de infraestruturas humanas
(43,7%); criação ou fomento de práticas, relações e articulações profissionais (37,3%);
criação ou fomento de condições de trabalho (31,25%); criação ou fomento de acessos a
informações (31,25%); criação ou fomento de infraestruturas materiais (25%); criação
ou fomento de instituições (18,75%) e criação ou fomento de fatos (12,5%).
194
4.7 Considerações finais
Os instrumentos e meios necessários para a promoção das condições para a criação do
Sistema Produtivo e Inovativo Local da Música de Belo Horizonte, levantados acima,
serão apresentados, a seguir, de forma sintética. A relação das condições foi feita a
partir do conceitual teórico de SPIL definido pela RedeSist e analisado no segundo
capítulo dessa dissertação.
QUADRO 04
Condições para a criação do SPIL da música de Belo Horizonte e instrumentos
e meios para sua promoção
(continua)
Condições para a criação do SPIL
da música de BH
Instrumentos e meios para a promoção das
condições
Dimensão territorial.
Características de Belo Horizonte: dimensão
pequena (apenas 332 km2) e organização em
regionais;
População significativa de 2.375.444
milhões de habitantes161;
Inserção em uma região metropolitana de
5.413.627 habitantes162; localização
estratégica em relação ao eixo Rio-São
Paulo.
Criação de mecanismos de descentralização das políticas
culturais visando atender à produção musical de todas as
regionais da cidade;
Implantação
de
políticas
que
incentivem
o
compartilhamento de valores e visões econômicos, sociais
e culturais, que facilitam o dinamismo local, a diversidade
e a vantagem competitiva em relação a outros locais;
Criação de políticas que visem atingir a população da
Região Metropolitana, buscando potencializar o mercado
no tocante ao público consumidor – fator altamente
positivo para o SPIL proposto;
Desenvolvimento de ações que aproveitem a vantagem
competitividade dos custos dos eventos artísticos de Belo
Horizonte em relação ao eixo Rio-São Paulo.
Diversidade de atividades
econômicos, políticos e sociais.
Valorização da diversidade e a qualidade da música de
BH – notórias e reconhecidas, inclusive, no exterior, por
meio de programas e políticas que fomentem a sua
divulgação;
Incentivo à capacidade de intercâmbio artístico dos
músicos da capital, a sua capacidade de diálogo e
flexibilidade para atuação nos diversos elos da cadeia
produtiva;
Estímulo à organização e o associativismo dos artistas –
músicos, compositores, técnicos e produtores –, a partir do
fortalecimento de suas entidades representativas, a fim de
capacitá-las a se tornarem legítimos porta-vozes do junto
aos demais atores do SPIL;
e
atores
161
Fonte: IBGE. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766. Acesso em: 17
Mar. 2011.
162
Fonte: IBGE. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766. Acesso em: 17
Mar. 2011.
195
QUADRO 04
Condições para a criação do SPIL da música de Belo Horizonte e instrumentos
e meios para sua promoção
(continua)
Condições para a criação
do SPIL da música de BH
Instrumentos e meios para a promoção das condições
Estímulo à participação dos diversos segmentos econômicos e
comerciais da cidade – organizados, fortes e dinâmicos –, no processo
de criação do SPIL, por meio de ações que visem sensibilizar o
empresariado sobre a importância do investimento em cultura;
Envolvimento das instituições públicas responsáveis pela gestão da
cultura na capital, a saber: a Fundação Municipal de Cultura, órgãoda
Prefeitura, no âmbito municipal, e a Secretaria Estadual de Cultura,
no âmbito estadual, propugnando pela sua adequação, capacitação e
qualificação, visando: a) melhorar a sua gestão no que diz respeito ao
fluxo de informações internas, à comunicação com a sociedade, à
qualidade e agilidade no atendimento, além da eficiência de sua
atuação; b) seu efetivo alinhamento com as demandas
contemporâneas da área cultural e da cidade;
Integração da representação do Ministério da Cultura ao processo;
Reforço à atuação das instituições voltadas à educação musical –
sólidas e preparadas – buscando envolvê-las na construção do sistema
proposto;
Envolvimento das organizações culturais internacionais instaladas na
capital, como o Instituto Cervantes (órgão oficial de difusão da
cultura espanhola) e o Serviço de Cooperação e Ação Cultural da
Embaixada da França;
Retorno do projeto Arena da Cultura da Prefeitura – voltado para a
formação e a capacitação musical – como uma alternativa importante
para atender os artistas das vilas e favelas;
Fortalecimento dos atores sociais desse processo, por meio de
programas para atrair a atenção, por exemplo, do segmento beminformado da juventude universitária de BH, amplo e significativo
contingente haja vista o peso do conjunto das instituições de ensino
superior, que transformam essa capital num forte polo educacional.
Existência
tácito.
de
conhecimento
Estímulo e apoio a ações e movimentos espontâneos que visem
preservar as manifestações culturais e os saberes populares
tradicionais da cultura local.
Existência de inovação.
Implementação de programas que visem preservar e difundir as
importantes marcas de inovação – como o Clube da Esquina, já
consolidado, e a música instrumental, da qual são exemplos Toninho
Horta, Nivaldo Ornelas e Juarez Moreira;
Construção de políticas de divulgação dos novos movimentos que a
cidade gera, permanentemente;
Incentivar as novas relações de trabalho provocadas pelo uso das
novas tecnologias, como o Banco de Serviços, por exemplo.
Existência
de
público
interessado e capaz de fruir a
música.
Implementação de políticas públicas de formação de plateias de
caráter permanente, voltadas tanto para a sensibilização de crianças e
jovens, nas escolas, quanto para os adultos, por meio de projetos
musicais didáticos de longa duração, que contribuam para maior
informação e formação do público, no sentido de estimulá-lo a buscar
qualidade e a ficar mais atento às inovações;
Oferta de projetos culturais – permanentes e variados – às
comunidades das vilas e favelas, que permitam às pessoas a
assimilação das novas linguagens e gêneros e a criação do hábito de
196
QUADRO 04
Condições para a criação do SPIL da música de Belo Horizonte e instrumentos
e meios para sua promoção
(continua)
Condições para a criação
do SPIL da música de BH
Instrumentos e meios para a promoção das condições
consumo cultural;
Fiscalização do cumprimento da obrigatoriedade do ensino da música
em todas as escolas de Belo Horizonte, a partir de agosto de 2011, por
meio de comissão integrada por professores, pedagogos e músicos
para acompanhar a implantação dessa disciplina nas escolas da rede
municipal de ensino da capital, para garantir que se alcance o espírito
da lei de desenvolver nos alunos sensibilidade, criatividade e
capacidades pessoais;
Criação de programa de formação continuada para professores,
especialmente os da educação básica;
Criação de concursos para professores de música da rede municipal
de ensino de Belo Horizonte;
Desenvolvimento de projetos e campanhas que visem sensibilizar o
público para o ato de fruição da música e para a importância da
produção musical mineira.
Existência de mercado para o
consumo dos produtos musicais.
Implantação, pelos órgãos públicos da cultura, de projetos voltados
para divulgar os artistas e a produção musical locais, não apenas para
a população da capital, mas a do interior e a do resto do país.
Criação pelo governo estadual – com apoio do setor empresarial e
participação dos músicos –, de escritórios culturais nas cidades polo
do estado, com o objetivo de gerenciar as ações de difusão da música
mineira a serem implementadas, que tenham, entre as suas funções, as
que se seguem:
a) articular relações com agentes difusores locais como radialistas,
jornalistas e críticos de música, a fim de implementar canais
permanentes de apoio da imprensa regional;
b) implementar a distribuição de material bibliográfico e fonográfico,
catálogos e livros sobre música mineira, além de partituras a
bibliotecas, universidades e demais polos culturais, a fim de
instrumentar as instituições culturais locais para a formação de
agentes multiplicadores;
c) promover o mapeamento dos locais de apresentação de espetáculos
e dar suporte às turnês;
d) incentivar a venda e a distribuição de produtos mineiros como
CDs, DVDs;
Investimento na cena da música independente por meio da criação de
festivais, concursos, prêmios etc. que busquem criar um canal de
comunicação entre a produção da capital e a do interior do estado;
Implantação de projetos e ações que busquem associar o
desenvolvimento da música às políticas de desenvolvimento do
turismo local de negócios e eventos;
Ampliação das fontes de financiamento;
Estabelecimento de estratégias de divulgação da produção local na
mídia impressa, radiofônica e televisiva do interior de Minas Gerais e
nos principais veículos nacionais.
Incentivo à crítica especializada.
Integração entre os órgãos do governo estadual responsáveis pela
aplicação da lei de incentivo fiscal e pelo sistema estadual de
comunicação, para que os projetos aprovados pelos mecanismos de
governo sejam trabalhados pelas mídias estatais.
Articulação entre os três poderes (municipal, estadual e federal),
197
QUADRO 04
Condições para a criação do SPIL da música de Belo Horizonte e instrumentos
e meios para sua promoção
(conclusão)
Condições para a criação
do SPIL da música de BH
Instrumentos e meios para a promoção das condições
visando potencializar o aproveitamento dos espaços culturais públicos
existentes e aqueles a serem inaugurados, de modo a valorizar a
produção musical local;
Aproveitamento mais intenso da internet, por meio das redes sociais,
para a comercialização dos produtos musicais;
Criação de infraestrutura física apropriada para a realização de
espetáculos musicais, do ponto de vista da qualidade acústica, de
equipamentos de som e luz adequados, de conforto e espaço para o
público;
Investimento na formação e capacitação de mão-de-obra
especializada para operar equipamentos de som e de iluminação;
Fiscalização do exercício da atividade de músico na capital mineira,
do ponto de vista do respeito aos seus direitos pelos contratantes.
Governança.
Articulação entre os órgãos públicos responsáveis pela gestão da área
cultural em Belo Horizonte, procurando-se desenvolver ações
integradas e planejadas, com o objetivo de criar políticas intersetoriais
que busquem a difusão da produção musical da capital, tanto do ponto
de vista da fruição quanto da arte-educação. Essas políticas devem ter
como ponto de partida a realidade local do segmento da música e o
interesse público;
Estímulo a uma postura profissional dos músicos mais ousada, um
posicionamento mais agressivo no mercado, visando a defesa difusão
de seu trabalho;
Estímulo a uma maior conscientização e participação política dos
músicos nas questões de interesse da categoria – o que contribuiria
para que ela participasse mais efetivamente do sistema proposto –,
por meio de campanhas de educação para a cooperação desenvolvidas
pelas entidades da categoria.
198
5. CONCLUSÕES
Se você tiver uma maçã e eu tiver uma maçã e nós trocarmos essas
maçãs, você e eu ainda teremos cada um uma maçã. Mas se você tiver
uma ideia e eu tiver uma ideia e nós trocarmos essas ideias, então
cada um de nós terá duas ideias. (George Bernard Shaw)
Os estudos e análises realizados na presente pesquisa – que teve por objetivo investigar
as condições necessárias para a construção de um Sistema Produtivo e Inovativo Local
da Música na cidade de Belo Horizonte – apontaram um quadro bastante favorável à
proposta. Das seis características consideradas fundamentais pela RedeSist (2005) para
a criação de um SPIL, a capital mineira apresentou condições satisfatórias em pelo
menos quatro. No primeiro aspecto, da dimensão territorial onde ocorrem os processos
produtivos, inovativos e cooperativos, o município – por sua característica de grande
contingente populacional, concentrado em área relativamente reduzida e organizada em
regionais – possibilita o compartilhamento de valores e visões econômicos, sociais e
culturais, facilitando o dinamismo local e a diversidade. Também a sua localização
central no mapa brasileiro e estrategicamente posicionada, próxima às capitas do Rio de
Janeiro e São Paulo – eixo econômico e cultural do país – lhe confere importante
vantagem competitiva em relação a outros locais.
A segunda condição positiva – fartamente comprovada pelos dados obtidos – é
assegurada pela marcante diversidade de atividades e atores econômicos, políticos e
sociais, que, além de recheada de empresas e associações ligadas ao segmento musical,
conta com a presença de órgãos públicos (local, estadual e federal) gestores de cultura,
além de uma gama enorme de organizações públicas e privadas voltadas para a
formação e capacitação de recursos humanos, pesquisa, promoção e financiamento no
âmbito cultural. A cidade é reconhecida como polo educacional e de pesquisa científica.
Tal diversidade de atividades se caracteriza por dar vazão a uma produção musical
dinâmica, com fortes características de inovação, cuja quantidade e qualidade são
amplamente reconhecidas. Ao mesmo tempo, verifica-se a presença de um processo
robusto de aprendizado, que permite a aquisição e a construção de diferentes tipos de
conhecimentos, competências e habilidades. Para a RedeSist (2005), aprendizado e
199
inovação interativos – que constituem a terceira condição importante para este sistema –
seriam os fatores que trariam maior peso à competitividade dinâmica e sustentada de um
SPIL. A pesquisa constatou que esses fatores encontram-se presentes de forma incisiva
na cadeia produtiva da música de Belo Horizonte.
Não apenas os próprios atores do segmento musical da capital mineira reconhecem e se
orgulham da qualidade da produção local, mas esta, quando difundida, é valorizada de
forma ampla e sistemática, alcançando sucesso em diferentes praças do país e do
exterior. A pesquisa constatou que esta qualidade da música tem como uma de suas
bases principais o conhecimento implícito e incorporado por seus músicos – o chamado
conhecimento tácito, quarta condição necessária ao SPIL –, cuja produção apresenta
forte especificidade no que diz respeito à harmonia de suas melodias, passada adiante de
geração em geração e caracterizada como importante elemento de vantagem competitiva
da cadeia produtiva local.
Este conhecimento tácito é um dos fatores responsáveis pela cidade ser considerada
produtora de grandes marcas de inovação musical – como o movimento Clube da
Esquina, já consolidado, e a música instrumental, de Toninho Horta, Nivaldo Ornelas e
Juarez Moreira –, resultado de um processo oriundo de múltiplas fontes e de complexas
interações entre seus atores. Confirmando as análises da RedeSist (2005), segundo as
quais as especificidades e trajetórias de um determinado desenvolvimento local
contribuiriam para configurar um sistema de inovação característico, essa capacidade de
inovação belo-horizontina é determinada por diferentes fatores sociais, políticos e
econômicos.
Os mais importantes seriam: as influências culturais distintas (barroca, da cultura negra,
de migrantes do interior do estado, de imigrantes italianos e espanhóis –
principalmente), que o produto musical recebe; a diversidade de origem, de formação e
das atividades dos músicos; a reconhecida experiência, flexibilidade e capacidade de
integração dos atores envolvidos no processo; a existência de processos de
aprendizagem tecnológica voltados à inovação; e a existência de diversos movimentos
orientados para diferentes gêneros musicais, o que gera uma música diversificada, rica,
dotada de grande versatilidade.
200
Nessa perspectiva, deve-se levar em conta, também, a constatação feita de que Belo
Horizonte possui público exigente e aberto a novas tendências, condição que impulsiona
a busca pela qualidade artística e estimula as inovações. É também relevante o fato da
capital mineira registrar a presença de uma ampla e bem informada juventude, capaz de
fortalecer os atores sociais desse processo.
Outro aspecto que destaca a capital mineira no cenário nacional – e que se constituiria
em importante fator econômico do SPIL – é a elevada participação de seus músicos no
âmbito do emprego formal da cidade (23% acima da média nacional, segundo cálculos
efetuados a partir dos dados da RAIS/MTE)
163
. Isto significa uma clara especialização
de Belo Horizonte na atividade musical, muito além das registradas em grandes capitais
brasileiras tradicionais produtoras de música, que, ao contrário, apresentam coeficiente
de especialização inferior ao nacional: 29% menor no Rio de Janeiro, 27% menor em
São Paulo e 9% menor em Salvador.
Este índice mostra, em Belo Horizonte, a possibilidade de um peso dos atores musicais
no arranjo do setor que não se observa nas outras capitais analisadas. Esta condição
adquire ainda mais importância se levarmos em conta as grandes dificuldades para o
exercício da profissão de músico na capital, ao contrário do que acontece no eixo RioSão Paulo, beneficiado pela influência de grandes mídias (jornais, rádios, TVs); da
presença de público com alto poder aquisitivo, aliado ao maior acesso à cultura; e da
localização das majors neste eixo.
