anacosta revista médica outubro | novembro | dezembro Revista Trimestral do Hospital Ana Costa - 2016 21.4 Revista Médica ISSN 1677-194X ANA COSTA Órgão Científico Oficial do Hospital Ana Costa Editor Prof. Dr. Rogério Aparecido Dedivitis, Santos - SP - Brasil Conselho Editorial Revista Médica Dr. Airton Zogaib Rodrigues, Santos - SP - Brasil Dr. André Vicente Guimarães, Santos - SP - Brasil Dr. Celso Afonso Gonçalves, Santos - SP - Brasil Dr. Evaldo Stanislau A. de Araújo, Santos - SP - Brasil Prof. Dr. Everson Artifon, Santos - SP - Brasil Dr. Luiz Alberto Oliveira Dallan, São Paulo - SP - Brasil Dr. Rider Nogueira de Brito Filho, Santos - SP - Brasil Dr. Waldimir Carollo dos Santos, Santos - SP - Brasil Dr. Woite Antônio Bertoni Meloni, Santos - SP - Brasil Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa Rua Pedro Américo, 60 - Campo Grande, Santos/SP, Brasil e-mail: [email protected] www.anacosta.com.br Periodicidade: trimestral Tiragem: 500 exemplares Jornalista Responsável: Lucinaira Souza (Mtb: 40.248) Produção Gráfica: Comunicação e Marketing do Hospital Ana Costa A Revista Médica Ana Costa é distribuída gratuitamente para os membros do Corpo Clínico do Hospital Ana Costa, para bibliotecas e faculdades das áreas de saúde cadastradas. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos dessa revista, desde que citada a fonte. Revista Médica Ana Costa / Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa S.A. v. 21, n. 4 (outubro / novembro / dezembro 2016). Santos: Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa S.A., 2016. 50 p. :il. Periodicidade trimestral ISSN 1677 194X 1.Ciências Médicas. 2. Medicina CDD 610 CDU 616 Normas de Publicação A Revista Médica Ana Costa é publicada trimestralmente pelo Hospital Ana Costa e aceita artigos na área de saúde. Artigos de caráter comercial não serão aceitos. Serão aceitos manuscritos originais relacionados às seguintes categorias: a) artigos originais - trabalhos resultantes de pesquisa científica, apresentando dados originais de descobertas com relação a aspectos experimentais ou observacionais, incluem análise descritiva e ou inferências de dados próprios. Sua estrutura deverá conter os seguintes itens: Introdução, Métodos, Resultados, Discussão, Conclusão e Referências; b) artigos de revisão - têm por objetivo resumir, analisar, avaliar ou sintetizar trabalhos de investigação já publicados em revistas científicas. Apresenta síntese e análise crítica da literatura levantada e não pode ser confundido com artigo de atualização; c) artigos de atualização - destinados a relatar informações geralmente atuais sobre tema de interesse para determinada especialidade, uma nova técnica ou método, por exemplo, e que têm características distintas de um artigo de revisão, visto que não apresentam análise crítica da literatura; d) relato de caso - relata casos de uma determinada situação médica especialmente rara, descrevendo seus aspectos, história, condutas, etc, incluindo breve revisão da literatura, descrição do caso e discussão pertinente. Apresenta as características do indivíduo estudado, com indicação de sexo e idade. Pode ser realizado em humano ou animal. c) indicação da instituição em que cada autor está afiliado, acompanhada do respectivo endereço; d) nome do departamento e da instituição no qual foi realizado; e) indicação do autor responsável para troca de correspondência (nome completo, endereço, telefones de contato e e-mail); f) quando houver, indicar as fontes de auxílio à pesquisa; g) se extraído de dissertação ou tese, indicar título, ano e instituição onde foi apresentada; EXEMPLOS h) se apresentado em reunião científica, indicar nome do evento, local e data de realização. Livros RESUMO - Todos os artigos submetidos deverão ter resumo em português e em inglês, com um mínimo de 150 e no máximo de 250 palavras. Para os artigos originais os resumos devem ser estruturados destacando: objetivos, métodos básicos adotados (informando local, população e amostragem da pesquisa), resultados e conclusões mais relevantes, considerando os objetivos do trabalho, e indicar formas de continuidade do estudo. Para as demais categorias, o formato dos resumos deve ser o narrativo, mas com as mesmas informações. Capítulo de Livros APRESENTAÇÃO DO MANUSCRITO A primeira página deverá conter: b) nome completo de todos os autores; Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 3, p. 84 - 119, jul / ago / set 2016 Meltzer PS, Kallioniemi A, Trent JM. Chromosome alterations in human solid tumors. In: Vogelstein B, Kinzler KW, editors. The genetic basis of human cancer. New York: McGraw-Hill; 2002. p.93-113. Dissertações e Teses Silva LCB. Aspectos da fotoestimulação intermitente em pacientes com epilepsia: Teófilo Otoni [dissertação]. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas; 2000. Attenhofer Jost CH, Connolly HM, O'Leary PW, Warnes CA, Tajik AJ, Seward JB. Left heart lesions in patients with Ebstein anomaly. Mayo Clin Proc. 2005; 80(3):3618. Trabalhos de Congressos, Simpósios, Encontros, Seminários e outros Discussão: deve explorar adequada e objetivamente os resultados, discutidos à luz de outras observações já registradas na literatura. a) título do artigo (em português e em inglês); Adolfi M. A terapia familiar. Lisboa: Editorial Veja; 1982. Artigos de periódicos TERMOS DE INDEXAÇÃO - Deverão acompanhar o resumo, um mínimo de 3 e o máximo de 5 palavraschave descritoras do conteúdo do trabalho, utilizando os descritores em Ciência da Saúde - DeCS - da Bireme. Resultados: sempre que possível, os resultados devem ser apresentados em tabelas ou figuras, elaboradas de forma a serem auto-explicativas, e com análise estatística. Evitar repetir dados no texto. Tabelas, quadros e figuras devem ser limitadas a 5 no conjunto e numerados consecutiva e independentemente, com algarismos arábicos de acordo com a ordem de menção dos dados, e devem vir em folhas individuais e separadas, com indicação de sua localização no texto. O autor responsabiliza-se pela qualidade de desenhos, ilustrações e gráficos, que devem permitir redução sem perda de definição. Sugere-se impressão de alta qualidade. Ilustrações coloridas não são publicadas, a não ser que sejam custeadas pelos autores. PÁGINA DE TÍTULO A exatidão das referências é de responsabilidade dos autores. Citações bibliográficas no texto: deverão ser colocadas em ordem numérica, em algarismos arábicos, sobrescrito, após a citação e devem constar da lista de referências. SUBMISSÃO DOS ARTIGOS A submissão dos artigos à Revista Médica Ana Costa implica transferência dos direitos autorais da publicação. Os trabalhos submetidos devem ser originais e acompanhados por uma declaração dos autores de que o trabalho não será publicado em qualquer outra revista no formato impresso ou eletrônico. Os trabalhos serão avaliados por pelo menos dois revisores, em procedimento sigiloso quanto a identidade tanto do(s) autor(es) quanto dos revisores. Todo trabalho que envolva estudo em seres humanos deverá apresentar a carta de aprovação de Comitê de Ética e Pesquisa registrado no CONEP. Caso haja utilização de ilustrações, fotografias e tabelas devem ser de boa qualidade e marcadas no verso somente com o número da figura e o título do trabalho. As legendas devem ser impressas em folhas separadas. Modelo da carta de submissão Título do Artigo: Considerando a aceitação do trabalho acima, o(s) autor(es) abaixo assinado(s) transfere(m) para a Revista Médica Ana Costa, todos os direitos autorais do artigo mencionado, sendo vedada qualquer reprodução total ou parcial em outro meio de divulgação. Declara(m) que o presente trabalho é original, sendo que seu conteúdo não foi ou está sendo considerado para publicação em outro periódico, quer no formato impresso ou eletrônico. Data: Assinatura (s) Os originais deverão ser enviados para o Hospital Ana Costa - Divisão de Ensino, rua Pedro Américo, 60 - 10º andar, CEP 11075-905, Santos/SP, Brasil. Enviar os manuscritos à Revista Médica Ana Costa em duas cópias, impressos em papel sulfite A4, preparados em espaço duplo, com fonte Times New Roman, tamanho 12. Após as correções sugeridas pelos revisores, a forma definitiva do trabalho deverá ser encaminhada em uma via impressa e em disquete 3 ½” ou em CD-ROM. Os originais não serão devolvidos. primeiros autores seguido de et al. As abreviaturas dos títulos dos periódicos citados deverão estar de acordo com o Index Medicus. ESTRUTURA DO TEXTO Introdução: deve conter revisão da literatura atualizada e pertinente ao tema, adequada à apresentação do problema e que destaque sua relevância. Não deve ser extensa, a não ser em manuscritos submetidos como Artigo de Revisão. Metodologia: deve conter descrição clara e sucinta, acompanhada da correspondente citação bibliográfica, dos seguintes itens: · procedimentos adotados; Harnden P, Joffe JK, Jones WG, editors. Germ cell tumours V. Proceedings of the 5th Gern Cell Tumour Conference; 2001 Sep 13-15; Leeds, UK. New York: Springer; 2002. Material eletrônico Periódicos eletrônicos, artigos Sabbatini RME. A história da terapia por choque em psiquiatria. Cérebro & Mente [periódico online] dez. 1997/fev. 1998 [Acesso em 12 ago. 2000]; (4). Disponível em: · universo e amostra; http://www.epub.org.br/cm/n04/historia/shock.htm · instrumentos de medida e, se aplicável, método de validação, Monografia em um meio eletrônico · tratamento estatístico. Conclusão: apresentar as conclusões relevantes, considerando os objetivos do trabalho, e indicar formas de continuidade do estudo. Se incluídas na seção Discussão, não devem ser repetidas. Agradecimentos: podem ser registrados agradecimentos, em parágrafo não superior a três linhas, dirigidos a instituições ou indivíduos que prestaram efetiva colaboração para o trabalho. Referências: devem ser numeradas consecutivamente na ordem em que foram mencionadas a primeira vez no texto, baseadas no estilo Vancouver. A ordem de citação no texto obedecerá esta numeração. Nas referências com 2 até o limite de 6 autores, citam-se todos os autores; acima de 6 autores, citam-se os 6 São Paulo (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Entendendo o meio ambiente [monografia online]. São Paulo; 1999. [Acesso em: 8 mar. 1999]; v.1. Disponível em: http://www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual.htm Anexos e/ou Apêndices: incluir apenas quando imprescindíveis à compreensão do texto. Caberá à Comissão Editorial julgar a necessidade de sua publicação. Abreviaturas e Siglas: deverão ser utilizadas de forma padronizada, restringindo-se apenas àquelas usadas convencionalmente ou