Estudo caso-controle de indicadores de abandono em doentes com

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Estudo
caso-controle
de indicadores de abandono em doentes com tuberculose
ARTIGO
ORIGINAL
Estudo caso-controle de indicadores de
abandono em doentes com tuberculose*
S ANDRA A. R IBEIRO 1 , V ERÔNICA M. A MADO 2, A QUILES A. C AMELIER 2 ,
M ARCIA M.A. F ERNANDES 3 , S IMONE S CHENKMAN 4
O abandono do tratamento da tuberculose tem implicações sociais e epidemiológicas. Objetivos:
Comparar características de pacientes que abandonaram o tratamento com os que não o
abandonaram (controle), matriculados no CS-EPM/Unifesp, no período de 1995 a 1997, e verificar
se os grupos educativos de sala de espera diminuíram a ocorrência dos abandonos. Método: Foi
realizado estudo retrospectivo controlado com 100 pacientes (38 abandonos pareados para 62
controles) matriculados para tratamento de tuberculose, em que se verificaram as variáveis mais
relacionadas ao abandono. Destes, 60 pacientes participaram voluntariamente de grupos educativos
(16 abandonos e 44 controles). Resultados: As variáveis mais relacionadas ao abandono foram: sexo
masculino, tabagismo, alcoolismo, uso de drogas, presença de fatores de risco para HIV e internação
prévia. Os que participaram voluntariamente dos grupos educativos de sala de espera tinham
características semelhantes ao total de pacientes estudados, mas houve menor ocorrência de
abandono durante o tratamento (p < 0,05). Conclusão: Os autores concluem que, tendo-se
amplamente disponíveis os meios para diagnóstico e seguimento dos pacientes com tuberculose, todos
os esforços possíveis deverão estar concentrados para evitar o abandono, sobretudo nos pacientes de
risco, que deverão ter à sua disposição grupos educativos sobre a doença.
(J Pneumol 2000;26(6):291-296)
A case-control study about indicators of
non-compliance in patients with tuberculosis
Non-compliance of tuberculosis treatment has social and epidemiological implications. Purpose:
To compare characteristics of patients that were compliant (control group) and non-compliant
with the treatment at the Health Care Center at the Federal University of São Paulo, Brazil,
between 1995 and 1997, and to verify if patients who had joined in educational classes on
tuberculosis had enhanced chances to a positive outcome after expiration of the six months of
treatment. Method: The authors conducted a retrospective and controlled study with 100
patients (38 non-compliant and 62 compliant) registered for tuberculosis treatment in order to
verify the variables related to non-compliance. Sixty patients (16 non-compliant and 44
compliant) had educational classes. Results: The risk factors most related to non-compliance
were: male sex, cigarette smoking, alcohol and drug abuse, risk factors for HIV , and previous
hospitalization. Patients who had attended educational classes had the same characteristics as all
patients, but they had lower frequency of non-compliance (p < 0.05). Conclusion: The authors
conclude that, if they had adequate access to means of diagnosis and follow-up for the treatment
of tuberculosis, all extra efforts should be concentrated on avoiding non-compliance, mainly in
patients with risk factors, as mentioned above. The patients at risk of non-compliance should
have educational classes about their disease.
*
Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
1 . Professora Adjunta da Disciplina de Medicina Preventiva Clínica do
Departamento de Medicina Preventiva.
2 . Médico Residente (R3) da Disciplina de Pneumologia do Departamento de Medicina.
3 . Enfermeira do Centro de Saúde Escola Paulista de Medicina/Unifesp.
J Pneumol 26(6) – nov-dez de 2000
4 . Professora Visitante da Disciplina de Epidemiologia do Departamento
de Medicina Preventiva da Unifesp.
Endereço para correspondência – Profa. Dra. Sandra Aparecida Ribeiro, Rua Pedro de Toledo, 675 – 04023-062 – São Paulo, SP. Tels.:
(11) 571-6934 e 570-4206; fax: (11) 549-5159; E-mail:
[email protected]
Recebido para publicação em 3/3/00. Reapresentado em 11/
5/00. Aprovado, após revisão, em 13/9/00.