Essa especialização, a produção efervescente e as características de inovação, no
entanto, não se refletem em um mercado aquecido para o produto musical local, nem em
políticas públicas de geração de trabalho e renda para o músico, obrigado a conviver
com um quadro permanente de incertezas e instabilidade. Todo esse potencial também
não é aproveitado como fator para impulsionar o desenvolvimento local. É nesse
contexto que foram encontradas as principais restrições que precisariam ser superadas
por meio da criação das condições necessárias para se chegar ao desenvolvimento do
SPIL proposto.
163
Fonte: Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em:
http://portal.mte.gov.br/rais/resultados-definitivos.htm. Acesso em: 12/06/2010.
201
Trata-se do necessário processo de articulações e interações, que permita alcançar a
governança necessária à construção desse sistema. Como pontua a RedeSist (2005), o
desafio colocado é o de encontrar diferentes modos de coordenação entre os atores e as
atividades da cadeia produtiva da música de Belo Horizonte, que envolvem da produção
ao consumo dos produtos musicais, assim como o processo de geração, uso e
disseminação de conhecimentos e de inovações.
Nessa perspectiva, a participação organizada e direcionada das entidades representativas
dos músicos precisará assumir o papel relevante de ser o ponto de partida, o estímulo
para deslanchar a discussão sobre este sistema, uma vez que a pesquisa mostrou que o
poder público local encontra-se alheio e, em alguns casos, completamente desconectado
da realidade vivida pela cultura na cidade. Esta avaliação é corroborada pela análise
feita por Carsalade (2005, p. 4), segundo a qual o afastamento do Estado de suas
funções tradicionais de produtor e provedor levaria “como resposta, à necessidade
imperiosa da contribuição social e de formas de gestão parceiras e participativas”.
Caberá, assim, aos músicos, por meio de suas entidades representativas, tomarem a
frente desse processo.
O passo seguinte será atrair a participação direta e efetiva da Prefeitura, por meio da
Fundação Municipal de Cultura – essencial à coordenação desse processo –, e a do
Governo do Estado, por meio da Secretaria Estadual de Cultura, de forma coordenada e
integrada ao poder local. Por outro lado, também será preciso alcançar formas de
coordenação que envolvam os segmentos da indústria e do comércio – com presença
forte e dinâmica na capital –, além das instituições de ensino e pesquisa.
Por sua subjetividade, a arte, em geral, e a música, em particular, exigem debates e
articulações mais complexas, tornando esse processo – já difícil pelo seu caráter
sistêmico e inovativo – ainda mais desafiador. A pesquisa constatou que, embora haja
presença altamente significativa de atores econômicos, políticos e sociais no território
estudado, estes ainda precisariam se preparar e se qualificar melhor para adquirirem as
condições necessárias para integrar o SPIL. A seguir, são apresentadas as principais
deficiências e dificuldades encontradas nesses segmentos e relacionados alguns
instrumentos e meios para obtenção das condições necessárias à sua superação.
202
5.1 Principais deficiências dos segmentos econômicos, sociais e políticos e os
instrumentos e meios para obtenção das condições necessárias à sua
superação
Quanto ao segmento musical, foi detectada a necessidade de se aprofundar e fortalecer a
sua organização, além da sua capacidade de articulação com os demais atores do
sistema. Faz-se necessário o fomento de clima cooperativo e associativo, visando maior
conscientização e participação política dos músicos nas questões de interesse da
categoria, o que contribuiria para que ela participasse mais efetivamente do sistema
proposto. Um fator complicador de Belo Horizonte – reflexo de característica atribuída
aos mineiros em geral – é o aspecto cultural que envolve a falta de valorização da
produção local pelos próprios músicos, que assumem postura tímida na divulgação e
defesa de seu trabalho. A mudança para um comportamento mais ousado, proativo, é
um dos requisitos para qualificá-los como os principais atores desse processo.
Para isso, um passo essencial, apontado pelos dados recolhidos, é o que envolve a
conscientização dos próprios músicos, a urgência de se enxergarem como uma categoria
profissional, fortalecendo suas entidades representativas, tendo como foco o interesse
coletivo. Embora haja sindicatos de músicos e ordem dos músicos no Brasil, o espírito
gregário desta categoria profissional não encontra condições objetivas favoráveis para
florescer e se fortalecer. Isso se dá, em parte, porque ao longo dos anos essas entidades
se mostraram distantes dos interesses da categoria, o que levou ao seu esvaziamento e
perda de qualquer traço de representatividade, provocando a pulverização dos músicos
em diversas outras associações e sociedades.
Entretanto, a maior parte dos fatores que dificultam o fortalecimento desse espírito
gregário está associada a contingências objetivas da trajetória de estudo e trabalho dos
músicos. A formação desse profissional – o aprendizado de um instrumento ou de canto
– é um processo desenvolvido individualmente, levando-o a certo isolamento. Por outro
lado, o exercício da profissão, de criação ou de interpretação, mesmo quando em grupo,
também tem características fortemente solitárias, como confirma o produtor cultural
Tadeu Martins, quando destaca que mesmo num show, que é coletivo, você tem o artista
203
e os acompanhantes, onde esses têm um valor secundário em relação ao artista, que
acaba se distinguindo dos demais.
A comparação destas particularidades com a organização e o trabalho em grupo dos
artistas do teatro, feita por vários dos entrevistados pela pesquisa, dá a dimensão dos
caminhos que os músicos ainda precisam percorrer. Os atores de teatro estão habituados
a trabalhar coletivamente. Mesmo um monólogo, por exemplo, envolve vários
profissionais – da preparação do texto da peça, passando pela direção, até à construção
de cenários e figurinos; tudo depende do conjunto.
Ao contrário, da criação à
interpretação, o músico está sempre sozinho.
Isto se reflete diretamente no comportamento profissional, social e até político de ambos
os segmentos. Enquanto o ator está acostumado a compartilhar a arrecadação da
bilheteria (sempre uma incógnita), como forma de remuneração de seu trabalho, o
músico só valoriza o cachê, cujo valor é assegurado antes da sua apresentação. Muito
recentemente, e ainda de forma tímida, têm sido realizadas experiências de
apresentações musicais remuneradas pela bilheteria. Uma ação mais coletiva neste
sentido foi tentada em Belo Horizonte pela Associação Artística dos Músicos de Minas
Gerais (AMMIG), no final da década de 1990. A exemplo da Campanha de
Popularização do Teatro, criou-se uma campanha de popularização da música – um mês
de shows com participação de dezenas de artistas de todos os gêneros, do sertanejo à
música erudita, sem cachê, onde a remuneração dos artistas advinha da bilheteria.
Segundo o músico e produtor Thelmo Lins – um dos participantes do processo –
embora a adesão inicial dos músicos tenha sido grande, “a iniciativa não foi à frente
porque os músicos não gostaram de não ganhar cachê” e ter de se contentar, em muitos
casos, com valores pequenos oriundos da divisão da bilheteria com a produção do
espetáculo. Os artistas da música não demonstram o mesmo grau e espírito de
cooperação no que diz respeito ao envolvimento no processo cultural como um todo.
Essa situação pode ser comprovada pela dinâmica e histórica atuação do Sindicato dos
Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais (Sinparc), que, entre outras coisas, se
reflete nas dezenas de espaços conquistados para o teatro na cidade e no grande número
de projetos públicos para o setor.
204
A reversão desse quadro, entretanto, mostrou-se viável, mas, para se tornar realidade,
precisa partir da iniciativa das próprias entidades, por meio de campanhas educativas
entre seus associados e também entre os músicos em geral, que resultem na ampliação
da participação da categoria nas deliberações e na implementação das ações dessas
organizações. Um caminho possível seria o trabalho dessas entidades junto aos
estudantes das escolas de música da cidade – convidando-os a participarem de reuniões
e fóruns da categoria, por exemplo –, a fim de informá-los e despertá-los para a questão,
levando à construção de vínculos cada vez mais cedo com os interesses e problemas
comuns.
Para que isto seja possível, no entanto, constatou-se a necessidade de que essas
entidades passem por uma reformulação no sentido de se estruturarem para serem
capazes de prestar os serviços demandados por seus associados. E para que isto ocorra,
será preciso planejamento estratégico, plano de ação, estatuto, enfim, um arcabouço
estruturante, que lhes permita conhecer as demandas reais da categoria e atuar em
direção aos interesses da maioria, e não apenas aos dos grupos no exercício da direção.
Isto
pressupõe
organização
autossustentável,
com
cobrança de
contribuição
(mensalidade ou anuidade), o que hoje não acontece na maioria das entidades.
É preciso criar um círculo virtuoso, onde o filiado se imponha a responsabilidade pelo
desembolso financeiro para ajudar a manter a entidade, e que, em troca, tenha o retorno
em prestação de serviços que lhe interessem; ao mesmo tempo em que a entidade se
beneficia da contribuição financeira para se manter, mas se abre para a participação dos
filiados em todos os níveis de decisão. A profissionalização dessas entidades mostrou-se
fundamental.
O outro lado dessa moeda é a necessidade de que os próprios músicos se interessem e
vejam como prioritária a atuação junto aos órgãos de representação da categoria, para
torná-los mais fortes e porta-vozes legítimos de seus anseios e necessidades. Embora os
entrevistados tenham sido unânimes em afirmar a camaradagem existente entre os
músicos da capital, não importando o gênero musical ou a origem de sua formação, os
dados recolhidos pela pesquisa permitem afirmar que o sentimento de coletividade, de
união em defesa dos direitos de todos, de organização e conscientização da categoria
205
ainda está longe de poder ser generalizado, consistindo em fator que precisará ser
trabalhado para se tornar favorável à construção do SPIL da música de Belo Horizonte.
Como exemplifica a fala de um dos entrevistados: “o cenário da música em Minas tem
muita estrela, mas elas não formam uma constelação”.
A formação de uma consciência coletiva e associativa se impõe como necessidade
inadiável, até mesmo para que os músicos passem a se ver como agentes sociais e
políticos em condições de participar desse processo. Entidades mais representativas e
filiados mais participativos formam uma coalizão fundamental para permitir que o
Fórum da Música de Minas – constituído por essas entidades – ganhe a força necessária
para se transformar em porta-voz do segmento musical como um todo, podendo
representá-lo com legitimidade no processo de criação do SPIL. Essa é uma questão
crucial, pois os músicos são os principais interessados na criação desse sistema e
somente a sua mobilização, atuação organizada e direção poderão alavancar este
processo.
A constituição do Fórum por meio de entidades, e não de pessoas – como é usual –,
além de inovadora, pode, na prática, contribuir para a organização do segmento musical,
por depender de entidades representativas e dinâmicas para a sua sobrevivência. Ficou
claro, ainda, que o Fórum também precisaria passar por uma reformulação capaz de
dotá-lo da infraestrutura organizacional necessária para assumir o papel de representante
do conjunto do segmento. Para ser eficaz, esta reformulação deverá incluir a criação de
um estatuto e dos instrumentos necessários para definir e regular a participação de seus
membros.
Este problema pode ser explicado pela própria origem do Fórum. Como ele nasceu com
a responsabilidade de gerir o programa Música Minas, de exportação e disseminação da
música mineira, seus integrantes logo foram sendo absorvidos pelas tarefas decorrentes
do desenvolvimento do programa – pelas quais são remunerados –, faltando tempo para
ações de planejamento e construção do próprio Fórum. Na avaliação de alguns dos
entrevistados, o que também pode ser constatado pela pesquisa, tanto envolvimento
levou a que, na prática, o Fórum se confundisse com o próprio programa, o qual, se
acabar, leva a entidade consigo. Detectou-se, assim, a necessidade urgente de se pensar
no conjunto, de se planejar estrategicamente a organização do Fórum, visando a sua
206
profissionalização, de modo a contribuir para que ele conquiste as condições necessárias
para representar o segmento nesse processo de articulação com os demais atores
envolvidos no sistema proposto.
Do ponto de vista das empresas – outro segmento importante na construção do SPIL da
música –, a pesquisa mostra a necessidade de se criar ações que visem sensibilizar o
empresariado para a importância do investimento em cultura, não apenas para o estado,
mas para o país e a sociedade em geral. Embora envolvendo ainda baixos valores, devese levar em conta os dados levantados que apontam a música como um dos dois
segmentos mais procurados pelos empresários para investimento e aquele cujos projetos
conseguem altos índices de captação de recursos em Belo Horizonte. Há alguns
empreendimentos de grande porte com tradição de investimento na área, que podem se
tornar importantes estimuladores desse processo, especialmente no que diz respeito às
pequenas e médias empresas.
Um instrumento relevante seriam as campanhas de esclarecimentos ao setor empresarial
sobre as Leis de Incentivo, além do estudo de formas de participação no incentivo fiscal
para empresas tributadas com base no “lucro presumido”. Essas propostas levam em
conta os estudos de vários autores, entre eles Hansen e Barreto (2003, p. 102), para
quem, na Nova Economia – que inclui a Economia da Cultura –, “a vontade dos
empresários é determinante para se definir as localizações das atividades econômicas”.
Nesse processo, o grande potencial de geração de emprego, renda e impostos das
atividades culturais, cuja estrutura de consumo intermediário as leva a um forte
encadeamento com os demais setores da economia, torna-se argumento relevante. Os
dados obtidos pela FJP (2003a) mostram que as atividades culturais podem gerar um
PIB maior do que a média gerada pelos demais setores da economia; que elas
apresentam resultados superiores à média sobre a geração de emprego e a arrecadação
(310 empregos gerados, em média, em festival/show/mostra, para cada R$ 1 milhão
consumido pelas famílias, enquanto na indústria automobilística o resultado é de 40
empregos, e em comunicações, 56). A capacidade de geração de ICMS das atividades
culturais também apresenta, segundo a FJP (2003a), desempenho superior ao de
segmentos produtivos consolidados (4% do valor da produção dessas atividades,
207
superior aos 2,6% de comunicações e a 0,8% de material de transporte) e constitui mais
um argumento a ser utilizado.
Quanto às demais instituições que precisariam participar da criação do SPIL, Belo
Horizonte dispõe de um elenco sólido e preparado, capaz de agregar condições
extremamente favoráveis ao processo. São exemplos, a Fundação João Pinheiro (FJP) e
o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas e Empresas (SEBRAE MG), duas
instituições tradicionais, com experiência de se envolverem em pesquisas e projetos
ligados ao mercado da música da capital mineira e que têm demonstrado interesse em
contribuir para a construção de políticas de cultura. O chamado Sistema S164, do qual o
SEBRAE participa, formado por organizações criadas pelos setores produtivos
(indústria, comércio, agricultura, transportes e cooperativas) – todas com sede ou
representação em Belo Horizonte –, pode constituir relevante parceiro nesse processo.
A capital mineira também conta com importantes representações culturais estrangeiras,
como o Instituto Cervantes (órgão oficial de difusão da cultura espanhola) e o Serviço
de Cooperação e Ação Cultural da Embaixada da França – que poderiam constituir
parceiros estratégicos do SPIL. Do ponto de vista das novas tecnologias – estreitamente
ligadas ao desenvolvimento da música –, Belo Horizonte apresenta uma das melhores
bases para um sistema de informação, do ponto de vista técnico, como lembra um dos
entrevistados, o professor Diniz: “nós somos, hoje, um grande centro criador de
programas de software, inclusive com a criação da FUMSOFT” 165.
164
Formado pelas seguintes organizações: Serviço Nacional da Indústria (SENAI), Serviço Social da
Indústria (SESI), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Social do Comércio
(SESC), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), Serviço Nacional de Aprendizagem em
Transportes (SENAT), Serviço Social do Transporte (SEST), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (SEBRAE), Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP).
Fonte: SENAI. Disponível em: http://www.senai.br/br/ParaVoce/faq.aspx. Acesso em: 02. Fev. 2011.
165
A Sociedade Mineira de Software (FUMSOFT), com sede em Belo Horizonte, “atua na criação,
capacitação, qualificação e fomento de empreendedores e organizações produtoras de software de Minas
Gerais para o sucesso no mercado global”. “São programas nas áreas de empreendedorismo, qualificação
e certificação de produtoras de software, geração de negócios, pesquisa, desenvolvimento e inovação
(P,D&I), trabalho cooperado, exportação, entre outras”. Integra a Rede Softex – Associação para
Promoção da Excelência do Software Brasileiro. Fonte: Site da FUMSOFT. Disponível em:
http://e-portal.fumsoft.softex.br/fumsoft. Acesso em: 02 Fev. 2011.