sancionadas pelo uso, acompanhadas do significado por extenso quando da primeira citação no texto. Não devem ser usadas no título e no resumo. Índice / Contents ARTIGO ORIGINAL Perfil dos pacientes portadores de obesidade candidatos à cirurgia bariátrica: Aspectos clínicos e metabólicos....................................................................................................................................120 Profile of obesity patients candidates to bariatric surgery: Clinical and metabolic aspects Gabriela Braz Leite e Priscila Oiring do Vale Série de casos de explante de lente intra-ocular por sintomas visuais......................................................................123 Case series of intra-ocular lens exchange for visual symptoms Romano Ramalho de Vasconcelos, Marcos Alonso Garcia, Celso Afonso Gonçalves, Rodolpho Sueiro Felippe e Roberto Pineda Hábitos alimentares em pacientes com diabetes mellitus...........................................................................................126 Eating behaviors of patients with diabetes mellitus Carolina Yamaguti Chaud, Marina Carrara Camillo, Nicole Camargo Sega, Vitor Monezzi, Paulo Maccagnan e Eliane Marta Quiñones Braz RELATO DE CASO Hérnia diafragmática estrangulada em gestante...........................................................................................................131 Strangled diaphragmatic hernia in pregnancy Carolina Manna Santos, Isabel Vaz Romani, Lucas Ferraz Amaral e Messias Elias Neto Exérese de pterígio recidivado por transplante autólogo de conjuntiva....................................................................134 Recurrent pterygium excision under conjunctival autograft transplantation Christianne Ruschi Neves, Erika Alessandra Silvino Rodrigues e Celso Afonso Gonçalves Abordagem de anemia por doença crônica...................................................................................................................136 The management of a anemia due to chronic disease Dayanne Lima Veiga, Letícia Medeiros, José Carlos Medina Carvalho Hipoglicemia neonatal persistente.................................................................................................................................138 Persistent neonatal hypoglycemia Hugo Belavenuta Pinto e José Mário da Rocha Britto Diagnóstico primário de linfoma não-Hodgkin pós-esplenectomia na urgência.......................................................140 Primary diagnosis of non-Hodgkin lymphoma post splenectomy on urgency Isabel Vaz Romani, Messias Elias Neto, Airton Zogaib Rodrigues, Carolina Manna Santos e Lucas Ferraz Amaral Uso do pessário em pacientes com incompetência istmo-cervical............................................................................142 Pessary in patients with cervical incompetence Julia Francato Chiaradia e João Henrique de Araújo Fernandes Atresia esofágica..............................................................................................................................................................144 Esophageal atresia Natália Marques Rodrigues e Mariana Rodrigues Guelli Farmacodermia por Carbamazepina..............................................................................................................................146 Pharmacodermia by Carbamazepine Orlando Trevisan Neto e Regiane Oyole Frederico Relva Coroidoretinopatia serosa central..................................................................................................................................148 Central serous chorioretinopathy Renata Angelini Moraes, Christianne Ruschi Neves, Marcos Alonso Garcia e Celso Afonso Gonçalves Fístula biliocolocutânea. Uma rara complicação cirúrgica tratada por endoscopia.................................................151 Biliocolocutaneus fistula. A rare surgical complication treated by endoscopy Tiago Franco Vilela Filho, Gabriel Marques Favaro, Diego Soares Coca, Messias Elias Neto e Everson Luis Almeida Artifon Síndrome do desconforto respiratório agudo secundária à infecção por influenza A H1N1...................................153 Acute respiratory distress syndrome secundary to influenza A H1N1 infection Vinicius Santos Teixeira e Regiane Oyole Frederico Relva ARTIGO DE REVISÃO Bevacizumabe como medicação para o tratamento da radionecrose do sistema nervoso central........................156 Bevacizumab as treatment for radionecrosis of central nervous system Vinicius Santos Teixeira e Regiane Oyole Frederico Relva Zika Vírus..........................................................................................................................................................................159 Zika Virus Filipe Benetti Rocha, Lucas Salviano de Abreu, Rodrigo Pizzolante Diniz e Yara Dadalti Fragoso Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, out / nov / dez 2016 Artigo Original Perfil dos pacientes portadores de obesidade candidatos à cirurgia bariátrica: Aspectos clínicos e metabólicos Profile of obesity patients candidates to bariatric surgery: Clinical and metabolic aspects Gabriela Braz Leite1 Priscila Oiring do Vale2 RESUMO Introdução: Diante da epidemia de obesidade e dos resultados insatisfatórios do tratamento clínico convencional na perda ponderal e melhora do risco cardiometabólico, a cirurgia bariátrica vem sendo apontada como terapêutica eficaz. Objetivo: Avaliar o perfil clínico e metabólico de pacientes portadores de obesidade candidatos à cirurgia bariátrica. Métodos: Estudo transversal realizado no Ambulatório Multidisciplinar de Obesidade e Cirurgia Metabólica do Hospital Ana Costa de Santos. Foram coletadas informações e resultados de exames laboratoriais dos prontuários de 113 pacientes atendidos neste ambulatório no ano de 2015. Resultados: Encontramos 31 portadores de obesidade grau 2, 27,4% da amostra, nestes indivíduos foi encontrada prevalência de 32,2% de DM2 e 45,1% de HAS. A prevalência encontrada de hipercolesterolemia foi de 29,20% e a de deficiência de 25-hidroxivitamina D foi de 55,7%. Conclusão: A prevalência de hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus encontrada foi elevada, 50,44% e 28,31%, respectivamente. O perfil de pacientes avaliados é compatível com a população que mais se beneficia do tratamento cirúrgico da obesidade, já que este leva a melhora importante da qualidade de vida, perda ponderal sustentada, possibilidade de reversão de Diabetes Mellitus tipo 2, melhora dos componentes do risco cardiometabólico e aumento na expectativa de vida. ABSTRACT Introduction: Given the epidemic of obesity and poor results from conventional medical treatment for weight loss and improvement in cardiometabolic risk, bariatric surgery has been found to be effective therapy. Objective: To evaluate the clinical and metabolic profile of patients with obesity candidates to bariatric surgery. Methods: Cross-sectional study at Multidisciplinary Clinic of Obesity and Metabolic Surgery, Hospital Ana Costa Santos. Information and laboratory test results from the medical records of 113 patients at our clinic were collected in 2015. Results: We found 31 obese patients grade 2, 27.4% of the sample, these individuals found prevalence of 32.2% of DM2 and 45.1% of hypertension. The prevalence of hypercholesterolemia was 29.20% and deficiency of 25-hydroxyvitamin D was 55.7%. Conclusion: The prevalence of high blood pressure and diabetes mellitus found was high , 50.44 % and 28.31 %, respectively. The profile of patients evaluated is compatible with the people who benefit most from surgical treatment of obesity, since this leads to significant improvement in quality of life , sustained weight loss, possibility of reversal of Type 2 Diabetes Mellitus improves the components of cardiometabolic risk and increase in life expectancy. Key words: Bariatric Surgery. Obesity. Diabetes Mellitus. Descritores: Cirurgia Bariátrica. Obesidade. Diabetes Mellitus. Perfil Clínico. Introdução A obesidade é uma doença crônica, que tem avançado em proporções epidêmicas e é definida como um índice de massa corpórea igual ou superior a 30kg/m2. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, estima-se que mais de um bilhão de adultos estão acima do peso e em torno de 300 milhões são clinicamente obesos. Nos Estados Unidos, a prevalência de mulheres com sobrepeso e obesidade é de 72,6% e 41,8%, respectivamente1. No Brasil, o quadro foi exposto recentemente com a publicação dos dados que mostra como cresceu o número de pessoas em excesso de peso no país, com 52,5% dos brasileiros dentro desse grupo, em 2006 o índice era de 43%. O resultado apontou que 17.9% da população está obesa, os homens lideram os números, com 56,5%, e as mulheres somam 49,1%. Em relação à prevalência de excesso de peso e obesidade por escolaridade, a pesquisa apontou que quanto menor a 2 escolaridade, maior o índice de obesidade . A obesidade está associada a um aumento na mortalidade total e a um risco mais elevado de desenvolver diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemia, apneia do sono, doença da vesícula biliar, doença coronariana, hipertensão, distúrbios músculo-esqueléticos, neoplasias, demência e 3 distúrbios psicossociais . O mais recente levantamento da Federação Internacional de Diabetes (IDF) estima que existam 415 milhões de pessoas com 1) Residente de Clínica Medica, Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Assistente do Grupo Multidisciplinar Para Tratamento Cirúrgico Da Obesidade, Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Gabriela Braz Leite, Rua Pedro Américo, 60 - 11075-400- Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 18/04/2016; publicado online em 20/12/16 120 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 120 - 122, out / nov / dez 2016 diabetes atualmente no mundo e 318 milhões de indivíduos em alto risco para o desenvolvimento da doença e que, em 2040, teremos 4 642 milhões de pessoas portadores de diabetes . A obesidade e suas comorbidades têm alcançado prevalências alarmantes, tornando-se problema de saúde pública em todo o mundo. Diante dos resultados insatisfatórios do tratamento convencional na perda ponderal e na sua sustentabilidade em longo prazo, a cirurgia bariátrica vem sendo apontada como terapêutica eficaz, determinando perda ponderal sustentável, possibilidade de reversão de Diabetes Mellitus tipo 2 e outros componentes do risco cardiometabólico, melhora da qualidade e expectativa de vida5. Indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica mediante assistência nutricional podem alcançar perda de peso de 