Estudo caso-controle de indicadores de abandono em doentes com tuberculose ARTIGO ORIGINAL Estudo caso-controle de indicadores de abandono em doentes com tuberculose* S ANDRA A. R IBEIRO 1 , V ERÔNICA M. A MADO 2, A QUILES A. C AMELIER 2 , M ARCIA M.A. F ERNANDES 3 , S IMONE S CHENKMAN 4 O abandono do tratamento da tuberculose tem implicações sociais e epidemiológicas. Objetivos: Comparar características de pacientes que abandonaram o tratamento com os que não o abandonaram (controle), matriculados no CS-EPM/Unifesp, no período de 1995 a 1997, e verificar se os grupos educativos de sala de espera diminuíram a ocorrência dos abandonos. Método: Foi realizado estudo retrospectivo controlado com 100 pacientes (38 abandonos pareados para 62 controles) matriculados para tratamento de tuberculose, em que se verificaram as variáveis mais relacionadas ao abandono. Destes, 60 pacientes participaram voluntariamente de grupos educativos (16 abandonos e 44 controles). Resultados: As variáveis mais relacionadas ao abandono foram: sexo masculino, tabagismo, alcoolismo, uso de drogas, presença de fatores de risco para HIV e internação prévia. Os que participaram voluntariamente dos grupos educativos de sala de espera tinham características semelhantes ao total de pacientes estudados, mas houve menor ocorrência de abandono durante o tratamento (p < 0,05). Conclusão: Os autores concluem que, tendo-se amplamente disponíveis os meios para diagnóstico e seguimento dos pacientes com tuberculose, todos os esforços possíveis deverão estar concentrados para evitar o abandono, sobretudo nos pacientes de risco, que deverão ter à sua disposição grupos educativos sobre a doença. (J Pneumol 2000;26(6):291-296) A case-control study about indicators of non-compliance in patients with tuberculosis Non-compliance of tuberculosis treatment has social and epidemiological implications. Purpose: To compare characteristics of patients that were compliant (control group) and non-compliant with the treatment at the Health Care Center at the Federal University of São Paulo, Brazil, between 1995 and 1997, and to verify if patients who had joined in educational classes on tuberculosis had enhanced chances to a positive outcome after expiration of the six months of treatment. Method: The authors conducted a retrospective and controlled study with 100 patients (38 non-compliant and 62 compliant) registered for tuberculosis treatment in order to verify the variables related to non-compliance. Sixty patients (16 non-compliant and 44 compliant) had educational classes. Results: The risk factors most related to non-compliance were: male sex, cigarette smoking, alcohol and drug abuse, risk factors for HIV , and previous hospitalization. Patients who had attended educational classes had the same characteristics as all patients, but they had lower frequency of non-compliance (p < 0.05). Conclusion: The authors conclude that, if they had adequate access to means of diagnosis and follow-up for the treatment of tuberculosis, all extra efforts should be concentrated on avoiding non-compliance, mainly in patients with risk factors, as mentioned above. The patients at risk of non-compliance should have educational classes about their disease. * Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). 1 . Professora Adjunta da Disciplina de Medicina Preventiva Clínica do Departamento de Medicina Preventiva. 2 . Médico Residente (R3) da Disciplina de Pneumologia do Departamento de Medicina. 