291
Ribeiro S.A., Amado V.M., Camelier A.A., Fernandes M.M.A., Schenkman S.
Descritores – Prevalência. Grupos diagnósticos homogêneos.
Key words – Prevalence. Diagnosis-related groups.
Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho
IEPP – Intervenção educativa preventiva primária
INTRODUÇÃO
ção dos sistemas de saúde, novos fatores sociais, como o
aumento de indivíduos com sorologia positiva para HIV e
usuários de drogas ilícitas, poderiam estar também contribuindo para o aumento do abandono(9,8,15-17).
Este trabalho tem como objetivo comparar características de pacientes que abandonaram o tratamento da tuberculose em relação aos que o completaram no período
de seis meses no Centro de Saúde Escola Paulista de
Medicina/Unifesp (São Paulo, Capital) e de verificar se a
participação dos pacientes no grupo de educação em tuberculose diminuiu o abandono.
A tuberculose continua sendo uma importante causa
de morbimortalidade em todo o mundo, apesar do tratamento. As implicações sociais e epidemiológicas do descontrole dessa doença são de grande relevância para o
nosso meio e a não adesão ao tratamento, com variações
peculiares de cada região, porém com valores inaceitáveis em muitos locais do Brasil, constitui importante causa de insucesso terapêutico e desenvolvimento de cepas
resistentes (1,2).
Assim, tendo-se em vista que o tratamento da tuberculose é longo (mínimo de seis meses) e que o paciente se
sente melhor logo nos primeiros meses, diversos fatores
podem influenciar o abandono(3). Tais fatores podem ser
relacionados ao serviço de saúde, ao médico e ao doente.
Assim, a disponibilidade de fornecimento de medicação
gratuita para o tratamento, bom nível de organização com
consultas regulares previamente agendadas e controle de
pacientes faltosos, a possibilidade de realização de visitas
domiciliares, a correta informação da doença e tempo de
tratamento juntamente com a identificação do paciente
com o médico e a equipe de saúde, a proximidade dos
postos de saúde que tratam tuberculose da residência do
paciente devem ser garantidos pelo sistema de saúde(4,5).
Com relação ao paciente, fatores de ordem socioculturais podem atrapalhar o tratamento, como o estigma da
tuberculose, analfabetismo, a não aceitação da doença e
o fato de considerar-se curado antes da cura efetiva, o
não apoio de familiares no tratamento e até o desconhecimento destes com relação à enfermidade do familiar(6),
impossibilidade de faltar ao emprego para comparecer às
consultas, impossibilidade de pagar meios de transporte
para comparecer às consultas(7), impossibilidade de comparecer às consultas no horário de agendamento, ausência de residência fixa, frustrações por não sentir melhora
com o tratamento associadas ou não a idéias mágicas
sobre a doença, complexos de autodestruição, má-alimentação, intolerância medicamentosa, alcoolismo, presença de outras doenças concomitantes ou uso de drogas
ilícitas(8-10).
Sabe-se que a informação adequada do paciente e seus
familiares acerca de sua doença e a identificação destes
com a equipe que trata tuberculose reduzem muito a probabilidade de abandono de tratamento(6,11-15).
No Brasil, a taxa de abandono de tratamento é alta e
situa-se em 17%, porém em muitas regiões atinge níveis
ainda mais elevados; na Grande São Paulo, a taxa é de
cerca de 20%. Nos últimos anos, além da desestrutura-
292
C ASUÍSTICA
E
M ÉTODO
Foi realizado um estudo retrospectivo controlado abrangendo todos os pacientes que abandonaram o tratamento para tuberculose (N = 38), no período de 1995 a 1997,
no Centro de Saúde Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, confrontando-os com 62
pacientes que concluíram o tratamento no mesmo período (grupo controle). Foram considerados casos de abandono aqueles que ficaram mais de 30 dias sem tomar
medicação contra tuberculose. Os casos do grupo controle foram escolhidos aleatoriamente por sorteio dentre
todos os que concluíram o tratamento e obtiveram alta
no tempo previsto. Foram excluídos pacientes com menos de 15 anos de idade, porque eram poucos casos,
nem sempre com diagnóstico comprovado por baciloscopia, cultura e/ou biópsia, e a correta administração do
medicamento poderia estar relacionada à supervisão dos
pais ou responsáveis e, desta forma, o abandono não se
correlacionaria diretamente com as características do paciente.