208
Entres as universidades, a UFMG, por sua história, infraestrutura e tradição no
desenvolvimento de projetos culturais166, qualifica-se como um importante ator desse
processo. Seu atual Pró-Reitor de Extensão, professor João Antônio de Paula167, afirma
que, por seu compromisso “com a cultura, com o saber, com o desenvolvimento”, a
UFMG se colocaria como uma instância adequada para contribuir para a criação das
condições necessárias à criação do SPIL da música de Belo Horizonte no que diz
respeito ao embate de ideias, a partir de seus diversos centros acadêmicos.
Para o professor, este seria um bom momento para tratar essa questão, uma vez que a
UFMG, a partir da redefinição conceitual de um de seus maiores projetos culturais, o
Festival de Inverno, estaria passando por um processo de discussão interna sobre temas
que, por exemplo, levam em consideração o fato de que “a cultura, a arte etc. são
instrumentos de discussão das identidades locais” e o de que “elas também têm esse
potencial de alavancar recursos, captação, atração do turismo e tal”. Ao defender uma
postura da Universidade cada vez mais aberta e em sintonia com a sociedade, o reitor
Clélio Campolina Diniz também vê “as atividades culturais como elementos centrais na
formação humana, para o lazer, para uma sociedade mais democrática”, defendendo
um papel cada vez mais ativo da UFMG nesta área.
Ainda no âmbito das instituições superiores de ensino e pesquisa da capital, a Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) também poderá representar papel
relevante neste SPIL. Desde 1999, oferece um curso de Pós-Graduação em Ciências
Sociais, com área – única em Belo Horizonte – de concentração em Cidades: Cultura,
Trabalho e Políticas Públicas, tendo como um de seus objetivos “qualificar, de forma
mais densa, profissionais já integrados ao quadro da administração pública, de
instituições privadas e de organizações não governamentais”. O programa conta com
166
A UFMG possui uma Diretoria de Ação Cultural, um Centro Cultural, um Conservatório, além das
escolas de Música e de Belas Artes, responsáveis pela realização anual de centenas de espetáculos e
atividades de música, dança, teatro e artes plásticas, a maioria aberta ao público. Realiza, há 42 anos, o
Festival de Inverno, considerado “um dos mais importantes e tradicionais eventos culturais do país”.
Fonte: Site da UFMG. Disponível em: www.ufmg.br. Acesso em: 02 Mar.. 2011.
167
Professor do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências
Econômicas da UFMG (Cedeplar).
209
linhas de pesquisa relacionadas ao objeto desse estudo, tais como: Cultura, identidades e
modos de vida; e Políticas públicas, participação e poder local.168
Do ponto de vista das instituições governamentais, a pesquisa apontou clara fragilidade,
tanto da Fundação Municipal de Cultura, quanto da Secretaria de Estado da Cultura –
principais órgãos gestores da área na capital –, no que diz respeito aos recursos
humanos, técnicos e de infraestrutura que lhes permitam exercer adequadamente o seu
papel de executor de políticas públicas voltadas para a legitimação e a universalização
dos direitos culturais. Os estudos mostraram que, para uma atuação efetiva, voltada para
os interesses reais da maioria da população, tais órgãos precisam sofrer profundas
transformações do ponto de vista da gestão, buscando melhorar o fluxo de informações
internas, a comunicação com a sociedade, a qualidade e agilidade no atendimento, além
da eficiência de sua atuação.
Do ponto de vista político, será necessário um efetivo alinhamento desses órgãos com
as demandas contemporâneas da área e da cidade. Para alcançar tal objetivo, um dos
caminhos é a necessária interação entre os mesmos, visando o desenvolvimento de
ações integradas e planejadas para criar políticas intersetoriais que busquem a difusão
da produção musical da capital, tanto aquela voltada para a fruição quanto a produção
com vistas à arte-educação. Nesse sentido, a ausência de informações consistentes,
consolidadas e atualizadas sobre a cadeia produtiva da música da capital é um fator
desfavorável. Como solução, a pesquisa apontou a necessidade de criação de sistemas
de informação e indicadores culturais municipal e estadual. O Sistema Nacional de
Informações e Indicadores Culturais (SNIIC) – recém criado pelo Ministério da Cultura
– pode servir de modelo e importante ponto de partida desse processo. A larga
experiência da Fundação João Pinheiro no desenvolvimento de pesquisas na área
cultural, que pode levá-la a contribuir nesse processo, também é fator favorável.
168
Fonte:
Site
da
PUC-MG.
Disponível
em:
http://www.pucminas.br/ensino/mestrado_doutorado/mestrado_doutorado.php?&pagina=947&programa=
13. Acesso em: 02 Fev. 2011.
210
Para que essas políticas de desenvolvimento do setor estejam conectadas com a
realidade do segmento musical e em sintonia com uma política de desenvolvimento
econômico e social local, será preciso uma ação planejadora e reguladora do Estado,
neste caso, da Prefeitura. Para serem eficazes, essa ação deverá partir de duas
perspectivas principais. A primeira diz respeito ao reconhecimento e ao fortalecimento
do que existe na cidade, do que o segmento musical já está produzindo, do ponto de
vista do interesse público. A segunda passa pela construção de elos entre o segmento
musical e os demais setores da sociedade, por meio de uma rede de relações cuja
dinâmica signifique uma transformação qualitativa na experiência desses atores, na
perspectiva de uma transformação maior do processo social, dentro da lógica defendida
por Castells (2003, p. 572) de que “o poder dos fluxos é mais importante do que os
fluxos do poder”.
Tais políticas deverão contemplar algumas diretrizes básicas, tais como a interrelação
entre todos os elos da cadeia produtiva da música; o aprendizado e a difusão – entendida
como parte do processo inovativo – do conhecimento codificado e tácito; a diminuição
da informalidade do setor; o estímulo ao exercício da profissão de músico na capital; a
continuidade do trabalho artístico; a necessidade de formação de plateias; e a
importância de se ampliar as fontes de financiamento (públicas e privadas), conciliandose os recursos injetados na cultura por meio do incentivo fiscal com os investimentos
com recursos do Tesouro. Aqui, é preciso considerar que – como defendem Hansen e
Barreto (2003) – nesse novo modelo que envolve a Economia da Cultura, inovação e
adaptação às mudanças tecnológicas são fundamentais e a capacidade criativa tem mais
peso do que o porte do capital a ser investido.
Entre as ações consideradas prioritárias na elaboração de um plano para a organização
do SPIL proposto, duas foram destacadas na presente pesquisa: a) o fomento de público;
b) a criação ou fomento de condições de incentivos, apoios, promoções, parcerias e
financiamentos que resultem na divulgação e no fomento da produção musical como um
todo, para que o sucesso não se restrinja a projetos pontuais, dependentes de esforços
particulares ou de privilégios de ocasião. Trata-se, aqui, de enfrentar uma dificuldade
comum a toda a área, que sempre precisa defender que a cultura seja reconhecida como
investimento, e não despesa. Investimento nos valores, na criatividade, na imagem da
211
cidade (no estado, no país e no exterior) e na geração de emprego, renda e inclusão
socioeconômica, como argumenta Reis (2002).
Como destacou o músico Geraldo Vianna, para quem a criação do SPIL deve levar em
conta “o aspecto empresarial da arte”, porque “a música, a arte, ela nunca acaba, mas
ela precisa de suporte para virar produto”. Isto significa criar ações voltadas para a
economia da música em todos os seus aspectos – de planejamento, organização,
financiamento, monitoramento e avaliação –, com o objetivo de se construir políticas
estruturantes de Estado, que ultrapassem as políticas conjunturais de governo – sujeitas
aos humores e desejos particulares dos governantes do momento.
Constatou-se a urgência de que o debate sobre o desenvolvimento de Belo Horizonte
incorpore a compreensão da necessidade de interação entre processos culturais,
econômicos e sociais, na perspectiva da contribuição da cultura ao desenvolvimento
local, além da geração de recursos econômicos. Como defende Silva (2007, p. 19), “a
cultura perpassa todas as dimensões da vida em sociedade e se relaciona com processos
de sociabilidade e sua reprodução”.
Embora exista alguma sensibilidade por parte do Governo do Estado, como demonstra a
recente criação da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e o apoio ao projeto Música
Minas, por exemplo, o não entendimento da dimensão econômica da cultura e do papel
estimulador de desenvolvimento social que ela pode desempenhar transparece na falta
de uma política estadual clara, com objetivos definidos, metas, programas e projetos
estruturantes para a área.
A dificuldade para se viabilizar o programa Música Minas, já apresentada, é um
exemplo dessa situação, que é a mesma enfrentada por outros programas estaduais
importantes para a cultura, como o Filme em Minas – de estímulo ao audiovisual – e o
Cena Minas, realizado desde 2007, com o objetivo de “incentivar e fortalecer as
produções cênicas no Estado, nas áreas do teatro, da dança e do circo”.169 Nenhum deles
está institucionalizado, não dispondo, portanto, de dotação orçamentária própria. A
169
Fonte: Site da SEC/MG. Disponível em: http://www.cultura.mg.gov.br/?task=interna&sec=9&cat=74.
Acesso em: 02 Mar. 2011.
212
implantação do Conselho Estadual de Cultura – demanda urgente da área cultural –
poderá contribuir para avançar essa discussão.
No âmbito municipal a situação mostra-se ainda mais precária. Do ponto de vista
político, o fato que chama mais atenção é a perda de status da Secretaria de Cultura,
transformada em fundação, o que retira da área o poder de participar, em pé de
igualdade com as demais secretarias, da construção e discussão das políticas públicas da
cidade. Por outro lado, a necessidade de uma fundação capaz de responder ao
dinamismo da gestão cultural também está demonstrada. A falta de recursos, entretanto,
tem sido apontada como impeditivo para que os dois órgãos coexistam.
A situação, portanto, parece sinalizar para a necessidade de uma ampla discussão a
partir das instâncias da própria Prefeitura, no sentido de buscar solução mais adequada
para o problema. O que parece não ser concebível é que a terceira mais importante
capital do país, detentora de grande e expressivo volume de produção cultural em
absolutamente todas as áreas, possa se conformar em continuar a ter a cultura fazendo
parte da administração indireta do município.
Outro problema do ponto de vista institucional a ser enfrentado diz respeito à adequação
da Prefeitura para participar do recém criado Plano Nacional de Cultura (PNC),
analisado no segundo capítulo, grande conquista recente da cultura brasileira. Segundo
este Plano, o Sistema Nacional de Cultura (SNC) – cujo projeto de lei encontra-se em
fase final de tramitação no Congresso Nacional – “será o principal articulador federativo
do PNC, estabelecendo mecanismos de gestão compartilhada entre os entes federados e
a sociedade civil”.170
Para aderir ao PNC, o município deve assumir o compromisso de criar, até 31 de
dezembro de 2011171, o seu Sistema Municipal de Cultura, composto por, pelo menos,
cinco instâncias obrigatórias. Belo Horizonte ainda precisa criar duas dessas instâncias:
o Conselho Municipal de Política Cultural e o Plano Municipal de Cultura. Três já
170
Parágrafo 1° do Artigo 3° da Lei nº 12.343 de 02 dez. de 2010. (ANEXO II).
Fonte: Acordo de Cooperação Federativa do Sistema Nacional de Cultura. Disponível em:
http://blogs.cultura.gov.br/snc/files/2010/12/GUIA-DE-ORIENTA%C3%87%C3%95ES-AOSMUNIC%C3%8DPIOS-SNC-PERGUNTAS-E-RESPOSTAS_19JAN2011.pdf. Acesso em: 03 Mar.
2011.
171
213
existem: o órgão gestor municipal de cultura, no caso, a FMC; o sistema municipal de
financiamento à cultura (a LMIC); e a Conferência Municipal de Cultura, embora a sua
segunda edição, realizada em outubro de 2009, não tenha tido nenhuma sequência por
parte do encaminhamento e da operacionalização de suas resoluções pela Fundação, até
março de 2011.
A importância da cidade se preparar para integrar o Sistema Nacional de Cultura não se
restringe apenas à garantia de verbas do governo federal. Trata-se de participar da maior
e mais efetiva iniciativa governamental em defesa da cultura brasileira, que, pela
primeira vez na história do país, vem trabalhando com base em amplo e profundo
planejamento, criando sistemas de informações e indicadores e procurando
institucionalizar planos e políticas para a área, com a participação da sociedade.
Do ponto de vista das ações, constatou-se que as políticas desenvolvidas pela Fundação
não refletem a dimensão atual da diversidade cultural da cidade. Por exemplo, não há
registro de projeto municipal voltado para o fomento e a difusão da música, apesar de
toda a efervescência do segmento. Ao contrário, a pesquisa mostrou que o segmento
musical tem feito grande esforço, sem sucesso, para chamar a atenção do gestor público
municipal e, em alguns casos, até mesmo para se desvencilhar dos obstáculos criados
por ele. Exemplos mais contundentes são o Quarteirão do Soul e o Duelo de MCs, já
apresentados no capítulo terceiro. Como legítimos representantes de gêneros musicais
abraçados por grandes parcelas da população da cidade e que dependem do espaço
público para suas apresentações, espera-se que sejam reconhecidos pela Prefeitura e que
a mesma crie, democraticamente, políticas claras de ocupação dos espaços públicos.
Nessa perspectiva, a pesquisa mostrou a necessidade de uma discussão pública na
cidade sobre o conceito de espaço cultural. Será que espaço cultural é só aquele espaço
físico, o equipamento público, o teatro, a galeria etc.? Ou “existem esquinas?”, como
lembrou a antropóloga Marcela Bertelli: “olha como uma esquina foi tão importante
pra essa cidade, reconhecida como um espaço de cultura”
172
. Os dados apontam a
necessidade de se reconhecer essas realidades vivas, essas manifestações culturais
espontâneas, nos ambientes onde elas surgem – sejam eles públicos ou privados, menos
ou mais qualificados –, percebendo-os como espaços simbólicos da cultura.
172
Referência ao movimento musical Clube da Esquina.
214
Os dados colhidos mostram a existência de um verdadeiro abismo entre o que acontece
no segmento musical da cidade e as ações da Fundação Municipal de Cultura. A gestão
da Fundação mostra-se em total desconexão quanto ao “desenvolvimento cultural” que
propõe173 e às suas ações relacionadas, principalmente, aos movimentos culturais locais,
ao entendimento de cultura como um direito social e aos usos coletivos dos espaços
públicos. O quadro encontrado aponta para a necessidade urgente de que a FMC se abra
para o que acontece na cidade, para o imprevisível, tomando como ponto de partida a
realidade local – não apenas a estrutural, mas a necessidade criativa, inventiva – e o
interesse público, por meio do estabelecimento de canais de participação e de diálogo
com a sociedade, buscando corresponder ao que se espera de seu papel.
Ainda no que diz respeito à Fundação Municipal de Cultura, outra ausência sentida é a
de projetos de formação de plateias. A pesquisa apontou a existência, em Belo
Horizonte, de público interessado e capaz de fruir a música. Entretanto, observou-se a
necessidade de investimentos permanentes na formação de plateias, voltados tanto para
a sensibilização de crianças e jovens, nas escolas, quanto para os adultos – condição
essencial para a construção do SPIL proposto. Uma forma de enfrentar este problema
seria o desenvolvimento de campanhas que visem sensibilizar o público para o ato de
fruição da música e para a importância da produção musical mineira. Outra seria a
implantação de projetos musicais didáticos de longa duração, que contribuam para
maior informação e formação do público, no sentido de estimulá-lo a buscar qualidade e
a ficar mais atento às inovações.
Ainda nessa perspectiva, outra medida importante seria a criação de uma comissão no
âmbito da FMC, formada por professores, pedagogos e músicos, com o objetivo de
acompanhar a implantação da disciplina de educação musical no currículo das escolas
municipais, para garantir que se alcance o espírito da lei de desenvolver nos alunos
sensibilidade, criatividade e capacidades pessoais. Como uma estratégia para se alcançar
tal objetivo, propõe-se o desenvolvimento do canto coral, por meio da criação de corais
173
Fonte:
Site
da
FMC.