3 . Enfermeira do Centro de Saúde Escola Paulista de Medicina/Unifesp. J Pneumol 26(6) – nov-dez de 2000 4 . Professora Visitante da Disciplina de Epidemiologia do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp. Endereço para correspondência – Profa. Dra. Sandra Aparecida Ribeiro, Rua Pedro de Toledo, 675 – 04023-062 – São Paulo, SP. Tels.: (11) 571-6934 e 570-4206; fax: (11) 549-5159; E-mail: [email protected] Recebido para publicação em 3/3/00. Reapresentado em 11/ 5/00. Aprovado, após revisão, em 13/9/00. 291 Ribeiro S.A., Amado V.M., Camelier A.A., Fernandes M.M.A., Schenkman S. Descritores – Prevalência. Grupos diagnósticos homogêneos. Key words – Prevalence. Diagnosis-related groups. Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho IEPP – Intervenção educativa preventiva primária INTRODUÇÃO ção dos sistemas de saúde, novos fatores sociais, como o aumento de indivíduos com sorologia positiva para HIV e usuários de drogas ilícitas, poderiam estar também contribuindo para o aumento do abandono(9,8,15-17). Este trabalho tem como objetivo comparar características de pacientes que abandonaram o tratamento da tuberculose em relação aos que o completaram no período de seis meses no Centro de Saúde Escola Paulista de Medicina/Unifesp (São Paulo, Capital) e de verificar se a participação dos pacientes no grupo de educação em tuberculose diminuiu o abandono. A tuberculose continua sendo uma importante causa de morbimortalidade em todo o mundo, apesar do tratamento. As implicações sociais e epidemiológicas do descontrole dessa doença são de grande relevância para o nosso meio e a não adesão ao tratamento, com variações peculiares de cada região, porém com valores inaceitáveis em muitos locais do Brasil, constitui importante causa de insucesso terapêutico e desenvolvimento de cepas resistentes (1,2). Assim, tendo-se em vista que o tratamento da tuberculose é longo (mínimo de seis meses) e que o paciente se sente melhor logo nos primeiros meses, diversos fatores podem influenciar o abandono(3). Tais fatores podem ser relacionados ao serviço de saúde, ao médico e ao doente. Assim, a disponibilidade de fornecimento de medicação gratuita para o tratamento, bom nível de organização com consultas regulares previamente agendadas e controle de pacientes faltosos, a possibilidade de realização de visitas domiciliares, a correta informação da doença e tempo de tratamento juntamente com a identificação do paciente com o médico e a equipe de saúde, a proximidade dos postos de saúde que tratam tuberculose da residência do paciente devem ser garantidos pelo sistema de saúde(4,5). Com relação ao paciente, fatores de ordem socioculturais podem atrapalhar o tratamento, como o estigma da tuberculose, analfabetismo, a não aceitação da doença e o fato de considerar-se curado antes da cura efetiva, o não apoio de familiares no tratamento e até o desconhecimento destes com relação à enfermidade do familiar(6), impossibilidade de faltar ao emprego para comparecer às consultas, impossibilidade de pagar meios de transporte para comparecer às consultas(7), impossibilidade de comparecer às consultas no horário de agendamento, ausência de residência fixa, frustrações por não sentir melhora com o tratamento associadas ou não a idéias mágicas sobre a doença, complexos de autodestruição, má-alimentação, intolerância medicamentosa, alcoolismo, presença de outras doenças concomitantes ou uso de drogas ilícitas(8-10). Sabe-se que a informação adequada do paciente e seus familiares acerca de sua doença e a identificação destes com a equipe que trata tuberculose reduzem muito a probabilidade de abandono de tratamento(6,11-15). No Brasil, a taxa de abandono de tratamento é alta e situa-se em 17%, porém em muitas regiões atinge níveis ainda mais elevados; na Grande São Paulo, a taxa é de cerca de 20%. Nos últimos