Os dados foram obtidos através da pesquisa de prontuários, utilizando-se um questionário padronizado em que
se anotavam as seguintes variáveis: sexo, idade, profissão, residência, internação prévia, tabagismo, alcoolismo, uso de drogas ilícitas, fatores de risco para HIV, peso,
intolerância à medicação, forma de apresentação da tuberculose, necessidade de convocação e participação no
grupo educativo de sala de espera dirigido para tuberculosos. Alguns prontuários apresentavam deficiências no
preenchimento dos dados e, por este motivo, em alguns
dos parâmetros estudados observa-se um número de pacientes menor que o do grupo total; no entanto, esta limitação ocorreu poucas vezes, pois trabalhamos com uma
ficha padronizada para a primeira consulta, cujo preenchimento foi sistematicamente conferido por um dos responsáveis pelo atendimento do dia.
J Pneumol 26(6) – nov-dez de 2000
Estudo caso-controle de indicadores de abandono em doentes com tuberculose
Consideramos como fumante todo paciente que fuma
fixo para morar com a adesão ao tratamento para tuberpelo menos um cigarro por dia há mais de um ano e
culose. Do total dos pacientes, 21% encontravam-se dealcoólatra aquele que referia beber excessivamente (pelo
sempregados no início do tratamento.
menos meia garrafa de aguardente por dia ou equivalenQuando perguntados sobre internação prévia, 9,8% do
te), com frequência, há anos.
total dos pacientes estiveram internados para diagnóstico
O grupo de educação consistia em uma reunião de
e/ou tratamento inicial da tuberculose; o grupo internaparticipação voluntária e que incluía todos os pacientes
do abandonou mais o tratamento em relação ao grupo
agendados para consulta naquele dia, dirigido pela enferque o concluiu (p = 0,006).
meira e/ou visitadora sanitária, antes da consulta médiAntecedentes de alcoolismo foram relatados por 36%,
ca, onde os pacientes expunham e esclareciam dúvidas
tabagismo por 67% e uso de drogas ilícitas por 15% do
quanto à doença e tratamento, ressaltando-se a importotal dos pacientes. Os alcoólatras, tabagistas e usuários
tância do uso correto dos medicamentos e da boa adesão
de drogas abandonaram o tratamento da tuberculose com
ao tratamento, juntamente com a assistência aos comumaior freqüência (p = 0,008; p = 0,009 e p = 0,002,
nicantes. Os acompanhantes também participavam da
respectivamente). Dentre os usuários de drogas, foi refereunião. Como as reuniões em grupo eram realizadas na
rido o uso de maconha em 33%, cocaína inalatória em
sala de espera, todos os pacientes presentes no horário
29%, cocaína intravenosa em 17% e crack em 11% dos
participavam delas.
casos; metade dos pacientes relatava associação destas
Foi utilizado o teste do qui-quadrado para comparação
drogas. Não houve diferença significante para abandono
estatística dos grupos e adotado o nível de significância
de acordo com o tipo de droga utilizada, mas 87% dos
de 5%. Quando as tabelas de dupla entrada (2 x 2) contiusuários de drogas ilícitas abandonaram o tratamento (p
nham freqüência esperada menor que 5 e simultanea= 0,002 – Tabela 1).
mente N < 30, foi utilizada a prova exata de Fisher. Com
No interrogatório sobre antecedentes pessoais, 15%
relação à verificação da associação entre as variáveis, bem
do total dos pacientes relataram fator de risco para HIV.