40-50% do peso inicial em período curto de tempo, sendo possível a manutenção em longo prazo4. A cirurgia bariátrica também apresenta efeitos metabólicos independentes da perda de peso. Ocorrem modificações funcionais e hormonais do tubo digestório, com efeitos benéficos adicionais sobre o controle ou reversão das comorbidades metabólicas, em especial sobre o diabetes tipo 26. As complicações nutricionais mais freqüentes após a cirurgia são a deficiência de vitamina B12, folato, zinco, ferro, vitamina D (25-OH) e de cálcio, devido a restrição quantitativa de alimentos e principalmente a má absorção. Algumas deficiências podem estar presentes mesmo antes da realização da cirurgia em indivíduos obesos, como no caso da deficiência de vitamina D já que há uma relação inversa entre as concentrações séricas de vitamina D e o índice de 7 massa corporal (IMC) . A cirurgia bariátrica está indicada nos indivíduos com IMC igual ou superior a 40kg/m2 ou com IMC igual ou superior a 35 kg/m2 quando associado a uma ou mais comorbidades relacionadas a obesidade, que apresentam refratariedade a tratamento clínico / dietético convencional por período superior há 2 anos8. Após o procedimento bariátrico, a redução do peso é claramente visível, com consequente melhora das comorbidades e da qualidade de vida. Uma perda de peso que se traduz como sucesso cirúrgico deve atingir ao menos 50% do peso excedente no momento da cirurgia. Alguns autores estabelecem classificação para sucesso de pós-operatório de acordo com os resultados sobre o índice de massa corporal, sendo o IMC < 30kg/m2 considerado excelente resultado, entre 30 e 35kg/m2, bom resultado e > 35kg/m2, falha ou insucesso9. A epidemia da obesidade, em conjunto com frustrantes resultados das terapias tradicionais, levou a um aumento do número de indivíduos que são submetidos à cirurgia bariátrica, uma vez que este provou ser a mais eficaz opção de tratamento para redução de peso, melhora da qualidade de vida e redução da mortalidade entre os obeso10. O objetivo é avaliar o perfil clínico e metabólico de população de pacientes portadores de obesidade do ambulatório candidatos à cirurgia bariátrica. Métodos Resultados As características da amostra estudada estão descritas nas Tabelas 1 e 2. Tabela 1 - Características da amostra. Dentre os 113 pacientes avaliados, encontramos 31 portadores de obesidade grau 2, 27,4% da amostra, nestes indivíduos foi encontrada prevalência de 32,2% de DM2 e 45,1% de HAS. Já os portadores de obesidade grau 3 foram 82 indivíduos, representando 72,6% da amostra com prevalências semelhantes de DM2 e HAS, sendo que destes, 17 tinham IMC superior a 50kg/m2 (Gráfico 1). Gráfico 1- Distribuição de IMC da amostra. No estudo das análises laboratoriais, foram encontrados seis pacientes sem diagnóstico prévio de DM2, porém, com níveis de hemoglobina glicada (HBA1C) superiores a 6,5 e uma alta prevalência de pré-diabetes, 40 indivíduos com valores de HBA1C, entre 5,7 e 6,4, representando 35,3% da amostra - Gráfico 2. Gráfico 2 - Prevalência de pacientes portadores de DM2 e pré-diabetes. Trata-se de um estudo observacional descritivo transversal realizado no Ambulatório Multidisciplinar de Obesidade e Cirurgia Metabólica do Hospital Ana Costa de Santos. A população estudada abrangeu 113 pacientes atendidos neste ambulatório no ano de 2015. A coleta de dados foi realizada por meio de levantamento de prontuário e resultados de exames referentes às consultas da equipe multidisciplinar. Foram coletados dados sociodemográficos, índice de massa corpórea, tempo de obesidade, antecedentes patológicos (hipertensão arterial sistêmica - HAS e diabetes mellitus tipo 2 - DM2), uso de hipoglicemiantes orais e/ou insulinoterapia; e foram avaliados os níveis séricos de hemoglobina glicada (HBA1C), HDL- Colesterol, LDL-Colesterol, triglicérideos e 25-hidroxivitamina D (25-OHD). O dados colhidos foram então tabulados para avaliação do perfil da amostra e foi realizada análise de regressão e correlação linear. 121 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 120 - 122, out / nov / dez 2016 Gráfico 3 - Correlação entre hemoglobina glicada e IMC da amostra. Em relação a terapêutica para o DM2, 24 indivíduos estavam em uso apenas de hipoglicemiantes orais, cinco indivíduos em terapia associada com insulina e um indivíduo em tratamento exclusivo com insulina. Dentre os portadores de DM2 previamente diagnosticados, 41,9% encontravam-se fora da meta terapêutica de controle (HBA1C superior a 7%). Tabela 2 – Média de HBA1C, HDL, LDL, triglicerídeos e 25-OHD da amostra. A prevalência de hipercolesterolemia (LDL > 130mg/dl) foi de 29,2% e a de deficiência de 25-hidroxivitamina D (25-OHD < 30ng/ml) foi de 55,7%, sendo que seis indivíduos apresentavam níveis < 10ng/ml, associados a quadros mais graves de alterações músculo-esqueléticas como defeitos de mineralização óssea e quadro clínico-radiológico de osteomalácia. Gráfico 4- Correlação da Vitamina D(OH-25) e IMC da amostra. com a literatura. Já em relação à distribuição por sexo, percebemos que mais mulheres procuraram atendimento especializado contabilizando 72,56% dos pacientes avaliados, dado que evidencia que apesar da prevalência similar de obesidade entre homens e mulheres no Brasil, os homens procuraram atendimento em menor proporção. Outra informação relevante foi em relação aos níveis séricos de vitamina D, 55,7% dos pacientes apresentavam deficiência, corroborando que há uma relação inversa entre níveis de vitamina D e índice de massa corpórea, mesmo para os indivíduos de nossa amostra, residentes em regiões tropicais. Sabemos que a obesidade é uma condição crônica grave, que leva ao desenvolvimento de comorbidades cardiometabólicas e consequente aumento na mortalidade total e piora da qualidade de vida. Atualmente, dentro das terapias disponíveis a cirurgia bariátrica é considerada a intervenção mais eficaz. Em vista disso, concluímos que o perfil de pacientes avaliados é compatível com a população que mais se beneficia do tratamento cirúrgico da obesidade, já que este leva a melhora importante da qualidade de vida, perda ponderal sustentada, possibilidade de reversão de Diabetes Mellitus tipo 2, melhora dos componentes do risco cardiometabólico e aumento na expectativa de vida. Referências 1.Novais PFS, Rasera IJ, Leite CVS, Oliveira MRM. Evolução e classificação do peso corporal em relação aos resultados da cirurgia bariátrica – derivação gástrica em Y de Roux. Arq Bras Endocrinol Metab. 2010;54 (3):303-10. 2. Distrito Federal (Estado). Relatório do Vigitel Brasil. Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico – Estimativas sobre frequência e distribuição sociodemografica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas 26 capitais dos estados brasileiros e no Distrito Federal [periódico online]. Distrito Federal; 2014. [Acesso em: 15 jan. 2016]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/abril/15/PPT-Vigitel2014-.pdf 3. Mancini MC. Bariatric surgery – An update for the endocrinologist Arq Bras Endocrinol Metab. 2014;58(9): 875-8. 4. International Diabetes Federation- Atlas. [periódico online] 2015; 7. Disponível em: http://www.diabetesatlas.org/ 5. Jones DB, Garvey WT, Hurley DL, McMahon MM, Heinberg LJ, Kushner R et al. Clinical Practice Guidelines for the Perioperative Nutritional, Metabolic, and Nonsurgical Support of the Bariatric Surgery Patient. Bariatric Surgery Clinical Practice Guidelines. Endocr Pract. 2013;19(2):1-36. 6. Milech A, Forti AC, Halpern A, Santomauro AT, Lerário AC, Chacra AR et al. Diagnostico e classificação do Diabetes Mellitus e tratamento do Diabete Mellitus tipo 2. Consenso Sociedade Brasileira de Diabetes. 2000;4(5):1-73. 7. Dixon JB, Zimmet P, Alberti KG, Rubino F. Cirurgia bariátrica: uma comunicação da IDF sobre o diabetes tipo 2 em obesos. Arq Bras Endocrinol Metab. 2011;55(6):367-82. 8. Viegas M, Vasconcelos RS, Neves AP, Diniz ET, Bandeira F. Cirurgia bariátrica e metabolismo ósseo: uma revisão sistemática. Arq Bras Endocrinol Metab. 2010;54(2):158-63. 9. Silva Neto EF, Vazquez CMP, Soares FM, Silva DG, Souza MFC, Barbosa KBF. Cirurgia bariátrica reverte risco metabólico em pacientes assistidos em nível ambulatorial. Arq Bras Cir Dig. 2014;27(1):38-42. 10. Maeda SS, Borba VZC, Camargo MBR, Silva DMW, Borges JLC, Bandeira F et al. Recomendações da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) para o diagnóstico e tratamento da hipovitaminose D. Arq Bras Endocrinol Metab. 2014;58(5):411-33. Discussão Dentro da população estudada, pudemos perceber que a prevalência de hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus foi bastante elevada, 50,44% e 28,31%, respectivamente, dados condizentes Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 120 - 122, out / nov / dez 2016 122 Artigo Original Série de casos de explante de lente intraocular por sintomas visuais Case series of intraocular lens exchange for visual symptoms Romano Ramalho de Vasconcelos1 Marcos Alonso Garcia2 Celso Afonso Gonçalves2,3 Rodolpho Sueiro Felippe2,4 Roberto Pineda5 RESUMO Objetivo: Avaliar sintoma visual e associar ao tipo de lente explantada, além de verificar se a troca foi eficaz para melhora do quadro. Métodos: Foi realizada uma revisão dos últimos 24 meses de casos de explante de lente intraocular somente por queixas visuais, de um único cirurgião, a qual evidenciou um total de 28 pacientes e 31 olhos. Foram feitos cinco grupos em função de suas queixas visuais: grupo A (astenopia): 11 olhos; grupo B (disfotopsia): 11 olhos; grupo C (erro Refracional): seis olhos; grupo D (anisometropia): três olhos; grupo E (diplopia): um olho. Todos os pacientes foram submetidos a explante de lente intra-ocular e tiveram uma nova lente implantada no saco capsular. Resultados: No grupo A, seis (54,54%) LIO's eram multifocais, uma (9%) multifocal tórica, uma (9%) tórica, uma (9%) esférica, uma (9%) pseudoacomodativa e uma (9%) indeterminada. No grupo B, duas (18,18%) eram multifocais, três (27,27%) multifocais tóricas, uma (9%) tórica, uma (9%) esférica, duas (18,18%) esféricas, duas (18,18%) pseudoacomodativas. No grupo C, duas (40%) eram tóricas, uma (20%) esférica, uma (20%) asférica e uma (20%) indeterminada. No grupo D, uma (33,33%) era tórica e duas (66,66%) indeterminadas. No grupo E, uma (100%) era tórica. Foi realizada também estatística de lentes intra-oculares implantadas em cada grupo. No grupo A, três (27,27%) foram esféricas e oito (72,72%) eram asféricas. No grupo B, uma (9%) era tórica, duas (18,18%) esféricas, oito (72,72%) asféricas. No grupo C, uma (20%) tórica, uma esférica (20%), três asféricas (60%). No grupo D, uma (33,33%) era tórica e duas asféricas (66,66%). No grupo E, uma (100%) era esférica. Conclusão: A maior taxa de sintoma visual foi atribuída ao implante de LIO multifocal, sendo este eliminado por lentes asféricas. ABSTRACT Aim: To associate the visual symptom to the exchanged IOL, besides verifying how efficacious it was. Methods: The revision of intraocular lens exchange of the last 24 months from one single surgeon was performed considering the visual symptoms, revealing an amount of 28 patients and 31 eyes. There were made 5 groups related to the visual symptoms. Group A (asthenopia): 11 eyes; Group B (dysphothopsia): 11 eyes; Group C (refractive error): 6 eyes; Group D (anisometropia): 3 eyes; Group E (diplopia): 1 eye. All patients underwent IOL exchange. Results: Group A, 6 (54,54%) IOL were multifocal, 1 (9%) toric multifocal, 1 (9%) toric, 1 (9%) spherical, 1 (9%) accommodative and 1 (9%) undetermined. Group B, 2 (18,18%) were multifocal, 3 (27,27%) toric multifocal, 1 (9%) toric, 1 (9%) spherical, 2 (18,18%) spherical, 2 (18,18%) accommodative. Group C, 2 (40%) were toric, 1 (20%) spherical, 1 (20%) aspherical and 1 (20%) undetermined. Group D, 1 (33,33%) were toric and 2 (66,66%) undetermined. Group E, 1 (100%) was toric. It was created a implanted IOL statistic in each group. In group A, 3 (27,27%) were spherical and 8 (72,72%) were aspherical. In group B, 1 (9%) was toric, 2 (18,18%) spherical, 8 (72,72%) aspherical. In group C, 1 (20%) toric, 1 spherical (20%), 3 aspherical (60%). In group D, 1 (33,33%) was toric and 2 aspherical(66,66%). In group E, 1 (100%) was spherical. Conclusion: The largest rate of visual symptoms was related to multifocal IOL, which being exchanged for aspherical IOL, could solve the photic phenomena. Key words: Pseudophakic. Visual Symptoms. Exchange. IntraOcular Lens. Spherical Aberration. Descritores: Pseudofacia. Sintomas Visuais. Explante. Lente 1) Residente de Oftamologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil 2) Médico Preceptor do Serviço de Oftalmologia Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 3) Chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil 4) Médico Assistente da Eye Clinic, São Paulo/SP, Brasil. 5) Chefe do Setor de Córnea, Catarata e Cirurgia Refrativa do Massachussets Eye and Ear Infirmary, Boston/MA, Estados Unidos. Instituição: Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua José Caballero, 60 ap. 2103 –11055-300 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 18/04/2016; publicado online em 20/12/2016 123 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 123 - 125, out / nov / dez 2016 Introdução Hoje é fácil realizar uma faco-emulsificação com implante de lente intra-ocular em pequena incisão com baixa incidência de complicações e recuperação rápida, tudo isso com alta taxa de satisfação do paciente. O cirurgião é capaz de corrigir erros refracionais, às vezes grandes, por meio de cálculo da lente. Isso tudo fez com que a indicação da cirurgia de catarata aumentasse nas últimas décadas em mais de 200% em muitos países, inclusive no Brasil. Com as novas técnicas e alto índice de sucesso da cirurgia, a indicação mudou e não é mais para curar ou prevenir a cegueira, mas sim para melhorar a visão do profissional cuja atividade está sendo prejudicada pela opacidade do cristalino, seja ela qual for. Para que o sucesso seja completo, o paciente deve estar bem orientado a respeito das possíveis complicações a que está exposto1. Existem lentes intraoculares de diversos materiais e desenhos como polimetilmetacrilato (PMMA), silicone, acrílico hidrofóbico e hidrofílico, bem como lentes intra-oculares de uma ou três peças, tóricas, com filtros para raios azuis de espectro luminoso, esféricas, asféricas, acomodativas, multifocais refrativas e difrativas e até lentes para pacientes fácicos1. apresentou OCP. Em dois pacientes, sendo um do grupo A e outro do grupo C, houve necessidade de incisão relaxante limbar (LRI). Em todos os grupos, houve melhora dos sintomas visuais, exceto um paciente do grupo B. Foi verificada a distribuição entre os sintomas visuais e as lentes intra-oculares explantadas, onde pudemos avaliar que no grupo A, seis (54,54%) LIO's eram multifocais, uma (9%) multifocal tórica, uma (9%) tórica, uma (9%) esférica, uma (9%) pseudoacomodativa e uma (9%) indeterminada. No grupo, B duas (18,18%) eram multifocais, três (27,27%) multifocais tóricas, uma (9%) tórica, uma (9%) esférica, duas (18,18%) esféricas, duas (18,18%) pseudoacomodativas. No grupo C, duas (40%) eram tóricas, uma (20%) esférica, uma (20%) asférica e uma (20%) indeterminada. No grupo D, uma (33,33%) era tórica e duas (66,66%) indeterminadas. No grupo E, uma (100%) era tórica. Foi verificada também a distribuição de lentes intra-oculares implantadas em cada grupo. No grupo A, três (27,27%) foram esféricas e oito (72,72%) eram asféricas. No grupo B, uma (9%) era tórica, duas (18,18%) esféricas, oito (72,72%) asféricas. No grupo C, uma (20%) tórica, uma esférica (20%), três asféricas (60%). No grupo D, uma (33,33%) era tórica e duas asféricas (66,66%). No grupo E, uma (100%) era esférica. Métodos Discussão Foi realizada uma revisão dos últimos 24 meses de casos de explante de lente intraocular somente por queixas visuais, de um único cirurgião, a qual evidenciou um total de 28 pacientes e 31 olhos. Foram feitos cinco grupos em função de suas queixas visuais. Grupo A (astenopia): 11 olhos; grupo B (disfotopsia): 11 olhos; grupo C (erro refracional): 6 olhos; grupo D (anisometropia): 3 olhos; grupo E (diplopia): 1 olho. Todos os pacientes foram submetidos a explante de lente intra-ocular e tiveram uma nova lente implantada no saco capsular. O grupo A foi responsável por 35,4% do total de olhos operados, sendo, destes, 20% do gênero masculino e 80% do feminino e, do total de olhos operados, 7,1% do gênero masculino e 28,5% do feminino. O grupo B foi responsável, também, por 35,4% do total de olhos, sendo 55,5% do gênero masculino e 44,4% do feminino e, do total de olhos, 17,8% masculino e 14,2% feminino. O grupo C foi responsável por 16,12%, sendo 60% masculino e 40% feminino e, do total de olhos, 10,7% do gênero masculino e 7,1% do feminino. O grupo D foi responsável por 9,6% dos olhos, sendo 100% do gênero feminino e, do total 10,7% do feminino. O grupo E foi responsável por 3,1% sendo 100% do gênero feminino e, do total de olhos, 3,5% do feminino. Tratamos como particularidades aqueles pacientes que tinham cirurgia prévia e/ou doença ocular que pudesse influenciar na queixa relacionada após a cirurgia de catarata. Avaliamos acuidade visual pré e pós, complicações relacionadas ao procedimento, lentes intra-oculares explantadas e queixas relacionadas àquela lente e, se houve melhora do quadro visual pós implante da nova LIO. Todos as LIO's foram explantadas pela Técnica de Redobrar e Remover (Refold and Remove Technique), sendo necessário um gancho de sinskey e uma pinça Mcpherson longa. Existem três tipos de lentes intraoculares monofocais: esféricas, asféricas e tóricas. Utilizam o princípio da refração, ou seja, direciona os raios de luz até um ponto focal. Apresentam visão nítida apenas para uma única distância. O lente esférica é o sistema óptico constituído de três meios homogêneos e transparentes, sendo que as fronteiras entre cada par são duas superfícies esféricas ou uma superfície esférica e uma superfície plana, que chamamos de faces da lente. Podem ser biconvexas ou planoconvexas, ambas com a periferia mais fina que a região central. As LIOs esféricas possuem aberração esférica positiva e a superfície corneana também possui aberração positiva. As aberrações esféricas ocorrem quando os raios de luz são refratados na periferia do sistema de lentes, resultando em uma zona de luz desfocada que pode reduzir a qualidade de imagem. Devido à presença das aberrações, surgiram as lentes com superfície asférica para compensar a aberração esférica positiva da córnea, resultando em melhor qualidade imagem2. As LIO's tóricas são alternativas para correção dos astigmatismo corneano para pacientes com catarata. A principal complicação inerente ao implante é a rotação no pósoperatório, onde pode perder o poder ou induzir astigmatismo, se rotação maior que 30 graus2-4. Existem alternativas para solucionar problema de correção da presbiopia na vigência de catarata, como LIOs multifocais e acomodativas2,5, ambas com efeitos fóticos relevantes e as primeiras, sendo a maior taxa de explante neste trabalho e corroborado pela literatura. Esses fenômenos são causados pelas zonas anelares concêntricas com duas distâncias focais (longe e perto), além de ser dependente do tamanho pupilar para se alcançar boa eficácia2,6-8. Já o princípio das lentes intra-oculares asféricas é “neutralizar” ou equilibrar a aberração esférica do olho humano, levando em conta a aberração esférica positiva da córnea e realizando o implante de LIOs com aberração esférica neutra ou negativa (por meio da alteração de uma de suas superfícies, anterior ou posterior – a depender do fabricante)2,9,10. Resultados Do grupo A, um paciente passou por cirurgia refrativa, Lasik, précirurgia de catarata. Do grupo B, nenhuma particularidade foi inclusa. Do grupo C, houve um paciente com ceratocone, dois com cirurgias refrativas prévias, sendo um Lasik e um, Ceratotomia Radial (RK). Do grupo D, um paciente tinha cirurgia refrativa prévia e outro havia passado por cirurgia de reparo de buraco macular. Do grupo E, nenhum paciente tinha particularidades. Avaliamos também a associação de sintomas, onde um paciente tinha astenopia e diplopia e quatro tinham astenopia e disfotopsia. Foram avaliadas complicações relacionadas ao procedimento. Do grupo A, uma paciente apresentou opacidade capsular posterior e um apresentou edema macular cistoide. Do grupo B, um paciente Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 123 - 125 out / nov / dez 2016 Conclusão O sistema óptico do olho é um sistema de duas lentes, onde a simples troca do cristalino por uma lente intra-ocular(facectomia com implante de LIO) não deve ser banalizada. Deve-se levar em conta a existência de cirurgia ocular prévia (ceratectomia fotorefrativa), tamanho pupilar e status retiniano para escolha adequada. Pudemos observar que a maior taxa de sintoma visual foi atribuída ao implante de LIO multifocal, sendo este eliminado por lentes asféricas. Portanto, o desempenho óptico e visual destas 124 LIO's deverá ser, na pior das hipóteses, igual ao atingido por LIO's esféricas na maioria dos pacientes. Assim, os cirurgiões devem sempre considerar o implante de LIO's asféricas, levando em conta as particularidades de cada caso na busca da melhor qualidade e desempenho visual. Referências 1. Alves MR. Cristalino e catarata: 2013-2014 /Série Brasileira de Oftalmologia; 3a ed. – Rio de Janeiro, p.31, 2. Ambrosio Jr R, Crema A. Tratado brasileiro de catarata e cirurgia refrativa - 1a ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014.pp.272-97. 