anos, além da desestrutura- 292 C ASUÍSTICA E M ÉTODO Foi realizado um estudo retrospectivo controlado abrangendo todos os pacientes que abandonaram o tratamento para tuberculose (N = 38), no período de 1995 a 1997, no Centro de Saúde Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, confrontando-os com 62 pacientes que concluíram o tratamento no mesmo período (grupo controle). Foram considerados casos de abandono aqueles que ficaram mais de 30 dias sem tomar medicação contra tuberculose. Os casos do grupo controle foram escolhidos aleatoriamente por sorteio dentre todos os que concluíram o tratamento e obtiveram alta no tempo previsto. Foram excluídos pacientes com menos de 15 anos de idade, porque eram poucos casos, nem sempre com diagnóstico comprovado por baciloscopia, cultura e/ou biópsia, e a correta administração do medicamento poderia estar relacionada à supervisão dos pais ou responsáveis e, desta forma, o abandono não se correlacionaria diretamente com as características do paciente. Os dados foram obtidos através da pesquisa de prontuários, utilizando-se um questionário padronizado em que se anotavam as seguintes variáveis: sexo, idade, profissão, residência, internação prévia, tabagismo, alcoolismo, uso de drogas ilícitas, fatores de risco para HIV, peso, intolerância à medicação, forma de apresentação da tuberculose, necessidade de convocação e participação no grupo educativo de sala de espera dirigido para tuberculosos. Alguns prontuários apresentavam deficiências no preenchimento dos dados e, por este motivo, em alguns dos parâmetros estudados observa-se um número de pacientes menor que o do grupo total; no entanto, esta limitação ocorreu poucas vezes, pois trabalhamos com uma ficha padronizada para a primeira consulta, cujo preenchimento foi sistematicamente conferido por um dos responsáveis pelo atendimento do dia. J Pneumol 26(6) – nov-dez de 2000 Estudo caso-controle de indicadores de abandono em doentes com tuberculose Consideramos como fumante todo paciente que fuma fixo para morar com a adesão ao tratamento para tuberpelo menos um cigarro por dia há mais de um ano e culose. Do total dos pacientes, 21% encontravam-se dealcoólatra aquele que referia beber excessivamente (pelo sempregados no início do tratamento. menos meia garrafa de aguardente por dia ou equivalenQuando perguntados sobre internação prévia, 9,8% do te), com frequência, há anos. total dos pacientes estiveram internados para diagnóstico O grupo de educação consistia em uma reunião de e/ou tratamento inicial da tuberculose; o grupo internaparticipação voluntária e que incluía todos os pacientes do abandonou mais o tratamento em relação ao grupo agendados para consulta naquele dia, dirigido pela enferque o concluiu (p = 0,006). meira e/ou visitadora sanitária, antes da consulta médiAntecedentes de alcoolismo foram relatados por 36%, ca, onde os pacientes expunham e esclareciam dúvidas tabagismo por 67% e uso de drogas ilícitas por 15% do quanto à doença e tratamento, ressaltando-se a importotal dos pacientes. Os alcoólatras, tabagistas e usuários tância do uso correto dos medicamentos e da boa adesão de drogas abandonaram o tratamento da tuberculose com ao tratamento, juntamente com a assistência aos comumaior freqüência (p = 0,008; p = 0,009 e p = 0,002, nicantes. Os acompanhantes também participavam da respectivamente). Dentre os usuários de drogas, foi refereunião. Como as reuniões em grupo eram realizadas na rido o uso de maconha em 33%, cocaína inalatória em sala de espera, todos os pacientes presentes no horário 29%, cocaína intravenosa em 17% e crack em 11% dos participavam delas. casos; metade dos pacientes