como ao estudo da interação e confusão entre as mesDestes, 73% abandonaram o tratamento (p = 0,037).
mas, foram escolhidas duas variáveis de exposição – o
Analisando-se os dados clínicos, não houve diferença
sexo masculino e o fumo – em relação ao efeito (o abanestatisticamente significante entre os grupos controle e
dono do tratamento da tuberculose). As demais variáveis
abandono quanto à localização da tuberculose, peso na
foram consideradas como co-variáveis: alcoolismo e fator
primeira consulta, presença de intolerância medicamende risco para HIV (para todas as situações), além de fumo
tosa durante o tratamento e presença de sorologia positie uso de drogas quando a variável de exposição era o
va para HIV (Tabela 2).
sexo masculino (estas foram selecionadas por
apresentarem significância). O critério utilizado
TABELA 1
para verificar a confusão foi uma diferença suCaracterísticas demográficas e epidemiológicas da população estudada
perior a 10% do valor da OR (odds ratio) bruta
Controle (n = 62) Abandono (n = 38)
p
para mais ou para menos, no valor da OR ponderada (de Mantel-Haenszel). Com relação à ve35,1
38,8
NS
(Anos)
Idade
rificação de interações, estas foram sugeridas
31
(48,1%)
26
(68,0%)
0,071
M
quando as OR dos estratos estudados variavam Sexo
31 (51,9%)
12 (32,0%)
F
em sentido oposto, quando a referência era a
57
(92,3%)
32 (84,0%)
0,0138
> 50kg
Peso
OR ponderada.
R E S U LT A D O S
Do total de pacientes, 58% eram do sexo masculino e 42% do feminino. Verificamos que os
pacientes do sexo masculino abandonaram mais
o tratamento que os do sexo feminino (Tabela
1, p = 0,042). A média de idade do grupo abandono foi de 39,0 anos e do grupo controle de
35,5 anos, diferença esta que não foi estatisticamente significante (Tabela 1).
A maioria dos pacientes (96%) relatou ter local fixo de residência e não houve diferença estatisticamente significante entre ter ou não local
J Pneumol 26(6) – nov-dez de 2000
< 50kg
05 (7,7%)
06 (16,0%)
Moradia fixa
Sim
Não
60 (98,1%)
02 (1,9%)
36 (94,0%)
02 (6,0%)
0,614
Tabagismo
Sim
Não
34 (53,9%)
27 (46,1%)
31 (78,0%)
06 (22,0%)
0,004
Alcoolismo
Sim
Não
16 (23,1%)
45 (76,9%)
19 (50,0%)
18 (50,0%)
0,012
Drogas
Sim
Não
02 (3,8%)
59 (96,2%)
11 (26,0%)
26 (74,0%)
0,000
Risco/HIV
Sim
Não
05 (7,7%)
57 (92,3%)
09 (22,0%)
28 (78,0%)
0,025
HIV (+)
Sim
Não
02 (5,7%)
33 (94,3%)
03 (16,7%)
18 (83,3%)
0,267
293
Ribeiro S.A., Amado V.M., Camelier A.A., Fernandes M.M.A., Schenkman S.
O número de abandonos teve distribuição homogênea
(%)
ao longo do período de tratamento (Figura 1). Todos os
30
28
casos de abandono foram convocados pelo correio, tele25
fone e/ou visita domiciliar num prazo máximo de uma
21
20
18
18
semana para 80% dos pacientes. Em 28% dos casos foi
15
feita apenas uma convocação, em 28% duas convoca15
ções e em 44% três ou mais convocações. Conseguiu-se,
10
assim, localizar 85% dos pacientes; apenas 54% destes
5
retornaram para tratamento. Dos que retornaram, metade concluiu o tratamento e outra metade o abandonou
0
novamente.