3. Visser N, Berendschot TT, Bauer NJ, Jurich J, Kersting O, . Accuracy of toric intraocular lens implantation in cataract and refractive surgery. J Cataract Refract Surg. 2011;37(8):1394-402. 4. Wang L, Weikert MP, Robinson SB, Koch DD. Surgical management of astigmatism with toric intraocular lenses. Arq Bras Oftalmol. 2014;77(2):125-31. 5. Veselá M, Baráková D, Lenèová A; Analysis of reasons of intraocular lenses explantation. Cesk Slov Oftalmol. 2013;69(4):170-3. 6. Kamiya K, Hayashi K, Shimizu K, Negishi K, Sato M, Bissen-Miyajima H; Multifocal intraocular lens explantation: a case series of 50 eyes . Am J Ophthalmol. 2014;158(2):215-20. 7. Jirásková N, Rozsíval P, Kohout A. A survey of intraocular lens explantation: a retrospective analysis of 23 IOLs explanted during 2005. Eur J Ophthalmol. 2007;17(4):579-87. 8. Woodward MA, Randleman JB, Stulting RD. Dissatisfaction after multifocal intraocular lens implantation. J Cataract Refract Surg. 2009;35(6):992-7. 9. Xiao X, Tian F, Zhang H. Clinical study of optical quality after implantation of aspheric toric intraocular lens in cataract surgery. Zhonghua Yan Ke Za Zhi. 2015;51(4):263-9. 10. Kretz FT, Tandogan T, Khoramnia R, Auffarth GU. High order aberration and straylight evaluation after cataract surgery with implantation of an aspheric, aberration correcting monofocal intraocular lens. Int J Ophthalmol. 2015;8(4):736-41. 125 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 123 - 125, out / nov / dez 2016 Artigo Original Hábitos alimentares em pacientes com diabetes mellitus Eating behaviors of patients with diabetes mellitus Carolina Yamaguti Chaud1 Marina Carrara Camillo1 Nicole Camargo Sega1 Vitor Monezzi1 Paulo Maccagnan2 Eliane Marta Quiñones Braz2 RESUMO Introdução: O diabetes melittus encontra-se entre as principais causas de óbitos no Brasil. Estima-se que 11% da população brasileira com mais de 40 anos seja portadora dessa doença. A ingestão de uma alimentação adequada é importante para que o controle do diabetes seja atingido, sendo necessárias mudanças dos hábitos alimentares, favorecendo um melhor controle metabólico e do peso corporal. Objetivo: Avaliar o estado nutricional e clínico de pacientes diabéticos. Métodos: Esta pesquisa recrutou uma amostra de 50 pacientes diabéticos, escolhidos ao acaso, que frequentam o ambulatório da UNIMES. Aos pacientes foi aplicado questionário com perguntas objetivas sobre sua alimentação, anexo à um termo de consentimento. Os dados foram apresentados de forma descritiva, utilizando estudo de coortes transversal. Resultados: Foi verificado que os pacientes são bem informados e instruídos sobre o diabetes. A maioria dos entrevistados estava ciente de suas respostas e optou pelas alternativas corretas. Abrangiam bom conhecimento sobre perguntas da doença em si, órgãos afetados e do hábito alimentar adequado para o controle da doença. ABSTRACT Introduction: Diabetes mellitus is among the main root causes of deaths in Brazil. It is estimated that 11% of the Brazilian population over 40 years old has this disease. Adequate food intake is important for diabetes control, being necessary changes in dietary, favoring a better metabolic and weight control. Objective: To assess the nutritional status and clinical of diabetic patients. Methods: This research recruited a randomized sample of 50 diabetic patients, who attend the UNIMES clinic. A questionnaire was applied to them with questions about their diet, attached to a consent form. The data were presented in descriptive form, using cross-sectional cohort study. Results: It was found that patients are well informed and educated about diabetes. Most respondents were aware of their responses and chose the correct alternative, covering good knowledge about disease questions themselves, affected organs and proper eating habits to control the disease. Key words: Diabetes. Eating Habits. Patients. Descritores: Diabetes. Hábitos Alimentares. Pacientes. Introdução O crescimento epidêmico das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), principalmente doenças cardiovasculares e diabetes mellitus (DM) do tipo 2, pode ser atribuído ao aumento da exposição aos principais fatores de risco para essas doenças e às mudanças na pirâmide demográfica, com o aumento da longevidade da população. Além disso, a maioria dos países em desenvolvimento passa por uma transição nutricional, acarretando o aumento expressivo da obesidade, o que também explica o crescimento da incidência das DCNT1. Em 2003, estimava-se que havia, aproximadamente, 150 milhões de diabéticos no mundo, sendo previsto o dobro do número de portadores dessa doença para o ano de 20252. De acordo com o estudo multicêntrico realizado em nove capitais brasileiras sobre a prevalência do DM3, existem no País 7,6% de indivíduos diabéticos na faixa etária de 30 a 69 anos de idade. No Brasil, a mortalidade por doenças crônicas aumentou significantemente, sendo considerada a principal causa de morte em vários estados. Nesse contexto, o diabetes encontra-se entre as 10 causas principais de óbitos no País4. Estima-se que 11% da população brasileira com mais de 40 anos seja portadora de DM. Tal coeficiente de prevalência traduz a gravidade do problema e fornece subsídios para o planejamento das ações de saúde que visem à prevenção ou ao controle da doença5. O Ministério da Saúde desenvolveu uma campanha por meio do Plano Nacional de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao Diabetes mellitus (PRAHD), objetivando, em sua primeira fase (realizada no período de março a abril de 2001), promover um rastreamento na comunidade com pessoas apresentando idade de 40 anos ou mais e com usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), para a detecção daqueles indivíduos suspeitos de portarem DM e hipertensão arterial (HA)6. Ao analisarem os dados do rastreamento nacional (valores glicêmicos e itens relacionados à saúde, obtidos por meio de inquéritos)7 , identificaram um número provável de novos casos de 1) Aluno do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Metropolitana de Santos UNIMES, Santos/SP, Brasil. 2) Docente do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Metropolitana de Santos UNIMES, Santos/SP, Brasil. Instituição: Disciplina de Endocrinologia do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Metropolitana de Santos UNIMES, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Dra. Eliane Marta Quiñones Braz, Av. Conselheiro Nébias, 536 - 11045-002, Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 20/05/2016; publicado online em 20/12/2016 126 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 126 - 130, out / nov / dez 2016 DM equivalente a 1.350.255. Pressupondo que um terço dos participantes que apresentaram testes positivos fizeram a confirmação do diagnóstico posteriormente, esse número passaria para, aproximadamente, 518.579 indivíduos. Em Minas Gerais, foram realizados 2.874.377 exames, representando uma cobertura de 84,5%. Desses, 418.621 apresentaram resposta glicêmica alterada, valor este que corresponde a três vezes o número de portadores que eram cadastrados no Programa de Diabetes até o ano de 2001, em todo o Estado. Esses resultados demonstram que a maior parte dos diabéticos encontrava-se sem diagnóstico, o que é esperado pela história natural da doença, que pode ser oligossintomática por vários anos8. Ao receberem o diagnóstico de DM do tipo 2, muitos indivíduos já apresentam alguma complicação crônica da doença, que, além de onerar o sistema de saúde, compromete a sua qualidade de vida. Assim, o diagnóstico precoce da doença é fundamental para que o controle glicêmico seja atingido e a manifestação de complicações, como a hipertensão arterial e dislipidemia, seja prevenida9. Destaca-se que a ingestão de uma alimentação adequada é importante para que o controle do diabetes e da hipertensão seja atingido. São necessárias mudanças dos hábitos alimentares, favorecendo um melhor controle metabólico, do peso corporal e da pressão arterial10. No entanto, como esses hábitos têm geralmente suas bases fixadas dentro do núcleo familiar, ainda na infância, os mesmos são difíceis de ser modificado, o que torna a intervenção do nutricionista importante, com vistas à conscientização da população, considerando os aspectos psicológicos, socioculturais, educacionais e econômico7. É importante destacar que as DCNT são de etiologia multifatorial e compartilham de vários fatores de riscos modificáveis, como o tabagismo, a obesidade, a dislipidemia, a inatividade física e a alimentação inadequada. Estudos epidemiológicos ressaltam que as doenças cardiovasculares (DCV) seriam, por exemplo, uma causa relativamente rara de morte na ausência destes principais fatores de risco1,11. Cerca de 75% dos casos novos de doenças ocorridos em países desenvolvidos nas décadas de 70 e 80, poderiam ser explicados pela ingestão de dieta inadequada e pela inatividade física12. A transição epidemiológica, demográfica e nutricional no País deve servir de incentivo para o desenvolvimento de estratégias de promoção da saúde, de prevenção e controle dos principais fatores de riscos comuns1,11. Partindo do pressuposto de que as medidas de educação em saúde não devem ser autoritárias e normativas, mas sim dialógicas13, destaca-se a Estratégia Saúde da Família (ESF), como locus para trabalhar essas questões junto à comunidade. Na ESF, os profissionais de saúde devem estar capacitados para prestar assistência integral à população. O cuidado em saúde deve ser participativo e humanizado, visto que é imprescindível integrar o saber técnico ao saber popular para melhor direcionar as ações de saúde, intervir de forma mais efetiva, ao envolver a população e/ou os grupos populacionais no processo de cuidado, proporcionar mudança no estilo de vida e melhoria na qualidade de vida dos indivíduos e famílias. O conhecimento técnico-científico nem sempre deverá ser transmitido a todos que dele necessitam da mesma forma; é importante adaptá-lo à realidade de cada indivíduo e dos grupos populacionais de maneira que este possa ser aplicado em conformidade à realidade socioeconômica e educacional e, dessa