relatava associação destas Foi utilizado o teste do qui-quadrado para comparação drogas. Não houve diferença significante para abandono estatística dos grupos e adotado o nível de significância de acordo com o tipo de droga utilizada, mas 87% dos de 5%. Quando as tabelas de dupla entrada (2 x 2) contiusuários de drogas ilícitas abandonaram o tratamento (p nham freqüência esperada menor que 5 e simultanea= 0,002 – Tabela 1). mente N < 30, foi utilizada a prova exata de Fisher. Com No interrogatório sobre antecedentes pessoais, 15% relação à verificação da associação entre as variáveis, bem do total dos pacientes relataram fator de risco para HIV. como ao estudo da interação e confusão entre as mesDestes, 73% abandonaram o tratamento (p = 0,037). mas, foram escolhidas duas variáveis de exposição – o Analisando-se os dados clínicos, não houve diferença sexo masculino e o fumo – em relação ao efeito (o abanestatisticamente significante entre os grupos controle e dono do tratamento da tuberculose). As demais variáveis abandono quanto à localização da tuberculose, peso na foram consideradas como co-variáveis: alcoolismo e fator primeira consulta, presença de intolerância medicamende risco para HIV (para todas as situações), além de fumo tosa durante o tratamento e presença de sorologia positie uso de drogas quando a variável de exposição era o va para HIV (Tabela 2). sexo masculino (estas foram selecionadas por apresentarem significância). O critério utilizado TABELA 1 para verificar a confusão foi uma diferença suCaracterísticas demográficas e epidemiológicas da população estudada perior a 10% do valor da OR (odds ratio) bruta Controle (n = 62) Abandono (n = 38) p para mais ou para menos, no valor da OR ponderada (de Mantel-Haenszel). Com relação à ve35,1 38,8 NS (Anos) Idade rificação de interações, estas foram sugeridas 31 (48,1%) 26 (68,0%) 0,071 M quando as OR dos estratos estudados variavam Sexo 31 (51,9%) 12 (32,0%) F em sentido oposto, quando a referência era a 57 (92,3%) 32 (84,0%) 0,0138 > 50kg Peso OR ponderada. R E S U LT A D O S Do total de pacientes, 58% eram do sexo masculino e 42% do feminino. Verificamos que os pacientes do sexo masculino abandonaram mais o tratamento que os do sexo feminino (Tabela 1, p = 0,042). A média de idade do grupo abandono foi de 39,0 anos e do grupo controle de 35,5 anos, diferença esta que não foi estatisticamente significante (Tabela 1). A maioria dos pacientes (96%) relatou ter local fixo de residência e não houve diferença estatisticamente significante entre ter ou não local J Pneumol 26(6) – nov-dez de 2000 < 50kg 05 (7,7%) 06 (16,0%) Moradia fixa Sim Não 60 (98,1%) 02 (1,9%) 36 (94,0%) 02 (6,0%) 0,614 Tabagismo Sim Não 34 (53,9%) 27 (46,1%) 31 (78,0%) 06 (22,0%) 0,004 Alcoolismo Sim Não 16 (23,1%) 45 (76,9%) 19 (50,0%) 18 (50,0%) 0,012 Drogas Sim Não 02 (3,8%) 59 (96,2%) 11 (26,0%) 26 (74,0%) 0,000 Risco/HIV Sim Não 05 (7,7%) 57 (92,3%) 09 (22,0%) 28 (78,0%) 0,025 HIV (+) Sim Não 02 (5,7%) 33 (94,3%) 03 (16,7%) 18 (83,3%) 0,267 293 Ribeiro S.A., Amado V.M., Camelier A.A., Fernandes M.M.A., Schenkman S. O número de abandonos teve distribuição homogênea (%) ao longo do período de tratamento (Figura 1). Todos os 30 28 casos de abandono foram convocados pelo correio, tele25 fone e/ou visita domiciliar num prazo máximo de uma 21 20 18 18 semana para 80% dos pacientes. Em 28% dos casos foi 15 feita apenas uma convocação, em 28% duas convoca15 ções e em 44% três ou mais convocações. Conseguiu-se, 10 assim, localizar 85% dos pacientes; apenas 54% destes 5 retornaram para tratamento. Dos que retornaram, metade concluiu o tratamento e outra metade o abandonou 0 novamente. 