Disponível
em:
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&
app=fundacaocultura&tax=7664&lang=pt_BR&pg=5520&taxp=0&. Aceso em: 03 Mar. 2011.
215
nas escolas públicas municipais. A referida comissão poderia se encarregar da
elaboração de projeto de lei sobre o assunto. Dois argumentos básicos justificam essa
proposta. Primeiro, a combinação facilidade e baixo custo na viabilização de um coral, o
qual exige basicamente dois profissionais – o regente e o pianista – e um piano, não
envolvendo a aquisição e manutenção de grande quantidade de instrumentos musicais.
Em segundo lugar, porque o coral é o caminho mais simples para se trabalhar as
crianças, visando o desenvolvimento de um sentimento coletivo e de disciplina, além da
sensibilidade.
Para atender ao público das vilas e favelas174 – bastante significativo e cada vez mais
presente na produção musical da capital –, a pesquisa apontou a necessidade de uma
oferta permanente e variada de projetos culturais a essas comunidades, que permitam às
pessoas a assimilação das novas linguagens e gêneros e a criação do hábito de consumo
cultural.
Em relação à capacitação profissional dos principais atores envolvidos nesse sistema –
músicos, produtores e técnicos –, Belo Horizonte mostra-se bastante preparada no que
diz respeito à formação artística, com oferta de cursos variados e de alta qualidade, o
que se configura como fator altamente favorável ao SPIL da música. Também na área
da capacitação de produtores foram registradas iniciativas importantes, como alguns
cursos de nível superior e treinamentos oferecidos pelo SEBRAE MG e pela ONG
Favela é isso Aí, entre outras instituições. As falhas nessa área foram detectadas em
relação à capacitação técnica. A baixa oferta de cursos de formação de técnicos e
demais profissionais vinculados à infraestrutura (iluminadores, sonoplastas, cenógrafos,
técnicos de mixagem e masterização etc.) tem gerado deficiência na oferta de técnicos
especializados, principalmente para a realização de shows e grandes espetáculos.
174
Belo Horizonte possui 208 comunidades, entre vilas, favelas, conjuntos habitacionais populares e
outros assentamentos irregulares, totalizando 471 mil moradores ou 19,53% da população da capital.
Fonte:
Site
da
Urbel/PBH.
Disponível
em:
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&
app=urbel&tax=7491&lang=pt_br&pg=5580&taxp=0&. Aceso em: 03 Mar. 2011.
216
Um caminho para enfrentar tal problema seria o mapeamento das demandas reais nessa
área e a realização de parcerias com as empresas fornecedoras dos equipamentos de som
e luz, por exemplo, ou com o Sistema S, no sentido de suprir essas demandas. Também
a UFMG poderia se tornar outro grande parceiro, a partir do oferecimento de cursos de
extensão nessa área. A construção dessas parcerias poderia fazer parte das estratégias de
articulação do Fórum.
Quanto aos recursos financeiros, a ampliação das fontes de financiamento, públicas e
privadas, e o aumento da dotação orçamentária para a área – cujo índice almejado é
baseado na proposta de 1% do orçamento municipal prevista em projeto de lei em
tramitação no Congresso Nacional –, são iniciativas essenciais para acabar com a atual
dependência do segmento dos recursos provenientes dos mecanismos de incentivo
fiscal. Propõe-se, ainda, a criação de um mecanismo misto de financiamento,
envolvendo a iniciativa privada e o setor público, que, a partir da participação financeira
efetiva e não reembolsável do empreendedor, lhe assegure a possibilidade de
comercialização do produto patrocinado. Tais medidas, associadas à reformulação das
diretrizes das leis de incentivos fiscais municipal e estadual – no que diz respeito à
lógica da concorrência não artística e do atendimento pontual desses mecanismos –,
contribuiriam para a valorização do trabalho artístico e o respeito ao profissional das
artes, em geral, e da música, em particular.
Esta inversão de proporção entre as fontes de financiamento – garantindo o fluxo
permanente de recursos e a democratização de acesso aos mesmos – é condição
essencial para a construção de políticas estaduais e municipais para o segmento e,
consequentemente, para a construção do SPIL proposto. Nesse sentido, a criação do
Sistema Municipal de Informações e Indicadores Culturais proposto torna-se
fundamental para permitir pensar lógicas de financiamento coerentes com a realidade
local. Pensando-se em planejamentos de médio e longo prazos, as atuais características
urbanas da capital – seus limites territoriais encontram-se conurbados com outros seis
municípios175 – apontam a necessidade de que esse sistema assuma caráter
175
Ribeirão das Neves (Norte e Noroeste), Santa Luzia (Norte e Nordeste), Sabará (Leste), Nova Lima
(Sul e Sudeste), Ibirité (Sudoeste) e Contagem (Noroeste e Oeste). Fonte: Portal Brasil. Disponível em:
http://www.portalbrasil.net/brasil_cidades_bh.htm. Acesso em: 15 Mar. 2011.
217
intermunicipal, o que irá demandar interações e articulações com os municípios da
região.
Faz-se necessária, ainda, uma observação quanto à utilização dos recursos do orçamento
destinados à cultura. Além do montante disponível, é preciso, também, estar atento a
como e onde ele é aplicado, ou, em alguns casos, até mesmo garantir que o que foi
destinado para a área esteja sendo realmente aplicado nela. No tocante à Fundação
Municipal de Cultura de Belo Horizonte (FMC), dados da prestação de contas da
execução orçamentária de 2010176 mostram que o órgão utilizou apenas 61% da verba
prevista para aquele ano, constituindo-se em um dos orçamentos menos executados
entre todos os órgãos da Prefeitura. Há que se levar em conta, ainda, que a maior parte
desses recursos foi gasta com pagamento de pessoal, encargos sociais e serviços
administrativos do próprio órgão. As causas disto podem ser diversas, do despreparo do
órgão para operar esse dinheiro, por exemplo, à falta de interesse da gestão municipal
em investir em cultura. O que fica claro, entretanto, é que a área da cultura não está
recebendo o tratamento que seus atores esperam e demandam do poder público.
Sobre a ausência de políticas públicas voltadas para a área, tanto por parte da Prefeitura
quanto do Governo Estadual, de Paula, Pró- Reitor de Extensão da UFMG, afirma que
estaria faltando uma compreensão de que a economia da capital mineira, por não poder
ser pensada do ponto de vista da produção industrial, até por falta de espaço, poderia ter
na cultura um de seus principais alicerces, já que “as atividades culturais agregam
muito valor, têm impacto ambiental nenhum, pelo contrário, são até preservacionistas,
totalmente sustentáveis e têm um impacto, uma capacidade de atração do turismo muito
forte”. A música poderia se transformar em “um elemento de atração turística”, como
concorda Diniz, tendo em vista a deficiência da capital no que diz respeito a grandes
atrativos nesse setor.
Tal entendimento vem ao encontro da visão de vários autores, entre eles Reis (2008), de
que a economia da cultura integra o segmento de serviços e lazer, cuja projeção de
crescimento tem sido superior à de qualquer outro, estimando-se que esteja crescendo
10% ao ano, como analisado no capítulo primeiro. Tal potencial de crescimento é
176
Fonte: PBH/Contas Públicas/Execução orçamentária/Demonstrativos e Relatórios. Disponível em:
http://migre.me/41Wuv. Acesso em: 23 Mar. 2011.
218
considerado bastante elástico, uma vez que o setor depende pouco de recursos
esgotáveis, sendo o seu insumo básico a criação artística ou intelectual e a inovação.
Outro conjunto de problemas encontrado está relacionado à necessidade de criação de
mercados para consumo do produto musical da capital, não apenas local, mas além dos
limites do estado e do próprio país. A esse respeito, a pesquisa mostrou que Belo
Horizonte apresenta vários fatores desfavoráveis. Levando-se em conta o dado
encontrado de que as apresentações ao vivo são a principal unidade produtiva do
mercado da música da capital, a ausência de espaços apropriados e de condições
adequadas para a prática dessa atividade constitui uma dificuldade significativa.
Para enfrentá-la, uma medida que assume caráter de urgência é a que diz respeito à
necessária articulação entre os três poderes (municipal, estadual e federal), visando
potencializar o aproveitamento dos espaços culturais públicos existentes e a serem
inaugurados em Belo Horizonte – a exemplo do Centro Cultural Banco do Brasil e do
Espaço Cultural Funarte –, para que contemplem a produção musical local.
Em relação aos bares e restaurantes, propõe-se, a partir do Fórum da Música, um
trabalho de aproximação com os donos das principais casas ou daquelas que já
apresentem alguma condição de realizar shows, com o objetivo de atraí-los para o
debate sobre a criação do SPIL, sensibilizando-os para o retorno econômico e financeiro
que poderão alcançar, além da contribuição que poderão dar ao desenvolvimento
cultural e social da cidade.
Essa aproximação também poderá facilitar o desenvolvimento de campanhas conjuntas
que busquem trabalhar o público desses espaços para a arte da fruição da música, outro
problema a ser enfrentado. Em contrapartida, sugere-se a criação de linhas de crédito
especiais que favoreçam os estabelecimentos privados que empregam músicos locais
para apresentações ao vivo, auxiliando-os na aquisição de instrumentos e equipamentos
musicais, de sonorização e iluminação, e de aparelhagem para se adequarem às
exigências da Lei do Silêncio.
Diante da expressiva e relevante produção musical belo-horizontina, propõe-se que a
Prefeitura crie um espaço público municipal voltado especificamente para os
219
espetáculos musicais, já que todos os espaços disponíveis hoje na cidade são teatros
adaptados para shows. Uma proposta seria preparar o Teatro Francisco Nunes – único
de propriedade da PBH e que se encontra fechado há dois anos – para receber
espetáculos de música, dotando-o de qualidade acústica e equipamentos apropriados.
Por sua origem – foi criado como casa da ópera – localização privilegiada (no Parque
Municipal, centro da cidade), estrutura de porte médio (cerca de 600 lugares) e pelo
próprio artista que lhe dá nome177, Chico Nunes, como é conhecido, poderia ser
caracterizado como a Casa da Música de Belo Horizonte, constituindo um equipamento
público cultural diferenciado. Esta Casa da Música – além de atender à demanda do
segmento musical belo-horizontino – pode se transformar em referência para o turismo
cultural da capital.
Ao lado disso, propõe-se, ainda, que a Prefeitura, por meio da FMC, também invista na
criação da Orquestra Sinfônica Jovem de Belo Horizonte. Além de a pesquisa ter
apontado a existência de público significativo para a música erudita na capital mineira,
que comparece em peso aos espetáculos do gênero produzidos na cidade, este tipo de
projeto se justifica pelo importante papel que desempenha na formação dos jovens, além
de poder contribuir com o processo de formação de plateias.
Compreende-se, entretanto, que, para que essas propostas tenham receptividade, é
preciso que a Prefeitura adote postura mais sensível em relação ao papel da cultura,
especialmente à importância da música para a economia e o desenvolvimento social de
Belo Horizonte, reconhecendo e valorizando a efervescente produção do segmento.
É preciso, também, um trabalho articulado entre a Fundação Municipal de Cultura e a
Secretaria Estadual de Cultura, visando criar ações coordenadas para divulgar os artistas
e a produção musical locais, não apenas para a população da capital, mas a do interior e
177
“O nome do teatro é uma homenagem ao grande clarinetista e maestro mineiro Francisco Nunes
(1875-1934), que criou a Sociedade de Concertos Sinfônicos de Belo Horizonte e dirigiu o Conservatório
Mineiro
de
Música”.
Fonte:
Site
PBH.
Disponível
em:
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=25459&chPlc=25459&te
rmos=história do teatro frnacisco Nunes. Acesso em: 15 Mar. 2011.
220
a do resto do país. Nessa direção, assume relevância a proposta de criação pelo governo
– com apoio do setor empresarial e participação dos artistas – de escritórios culturais
nas cidades polo do estado, que possam cumprir esse papel. Concomitantemente, é
preciso que o poder público crie mecanismos próprios de divulgação, a partir de
planejamento e projetos específicos que busquem alcançar o público por meio de
instrumentos de comunicação tanto físicos quanto virtuais: impressos (jornais, folders,
catálogos etc.), programas de rádio, vídeos, sites, blogs etc. Este material, ao lado de
recursos humanos capacitados, bem informados e articulados, será fundamental para o
funcionamento desses escritórios.
Também é preciso investir em divulgação na mídia tradicional e nas rádios
comunitárias, particularmente as do interior, aproveitando o seu potencial local. Do
ponto de vista da divulgação, o Fórum da Música pode desempenhar papel estratégico
essencial, criando, articulando e apoiando projetos que contribuam para a difusão da
produção de Belo Horizonte. As universidades locais devem ser estimuladas a
oferecerem cursos, workshops etc. que estimulem e contribuam para a formação de
críticos musicais.
Em relação ao governo estadual, faz-se necessária a construção de uma política de
divulgação dessa produção nas mídias estatais (Rede Minas de Televisão e Rádio
Inconfidência). Para alcançar tal objetivo, torna-se fundamental que os dirigentes dessas
instituições, particularmente os diretores artísticos, sejam escolhidos a partir de critérios
que levem em conta a formação e a qualificação para o desempenho no cargo. Propõese, ainda, verificar-se a possibilidade de se estabelecer uma parceria entre a Rádio
Inconfidência e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) para o intercâmbio de
programação com a Rádio MEC – empresa estatal educativo-cultural –, a exemplo do
que já ocorre entre a TV Minas e a TV Brasil (também pertencente à EBC). Esta veicula
programas da TV mineira e cede programas da sua grade para veiculação na
programação da emissora local. A rica produção atual e o grande acervo da Rádio
MEC178, voltados para a música de qualidade, popular e erudita, serão de grande
contribuição para qualificar a programação da Rádio Inconfidência.
178
“A MEC AM, voltada para a Música Popular Brasileira, apresenta programas variados que contemplam
também a música regional, a bossa-nova, o jazz e a música instrumental. [...] A MEC FM transmite
música de concerto em 90% de sua programação, com janelas de jazz, choro e música instrumental. [...]
Com uma história que se confunde com a própria história do país nos últimos 70 anos, a Rádio MEC
221
Instrumentos importantes para a difusão e a comercialização da produção musical são os
festivais – que além de lançarem novos artistas, possuem uma cadeia produtiva
completa –, os concursos e os prêmios. Assim, propõe-se a criação – pela FMC, em
parceria com o Fórum da Música – do Festival de Música de Belo Horizonte, na linha
dos recentes festivais independentes, sem caráter competitivo, mas sim de mostra da
produção local, com periodicidade bienal, e do Prêmio da Música de Belo Horizonte,
também bienal, cujos anos de realização seriam intercalados. No âmbito estadual, a
volta do circuito de festivais no interior seria oportunidade eficiente de intercâmbio da
produção das diferentes regiões, de fomento de plateias e de geração de trabalho e renda
para o segmento.
Tais iniciativas poderão constituir grandes vitrines para a música da capital,
colaborando para aumentar sua visibilidade nacional e internacional e constituindo,
ainda, atrativos turísticos específicos. Trabalhados intersetorialmente e de forma
integrada pelos governos municipal e estadual, estes atrativos poderão contribuir
efetivamente para a geração de trabalho e renda na capital muito além da cadeia
produtiva da música, alcançando setores como a rede de hotéis, a cadeia de bares e
restaurantes, o comércio em geral, entre outros.
Essas propostas são exemplos de ações que podem associar o desenvolvimento do
segmento musical às políticas de fomento do turismo local e estadual, agregando à
cadeia produtiva da música outro papel importante no processo de desenvolvimento
social – o de indutora do turismo da capital. Dialeticamente, o desenvolvimento do
turismo pode se transformar em condição importante para o SPIL da música de Belo
Horizonte, aumentado o mercado consumidor de seus produtos e contribuindo para a
difusão da sua produção fora dos limites da capital.
A capital mineira – hoje com boa hotelaria e aeroporto internacional – tornou-se um
portão de chegada e um centro distribuidor de turistas para os três principais circuitos
turísticos do estado: das cidades históricas, das estâncias hidrominerais e do ecoturismo.
A oferta planejada de atrações musicais pode contribuir para que a cidade – com
possui, hoje, um dos mais importantes acervos do rádio brasileiro, com quase 50 mil fitas de gravações e
programas
temáticos”.
Fonte:
Site
Rádio
MEC.