forma, associado a algum aspecto da vida e da família desses indivíduos13,14. As estratégias que envolvem a alimentação e nutrição, como formas de intervenção, tornam-se imprescindíveis a qualquer programa que vise, a partir do princípio da integralidade das ações, elevar a qualidade de vida da população15. A efetividade de políticas de promoção de vida saudável requer a participação dos diversos setores e atores sociais responsáveis e comprometidos com a saúde e qualidade de vida da população brasileira1. O DM é uma doença metabólica relacionada com o aumento dos valores de glicemia plasmática devido a ausência, deficiência e resistência à ação do hormônio sintetizado pelas células beta pancreáticas, a insulina. No DM tipo 1, a hiperglicemia é resultado Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 126 - 130, out / nov / dez 2016 da deficiência na secreção de insulina que progride para a ausência absoluta deste hormônio. No DM tipo 2, a hiperglicemia ocorre tanto por resistência à ação da insulina como por deficiência na secreção deste hormônio. A insulina é um hormônio anabólico que está envolvido no metabolismo dos carboidratos, proteínas e lipídeos16. A incapacidade do organismo de utilizar a glicose como fonte energética preferencial, por ausência da insulina, leva a catabolismo orgânico intenso, com quebra de proteínas e de gorduras para utilização como fonte energética. Essa alteração metabólica cursa frequentemente com perda de peso e comprometimento do estado nutricional e pode culminar em quadro de hiperglicemia grave, cetose e coma. Já a resistência dos tecidos periféricos à ação da insulina provoca estado de hiperinsulinismo, aumento do glucagon com estímulo à proteólise e à lipólise, tendo como consequência, também, a hiperglicemia. Entretanto, a cetose raramente é encontrada e o estado nutricional está mantido na faixa de sobrepeso e obesidade17. Os carboidratos, embora elevem a glicemia pós-prandial de forma mais acentuada do que as proteínas e lipídeos, devem fazer parte da composição nutricional de qualquer que seja a terapia nutricional instituída. Os ácidos graxos monoinsaturados devem ser os lipídeos preferencialmente utilizados nas formulações enterais, isto porque estes atuam na fluidez das membranas celulares e na redução da resistência à insulina18. É uma doença de prevalência crescente que, frequentemente, é responsável por uma série de complicações19 que comprometem a produtividade, qualidade de vida e sobrevida dos indivíduos, além de envolver altos custos no seu tratamento, constituindo assim um dos maiores problemas de saúde pública deste século20. A falta de controle clínico do paciente com DM leva à alteração da homeostase metabólica, podendo ocorrer aumento das necessidades de calorias e proteínas induzido pelo catabolismo. Ademais, modificações na medição ou a supressão do apetite podem levar à descompensação da doença21. A hiperglicemia pode levar ao comprometimento do sistema imunológico e risco aumentado para infecções, com incremento da morbidade e mortalidade destes pacientes21. Estudos envolvendo pacientes com DM tipo 1 e 2 demonstraram que um dos fatores primordiais para evitarem-se as complicações microvasculares nesses pacientes é manter o controle intensivo da glicemia21 . Existe também relação entre hiperglicemia e aumento do risco para o desenvolvimento de doença cardiovascular22. Assim, a glicemia de pacientes com DM, tanto em nível ambulatorial quando em nível hospitalar, deve ser mantida sob controle. Perda de peso, mudança de estilo de vida, com prática de atividade física regular e mudanças dietéticas, com redução energética e do consumo de gorduras saturadas, podem reduzir a prevalência de DM tipo 2. Se necessária, terapia medicamentosa deve ser utilizada23,24. A intervenção dietética associada à prática de atividade física regular pode levar à redução da incidência de DM de 58% a 91%24. O tratamento nutricional é essencial para controle do DM em pacientes internados ou ambulatoriais. Ele inclui a avaliação, o diagnóstico, a escolha e a implementação da terapia nutricional adequada, além do aconselhamento sobre o tratamento geral da doença. O objetivo primordial durante a aplicação da terapia nutricional oral, enteral ou parenteral, em pacientes com DM, é manter a glicemia dentro dos níveis da normalidade e manter o estado nutricional adequado dos pacientes21,25-27. No ano de 2003, somavam mais de 170 milhões de pessoas diabéticas no mundo. No Brasil, aproximadamente 10 milhões de pessoas são portadoras da doença28. Estimativas mostram que esse número pode aumentar devido ao aumento da população, aumento da expectativa de vida, padrão alimentar pouco saudável, obesidade e estilo de vida sedentário29. O objetivo deste estudo foi avaliar entres os pacientes diabéticos do ambulatório da Unimes os hábitos alimentares e o conhecimento sobre a própria doença. 127 Métodos Figura 3: Consumo de doces pelos pacientes diabéticos. Após submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa, foi aprovado o questionário cujo número do parecer é 670.815, de 26/05/2014. Esta pesquisa recrutou uma amostra de 42 pacientes diabéticos, que frequentaram o ambulatório da UNIMES, no período de maio a setembro de 2014. Aos pacientes, foi aplicado um questionário com perguntas objetivas sobre sua alimentação, anexo a um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O questionário aplicado encontra-se em anexo. Resultados A população é muito bem instruída sobre a DM. Assim, 88% dos entrevistados têm a consciência de que ela pode aparecer em qualquer pessoa, independente da hereditariedade. Também sabiam como reagir em caso de hipoglicemia e apenas 12% dos pacientes desconheciam os sintomas. Além disso, os pacientes conhecedores dos sintomas da hipoglicemia também sabiam como reverter a situação com a ingestão de alimentos ou bebidas com açúcar. A insulina é utilizada por grande parte de pacientes portadores de DM, principalmente tipo 1, porém, 76% dos participantes sabiam que ela não é o único meio para o controle da doença, pois são necessárias mudanças nos padrões alimentares e introdução de novos hábitos alimentares. Devido ao fato de o portador da DM precisar ter uma alimentação muito regrada, o que faz uma grande diferença no controle da doença, torna-se de extrema importância um acompanhamento com um nutricionista, sendo que 97,5% concordaram e relataram a importância desta informação. As pessoas são orientadas a realizarem refeições a cada três horas, evitando a hipoglicemia originada da falta de glicose no sangue. O jejum não é a forma mais indicada para perda de peso e, nessa pesquisa, foi verificado que 81% dos pacientes estavam conscientes de que pular a refeição do almoço não traz benefício no emagrecimento. Essa doença, quando não tratada e controlada, produz, em longo prazo, lesões graves e, às vezes, fatais, dentre elas o déficit de visão. Seguem alguns gráficos elaborados a partir dos resultados obtidos dos questionários referentes ao consumo de alimentos e bebidas – Figuras 1 a 5. Figura 1: Consumo de arroz e feijão e massas pelos pacientes diabéticos Figura 2: Consumo de fibras pelos pacientes diabéticos. 128 Figura 4: Consumo de carnes, leite e derivados pelos pacientes diabéticos. Figura 5: Consumo de bebidas naturais e de bebidas artificiais pelos diabéticos Discussão O questionário demonstrou que 28,5% não tinham a consciência da necessidade do cuidado com os olhos. Em torno de 95% estavam cientes de que tal doença poderia levar à amputação dos membros, devido à má cicatrização. Como todos eles sabiam da necessidade de um acompanhamento nutricional, 95% disseram que os hábitos alimentares de toda a família precisam ser controlados, dando uma importância especial a uma dieta balanceada. Quando questionados sobre o acompanhamento de um nutricionista, mais da metade dos pacientes verificaram a importância deste profissional. Destes, 63% procuraram o nutricionista em virtude de um ganho de peso, 11% por perda de peso e 18,5% para uma reeducação alimentar. Esse dado é significativo visto que o ganho de peso dificulta o controle do diabético. Noventa e dois por cento dos pacientes não fracionam suas refeições em seis vezes ao dia, conforme o recomendado para os diabéticos. As pessoas diabéticas precisam ser melhores informadas e orientadas no sentido de que a alimentação deve ser fracionada em desjejum, colação, almoço, lanche da tarde, jantar e ceia, adequando assim às refeições30. Setenta por cento dos entrevistados referiam comer arroz e feijão todos os dias (Figura 1), que constituem os carboidratos complexos. Como mostra a Figura 2, 85% dos diabéticos entrevistados comem verduras todos os dias, 78,5% legumes e 80% frutas. Já em relação aos doces, 40,5% dos entrevistados comem às vezes ou nunca - Figura 3, um resultado significativo, Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 126 - 130, out / nov / dez 2016 visto que os pacientes são portadores de DM. A Organização Mundial da Saúde considera que a dieta do diabético é um dos fatores responsáveis para manter os níveis glicêmicos dentro de limites desejáveis31. Enquanto 80% dos diabéticos comem todos os dias legumes, frutas e verduras, apenas 27% comem massa todos os dias. De modo geral, foi um resultado satisfatório, pois os carboidratos, dependendo do tipo e da quantidade ingerida, podem promover picos de glicemia insatisfatórios na busca do bom controle metabólico. Já alimentos como verduras, legumes e frutas, ajudam no sentido de retardar a absorção da glicose e assim manter um índice glicêmico favorável tanto ao controle da doença como na perda de peso, que são os objetivos do tratamento da diabetes tipo 2. Embora existam controvérsias sobre a quantidade e tipos de carboidratos recomendados, a orientação atual preconiza que uma dieta com alto conteúdo de carboidratos complexos e ricos em fibras, tais como frutas inteiras, legumes, verduras, grãos e cereais, melhora o controle glicêmico e lipídico, a sensibilidade à ação da insulina, além de favorecer a perda de peso32. Quanto ao consumo de carnes, 64,5% dos pacientes consomem carnes todos os dias – Figura 4. A carne representa uma excelente fonte de proteínas, no entanto, o consumo deve ser controlado para que não haja sobrecarga proteica e aumento do risco de nefropatia diabética. Em relação ao consumo de leite e derivados, 43% dos diabéticos fazem uso desses alimentos todos os dias – Figura 4. De acordo com estudos recentes, isso é muito benéfico para os pacientes. Evidências recentes sugerem que o leite de vaca e produtos lácteos estão associados a menor risco de DM tipo 2, hipertensão e intolerância à glicose. Observa-se, na Figura 5, que 43% dos pacientes entrevistados nunca consomem bebidas artificiais e que 47,5% preferem fazer o uso de bebidas naturais todos os dias. A ingestão de sucos naturais pode ser prejudicial para o diabético, pois essas bebidas têm menos fibras do que a fruta inteira, elevando a velocidade da absorção do açúcar e gerando picos glicêmicos que podem ser prejudiciais para o organismo. Todos os pacientes que referiram à ingestão de bebida artificial (refrigerante), disseram que consomem a versão dietética. Conclusão Apesar de ser um ambulatório o qual atende preferencialmente pessoas com escolaridade incompleta, pôde-se verificar que estas são bem informadas e instruídas sobre o diabetes. A maioria dos entrevistados estava ciente de suas respostas e optou pelas alternativas corretas. Abrangiam bom conhecimento sobre perguntas da doença em si, órgãos afetados e do hábito alimentar adequado para o controle da doença. Referências . Barreto SM, Pinheiro ARO, Sichieri R, Monteiro CA, Batista Filho M, Schimidt MI et al. Análise da estratégia global para alimentação, atividade física e saúde, da Organização Mundial de Saúde. Epidemiol Serv Saúde. 