1 2 3 4 5 Um total de 60 pacientes participou do grupo de sala Figura 1– Distribuição do percentual de abandono segundo o mês de espera, sendo 44 pacientes do grupo controle e 16 do completo de tratamento para tuberculose (CS-EPM) grupo abandono. Freqüentaram apenas uma reunião 56% dos pacientes, duas reuniões 23% e TABELA 2 três reuniões 17% dos pacientes. Não Dados evolutivos da população estudada houve diferença estatisticamente sigp Controle (n = 62) Abandono (n = 38) nificante entre o total dos pacientes estudados e que freqüentaram os gru0,004 02 (1,9%) 08 (21,0%) Sim pos educativos de sala de espera para Internação prévia 60 (98,1%) 30 (79,0%) Não as variáveis sexo, profissão, interna0,003 44 (71,0%) 16 (42,1%) Sim ção prévia, tabagismo, alcoolismo, uso Grupo educativo 18 (29,0%) 22 (57,9%) Não de drogas, fatores de risco para HIV , 0,535 34 (54,8%) 22 (57,9%) Pb sorologia para HIV positiva, peso ou Forma de Tb 11 (17,7%) 09 (23,7%) Pñb intolerância a drogas, garantindo a 17 (27,4%) 07 (18,4%) Ep comparabilidade entre os dois grupos. 0,543 21 (34,4%) 15 (40,5%) Intolerância medicamentosa Sim Os 60 pacientes que participaram 40 (65,5%) 22 (59,5%) N ã o dos grupos educativos de sala de espera, embora tenham tido menor Pb – Pulmonar bacífera Pñb – Pulmonar não bacífera Ep – Extrapulmonar ocorrência de abandonos em relação TABELA 3 ao grupo de pacientes que não partiDados dos pacientes (n = 60) que freqüentaram os grupos cipou (p < 0,05), tiveram as variáveis educativos de sala de espera (comparação entre os grupos) sexo masculino, história de internação Controle (n = 44) Abandono (n = 16) p prévia e uso de drogas ilícitas contribuindo de forma significante para o 12 (75,0%) 21 (47,7%) 0,060 M abandono, enquanto a presença de Sexo 23 (52,3%) 04 (25,0%) F fatores de risco para HIV , sorologia 2 (4,5%) 05 (31,3%) 0,004 Sim positiva para HIV, baixo peso e intole- Internação prévia 42 (95,5%) 11 (68,7%) Não rância medicamentosa não contribuí24 (55,8%) 13 (86,7%) 0,032 Sim ram para o abandono. Houve tendên- Tabagismo 19 (44,2%) 02 (13,3%) Não cia de os tabagistas, alcoólatras e por12 (27,9%) 0,383 06 (40,0%) Sim tadores de fatores de risco para HIV Alcoolismo 31 (72,1%) 09 (60,0%) Não abandonarem mais o tratamento, 2 (4,7%) 0,003 05 (33,1%) Sim mesmo participando dos grupos edu- Drogas 41 (95,3%) 10 (66,7%) Não cativos de sala de espera (Tabela 3). 4 (9,1%) 0,259 03 (20,0%) Sim Quando o fumo foi selecionado Risco/HIV 40 (90,0%) 12 (80,0%) Não como variável de exposição para aban1 (4,0%) 0,969 01 (11,1%) Sim dono de tratamento da tuberculose em HIV(+) realizado 24 (96,0%) 08 (88,9%) Não relação a fator de risco para HIV, veri2 (4,5%) 0,789 01 (6,3%) <50kg ficamos que não houve associação Peso 42 (95,5%) 15 (93,7%) >50kg entre estas variáveis, pois a diferença 16 (36,4%) 0,340 08 (50,0%) entre a OR bruta e a OR ajustada foi Intolerância medicamentosa Sim 28 (63,6%) 08 (50,0%) Não inferior a 10%. Todavia, o alcoolismo 294 J Pneumol 26(6) – nov-dez de 2000 Estudo caso-controle de indicadores de abandono em doentes com tuberculose pode ser uma variável que leva à confusão entre o fumo e o abandono de tratamento (Tabela 4), visto que a OR bruta, ao ser ajustada, diminui em mais de 10% (a OR bruta estava superestimada). Quando sexo masculino foi selecionado como variável de exposição para abandono do tratamento da tuberculose em relação a fatores de risco para HIV, fumo, alcoolismo e uso de drogas, verificamos que alcoolismo e principalmente uso de drogas foram fatores de confusão e interação com sexo masculino, pois, além de exibirem diferenças importantes (superiores a 10%) entre a OR bruta e a ajustada, apresentaram