1
2
3
4
5
Um total de 60 pacientes participou do grupo de sala
Figura 1– Distribuição do percentual de abandono segundo o mês
de espera, sendo 44 pacientes do grupo controle e 16 do
completo de tratamento para tuberculose (CS-EPM)
grupo abandono. Freqüentaram apenas uma reunião 56%
dos pacientes, duas reuniões 23% e
TABELA 2
três reuniões 17% dos pacientes. Não
Dados evolutivos da população estudada
houve diferença estatisticamente sigp
Controle (n = 62) Abandono (n = 38)
nificante entre o total dos pacientes
estudados e que freqüentaram os gru0,004
02 (1,9%)
08 (21,0%)
Sim
pos educativos de sala de espera para Internação prévia
60 (98,1%)
30 (79,0%)
Não
as variáveis sexo, profissão, interna0,003
44 (71,0%)
16 (42,1%)
Sim
ção prévia, tabagismo, alcoolismo, uso Grupo educativo
18 (29,0%)
22 (57,9%)
Não
de drogas, fatores de risco para HIV ,
0,535
34 (54,8%)
22 (57,9%)
Pb
sorologia para HIV positiva, peso ou Forma de Tb
11 (17,7%)
09 (23,7%)
Pñb
intolerância a drogas, garantindo a
17 (27,4%)
07 (18,4%)
Ep
comparabilidade entre os dois grupos.
0,543
21 (34,4%)
15 (40,5%)
Intolerância medicamentosa Sim
Os 60 pacientes que participaram
40 (65,5%)
22 (59,5%)
N
ã
o
dos grupos educativos de sala de espera, embora tenham tido menor Pb – Pulmonar bacífera Pñb – Pulmonar não bacífera Ep – Extrapulmonar
ocorrência de abandonos em relação
TABELA 3
ao grupo de pacientes que não partiDados dos pacientes (n = 60) que freqüentaram os grupos
cipou (p < 0,05), tiveram as variáveis
educativos de sala de espera (comparação entre os grupos)
sexo masculino, história de internação
Controle (n = 44) Abandono (n = 16)
p
prévia e uso de drogas ilícitas contribuindo de forma significante para o
12 (75,0%)
21 (47,7%)
0,060
M
abandono, enquanto a presença de Sexo
23 (52,3%)
04 (25,0%)
F
fatores de risco para HIV , sorologia
2 (4,5%)
05 (31,3%)
0,004
Sim
positiva para HIV, baixo peso e intole- Internação prévia
42 (95,5%)
11 (68,7%)
Não
rância medicamentosa não contribuí24 (55,8%)
13 (86,7%)
0,032
Sim
ram para o abandono. Houve tendên- Tabagismo
19 (44,2%)
02 (13,3%)
Não
cia de os tabagistas, alcoólatras e por12 (27,9%)
0,383
06 (40,0%)
Sim
tadores de fatores de risco para HIV Alcoolismo
31 (72,1%)
09 (60,0%)
Não
abandonarem mais o tratamento,
2 (4,7%)
0,003
05 (33,1%)
Sim
mesmo participando dos grupos edu- Drogas
41 (95,3%)
10 (66,7%)
Não
cativos de sala de espera (Tabela 3).
4 (9,1%)
0,259
03 (20,0%)
Sim
Quando o fumo foi selecionado Risco/HIV
40 (90,0%)
12 (80,0%)
Não
como variável de exposição para aban1 (4,0%)
0,969
01 (11,1%)
Sim
dono de tratamento da tuberculose em HIV(+) realizado
24 (96,0%)
08 (88,9%)
Não
relação a fator de risco para HIV, veri2 (4,5%)
0,789
01 (6,3%)
<50kg
ficamos que não houve associação Peso
42 (95,5%)
15 (93,7%)
>50kg
entre estas variáveis, pois a diferença
16 (36,4%)
0,340
08 (50,0%)
entre a OR bruta e a OR ajustada foi Intolerância medicamentosa Sim
28 (63,6%)
08 (50,0%)
Não
inferior a 10%. Todavia, o alcoolismo
294
J Pneumol 26(6) – nov-dez de 2000
Estudo caso-controle de indicadores de abandono em doentes com tuberculose
pode ser uma variável que leva à confusão entre o fumo e
o abandono de tratamento (Tabela 4), visto que a OR bruta, ao ser ajustada, diminui em mais de 10% (a OR bruta
estava superestimada).