Disponível
em:
http://www.radiomec.com.br/70anos/intro.htm. Acesso em: 20 Mar. 2011.
222
pouquíssimas atrações turísticas – deixe de ser apenas uma rota de passagem para esses
turistas.
Faz-se importante ressaltar que Belo Horizonte possui uma população de 2.375.444
habitantes179, sendo a sexta cidade mais populosa do país. Além disso, a região
metropolitana na qual se insere eleva esse contingente populacional para cerca de cinco
milhões de habitantes180, o que amplia significativamente o raio de ação do seu
mercado, inclusive o da música. Se, desses cinco milhões, considerarmos, numa leitura
conservadora, que 50 ou 100 mil têm interesse em apreciar música, já se pode inferir a
existência do que os economistas chamam de densidade de mercado, isto é, que há na
própria região número suficiente de consumidores potenciais para sustentar o mercado
da música de Belo Horizonte, numa economia de escala.
Outro aspecto relevante a ser considerado é a direção da economia da capital para o
setor terciário – comércio, prestação de serviços e setores de tecnologia de ponta181 –,
principalmente, pela saturação do espaço físico e pelo adensamento do tecido urbano, o
que tem levado ao fortalecimento do turismo de negócios182 e de eventos (congressos,
convenções, feiras, exposições, eventos técnico-científicos etc.). Dessa forma, ganham
destaque as atividades culturais, em geral, e a música, em particular – intimamente
ligadas às estratégias atuais das empresas e instituições de divulgação de produtos e
fidelização dos clientes por meio de eventos. Desse ponto de vista, a música tem
grandes contribuições a oferecer, com o incremento na realização, por exemplo, de
feiras de negócios e seminários sobre o próprio segmento, aproveitando toda a expertise
e infraestrutura locais.
179
Fonte: IBGE. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766. Acesso em: 17
Mar. 2011.
180
Fonte:
IBGE.
Disponível
em:
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766. Acesso em: 17
Mar. 2011.
181
Alguns exemplos: a implantação do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BHTec), o Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento do Google para a América Latina e o Centro de Exposições Expominas.
182
Quando o indivíduo se desloca visando desenvolver empreendimentos com fins lucrativos, através de
reuniões de negócios, a fim de fechar acordos, comprar produtos ou serviços ou acertar outras questões
pontuais relacionadas à atividade de mercado. Envolve setores como transporte, hospedagem,
alimentação e lazer.
223
Como destaca Werkema, “o marketing do setor terciário é eventos. O evento é o novo
nome do marketing”. Além de se tornar cada vez mais comum a apresentação de
músicos nas solenidades de abertura e encerramento de congressos e convenções, tem
aumentado o número de empresas que utilizam os shows como peças importantes do
seu planejamento de marketing, representando crescente nicho de mercado para os
músicos. O fortalecimento do turismo de eventos, além de incrementar os níveis de
ocupação da rede hoteleira e do consumo dos serviços de bares, restaurantes e
transportes, como já acontece hoje, pode também contribuir para o fomento da produção
musical de Belo Horizonte.
Esta questão promete ganhar nova dimensão na capital mineira – uma das sedes da
Copa do Mundo de 2014 – com o lançamento de empreendimentos para atender à
demanda de hóspedes durante o Mundial. Segundo pesquisa do Fórum de Operadores
Hoteleiros do Brasil (FOHB)
183
, depois da Copa do Mundo, Belo Horizonte – cujo
número de hotéis saltará de 103 para pelo menos 133, podendo chegar a 144 unidades –
precisará atrair cerca de 20 mil turistas por semana, gerando uma média de 40 mil
diárias, para não ter prejuízos com quartos ociosos. Isto significa que a cidade precisará
incrementar o turismo de negócios e eventos, o que aumenta a perspectiva para a
produção musical local e a relevância da criação do SPIL da música.
Um aspecto importante, associado ao Mundial de futebol, é a possibilidade de
divulgação da cultura mineira, em especial da música, que será criada com a vinda de
milhares de turistas estrangeiros a Belo Horizonte. Trata-se de uma oportunidade ímpar,
que deverá ser aproveitada pelo segmento musical, o qual, para tanto, deve se preparar
com antecedência, estimulando e cobrando do poder público investimentos em projetos
nessa direção. Uma proposta é a criação de programação bilingue para TV, voltada para
a divulgação da produção musical da capital, para ser veiculada nos circuitos internos de
TV do Aeroporto de Confins e dos demais aeroportos internacionais do país. Ainda do
ponto de vista do turismo, a criação de projetos de música associados aos eventos do
circuito Estrada Real seria uma oportunidade de difundir a produção musical mineira e,
ao mesmo tempo, contribuir para a consolidação desta importante iniciativa turística.
183
Fonte: Site do FOHB. Projeção da taxa de ocupação nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo no Brasil.
Disponível em: http://www.asacom.com.br/hvs/FOHB_2010. Acesso em: 10 Fev. 2011.
224
Tais ações representam apenas uma das facetas que a economia da música de Belo
Horizonte pode adquirir. Como já analisado, é preciso ter sempre em perspectiva que o
impacto econômico da cultura em sua cadeia de fornecedores diretos e indiretos é maior
do que o gerado pelas demais atividades de serviços (comércio, transportes,
comunicações, etc.) – como apontam estudos da FJP (2003a) –, o que significa que os
gastos em cultura geram proporcionalmente mais emprego e renda que os realizados nas
outras atividades. Estes efeitos somente não são sentidos de forma significativa no
conjunto da economia devido ao reduzido tamanho econômico da cultura. A solução
natural, portanto, é o investimento cada vez maior na área.
A pesquisa mostrou que a construção de um sistema produtivo e inovativo local exige
articulação institucional envolvendo a sociedade civil e o governo e, também,
intencionalidade. A atual conjuntura cultural belo-horizontina indica que essa intenção
deve partir da própria sociedade civil, isto é, dos músicos, por meio de suas entidades
representativas. A partir daí, deve-se procurar a interação com os governos do estado e
do município, assim como com os demais atores importantes para o sistema, como os
empresários e as instituições de ensino e pesquisa.
Interações e articulações que contribuam para sustentar e fomentar o intenso trabalho
profissional e artístico dos músicos da capital. Para tanto, faz-se necessária a existência
de um mecanismo que possibilite a aproximação das partes, garantindo-lhes
reciprocidade no todo, de modo a dar sustentação a um processo social, econômico e
político capaz de catalisar essas energias e potencialidades, em prol do segmento da
música e do desenvolvimento local.
Nessa perspectiva, propõe-se, como primeiro passo institucional para a criação deste
SPIL, a constituição da Câmara Setorial da Música de Belo Horizonte, como uma
instância mediadora permanente, um espaço que contribua para qualificar a discussão de
estratégias e de políticas para o segmento mediante o estímulo à aproximação territorial
dos diferentes agentes locais. Esta instância deve ser constituída por representantes dos
músicos, da Prefeitura, do Governo do Estado, do Governo Federal, dos empresários e
das instituições de ensino e pesquisa da capital. Projeto detalhando esta proposta
encontra-se no APÊNDICE A.
225
REFERÊNCIAS
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Janeiro: Gênesis PUC-RIO, 2005. 524 p.
ALVES-MAZOTTI, Alda J.; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O Método nas
Ciências naturais e Sociais. São Paulo: Pioneira, 1998. P.147-189.
AMARAL FILHO, Jair do. Economias da Cultura e da Criatividade. Projeto de
Pesquisa Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais em Áreas Intensivas em
Cultura e Mobilizadoras do Desenvolvimento Social. Nota Técnica 02/2008. RedeSist.
Disponível
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http://www.redesist.ie.ufrj.br/nt_count.php?projeto=nt71&cod=2.
Acesso em: 16 Jan. 2011.
ÁVILLA, Vicente F. de. Realimentando discussão sobre teoria de Desenvolvimento
Local (DL). Interações. Campo Grande: Universidade Católica Dom Bosco, v. 8, n°.
13, set.
2006.
Disponível
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http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S151870122006000200014&script=sci_arttext. Acesso em: 18 Mar. 2009.
BARQUERO, Antonio V. Desenvolvimento Local: novas dinâmicas na acumulação e
regulação do capital. Ensaios FEE [Online], vol. 16, n° 1. Porto Alegre: 1995. P. 221241. Disponível em: http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/1752.
Acesso em: 02 Jul. 2009.
BELO HORIZONTE. Fundação Municipal de Cultura. Lei Municipal de Incentivo
Cultural.
Belo
Horizonte:
1993.
Disponível
em:
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxono
miaMenuPortal&app=fundacaocultura&tax=19816&lang=pt_BR&pg=5520&taxp=0&
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234
APÊNDICES
APÊNDICE A
PROJETO DE CRIAÇÃO DA CÂMARA SETORIAL DE MÚSICA DE BELO
HORIZONTE 184
1. Introdução
Belo Horizonte é considerada produtora de grandes marcas de inovação musical – como
o movimento Clube da Esquina, já consolidado –, resultado de um processo oriundo de
múltiplas fontes e de complexas interações entre seus atores, como apontam alguns
estudiosos do assunto, entre eles Martins (2009). Essa capacidade de inovação é
determinada por diferentes fatores sociais, políticos e econômicos, tais como: as
influências culturais distintas (barroca, da cultura negra, de migrantes do interior do
estado e de imigrantes, principalmente, italianos e espanhóis), que a criação musical
recebe; a diversidade de origem, de formação e das atividades dos músicos; a
reconhecida experiência, flexibilidade e capacidade de integração dos atores envolvidos
no processo; a existência de processos de aprendizagem tecnológica voltados à
inovação; a existência de diversos movimentos orientados para diferentes gêneros
musicais, o que gera uma música diversificada, rica, dotada de grande versatilidade.
Na raiz de toda essa riqueza estaria a própria formação da capital, que nasceu da união
de esforços de mineiros de todo o interior, gente de todas as partes do país e imigrantes
estrangeiros, em busca de empregos e melhores oportunidades de vida. Essa mistura,
segundo vários autores – entre os quais Werkema (2010) – teria sido o fator mais
importante para que a capital se tornasse uma síntese das manifestações culturais do
estado, refletindo toda a sua diversidade e criatividade. Essa característica de atrair o
interior se refleteria de forma ainda mais marcante no segmento musical. Como polo
econômico e cultural, a ela se dirigem os artistas que querem desenvolver uma carreira,
184
Projeto de intervenção social, parte integrante da dissertação Condições para a construção de um
Sistema Produtivo e Inovativo Local (SPIL) da Música a partir das potencialidades de Belo Horizonte,
apresentada ao Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário
UNA como requisito parcial à obtenção do título de Mestre, em 18 de Abril de 2011.
235
levando, além de influências musicais, suas referências históricas e culturais
particulares, de modo a torná-la uma caixa de ressonância da produção mineira.
Atualmente, não apenas os próprios atores do segmento musical de Belo Horizonte
reconhecem e se orgulham da qualidade da produção local, mas esta, quando difundida,
é valorizada de forma ampla e sistemática, alcançando sucesso em diferentes praças do
país e do exterior. A qualidade da música tem como uma de suas bases principais o
conhecimento implícito e incorporado por seus músicos, cuja produção apresenta forte
especificidade no que diz respeito à harmonia de suas melodias, passada adiante de
geração em geração e caracterizada como importante elemento de vantagem competitiva
da cadeia produtiva da música de Belo Horizonte.
Outro fator que destaca a capital mineira no cenário musical nacional é a elevada
participação de seus músicos no âmbito do emprego formal da cidade (23% acima da
média nacional, segundo cálculos efetuados a partir dos dados da RAIS/MTE)185. Isto
significa uma clara especialização de Belo Horizonte na atividade musical, muito além
da registrada em grandes capitais brasileiras tradicionais produtoras de música, que, ao
contrário, apresentam coeficiente de especialização inferior ao nacional: 29% menor no
Rio de Janeiro, 27% menor em São Paulo e 9% menor em Salvador.
Essa especialização e a produção efervescente, no entanto, não se refletem em um
mercado aquecido para o produto musical local, nem em políticas públicas de geração
de trabalho e renda para o músico, obrigado a conviver com um quadro permanente de
incertezas e instabilidade.
A pesquisa realizada para fins de conclusão do curso de mestrado apontou um quadro
com duas situações distintas a cerca das condições necessárias para a construção de um
Sistema Produtivo e Inovativo Local (SPIL) da Música na cidade de Belo Horizonte. De
um lado, essa produção musical diversificada, com vários traços de inovação, cuja
quantidade e qualidade justificam e, mais do que isso, são fatores estimulantes da
criação do SPIL proposto. Do outro lado, porém, os dados mostram a existência de
185
Fonte: Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em:
http://portal.mte.gov.br/rais/resultados-definitivos.htm. Acesso em: 12/06/2010.
236
algumas restrições que precisariam ser superadas por meio da criação das condições
necessárias para se chegar ao desenvolvimento de tal sistema.
A principal dificuldade encontra-se na falta de articulação entre o segmento dos músicos
e os demais atores da cadeia produtiva da música, fundamentais para alavancar esse
sistema. Por sua subjetividade, a arte, em geral, e a música, em particular, exigem
debates e articulações mais complexas, tornando esse processo – já difícil pelo seu
caráter sistêmico e inovativo – ainda mais desafiador.
Nesse sentido, faz-se necessária a existência de um mecanismo que possibilite a
articulação de todos os atores envolvidos na cadeia produtiva da música de Belo
Horizonte, garantindo-lhes reciprocidade no todo, de modo a dar sustentação a um
processo social, econômico e político capaz de catalisar essas energias e potencialidades
locais em prol do segmento, o que o transformaria em importante estratégia de
desenvolvimento local.
Assim, como primeira iniciativa institucional para a criação deste SPIL, propõe-se a
constituição da Câmara Setorial de Música de Belo Horizonte, como uma instância
mediadora permanente que possa qualificar a discussão de estratégias e de políticas para
o segmento, mediante o estímulo à aproximação territorial dos diferentes agentes locais.
Em 2004, o Governo Federal iniciou o processo de implantação de câmaras setoriais de
cultura – órgãos consultivos vinculados ao Conselho Nacional de Política Cultural
(CNPC)186 –, que têm por finalidade principal se constituírem em um canal organizado
de diálogo permanente entre os segmentos das artes e o Ministério da Cultura. Em 2005
foi criada a Câmara Setorial de Música, composta por entidades governamentais e
representantes do segmento de todo o país, a qual tem se credenciado como eficiente
fórum de discussão e articulação de questões relacionadas ao setor.
186
Reestruturado a partir do Decreto n° 5.520, de 24 de agosto de 2005, este órgão tem como finalidade
“propor a formulação de políticas públicas, com vistas a promover a articulação e o debate dos diferentes
níveis de governo e a sociedade civil organizada, para o desenvolvimento e o fomento das atividades
culturais no território nacional”. Fonte: MinC. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/cnpc. Acesso
em: 15 Fev. 2011.
237
Atualmente, a Prefeitura de Belo Horizonte passa pelo processo de qualificação para
aderir ao recém criado Plano Nacional de Cultura (PNC)187, importante e recente
conquista da sociedade brasileira, o qual tem como principal objetivo institucionalizar e
consolidar políticas públicas para a cultura, intensificando o planejamento de programas
e ações voltados para a área. Este Plano, criado por lei federal em dezembro de 2010,
prevê a implantação de um Sistema Nacional de Cultura (SNC) – cujo projeto de lei
encontra-se em fase final de tramitação no Congresso Nacional –, estabelecendo
mecanismos de gestão compartilhada entre os poderes públicos federal, estaduais e
municipais e a sociedade civil, incluindo sistemas setoriais de cultura.
Como um passo nessa direção, propõe-se que a Câmara Setorial de Música de Belo
Horizonte seja constituída nos mesmos moldes da câmara setorial federal188. De caráter
consultivo e composição paritária, ela deverá se constituir em espaço permanente de
diálogo
entre
artistas,
produtores,
pesquisadores,
gestores,
críticos,
investidores/empresários do segmento musical da capital mineira – por meio de suas
entidades representativas – e o governo.
A seguir, são apresentadas as principais características desta Câmara – proposta
inovadora de gestão do segmento da música de Belo Horizonte – no que diz respeito aos
seus objetivos, à sua constituição e às diretrizes e metas a serem alcançadas.