também OR dos estratos com valores opostos (em sentido) à OR ajustada. No caso do uso de drogas, a OR chega a 10,0 e no alcoolismo a 3,50, enquanto o fumo foi fator de confusão, por apresentar ligeiro decréscimo na OR ajustada, conforme a Tabela 4. de álcool, dentre os quais havia maior tendência a abandonar o tratamento da tuberculose. A identificação dos pacientes com maior risco para abandono do tratamento da tuberculose justifica uma abordagem cuidadosa, a ser definida conforme as condições próprias de cada local, com o objetivo final de evitar a mortalidade e o sofrimento individual pela doença, reduzir as fontes de infecção para a comunidade, aumentar a efetividade do tratamento e diminuir a resistência adquirida. No nosso trabalho, estiveram significantemente associados ao abandono: sexo masculino, fumo, alcoolismo, uso de drogas ilícitas, presença de fatores de risco para HIV e história de internação prévia. Os pacientes internados para diagnóstico de tuberculose antes do encaminhamento para tratamento em unidades básicas de saúde geralmente apresentam doença de maior gravidade e/ou procura tardia da assistência médica, associada ou não à DISCUSSÃO presença de sorologia positiva para HIV. Na Grande São O estudo apresenta alguns aspectos passíveis de crítiPaulo, alguns desses casos são importados de outros Esca, pois é retrospectivo. Porém, o grupo de pacientes tados com menor possibilidade de diagnosticar tuberculoque completou o tratamento para tuberculose (controle) se, além deste fato lamentavelmente expressar incapacie o grupo que o abandonou foram estudados na mesma dade das redes básicas em absorver a enorme demanda época. Além disso, esta é a forma mais comum de estude indivíduos sintomáticos respiratórios, definindo seu darmos eventos relacionados ao desfecho final de paciencorreto diagnóstico e iniciando o tratamento mais precotes com tuberculose. cemente. Além disso, alguns autores registraram que os O cuidado com o preenchimento dos prontuários, com pacientes que apresentam maior tempo de doença e maior fichas previamente padronizadas e conferidas pelo resgravidade da tuberculose têm menor adesão ao tratamenponsável pelo atendimento do dia, nos auxiliou no levanto, justificando a permanência de doentes crônicos no tamento das variáveis que pretendíamos estudar. sistema (2). Apesar disso, é comum nos depararmos com informaComo demonstrado neste trabalho, os grupos educatições incorretas ou duvidosas, principalmente com refevos de sala de espera foram úteis e, por si sós, melhorarência a hábitos e fatores de risco. Comumente, os param a adesão ao tratamento. No entanto, mesmo nos cientes tendem a negar ou amenizar a quantidade de cipacientes que freqüentaram grupos educativos, os fatogarros, álcool ou drogas consumidos. Os pacientes que res de risco para abandono foram os mesmos descritos bebiam excessivamente provavelmente incluíam alcoólapara o total de pacientes analisados. Sem dúvida, a identras verdadeiros, isto é, pacientes realmente dependentes tificação dos pacientes com a equipe de profissionais ligada ao seu tratamento, as orientações formais ou informais que podem ser realizaTABELA 4 Valor das odds ratio para abandono de tratamento quando das em outros momentos que fumo ou sexo masculino são as variáveis de exposição não os de consulta médica, mudam muito a postura do Variável Co-variável OR bruta IC 95% OR M-H OR1 OR2 paciente frente ao seu tratamento e não utilizam recurFumo Fator de risco para HIV 3,04 1,26 – 7,31 3,28 2,33 2,46 sos financeiros extras (TabeFumo Alcoolismo 3,04 1,26 – 7,31 2,47 2,22 2,56 la 3). Sexo masculino Fumo 2,16 0,97 – 4,83 1,93 1,77 2,33 Na literatura, a