Quando sexo masculino foi selecionado como variável
de exposição para abandono do tratamento da tuberculose em relação a fatores de risco para HIV, fumo, alcoolismo e uso de drogas, verificamos que alcoolismo e principalmente uso de drogas foram fatores de confusão e interação com sexo masculino, pois, além de exibirem diferenças importantes (superiores a 10%) entre a OR bruta e
a ajustada, apresentaram também OR dos estratos com
valores opostos (em sentido) à OR ajustada. No caso do
uso de drogas, a OR chega a 10,0 e no alcoolismo a 3,50,
enquanto o fumo foi fator de confusão, por apresentar
ligeiro decréscimo na OR ajustada, conforme a Tabela 4.
de álcool, dentre os quais havia maior tendência a abandonar o tratamento da tuberculose.
A identificação dos pacientes com maior risco para
abandono do tratamento da tuberculose justifica uma abordagem cuidadosa, a ser definida conforme as condições
próprias de cada local, com o objetivo final de evitar a
mortalidade e o sofrimento individual pela doença, reduzir
as fontes de infecção para a comunidade, aumentar a efetividade do tratamento e diminuir a resistência adquirida.
No nosso trabalho, estiveram significantemente associados ao abandono: sexo masculino, fumo, alcoolismo,
uso de drogas ilícitas, presença de fatores de risco para
HIV e história de internação prévia. Os pacientes internados para diagnóstico de tuberculose antes do encaminhamento para tratamento em unidades básicas de saúde
geralmente apresentam doença de maior gravidade e/ou
procura tardia da assistência médica, associada ou não à
DISCUSSÃO
presença de sorologia positiva para HIV. Na Grande São
O estudo apresenta alguns aspectos passíveis de crítiPaulo, alguns desses casos são importados de outros Esca, pois é retrospectivo. Porém, o grupo de pacientes
tados com menor possibilidade de diagnosticar tuberculoque completou o tratamento para tuberculose (controle)
se, além deste fato lamentavelmente expressar incapacie o grupo que o abandonou foram estudados na mesma
dade das redes básicas em absorver a enorme demanda
época. Além disso, esta é a forma mais comum de estude indivíduos sintomáticos respiratórios, definindo seu
darmos eventos relacionados ao desfecho final de paciencorreto diagnóstico e iniciando o tratamento mais precotes com tuberculose.
cemente. Além disso, alguns autores registraram que os
O cuidado com o preenchimento dos prontuários, com
pacientes que apresentam maior tempo de doença e maior
fichas previamente padronizadas e conferidas pelo resgravidade da tuberculose têm menor adesão ao tratamenponsável pelo atendimento do dia, nos auxiliou no levanto, justificando a permanência de doentes crônicos no
tamento das variáveis que pretendíamos estudar.
sistema (2).
Apesar disso, é comum nos depararmos com informaComo demonstrado neste trabalho, os grupos educatições incorretas ou duvidosas, principalmente com refevos de sala de espera foram úteis e, por si sós, melhorarência a hábitos e fatores de risco. Comumente, os param a adesão ao tratamento. No entanto, mesmo nos
cientes tendem a negar ou amenizar a quantidade de cipacientes que freqüentaram grupos educativos, os fatogarros, álcool ou drogas consumidos. Os pacientes que
res de risco para abandono foram os mesmos descritos
bebiam excessivamente provavelmente incluíam alcoólapara o total de pacientes analisados. Sem dúvida, a identras verdadeiros, isto é, pacientes realmente dependentes
tificação dos pacientes com a equipe de profissionais ligada ao seu tratamento, as
orientações formais ou informais que podem ser realizaTABELA 4
Valor das odds ratio para abandono de tratamento quando
das em outros momentos que
fumo ou sexo masculino são as variáveis de exposição
não os de consulta médica,
mudam muito a postura do
Variável
Co-variável
OR bruta
IC 95%
OR M-H
OR1
OR2
paciente frente ao seu tratamento e não utilizam recurFumo
Fator de risco para HIV
3,04
1,26 – 7,31
3,28
2,33
2,46
sos financeiros extras (TabeFumo
Alcoolismo
3,04
1,26 – 7,31
2,47
2,22
2,56
la 3).