2. Câmara Setorial de Música de Belo Horizonte
2.1 Objetivos e finalidades
Promover reflexões sobre as dificuldades, as oportunidades e os desafios apresentados
em
cada
elo
da
cadeia
produtiva
da
música
–
formação,
criação,
187
Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/2010/12/03/plano-nacional-de-cultura-19. Acesso em:
10 Out. 2010.
188
Fonte: Sistematização das Propostas da Câmara Setorial de Música para o Plano Nacional de Cultura.
Disponível em: http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2007/10/sistematizacao-musicapnc.pdf. Acesso em: 30 Mar. 2011.
238
produção, distribuição, divulgação e consumo –, visando apontar caminhos para o seu
desenvolvimento, é o principal objetivo da Câmara Setorial de Música de Belo
Horizonte.
As discussões e proposições a serem feitas no espaço social desta Câmara deverão se
nortear por princípios e parâmetros que viabilizem suas finalidades de:
• incentivar e apoiar a formação artística do músico;
• valorizar a profissão do músico e o aprimoramento de suas condições de trabalho;
• reivindicar políticas públicas de formação de plateias de caráter permanente,
voltadas tanto para a sensibilização de crianças e jovens, nas escolas, quanto para
os adultos;
• pleitear a ampliação dos recursos financeiros municipal e estadual para a cultura e
a otimização de seu uso, além da diversificação das fontes de financiamento
(orçamento público, fundos públicos, renúncia fiscal e capital privado);
• valorizar a produção musical belo-horizontina em toda sua diversidade, por
meios que garantam a sua difusão, distribuição, comercialização e consumo;
• incentivar a execução pública e ao vivo da música belo-horizontina;
• concorrer para a democratização, descentralização, desoneração e fomento do
consumo da música produzida na capital mineira em sua diversidade.
2.2 Constituição
A Câmara Setorial de Música de Belo Horizonte é um conselho consultivo, constituído
por representantes de todos os elos da cadeia produtiva da capital mineira – escolhidos
democraticamente por seus pares. A sua composição baseia-se nos seguintes critérios: a)
paridade entre a representação da sociedade civil e do poder público; b) presença de
representantes de todos os conjuntos de atores envolvidos na cadeia produtiva da
música de Belo Horizonte. A Câmara será integrada por:
239
a) Entidades civis organizadas e representativas do segmento musical do
município: artistas (dois representantes), produtores (1), pesquisadores (1),
críticos (1), investidores/empresários (1);
b) Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte (4);
c) Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais (1);
d) Representação da Fundação Nacional de Artes (Funarte) em Belo Horizonte (1);
e) Instituições educacionais de formação de profissionais da cadeia produtiva da
música (dois representantes, sendo um de entidade da sociedade civil organizada
e um de instituição pública).
2.3 Diretrizes e Metas
O trabalho da Câmara Setorial de Música de Belo Horizonte deverá se pautar pelas
diretrizes e metas descritas a seguir:
QUADRO 05
Diretrizes e metas da Câmara Setorial de Música de Belo Horizonte
Dimensão simbólica da Cultura
Diretrizes
Metas
Desenvolver um programa de
incentivo à difusão da música belohorizontina em toda a sua
diversidade.
Criação de feiras e festivais de música que promovam intercâmbios entre a
capital, as cidades do interior de Minas Gerais e os demais estados brasileiros;
Criação de um festival e um prêmio da música da cidade de Belo Horizonte;
Criação de um calendário anual com os festivais de música que já são promovidos na cidade;
Inclusão de shows de músicos locais em apresentações de artistas estrangeiros na cidade.
Organizar acervos musicais, visando
a preservação do patrimônio musical
da cidade.
Mapeamento do patrimônio musical belo-horizontino;
Criação de um banco de fonogramas;
Cadastro das instituições públicas e privadas que trabalhem com acervos musicais.
240
Diretrizes
Dimensão econômica da Cultura
Metas
(continua)
Promover a redução da informalidade
nas relações de trabalho dos músicos.
Localização das situações em que houver supressão de direitos e atuação sobre as mesmas;
Criação de programas visnado estimular o crescimento do mercado de trabalho formal;
Contribuição com a discussão nacional sobre a criação de mecanismos e instrumentos
contratuais específicos que regulamentem e formalizem as relações de trabalho em
gravações fonográficas e novas mídias.
Estimular e promover a formação e a
capacitação profissional do produtor,
do músico e demais agentes da cadeia
produtiva da música de Belo
Horizonte, incluindo em sua formação
as novas tecnologias.
Criação de cursos de formação, capacitação e requalificação de agentes da cadeia produtiva
local, bem como de gestores públicos, por meio de convênios entre a Fundação Municipal
de Cultura, a Secretaria de Estado de Cultura e o Sistema “S” (SESC, SENAC, SEBRAE,
SESI, SENAI);
Abertura de linhas de financiamento e microcréditos para a promoção de cursos de formação
e capacitação para agentes da cadeia produtiva da música;
Promoção de convênios interinstitucionais e interdisciplinares entre as universidades públicas
locais para a criação de cursos da área técnico-artística.
Promover a redução da informalidade
nas relações de trabalho dos músicos.
Localização das situações em que houver supressão de direitos e atuação sobre as mesmas;
Criação de programas visnado estimular o crescimento do mercado de trabalho formal;
Contribuição com a discussão nacional sobre a criação de mecanismos e instrumentos
contratuais específicos que regulamentem e formalizem as relações de trabalho em
gravações fonográficas e novas mídias.
Estimular e promover a formação e a
capacitação profissional do produtor,
do músico e demais agentes da cadeia
produtiva da música de Belo
Horizonte, incluindo em sua formação
as novas tecnologias.
Criação de cursos de formação, capacitação e requalificação de agentes da cadeia produtiva
local, bem como de gestores públicos, por meio de convênios entre a Fundação Municipal
de Cultura, a Secretaria de Estado de Cultura e o Sistema “S” (SESC, SENAC, SEBRAE,
SESI, SENAI);
Abertura de linhas de financiamento e microcréditos para a promoção de cursos de formação
e capacitação para agentes da cadeia produtiva da música;
Promoção de convênios interinstitucionais e interdisciplinares entre as universidades públicas
locais para a criação de cursos da área técnico-artística.
Estimular o empreendedorismo por
meio da criação de redes, cooperativas,
ONGs e todas as manifestações de
associativismo por parte dos músicos e
demais agentes da cadeia produtiva da
música, no sentido de consolidar o
mercado de trabalho.
Criação de linhas de crédito para estas iniciativas;
Criação do Sistema Municipal de Informações e Indicadores Culturais;
Criação do Sistema Estadual de Informações e Indicadores Culturais;
Fomento e abertura de linhas de crédito para atividades dos músicos independentes e das
microempresas da cadeia produtiva local.
Desonerar
e
desburocratizar
a
produção, de modo a ampliar o
mercado de trabalho formal da música.
Distribuição dos produtos originários dos músicos independentes, facilitando o acesso a eles
por meio de redes e órgãos municipais e estaduais.
Incentivar a execução de música ao
vivo em locais de freqüência coletiva.
Criação de incentivos fiscais (estaduais e municipais) de estímulo à execução de música ao
vivo em bares, restaurantes e demais locais de frequência coletiva;
Criação de linhas de crédito para essas empresas se adaptarem à execução de música ao vivo,
dentro das exigências da Lei do Silêncio vigente na capital.
Difundir a música belo-horizontina no
interior do estado de Minas Gerais e a
música mineira nos demais estados
brasileiros e no exterior.
Criação de projetos de música associados aos eventos do circuito turístico Estrada Real;
Criação de escritórios de representação da música mineira nas cidades polo do estado, com o
objetivo de gerenciar as ações de difusão a serem implementadas. Entre as funções desses
escritórios estariam:
1- articular relações com agentes difusores locais, como radialistas, jornalistas e críticos de
música, a fim de implementar canais permanentes de apoio da imprensa regional;
2- realizar o mapeamento dos locais de apresentação de espetáculos;
3- elaborar um cadastro de contatos para produção e assessoria de imprensa a shows
realizados por empresas produtoras de espetáculos privadas mineiras, reunidos em banco de
dados controlado pela SEC e disponíveis para consulta pública;
241
Diretrizes
Dimensão econômica da Cultura
Metas
(continua)
4 - gerenciar a logística de todas as ações culturais musicais previstas pelos programas em
implementação da Secretaria Estadual de Cultura;
5 - incentivar a venda e a distribuição de produtos mineiros como CDs e DVDs;
6 - assistir e estimular a participação de empresas e artistas mineiros em festivais, feiras e
encontros fonográficos e musicais nessas regiões;
7 - implementar a distribuição de material bibliográfico e fonográfico, catálogos e livros sobre
música mineira, além de partituras orquestrais e songbooks, a bibliotecas, universidades e
demais polos culturais, a fim de instrumentalizar as instituições culturais locais para a
formação de agentes multiplicadores;
8 - manter informações atualizadas acerca de suas atividades e resultados alcançados, com
base nos referidos dados controlados pela SEC, como forma pública e transparente de
prestação de contas dos esforços de difusão empreendidos;
9 – difundir a diversidade da música mineira no interior de Minas, no Brasil e no exterior por
meio de editais públicos de seleção e da reformulação e institucionalização do programa
Música Minas, com promoção de ações junto a agentes multiplicadores locais para a formação
de público por meio de cursos e oficinas, entre outras atividades culturais integradas aos
espetáculos musicais;
10 - difundir, por meio de editais públicos de seleção, projetos e programas, a música erudita
mineira;
11 - desenvolver um website em várias línguas, especializado e permanentemente atualizado,
com ênfase na diversidade da chamada música popular e a da música de concerto mineira, de
forma a, respeitados os direitos autorais, prover o visitante de informações como pequenas
biografias de artistas com sua discografia, extratos de música em formato streamming áudio
(arquivo não copiável) para consulta, seção de lançamentos de CDs, agenda atualizada de
turnês estaduais, nacionais e internacionais dos artistas mineiros e seção de tradução de letras
de música;
12 - prever uma relação diferenciada com os programadores de rádio, para que, mediante
cadastramento possam ter acesso a uma seção de arquivos digitais promocionais para
divulgação em seus programas, de forma a incentivar a difusão espontânea neste setor,
respeitados os direitos autorais e conexos;
13 - disponibilizar um calendário turístico em ação coordenada de cooperação entre a
Secretaria Estadual de Cultura, a Secretaria Estadual de Turismo, a Fundação Municipal de
Cultura e a Belotur, com informações a respeito de festividades e atividades folclóricas em
diversos pontos do estado, de maneira a estimular o consumo da cultura mineira pelo turista;
14 - estimular a criação de cursos livres de capacitação de profissionais da área de produção e
gerenciamento de eventos musicais, orientando-os para a atuação no mercado estadual e
nacional, com o objetivo de qualificar os serviços.
Democratizar o acesso ao consumo
da música belo-horizontina e mineira
como um bem cultural.
Desenvolvimento de ações de treinamento e capacitação dos profissionais ligados ao comércio
do segmento da música para que possam compreender a sua importância, sua especificidade e
diversidade. Neste sentido poderiam ser feitos, por exemplo, convênios com SENAC,
SEBRAE entre outros, visando atender a demanda do mercado;
Fiscalização reforçada das contrapartidas dos projetos financiados por leis de incentivos fiscais;
Criação de fonotecas nas escolas e bibliotecas da rede pública de Belo Horizonte e do estado;
Incentivar a descentralização do
consumo da música contemplando a
sua diversidade.
Circulação e distribuição dos produtos musicais belo-horizontinos nos municípios mineiros;
Fomento do circuito de festivais e feiras de música que promovam a diversidade de gêneros,
estilos e tendências musicais a preços populares.
Desonerar a cadeia produtiva da
música por meio de incentivos e
aperfeiçoamento de seus processos,
para permitir o acesso irrestrito da
população aos diferentes produtos
musicais.
Estabelecimento de um convênio entre a SEC e a Empresa de Correio e Telégrafos, com o
objetivo de desenvolver a redução de tarifas dobre a circulação de remessa de produtos
fonográficos (DVDs, CDs, VHS, vinis etc.);
Fomentar as formas de distribuição dos insumos e produtos da cadeia criativa e produtiva, dos
produtores independentes, pequenos e microempresários, por meio da redução da carga
tributária estadual;
242
Diretrizes
Dimensão econômica da Cultura
Metas
(conclusão)
Amplo apoio à produção de espetáculos musicais, com a concessão de passagens aéreas,
traslados, hospedagens e alimentação, por meio de editais públicos voltados para músicos
independentes e pequenos produtores da cadeia da música, a partir do aperfeiçoamento e da
institucionalização do programa Música Minas.
Fomentar o consumo por meio da
valorização da música como cultura,
conhecimento e direito à cidadania.
Campanhas na rede particular e pública de ensino de 1° e 2° graus de estímulo ao consumo da
música mineira;
Por meio da FMC e da SEC, criação de espaços coletivos em feiras e festivais estaduais,
nacionais e internacionais, para abrigar a música belo-horizontina e mineira independente;
Incentivos aos lojistas e distribuidores que apóiam a produção independente e local.
Criação de audiotecas públicas virtuais com músicas e partituras, disponibilizadas em rede.
Fomentar a criação e ampliação de
acervos públicos de música nas
bibliotecas públicas, com finalidade
de difundir a música mineira.
Apoiar as iniciativas da sociedade
civil organizada na difusão da
diversidade musical belohorizontina.
Buscar meios que facilitem a utilização do espaço público para a realização das atividades
musicais de interesse público, entre outras iniciativas.
Cultura e Educação
Diretrizes
Metas
Acompanhar o cumprimento da
obrigatoriedade do ensino da música
em todas as escolas de Belo
Horizonte, a partir de agosto de
2011.
Criação de comissão integrada por professores, pedagogos e músicos para acompanhar a
implantação dessa disciplina nas escolas da rede municipal de ensino da capital, de modo a
garantir que se alcance o espírito da lei de desenvolver nos alunos sensibilidade, criatividade e
capacidades pessoais;
Incentivar a criação de um programa
municipal de formação musical.
Criação de programa de formação continuada para professores, especialmente os da educação
básica;
Criação de concursos para professores de música da rede municipal de ensino de BH;
Criação de banco de dados de formação musical, abrangendo: projetos e ações governamentais
e não governamentais; materiais didáticos; leis vigentes; projetos de leis em tramitação;
trabalhos científicos (teses, dissertações); instituições de ensino.
Desenvolver e implantar programas
de apreciação musical e formação de
plateias.
Implementação de políticas de formação de plateias de caráter permanente, voltadas tanto
para a sensibilização de crianças e jovens, nas escolas, quanto para os adultos, por meio
de projetos musicais didáticos de longa duração, que contribuam para maior informação
e formação do público, no sentido de estimulá-lo a buscar qualidade e a ficar mais atento
às inovações;
Oferta de projetos culturais – permanentes e variados – às comunidades das vilas e favelas,
que permitam às pessoas a assimilação das novas linguagens e gêneros e a criação do hábito
de consumo cultural.
243
Gestão pública da Cultura
Diretrizes
(continua)
Metas
Fomentar a execução pública de
música ao vivo, com o objetivo de
difundir a música mineira.
Execução de concertos de música erudita e popular.
Criar novos mecanismos – e
aprimorar os existentes – para o
controle e benefício pela sociedade
da utilização dos recursos públicos
direcionados à cultura em geral e à
música em particular.
Estabelecimento de contrapartida por parte dos projetos financiados por leis de incentivo fiscal à
cultura, onde não estiverem previstos. Por exemplo: ingressos gratuitos ou a preços populares, cotas
de doações de produtos a bibliotecas, museus e outros acervos públicos;
Aperfeiçoamento do acompanhamento on line dos projetos culturais inscritos nas leis de incentivo
fiscal à cultura, proporcionando total e irrestrito acesso desde o protocolo até a conclusão do processo;
Sites da FMC e da SEC com listagens permanentes dos projetos, principais dados e quadros estatísticos.
Acompanhar e monitorar o
desenvolvimento da economia da
música de Belo Horizonte.
Pesquisas sistemáticas a serem realizadas pela FMC para mapear o impacto do investimento na
cultura, visando o aperfeiçoamento constante das políticas públicas para o setor.