2005;14:41-68. 2. World Health Organization. Diet, nutrition and prevention of chronic diseases. Report WHO Consultation. Geneva: WHO; 2003. WHO Technical Report Series, 916. 3. Malerbi DA, Franco LJ. Multicenter study of the prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance in the urban Brazilian population aged 30-69 yr. 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Comportamento alimentar em 129 QUESTIONÁRIO: HÁBITOS ALIMENTARES DE PACIENTES DIABÉTICOS Nome: _____________________ Prontuário: ______ Idade: ____ Data Nasc: ___________ Sexo: _____ Profissão: __________ Escolaridade: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Te l : _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ E n d e r e ç o : ________________________________________________________ Para cada uma das perguntas abaixo, assinale com um X o item correto. 1) O diabetes é uma doença que pode aparecer em qualquer pessoa, mesmo que não tenha ninguém da família com a doença. CERTO ( ) ERRADO ( ) 2) Quando um diabético de repente começa a sentir: suor frio, tremura ou sente o coração “disparar”, pode estar com açúcar baixo no sangue. CERTO ( ) ERRADO ( ) 3) Basta tomar a insulina para que eu me sinta bem. As outras orientações não são importantes. CERTO ( ) ERRADO ( ) 4) É importante o diabético ter uma acompanhamento com profissional nutricionista. CERTO ( ) ERRADO ( ) 5) Quando o almoço for mais tarde do que de costume, o diabético deve aproveitar para não almoçar porque fazer jejum é bom para emagrecer. CERTO ( ) ERRADO ( ) 6) O diabético não precisa ter cuidado especial com os olhos. CERTO ( ) ERRADO ( ) 7) A diabetes pode levar a amputação. CERTO ( ) ERRADO ( ) 8) Para evitar que outras pessoas de sua família tenham diabetes, é importante a família fazer uma dieta balanceada em carboidratos, gorduras e açúcares. CERTO ( ) ERRADO ( ) 9) Quantas refeições você faz ao dia? ( )1a2 ( )2a3 ( )3a4 ( ) mais que 6 ( )4a5 10) Você já fez acompanhamento com nutricionista? ( ) SIM ( ) NÃO 11) Se sim, qual foi o motivo? ( ) perda de peso ( ) ganho de peso ( ( ) outros ) reeducação alimentar 12) O que é mais importante para controle do Diabetes mellitus? ( ) medicamento ( ) Insulina ( ) Alimentação ( ) Todos os itens 13) Questionário de frequência alimentar: 130 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 126 - 130, out / nov / dez 2016 Relato de Caso Hérnia diafragmática estrangulada em gestante Strangled diaphragmatic hernia in pregnancy Carolina Manna Santos1 Isabel Vaz Romani1 Lucas Ferraz Amaral1 Messias Elias Neto2 RESUMO Introdução: Hérnias diafragmáticas (HD) são definidas como a passagem de conteúdo abdominal para dentro da cavidade torácica através de um defeito do diafragma. Este pode ser congênito (Morgani ou Bochdalek) ou adquirido (traumático). O traumatismo perfurante normalmente causa lesões bem menores, o que pode levar a um retardo, de anos, no diagnóstico da lesão. Relato de Caso: Paciente de 32 anos, feminino, gestante de 27 semanas e 3 dias, relata dor tipo cólica com início em hipogástrio e irradiação para hipocôndrio esquerdo acompanhado de parada de eliminação de gases e fezes e vômitos biliosos há oito dias. Apresentava como cirurgia prévia uma gastroplastia redutora à Scopinaro e drenagem torácica esquerda com pleurodese seis anos antes. À radiografia simples de tórax com proteção abdominal, foi identificada a presença de cólon em hemitórax esquerdo, acompanhada de distensão de alças de delgado e níveis hidroaéreos. Realizou-se parto cesareana seguido de laparotomia exploradora, em que foram evidenciados grande distensão de retossigmoide, líquido entérico livre na cavidade abdominal e presença de alças estranguladas em região subdiafragmática invadindo tórax. ABSTRACT Introduction: Diaphragmatic hernia (HD) is characterized when one of abdominal organs moves upward into chest cavity through a defect in the diaphragm. This event can be congenital (Morgagni or Bochdalek) or acquired (traumatic). The penetrating trauma usually cause small injuries that can be unrecognized and retard the diagnosis. Case report: A 32year-old female patient, at 27 weeks and three days of pregnancy complained of abdominal pain referred to as colic in epigastric that spreaded to hypochondrium associated with an important constipation followed by vomit 8 days before. As prior history, she underwent a Scopinaro bariatric surgery and left thoracic drainage with pleurodesis 6 years before. By X-ray with abdominal protection, part of the colon in the left thoracic cavity and bowel distension were identified. A cesarean was made followed by a exploratory laparotomy. At the procedure, a sigmoid distention, enteric fluid and strangled bowel that moved upward into chest cavity were observed. Key words: Diaphragmatic Hernia. Pregnancy. Strangled Colon. Diaphragmatic Injury. Diaphragm. Descritores: Hérnia Diafragmática. Gestação. Cólon Estrangulado. Injúria Diafragmática. Diafragma. Introdução As hérnias diafragmáticas definem-se como a passagem do conteúdo abdominal para a cavidade torácica através de um defeito no diafragma. Dividem-se em congênitas (anteriores ou de Morgagni e póstero-laterais ou de Bochdalek) e adquiridas (traumáticas) 1. Hérnia diafragmática foi primeiramente relatada por Sennertus, em 1541, enquanto hérnia diafragmática traumática foi relatada pela primeira vez por Ambroise Paré, em 1579. No caso relatado por Paré, o paciente, um capitão de artilharia francesa, sobreviveu à hérnia, mas morreu oito meses mais tarde a partir de uma porção do intestino necrosada que havia herniado através do pequeno defeito. Essa hérnia foi seguida de ruptura diafragmática e o fechamento espontâneo não ocorreu, embora um fechamento temporário pudesse ocorrer pela contração muscular ou interposição omental2. A hérnia diafragmática pode passar despercebida até o estágio mais avançado da gravidez, quando pode ser desencadeada por situações que envolvem o aumento da pressão intra-abdominal. Esta, por sua vez, pode ser determinada pelo aumento do tamanho do útero. Mais de 90% das hérnias diafragma maternas que ocorrem durante a gravidez são localizados no lado esquerdo do diafragma. Os sintomas são geralmente vagos (dor abdominal, náuseas e/ou vómitos, dor no peito e dificuldade para respirar), ainda que, em ocasiões muito raras, a situação clínica de repente pode agravar-se devido à obstrução, torção ou infarto das vísceras herniadas3. Há um consenso de que as hérnias que se apresentam com evidência de estrangulamento, representam uma emergência cirúrgica, independentemente da maturidade fetal. O tratamento eletivo de hérnias assintomática é mais controverso e ambas as abordagens conservadoras e cirúrgicas têm sido controversos. 1) Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Preceptor de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Pedro Américo, 60- 10° andar – 11075-905 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 28/03/2016; publicado online em 20/12/2016 Conflito de interesse: Nenhum. Fonte de Fomento: Nenhuma Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 131 - 133, out / nov / dez 2016 131 Hérnia diafragmática pode causar complicações com risco de vida à gestante. Deve-se considerar reparação cirúrgica no segundo trimestre se hérnias assintomáticos são identificados durante a gravidez4. Relato de caso Paciente de 32 anos, natural de Santos, com antecedente de pósoperatório tardio de gastroplastia redutora (Scopinaro) há seis anos com drenagem pleural esquerda e pleurodese no pósoperatório imediato, procurou o pronto-socorro de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos, apresentando gestação tópica de 27 semanas e 3 dias com queixa de parada de eliminação de gases e fezes há oito dias. Referia também dor tipo cólica com início em hipogástrio e irradiação para hipocôndrio esquerdo acompanhado de vômitos biliosos, sem fatores de melhora ou piora. Ao exame físico, estava em regular estado geral, descorada+/4+, desidratada++/4+ e dispneica. À ausculta pulmonar: murmúrio vesicular presente sem ruídos adventícios à direita e abolido em base esquerda. Abdome: gravídico, altura uterina: 28,0cm, batimento cardíaco fetal: 140bpm, movimento fetal presente, dinâmica uterina ausente, distendido, ruído hidroaéreo diminuído, doloroso à palpação superficial e profunda difusa, descompressão brusca positiva. O toque retal revelou ausência de fezes em ampola. Toque vaginal: colo grosso, posteriorizado e impérvio. À ultra-sonografia obstétrica, identificouse feto único, vivo, cefálico, dorso a esquerda, peso fetal de aproximadamente 980g +ou- 15%; placenta anterior grau 1, medindo 5,0cm. Índice de Líquido Amniótico: zero. Observou-se distensão de alças de delgado com conteúdo, paréticas e líquido livre associado. A radiografia simples de tórax identificou hérnia diafragmática à esquerda, imagem sugestiva de cólon em cavidade torácica esquerda, grande distensão de cólon e intestino delgado associado a níveis hidroaéreos (Figura 1). Figura 1- Radiografia simples de tórax realizada no pronto-socorro, com a presença de alça intestinal com nível hidro-aéreo na cavidade torácica. No mesmo dia, foi realizada intervenção cirúrgica com equipe multidisciplinar envolvendo obstetra, cirurgião geral e cirurgião torácico. Realizada cesariana com incisão à Pfannestiel, o recémnascido estava vivo, sexo feminino, com 975 