Sexo masculino Fumo
2,16
0,97 – 4,83
1,93
1,77
2,33
Na literatura, a falta de adeSexo masculino Alcoolismo
2,16
0,97 – 4,83
1,52
3,50
1,22
são
ao tratamento, mesmo
Sexo masculino Fator de risco para HIV
2,16
0,97 – 4,83
2,00
3,00
1,94
com regimes supervisionaSexo masculino Uso de drogas
2,16
0,97 – 4,83
1,80
10,00
1,64
dos, tem sido verificada prinOR bruta – OR entre a variável de exposição (fumo ou sexo masculino) e efeito (abandono)
OR M-H – OR de Mantel-Haenszel, ajuste de OR bruta a partir de uma terceira variável (co-variável)
cipalmente em pacientes alOR1 – OR do estrato 1: OR de associação exposição-efeito quando da presença da co-variável em questão
coólatras e sem residência
OR 2 – OR do estrato 2: OR da associação exposição-efeito quando da ausência da co-variável em questão
IC 95% – Intervalo de confiança de 95%
fixa (1,18) . Assim, pacientes
J Pneumol 26(6) – nov-dez de 2000
295
Ribeiro S.A., Amado V.M., Camelier A.A., Fernandes M.M.A., Schenkman S.
com essas características devem ser submetidos a rigoroso controle de faltosos, trabalhos educativos e tratamento supervisionado diário, sempre que possível, ou supervisionado adaptado. Os pacientes devem ser estimulados
a largar o fumo, educados para melhorar sua saúde e
deve-se oferecer tratamento concomitante para alcoolismo e drogadição. Esses fatores, por terem demonstrado
efeito sinérgico, sugerem que a intervenção determinaria
grande impacto em evitar o abandono (Tabela 4).
A experiência do tratamento com DOT (directly observed therapy), nas publicações do CDC /Estados Unidos,
mostrou grande melhora no controle da tuberculose(19,20).
Em Nova York, com a implementação de DOTs, após três
anos de programa conseguiu-se reduzir em 35% a incidência de casos novos de tuberculose e em 75% a incidência de casos resistentes à isoniazida e rifampicina(20).
No entanto, a implantação de DOTs é cara e requer pessoal treinado, adequada motivação do paciente, equipes
de visita domiciliar e assistência social, tratamento conjunto da drogadição quando presente e terapia ocupacional, dentre outras(20,21).
As adaptações da estratégia DOTs deverão ser viabilizadas em nível local. Até 1996, menos de 10% dos pacientes com tuberculose em todo o mundo estavam sendo
tratados com DOTs, muito pouco para evitar o recrudescimento da epidemia. A adequada implementação de DOTs
necessita de infra-estrutura mínima, a saber: aceitação
política do programa, disponibilidade ampla de diagnóstico
bacteriológico, fornecimento regular de drogas e adequado sistema de informações para controle do tratamento.
No Brasil, esquemas supervisionados de tratamento
ainda não foram adequadamente avaliados em estudos
controlados, quanto às taxas de cura e diminuição de abandono. Frente à escassez de recursos da rede básica e/ou
impossibilidade de comparecimento do paciente à unidade, modelos escalonados que incluíssem grupos educativos de sala de espera, associando-se tratamento supervisionado diário ou tratamento supervisionado duas vezes
por semana com apadrinhamento e visitas domiciliares,
devem ser testados, sobretudo, nos pacientes que apresentam maior risco para abandono.
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J Pneumol 26(6) – nov-dez de 2000
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