Propugnar pela redução progressiva
do uso dos mecanismos de
financiamento cultural estadual pelos
órgãos públicos vinculados à SEC,
sendo a redução proporcional ao
aumento de recursos fixados no
orçamento da SEC.
Consolidar e fomentar os
"circuitos de música" por meio da
ocupação e reaparelhamento dos
espaços culturais, garantindo a
produção musical independente e
regional, mercado de trabalho e
programação anual.
Adequação do Teatro Municipal Francisco Nunes para se transformar na Casa da Música de BH;
Programação dos equipamentos públicos federais de cultura instalados na cidade, de modo a
contemplar a produção local;
Participação da iniciativa privada, por meio de parcerias, no reaparelhamento e manutenção
dos equipamentos culturais públicos;
Mapeamento e documentação das festas e manifestações populares, projetos e programas voltados
para a música da cidade, disponibilizando-se à sociedade os resultados, sob forma de portal eletrônico
com acesso amplo e irrestrito;
Criação de circuitos de música, dando visibilidade e publicidade aos já existentes, estimulando
parcerias que possam gerar e consolidar novos circuitos.
Incentivar a utilização de sistemas de
rádio e TV para a veiculação de
programas de formação musical.
Incentivo para rádios e TVs privadas a ampliarem o repertório, inclusive local;
Ampliação da utilização da Rádio Inconfidência e da TV Minas para a veiculação de programas
musicais, bem como à diversificação do repertório, com ênfase na produção local;
Processo de Certificação – Selo Amigo da Música Mineira – para as emissoras locais de Rádio e TV
que veiculem na sua programação um percentual mínimo de produção musical mineira. Este Certificado
será conferido por uma Comissão de Certificação, em âmbito municipal, composta por agentes da
cadeia produtiva da música de BH. Criação de uma campanha municipal e estadual, a partir de parceria
entre a FMC e a SEC, para a mobilização da sociedade em torno deste processo de certificação. Criação
de incentivos, por meio de renúncia fiscal no âmbito Estadual, para que as empresas detentoras deste
Certificado adquiram novos equipamentos para modernização e ampliação de seu parque tecnológico
a preços mais acessíveis.
Contribuir para o aumento da difusão
da música mineira, por meio das
emissoras do Sistema Estadual de
Comunicação (Rádio Inconfidência e
TV Minas) e TVs e rádios das
entidades sem fins lucrativos, como
as da UFMG e da PUC Minas, as
rádios comunitárias etc.
Difusão do conteúdo artístico musical mineiro, pelas emissoras públicas de rádio e TV;
Aumento da divulgação da produção regional em nível nacional por meio do incremento do convênio
entre a TV Minas e a TV Brasil;
Convênio entre a Rádio Inconfidência e a Rádio MEC,visando o intercâmbio de programação.
Incentivar o surgimento de novos
canais de difusão da música mineira
na internet.
Criação de canais musicais nos sites da FMC e da SEC.
244
APÊNDICE B
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS
1) ROTEIRO DA ENTREVISTA COM OS MÚSICOS
I1.
2.
3.
4.
Identificação do entrevistado:
Nome completo
Formação/Escolaridade
Filiação ou ligação com associações ou similares.
Lugar que ocupa no cenário da produção cultural musical, especialmente com
relação a contribuições inovadoras.
5. Objetivos atualmente visados no campo cultural da música.
6. Preparativos para se colocar em condições de realização dos objetivos visados
considerando-se as seguintes contingências:
o Público visado.
o Pessoal qualificado.
o Concorrências.
o Parcerias e cooperações.
o Financiamentos.
o Apoios e promoções.
o Divulgação.
o Outras.
II- Quais condições fazem com que uma produção cultural musical seja
considerada na atualidade como inovadora:
1. Concepção do entrevistado sobre:
o Inovações com relação ao público.
o Inovações com relação às parcerias e cooperações.
o Inovações com relação aos financiamentos.
o Inovações com relação aos apoios e promoções.
o Inovações com relação ao processo de produção.
o Inovações com relação às infraestruturas (material e humana).
o Inovações com relação ao uso dos recursos.
o Inovações com relação às divulgações.
o Inovações com relação aos resultados.
o Inovações com relação às estratégias de comercialização.
o Inovações com relação à promoção de aprendizados.
2. Concepção do entrevistado sobre se tais condições têm caracterizado a produção
musical em Belo Horizonte:
o Inovações com relação ao público em BH (sim, não, em parte e
justificativas).
o Inovações com relação às parcerias e cooperações em BH (sim, não, em
parte e justificativas).
o Inovações com relação aos financiamentos em BH (sim, não, em parte e
justificativas).
245
o Inovações com relação aos apoios e promoções em BH (sim, não, em
parte e justificativas).
o Inovações com relação ao processo de produção em BH (sim, não, em
parte e justificativas).
o Inovações com relação às infraestruturas (materiais e humanas) em BH
(sim, não, em parte e justificativas).
o Inovações com relação ao uso dos recursos em BH (sim, não, em parte e
justificativas).
o Inovações com relação às divulgações em BH (sim, não, em parte e
justificativas).
o Inovações com relação aos resultados em BH (sim, não, em parte e
justificativas).
o Inovações com relação às estratégias de comercialização em BH (sim,
não, em parte e justificativas).
o Inovações com relação à promoção de aprendizados em BH (sim, não,
em parte e justificativas).
Condições já existentes em Belo Horizonte que podem intervir
favoravelmente ou desfavoravelmente na estruturação de um sistema
produtivo inovativo local (SPIL) da música:
1. Público existente ou com potencial para ser fomentado:
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
2. Mercados existentes ou com potenciais para serem criados:
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
3. Oportunidades de trabalho existentes:
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
4. Condições de trabalho existentes:
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
5. Infraestruturas materiais existentes:
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
6. Infraestruturas humanas existentes:
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
7. Condições de incentivos, apoios, promoções, parcerias e financiamentos:
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
8. Fatos ocorridos e em curso:
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
9. Valores, opiniões e referências vigentes:
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
10. Instituições existentes:
a. Favoravelmente
III-
246
b. Desfavoravelmente
11. Sistemas de informação existentes:
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
12. Acessos a informações existentes:
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
13. Políticas públicas existentes (nos 3 níveis: federal, estadual, municipal):
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
14. Práticas, relações e articulações profissionais existentes:
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
15. Clima cooperativo e associativo existente:
a. Favoravelmente
b. Desfavoravelmente
IV- Ordem das prioridades das condições que precisam existir visando à
elaboração de um plano de ação para a organização de um sistema
produtivo inovativo local (SPIL) da música em Belo Horizonte:
AÇÕES PRIORITÁRIAS
NUMERAR CONFORME A ORDEM
DE PRIORIDADE
Criação ou fomento de públicos
Criação ou fomento de mercados
Criação ou fomento de oportunidades de
trabalho
Criação ou fomento de condições de trabalho
Criação ou fomento de infraestruturas materiais
Criação ou fomento de infraestruturas humanas
Criação ou fomento de condições de incentivos,
apoios, promoções, parcerias e financiamentos
Criação ou fomento de fatos
Criação ou fomento de valores, opiniões e
referências
Criação ou fomento de instituições
Criação ou fomento de sistemas de informação
Criação ou fomento de acessos a informações
Criação ou fomento de políticas públicas
Criação ou fomento de práticas, relações e
articulações profissionais
Criação ou fomento de clima cooperativo e
associativo
247
2) ROTEIRO DA ENTREVISTA COM OS DEMAIS PARTICIPANTES
I. Identificação do entrevistado:
1. Nome completo
2. Formação/Escolaridade
3. Atuação profissional
4. Órgão/Empresa onde atua
5. Atividades que desenvolve
II. Considerações do entrevistado sobre o contexto musical de Belo Horizonte, no
que diz respeito a:
1. Quantidade (músicos, espetáculos, CDs, DVDs etc.)
2. Diversidade (programações, gêneros, públicos etc.)
3. Qualidade (músicos, espetáculos, CDs, DVDs etc.)
4. Inovação (conteúdo, formato, produção, distribuição, comercialização etc.)
5. Acessibilidade (aos locais, aos produtos, aos espetáculos, aos músicos etc.)
III. Condições já existentes em Belo Horizonte que podem intervir favoravelmente
ou desfavoravelmente na estruturação de um Sistema Produtivo e Inovativo Local
(SPIL) da música:
1. Condições econômicas existentes
• Favoráveis
• Desfavoráveis
2. Condições sociais existentes
• Favoráveis
• Desfavoráveis
3. Condições turísticas existentes
• Favoráveis
• Desfavoráveis
4. Condições ideológicas existentes (valores, opiniões e referências)
• Favoráveis
• Desfavoráveis
5. Condições institucionais existentes
• Favoráveis
• Desfavoráveis
6. Condições informacionais (sistemas de informação) existentes
• Favoráveis
• Desfavoráveis
7. Condições de suporte de políticas públicas existentes (nos 3 níveis: federal,
estadual, municipal)
• Favoráveis
• Desfavoráveis
IV. Ordem das prioridades das condições que precisam existir visando à
elaboração de um plano de ação para a organização de um sistema produtivo
inovativo local (SPIL) da música em Belo Horizonte:
248
AÇÕES PRIORITÁRIAS
NUMERAR CONFORME A ORDEM
DE PRIORIDADE
Criação ou fomento de públicos
Criação ou fomento de mercados
Criação ou fomento de oportunidades de
trabalho
Criação ou fomento de condições de trabalho
Criação ou fomento de infraestruturas materiais
Criação ou fomento de infraestruturas humanas
Criação ou fomento de condições de incentivos,
apoios, promoções, parcerias e financiamentos
Criação ou fomento de fatos
Criação ou fomento de valores, opiniões e
referências
Criação ou fomento de instituições
Criação ou fomento de sistemas de informação
Criação ou fomento de acessos a informações
Criação ou fomento de políticas públicas
Criação ou fomento de práticas, relações e
articulações profissionais
Criação ou fomento de clima e práticas
cooperativos e associativos
249
APÊNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
PESQUISA: Condições para a construção de um Sistema Produtivo e Inovativo Local (SPIL) da Música a partir
das potencialidades de Belo Horizonte.
As informações contidas nesta folha, fornecidas pela Profa. Dra. Lucília Regina de Souza Machado e Jane Maria
de Medeiros têm por objetivo firmar acordo escrito com o (a) voluntária(o) para participação da pesquisa acima
referida, autorizando sua participação com pleno conhecimento da natureza dos procedimentos a que ela(e) será
submetida(o).
Esclarecimentos ao participante:
1- Esta pesquisa pretende conhecer a situação atual da gestão social da música em Belo Horizonte, através de
entrevistas semi-estruturadas com 10 (dez) pessoas representativas do setor;
2- Sua participação é voluntária e você pode desistir no momento que desejar, sem risco de qualquer natureza;
2- O seu nome será mantido em anonimato, ou seja, não será revelado a ninguém;
3- Os conteúdos cedidos serão de uso exclusivo desta pesquisa;
4- Você não terá nenhum tipo de despesa e não receberá nenhuma gratificação pela participação nesta pesquisa;
5- Não há qualquer benefício direto pela sua participação, apenas o conhecimento da sua opinião sobre o tema.
6- Suas respostas serão usadas exclusivamente para os fins desta pesquisa;
7- Este termo de consentimento ficará sob a minha guarda até finalização da pesquisa e, logo depois, incinerado;
8- Você poderá entrar em contato com os pesquisadores a qualquer momento que lhe convier ou com o Comitê
de Ética em Pesquisa da UNA.
Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para permitir sua participação nesta
pesquisa. Portanto, preencha os itens que seguem
TERMO DE CONSENTIMENTO
Eu, _______________________________________________________________, após a leitura e compreensão
destas informações, concordo em participar da pesquisa Condições para a construção de um Sistema Produtivo e
Inovativo Local (SPIL) da Música a partir das potencialidades de Belo Horizonte, uma vez que fui devidamente
orientado(a) sobre a finalidade e objetivo do estudo, bem como da utilização dos dados exclusivamente para fins
acadêmicos e científicos e de que meu nome será mantido em sigilo. Confirmo que recebi cópia deste termo de
consentimento e autorizo a execução do trabalho de pesquisa e a divulgação dos dados obtidos neste estudo.
Assinatura do participante _________________________________________
Assinatura do pesquisador mestrando _________________________________
Jane Maria de Medeiros
Lucília Machado
Telefones: (31) 9952-7393 - (31) 3225-7393
Telefones: (31) 3508-9104 - (31) 3281-2909
Belo Horizonte, MG. ________/________/2011
CEP-HUMANOS - Centro Universitário UNA. Rua Guajajaras, 175, 4º. Andar, Centro, Belo Horizonte, MG. Tel: 3508-9110
250
APÊNDICE D
PARTICIPANTES DA PESQUISA
1. Cecília Regueira – Graduada em Arquitetura, é especialista em gestão do
Terceiro Setor e atual diretora executiva do Instituto Hartman Regueira.
2. Clarice de Assis Libânio – Mestre em Sociologia, é fundadora e atual diretora
executiva da ONG Favela é Isso Aí.
3. Clélio Campolina Diniz – Doutor em Economia e estudioso de economia
regional urbana e economia mineira, entre outros temas, é o atual reitor da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
4. Fernando Rocha Brant – Graduado em Direito, é compositor e atual presidente
da União Brasileira dos Compositores (UBC).
5. Geraldo Vianna Lacerda – Violonista, compositor, arranjador, produtor musical,
idealizador e coordenador do projeto Música de Minas.
6. Ivana Denise Parrela – Doutora em História, é professora da Escola de Ciência
da Informação da UFMG. Atual coordenadora geral do Museu Padre Toledo (da
Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade, pertencente à UFMG) e membro
do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC) – órgão colegiado
integrante da estrutura básica do Ministério da Cultura.
7. João Antônio de Paula – Doutor em História Econômica e atual Pró-Reitor de
Extensão da UFMG.
8. Jonas Henrique de Jesus Moreira (Mestre Jonas) – Graduado em Arte e
Educação, é compositor, instrumentista e produtor.
9. Lucas de Ávila Carvalho F. Mortimer – Graduado em Educação Física, é
produtor cultural e atual membro do núcleo coordenador do Coletivo Pegada,
assim como integrante do movimento independente Fora do Eixo.
10. Makely Oliveira Soares Gomes (Makely Ka) – Graduado em Filosofia, é
compositor, violonista, cantor e agitador cultural. É também um dos fundadores
e membro da direção do Fórum da Música de Minas Gerais.
11. Marcela de Queiroz Bertelli – Graduada em Ciências Sociais e Antropologia, é
especialista em Políticas Culturais e Gestão Cultural. Atualmente, é parecerista
do Ministério da Cultura (MinC) na área de Música e Humanidades e consultora
do SEBRAE.
251
12. Marcus Viana – Violinista, compositor e produtor musical. Criador e diretor do
Selo Sonhos e Sons.
13. Maria do Carmo Guerra Simões – Graduada em Música (Piano), é fundadora e
atual diretora da Karmim Promoções. (Participou da pesquisa no processo de
checagem por pares).
14. Mauro Guimarães Werkema – Graduado em Psicologia e Administração de
Empresas, é Jornalista e pesquisador, ex-presidente da Fundação Clóvis
Salgado, atual Assessor Técnico da Secretaria de Estado de Turismo de Minas
Gerais e diretor do Instituto Horizontes.
15. Rosemarie Pidner – Graduada em Administração de Empresas e em Música
(Violão e Percussão), é produtora cultural e atual presidente da Associação
Artística dos Músicos de Minas Gerais (AMMIG).
16. Tadeu Martins Soares – Graduado em Engenharia Química é produtor cultural e
atual diretor do Instituto Vale Mais – Instituto Sociocultural do Jequitinhonha.
17. Talles Pereira Lopes – Graduado em Ciências Sociais é produtor cultural e atual
presidente da Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin).
18. Tânia Mara Lopes Cançado – Graduada em Música (Piano), é ex-diretora da
Escola de Música da UFMG e idealizadora e atual diretora do Parque Escola
Cariúnas.
19. Thelmo Antônio Gonçalves de Miranda Lins – Graduado em Comunicação
Social (Jornalismo), é cantor, ator e produtor cultural. Atualmente, administra o
Teatro Santo Agostinho e dirige a TW Comunicação e Arte, empresa de gestão e
produção cultural.