falta de adeSexo masculino Alcoolismo 2,16 0,97 – 4,83 1,52 3,50 1,22 são ao tratamento, mesmo Sexo masculino Fator de risco para HIV 2,16 0,97 – 4,83 2,00 3,00 1,94 com regimes supervisionaSexo masculino Uso de drogas 2,16 0,97 – 4,83 1,80 10,00 1,64 dos, tem sido verificada prinOR bruta – OR entre a variável de exposição (fumo ou sexo masculino) e efeito (abandono) OR M-H – OR de Mantel-Haenszel, ajuste de OR bruta a partir de uma terceira variável (co-variável) cipalmente em pacientes alOR1 – OR do estrato 1: OR de associação exposição-efeito quando da presença da co-variável em questão coólatras e sem residência OR 2 – OR do estrato 2: OR da associação exposição-efeito quando da ausência da co-variável em questão IC 95% – Intervalo de confiança de 95% fixa (1,18) . Assim, pacientes J Pneumol 26(6) – nov-dez de 2000 295 Ribeiro S.A., Amado V.M., Camelier A.A., Fernandes M.M.A., Schenkman S. com essas características devem ser submetidos a rigoroso controle de faltosos, trabalhos educativos e tratamento supervisionado diário, sempre que possível, ou supervisionado adaptado. Os pacientes devem ser estimulados a largar o fumo, educados para melhorar sua saúde e deve-se oferecer tratamento concomitante para alcoolismo e drogadição. Esses fatores, por terem demonstrado efeito sinérgico, sugerem que a intervenção determinaria grande impacto em evitar o abandono (Tabela 4). A experiência do tratamento com DOT (directly observed therapy), nas publicações do CDC /Estados Unidos, mostrou grande melhora no controle da tuberculose(19,20). Em Nova York, com a implementação de DOTs, após três anos de programa conseguiu-se reduzir em 35% a incidência de casos novos de tuberculose e em 75% a incidência de casos resistentes à isoniazida e rifampicina(20). No entanto, a implantação de DOTs é cara e requer pessoal treinado, adequada motivação do paciente, equipes de visita domiciliar e assistência social, tratamento conjunto da drogadição quando presente e terapia ocupacional, dentre outras(20,21). As adaptações da estratégia DOTs deverão ser viabilizadas em nível local. Até 1996, menos de 10% dos pacientes com tuberculose em todo o mundo estavam sendo tratados com DOTs, muito pouco para evitar o recrudescimento da epidemia. A adequada implementação de DOTs necessita de infra-estrutura mínima, a saber: aceitação política do programa, disponibilidade ampla de diagnóstico bacteriológico, fornecimento regular de drogas e adequado sistema de informações para controle do tratamento. No Brasil, esquemas supervisionados de tratamento ainda não foram adequadamente avaliados em estudos controlados, quanto às taxas de cura e diminuição de abandono. Frente à escassez de recursos da rede básica e/ou impossibilidade de comparecimento do paciente à unidade, modelos escalonados que incluíssem grupos educativos de sala de espera, associando-se tratamento supervisionado diário ou tratamento supervisionado duas vezes por semana com apadrinhamento e visitas domiciliares, devem ser testados, sobretudo, nos pacientes que apresentam maior risco para abandono. REFERÊNCIAS 3 . Burman WJ, Cohn DL, Rietmeijer CA, Judson FN, Sbarbaro JA, Reves RR. Short-term incarceration for the management of noncompliance with tuberculosis treatment. Chest 1997;112:57-62. 4 . Wallace Fox. Compliance of patients and physicians: experience and lessons from tuberculosis – I. Br Med J 1993;287:33-35. 5 . Wallace Fox. Compliance of patients and physicians: experience and lessons from tuberculosis – II. Br Med J 1993;287:101-105. 6 . Deheinzelin D, Takagaki TY, Sartori AMC, Leite OHM, Amato Neto V, Carvalho CRR. 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