252
ANEXOS
ANEXO A
SUBSTITUTIVO À PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO
Nº 416-A, DE 2005
Acrescenta o art. 216-A à Constituição
para instituir o Sistema Nacional de Cultura.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do
art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao Texto Constitucional:
Art. 1º. É acrescentado o art. 216-A a Constituição Federal, com a seguinte
redação:
"Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de
colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo
de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura,
democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da federação e a
sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento – humano,
social e econômico - com pleno exercício dos direitos culturais.
§ 1º - O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de
cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e
rege-se pelos seguintes princípios:
I - diversidade das expressões culturais;
II - universalização do acesso aos bens e serviços culturais;
III - fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens
culturais;
IV - cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados
atuantes na área cultural;
V - integração e interação na execução das políticas, programas, projetos e
ações desenvolvidas;
VI - complementaridade nos papéis dos agentes culturais;
VII - transversalidade das políticas culturais;
VIII - autonomia dos entes federados e das instituições da sociedade civil;
IX - transparência e compartilhamento das informações;
X - democratização dos processos decisórios com participação e controle
social;
XI - descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das
ações.
XII- ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos
para a cultura.
253
§ 2º Constitui a estrutura do Sistema Nacional de Cultura, nas respectivas
esferas da federação:
I- órgãos gestores da cultura;
II- conselhos de política cultural;
III- conferências de cultura;
IV- comissões intergestores;
V- planos de cultura;
VI- sistemas de financiamento à cultura;
VII- sistemas de informações e indicadores culturais;
VIII- programas de formação na área da cultura; e
IX- sistemas setoriais de cultura.
§ 3º - Lei federal disporá sobre a regulamentação do Sistema Nacional de
Cultura, bem como de sua articulação com os demais sistemas nacionais
ou políticas setoriais de governo.
§ 4º - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus
respectivos sistemas de cultura em leis próprias.
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação.
Sala da Comissão, em
de abril de 2010.
Deputado PAULO RUBEM SANTIAGO
Relator
254
ANEXO B
LEI Nº 12.343, DE 2 DE DEZEMBRO DE 2010. 189
Institui o Plano Nacional de Cultura – PNC, cria o
Sistema Nacional de Informações e Indicadores
Culturais – SNIIC e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono
a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1o Fica aprovado o Plano Nacional de Cultura, em conformidade com o § 3o do art. 215 da
Constituição Federal, constante do Anexo, com duração de 10 (dez) anos e regido pelos seguintes
princípios:
I - liberdade de expressão, criação e fruição;
II - diversidade cultural;
III - respeito aos direitos humanos;
IV - direito de todos à arte e à cultura;
V - direito à informação, à comunicação e à crítica cultural;
VI - direito à memória e às tradições;
VII - responsabilidade socioambiental;
VIII - valorização da cultura como vetor do desenvolvimento sustentável;
IX - democratização das instâncias de formulação das políticas culturais;
X - responsabilidade dos agentes públicos pela implementação das políticas culturais;
XI - colaboração entre agentes públicos e privados para o desenvolvimento da economia da
cultura;
XII - participação e controle social na formulação e acompanhamento das políticas culturais.
Art. 2o São objetivos do Plano Nacional de Cultura:
I - reconhecer e valorizar a diversidade cultural, étnica e regional brasileira;
II - proteger e promover o patrimônio histórico e artístico, material e imaterial;
189
Esta Lei possui um Anexo, que dispõe sobre as diretrizes, estratégias e ações do PNC. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12343.htm. Acesso em: 10/10/2010.
255
III - valorizar e difundir as criações artísticas e os bens culturais;
IV - promover o direito à memória por meio dos museus, arquivos e coleções;
V - universalizar o acesso à arte e à cultura;
VI - estimular a presença da arte e da cultura no ambiente educacional;
VII - estimular o pensamento crítico e reflexivo em torno dos valores simbólicos;
VIII - estimular a sustentabilidade socioambiental;
IX - desenvolver a economia da cultura, o mercado interno, o consumo cultural e a exportação de
bens, serviços e conteúdos culturais;
X - reconhecer os saberes, conhecimentos e expressões tradicionais e os direitos de seus
detentores;
XI - qualificar a gestão na área cultural nos setores público e privado;
XII - profissionalizar e especializar os agentes e gestores culturais;
XIII - descentralizar a implementação das políticas públicas de cultura;
XIV - consolidar processos de consulta e participação da sociedade na formulação das políticas
culturais;
XV - ampliar a presença e o intercâmbio da cultura brasileira no mundo contemporâneo;
XVI - articular e integrar sistemas de gestão cultural.
CAPÍTULO II
DAS ATRIBUIÇÕES DO PODER PÚBLICO
Art. 3o Compete ao poder público, nos termos desta Lei:
I - formular políticas públicas e programas que conduzam à efetivação dos objetivos, diretrizes e
metas do Plano;
II - garantir a avaliação e a mensuração do desempenho do Plano Nacional de Cultura e assegurar
sua efetivação pelos órgãos responsáveis;
III - fomentar a cultura de forma ampla, por meio da promoção e difusão, da realização de editais
e seleções públicas para o estímulo a projetos e processos culturais, da concessão de apoio financeiro e
fiscal aos agentes culturais, da adoção de subsídios econômicos, da implantação regulada de fundos
públicos e privados, entre outros incentivos, nos termos da lei;
IV - proteger e promover a diversidade cultural, a criação artística e suas manifestações e as
expressões culturais, individuais ou coletivas, de todos os grupos étnicos e suas derivações sociais,
reconhecendo a abrangência da noção de cultura em todo o território nacional e garantindo a
multiplicidade de seus valores e formações;
V - promover e estimular o acesso à produção e ao empreendimento cultural; a circulação e o
intercâmbio de bens, serviços e conteúdos culturais; e o contato e a fruição do público com a arte e a
cultura de forma universal;
256
VI - garantir a preservação do patrimônio cultural brasileiro, resguardando os bens de natureza
material e imaterial, os documentos históricos, acervos e coleções, as formações urbanas e rurais, as
línguas e cosmologias indígenas, os sítios arqueológicos pré-históricos e as obras de arte, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência aos valores, identidades, ações e memórias dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira;
VII - articular as políticas públicas de cultura e promover a organização de redes e consórcios para
a sua implantação, de forma integrada com as políticas públicas de educação, comunicação, ciência e
tecnologia, direitos humanos, meio ambiente, turismo, planejamento urbano e cidades, desenvolvimento
econômico e social, indústria e comércio, relações exteriores, dentre outras;
VIII - dinamizar as políticas de intercâmbio e a difusão da cultura brasileira no exterior,
promovendo bens culturais e criações artísticas brasileiras no ambiente internacional; dar suporte à
presença desses produtos nos mercados de interesse econômico e geopolítico do País;
IX - organizar instâncias consultivas e de participação da sociedade para contribuir na formulação
e debater estratégias de execução das políticas públicas de cultura;
X - regular o mercado interno, estimulando os produtos culturais brasileiros com o objetivo de
reduzir desigualdades sociais e regionais, profissionalizando os agentes culturais, formalizando o mercado
e qualificando as relações de trabalho na cultura, consolidando e ampliando os níveis de emprego e renda,
fortalecendo redes de colaboração, valorizando empreendimentos de economia solidária e controlando
abusos de poder econômico;
XI - coordenar o processo de elaboração de planos setoriais para as diferentes áreas artísticas,
respeitando seus desdobramentos e segmentações, e também para os demais campos de manifestação
simbólica identificados entre as diversas expressões culturais e que reivindiquem a sua estruturação
nacional;
XII - incentivar a adesão de organizações e instituições do setor privado e entidades da sociedade
civil às diretrizes e metas do Plano Nacional de Cultura por meio de ações próprias, parcerias,
participação em programas e integração ao Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais SNIIC.
§ 1o O Sistema Nacional de Cultura - SNC, criado por lei específica, será o principal articulador
federativo do PNC, estabelecendo mecanismos de gestão compartilhada entre os entes federados e a
sociedade civil.
§ 2o A vinculação dos Estados, Distrito Federal e Municípios às diretrizes e metas do Plano
Nacional de Cultura far-se-á por meio de termo de adesão voluntária, na forma do regulamento.
§ 3o Os entes da Federação que aderirem ao Plano Nacional de Cultura deverão elaborar os seus
planos decenais até 1 (um) ano após a assinatura do termo de adesão voluntária.
§ 4o O Poder Executivo federal, observados os limites orçamentários e operacionais, poderá
oferecer assistência técnica e financeira aos entes da federação que aderirem ao Plano, nos termos de
regulamento.
§ 5o Poderão colaborar com o Plano Nacional de Cultura, em caráter voluntário, outros entes,
públicos e privados, tais como empresas, organizações corporativas e sindicais, organizações da
sociedade civil, fundações, pessoas físicas e jurídicas que se mobilizem para a garantia dos princípios,
objetivos, diretrizes e metas do PNC, estabelecendo termos de adesão específicos.
§ 6o O Ministério da Cultura exercerá a função de coordenação executiva do Plano Nacional de
Cultura - PNC, conforme esta Lei, ficando responsável pela organização de suas instâncias, pelos termos
de adesão, pela implantação do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC, pelo
estabelecimento de metas, pelos regimentos e demais especificações necessárias à sua implantação.
257
CAPÍTULO III
DO FINANCIAMENTO
Art. 4o Os planos plurianuais, as leis de diretrizes orçamentárias e as leis orçamentárias da União
e dos entes da federação que aderirem às diretrizes e metas do Plano Nacional de Cultura disporão sobre
os recursos a serem destinados à execução das ações constantes do Anexo desta Lei.
Art. 5o O Fundo Nacional de Cultura, por meio de seus fundos setoriais, será o principal
mecanismo de fomento às políticas culturais.
Art. 6o A alocação de recursos públicos federais destinados às ações culturais nos Estados, no
Distrito Federal e nos Municípios deverá observar as diretrizes e metas estabelecidas nesta Lei.
Parágrafo único. Os recursos federais transferidos aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios deverão ser aplicados prioritariamente por meio de Fundo de Cultura, que será acompanhado
e fiscalizado por Conselho de Cultura, na forma do regulamento.
Art. 7o O Ministério da Cultura, na condição de coordenador executivo do Plano Nacional de
Cultura, deverá estimular a diversificação dos mecanismos de financiamento para a cultura de forma a
atender os objetivos desta Lei e elevar o total de recursos destinados ao setor para garantir o seu
cumprimento.
CAPÍTULO IV
DO SISTEMA DE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO
Art. 8o Compete ao Ministério da Cultura monitorar e avaliar periodicamente o alcance das
diretrizes e eficácia das metas do Plano Nacional de Cultura com base em indicadores nacionais,
regionais e locais que quantifiquem a oferta e a demanda por bens, serviços e conteúdos, os níveis de
trabalho, renda e acesso da cultura, de institucionalização e gestão cultural, de desenvolvimento
econômico-cultural e de implantação sustentável de equipamentos culturais.
Parágrafo único. O processo de monitoramento e avaliação do PNC contará com a participação
do Conselho Nacional de Política Cultural, tendo o apoio de especialistas, técnicos e agentes culturais, de
institutos de pesquisa, de universidades, de instituições culturais, de organizações e redes socioculturais,
além do apoio de outros órgãos colegiados de caráter consultivo, na forma do regulamento.
Art. 9o Fica criado o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC, com os
seguintes objetivos:
I - coletar, sistematizar e interpretar dados, fornecer metodologias e estabelecer parâmetros à
mensuração da atividade do campo cultural e das necessidades sociais por cultura, que permitam a
formulação, monitoramento, gestão e avaliação das políticas públicas de cultura e das políticas culturais
em geral, verificando e racionalizando a implementação do PNC e sua revisão nos prazos previstos;
II - disponibilizar estatísticas, indicadores e outras informações relevantes para a caracterização da
demanda e oferta de bens culturais, para a construção de modelos de economia e sustentabilidade da
cultura, para a adoção de mecanismos de indução e regulação da atividade econômica no campo cultural,
dando apoio aos gestores culturais públicos e privados;
III - exercer e facilitar o monitoramento e avaliação das políticas públicas de cultura e das
políticas culturais em geral, assegurando ao poder público e à sociedade civil o acompanhamento do
desempenho do PNC.
Art. 10. O Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC terá as seguintes
características:
258
I - obrigatoriedade da inserção e atualização permanente de dados pela União e pelos Estados,
Distrito Federal e Municípios que vierem a aderir ao Plano;
II - caráter declaratório;
III - processos informatizados de declaração, armazenamento e extração de dados;
IV - ampla publicidade e transparência para as informações declaradas e sistematizadas,
preferencialmente em meios digitais, atualizados tecnologicamente e disponíveis na rede mundial de
computadores.
§ 1o O declarante será responsável pela inserção de dados no programa de declaração e pela
veracidade das informações inseridas na base de dados.
§ 2o As informações coletadas serão processadas de forma sistêmica e objetiva e deverão integrar
o processo de monitoramento e avaliação do PNC.
§ 3o O Ministério da Cultura poderá promover parcerias e convênios com instituições
especializadas na área de economia da cultura, de pesquisas socioeconômicas e demográficas para a
constituição do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC.
CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 11. O Plano Nacional de Cultura será revisto periodicamente, tendo como objetivo a
atualização e o aperfeiçoamento de suas diretrizes e metas.
Parágrafo único. A primeira revisão do Plano será realizada após 4 (quatro) anos da promulgação
desta Lei, assegurada a participação do Conselho Nacional de Política Cultural - CNPC e de ampla
representação do poder público e da sociedade civil, na forma do regulamento.
Art. 12. O processo de revisão das diretrizes e estabelecimento de metas para o Plano Nacional de
Cultura - PNC será desenvolvido pelo Comitê Executivo do Plano Nacional de Cultura.
§ 1o O Comitê Executivo será composto por membros indicados pelo Congresso Nacional e pelo
Ministério da Cultura, tendo a participação de representantes do Conselho Nacional de Política Cultural CNPC, dos entes que aderirem ao Plano Nacional de Cultura - PNC e do setor cultural.
§ 2o As metas de desenvolvimento institucional e cultural para os 10 (dez) anos de vigência do
Plano serão fixadas pela coordenação executiva do Plano Nacional de Cultura - PNC a partir de subsídios
do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC e serão publicadas em 180 (cento e
oitenta) dias a partir da entrada em vigor desta Lei.
Art. 13. A União e os entes da federação que aderirem ao Plano deverão dar ampla publicidade e
transparência ao seu conteúdo, bem como à realização de suas diretrizes e metas, estimulando a
transparência e o controle social em sua implementação.
Art. 14. A Conferência Nacional de Cultura e as conferências setoriais serão realizadas pelo
Poder Executivo federal, enquanto os entes que aderirem ao PNC ficarão responsáveis pela realização de
conferências no âmbito de suas competências para o debate de estratégias e o estabelecimento da
cooperação entre os agentes públicos e a sociedade civil para a implementação do Plano Nacional de
Cultura - PNC.
Parágrafo único. Fica sob responsabilidade do Ministério da Cultura a realização da Conferência
Nacional de Cultura e de conferências setoriais, cabendo aos demais entes federados a realização de
259
conferências estaduais e municipais para debater estratégias e estabelecer a cooperação entre os agentes
públicos e da sociedade civil para a implantação do PNC e dos demais planos.
Art. 15. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 2 de dezembro de 2010; 189o da Independência e 122o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Guido Mantega
João Luiz Silva Ferreira
260
ANEXO C
CARTA DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA (CEP)
Belo Horizonte, 31 de março de 2011.
Ao
Pesquisador principal do projeto abaixo identificado
Título/Projeto: Condições para a construção de um sistema produtivo e inovativo
(SPIL) da música a partir das potencialidades de Belo Horizonte.
Orientador/ Profª: Lucília Regina de Souza Machado
Após análise do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), em 01 Dezembro de
2011, informamos que o mesmo foi:
( X ) aprovado ( ) aprovado com sugestões ( ) aprovado com restrições ( )
reprovado.
Lembramos ao pesquisador principal que o mesmo deverá encaminhar um relatório
parcial ou ao final da pesquisa até o dia (01 de Junho de 2011).
O CEP deseja aos pesquisadores sucesso em sua trajetória de pesquisa!
Atenciosamente,
Profª. Elaine Linhares de Assis Guerra
Coordenadora do CEP
Centro Universitário UNA
261
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