gramas. Após o término da cesariana, realizou-se laparotomia exploradora + toracotomia esquerda, com evidência de grande distensão de retossigmóide, líquido entérico livre na cavidade abdominal, presença de alças estranguladas em região subdiafragmática invadindo tórax. Foi feita a enterectomia + colectomia (transversectomia) + entero-enteroanastomose + colocoloanastomose + rafia diafragmática + colostomia em alça em hipocôndrio direito + drenagem torácica esquerda . Evoluiu para choque séptico em U.T.I., com severa instabilidade hemodinâmica, nutrição parenteral e traqueostomia. No vigésimo primeiro dia de internação, recebeu alta à enfermaria, sem febre e em bom estado geral, com melhora do padrão respiratório. Após nove dias, alta hospitalar, com cuidados de home care. 132 Discussão Hérnias diafragmáticas são definidas como a passagem de conteúdo abdominal para dentro da cavidade torácica através de um defeito do diafragma. Este pode ser congênito (Morgani ou Bochdalek) ou adquirido (traumático)1. Grimes descreveu três fases clínicas das lesões diafragmáticas: a primeira, fase aguda e adequadamente identificada na primeira avaliação do paciente; a segunda, quando o diagnóstico passa despercebido na fase aguda, chamou de fase “latente”, na grande maioria das vezes totalmente assintomática, mas que poderá evoluir, com a progressão da herniação, para dispneia, dor ou outro sintoma relacionado à progressão da lesão; e a terceira, a que chamou de obstrutiva, caracteriza-se por complicação associada, com encarceramento e possível ruptura de alça intestinal ou do estômago, dentro da cavidade torácica. Concomitantemente, pode ocorrer hipertensão da cavidade torácica afetada ou até tamponamento cardíaco, se houver comunicação com o saco pericárdico5. Hérnia diafragmática assintomática na gestante deve ser reparada durante o terceiro trimestre, quando a organogênese fetal é completa, a fim de evitar o agravamento da herniação pelo aumento do volume uterino e o risco de estrangulamento da hérnia6. Trabalho de parto deve ser evitado. Se surgirem sintomas de obstrução, esta lesão representa uma verdadeira emergência cirúrgica e a intervenção cirúrgica deve ser realizada independentemente da idade gestacional7. Ruptura de uma hérnia diafragmática materna durante a gravidez é uma complicação rara, mas significativa. Gestantes com hérnia diafragmática, muitas vezes, apresentam emergência na definição da conduta no periparto, pois um atraso ou diagnóstico equivocado podem chegar a uma taxa de 10% de mortalidade materna e 13% fetais6. O diagnóstico baseia-se principalmente na radiografia de tórax demonstrando conteúdo abdominal intratorácicos. Especificamente, a radiografia de tórax pode demonstrar níveis hidro-aéreos significando conteúdo do estômago ou do intestino ou haustrações indicativos de cólon ou intratorácica ou ambos6. Neste caso, foram identificadas alças sugestivas de cólon na cavidade torácica que, associado aos sinais e sintomas clínicos, definiu a conduta cirúrgica. A conduta bem sucedida requer uma abordagem multidisciplinar envolvendo obstetras experientes, radiologistas e cirurgiões torácicos. Apresentamos um caso de abdome agudo perfurativo em gestante com hérnia diafragmática estrangulada, que exigiu correção cirúrgica de urgência, sendo realizada por uma equipe multidisciplinar. A primeira decisão a ser tomada nos casos em que é realizado o diagnóstico pré-operatório é quanto à incisão utilizada para acesso cirúrgico. Na fase aguda, devido à grande porcentagem de lesões intra-abdominais associadas, a maioria dos cirurgiões tende a optar pela laparotomia mediana, enquanto pequena parte deles opta, inicialmente, pela toracotomia. Muitas vezes, é necessário lançar mão da ampliação da incisão (toracofrenolaparotomias). Pela maior morbidade dessa incisão combinada, de preferência, utilizamos incisões em separado no tórax e abdome, para melhor abordagem em casos de lesões complexas, particularmente em lesões do lado direito, em que algumas revisões mostram que em até 50% dos casos é necessária uma toracotomia complementar2. Na presença de lesões de vísceras ocas associadas, principalmente nos extravasamentos colônicos, devido à maior carga de bactérias, deve-se proceder à drenagem pleural logo após o controle da hemostasia e sutura das perfurações, lavando-se, exaustivamente, tanto a cavidade abdominal, quanto a torácica, permitindo o escoamento do líquido de lavagem pelo dreno pleural, tentando-se minimizar o risco de empiema pleural, uma temida complicação de difícil e prolongado tratamento pós-operatório. Alguns autores advogam a realização de toracotomia ântero-lateral para se visualizar toda a cavidade pleural e permitir a evacuação de todo o material contaminante, por meio de lavagem copiosa com solução salina e a colocação de dois drenos pleurais8. Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 131 - 133, out / nov / dez 2016 A literatura médica não mostra diferenças de resultados quanto ao fechamento das lesões diafragmáticas em termos de suturas contínuas ou com pontos separados, recomendando, apenas, que seja utilizado fio inabsorvível (polipropileno)9. No caso de estrangulamento de vísceras intra-abdominais herniadas, a mortalidade aumenta dramaticamente, podendo chegar a 88%9. A paciente em questão, após diagnóstico de abdome agudo perfurativo por hérnia hiatal estrangulada, foi submetida a tratamento cirúrgico de urgência pela equipe multidisciplinar, sendo realizada cesareana de urgência seguida de laparotomia exploradora + toracotomia esquerda. Identificaram-se alça de colon transverso perfurada em região torácica esquerda acompanhado de conteúdo fecaloide livre em hemitórax esquerdo em moderada quantidade e alça de delgado perfurada com extravazamento de líquido entérico para cavidade abdominal, o que aumenta a taxa de morbi-mortalidade no pós-operatório. Foi realizada a enterectomia + colectomia (transversectomia) + enteroenteroanastomose + colo-coloanastomose + rafia diafragmática + colostomia em alça em hipocôndrio direito + drenagem torácica esquerda.Houve complicações pós-operatórias, como choque séptico, que necessitou de internação em UTI, uso de antibioticoterapia de amplo espectro e compensação hemodinâmica, recebendo alta para enfermaria e, posteriormente alta hospitalar com home care. Finalmente, sabe-se que gestantes com diagnósticos de hérnia diafragmática com sinal de obstrução deve ser submetida à tratamento cirúrgico de urgência, pois apresentam taxa de mortalidade fetal e materna significativa. 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Conference: Chengalpattu Academic and Research Meet; 2014 Agosto 25; Índia. 8. Asensio JA, Demetriades D, Rodriguez A. Injury to the diaphragm. In Feliciano DV, Moore EE, Mattox KL: Trauma, 3a ed. Connecticut: Appleton & Lange. 1996.pp.461-85. 9. Alves RA, Teshirogi EY. Hérnia diafragmática traumática. Rev Col Bras Cir. 2001;28(5): 375-82. Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 131 - 133, out / nov / dez 2016 133 Relato de Caso Exérese de pterígio recidivado por transplante autólogo de conjuntiva Recurrent pterygium excision under conjunctival autograft transplantation Christianne Ruschi Neves1 Erika Alessandra Silvino Rodrigues2 Celso Afonso Gonçalves3 RESUMO Introdução: O pterígio é caracterizado por um crescimento de tecido fibrovascular da conjuntiva bulbar sobre a córnea. É uma doença com maior frequência em indivíduos de países de clima tropical. Os pterígios sintomáticos podem ser ressecados de maneira simples, porém, a taxa de recorrência é bastante alta, variando de 40 a 89%. Relato de caso: Relatase o caso de pterígio operado após três episódios de recidiva em um paciente do gênero masculino, de 47 anos, com baixa acuidade visual com classificação de pterígio grau III. Foi utilizada no intra-operatório injeção subconjuntival de triancinolona. Foi acompanhado após um ano e meio da cirurgia, com melhora considerável de visão e sem recidiva até então. ABSTRACT Introduction: The pterygium is characterized by growth of fibrovascular tissue of the bulbar conjunctiva on the cornea. It is a more frequently disease among people from tropical countries. Symptomatic pterygium can be resected in a simple way, however, the recurrence rate is quite high, ranging from 40 to 89%. Case report: This is the report of a case of pterygium surgery after 3 episodes of relapse in a 47-year-old man, with low visual acuity with pterygium rating grade III. Subconjunctival injection of triamcinolone was used in the operation. He was followed up for 1.5 year, with considerable improvement in vision and no recurrence up to now. Key words: Pterygium. Recurrence. Autolougus Transplant. Conjunctive/Transplant. Descritores: Pterígio. Recidiva. Transplante Autólogo. Conjuntiva/Transplante. Introdução O pterígio é caracterizado por um crescimento de tecido fibrovascular da conjuntiva bulbar sobre a córnea. É uma doença com maior frequência em indivíduos de países de clima tropical, geralmente próximos ao Equador, acometendo predominantemente indivíduos do sexo masculino e acima dos 30 anos de idade1. A etiologia é de origem ainda bastante discutida e incerta, aventando-se a hipótese de influência multifatorial, decorrente da associação entre a exposição à radiação ultravioleta, microtraumas produzidos por pó e areia em indivíduos susceptíveis, entre outras2. Os pterígios sintomáticos podem ser ressecados de maneira simples, porém, a taxa de recorrência é bastante alta, variando de 40 a 89%. Diversos tratamentos têm sido recomendados na tentativa de diminuir a sua recorrência: betaterapia, esclera nua, rotação de retalho conjuntival, transplante autólogo de conjuntiva, enxerto de membrana amniótica, entre outras3. Relato de caso te de Santos/SP, compareceu à consulta oftalmológica no Setor de Córnea do Hospital Ana Costa, em Santos, para avaliação de pterígio recidivado em olho direito após três abordagens cirúrgicas. Apresentava queixa da baixa acuidade visual e irritação ocular em olho direito. Ao exame oftalmológico: acuidade visual sem correção de conta dedos em olho direito e 20/30 em olho esquerdo. À ectoscopia, movimentação ocular extrínseca preservada. À biomicroscopia em olho direito, apresentava pterígio recidivado grau III, corpo do pterígio invadindo eixo visual e com início de formação de simbléfaro inferior, não possível visualizar pupila completamente, tarso superior livre (Figura 1). Foi realizada cirurgia com exérese de pterígio, realização de transplante autólogo de conjuntiva, utilização de cola de fibrina e realização de injeção subconjuntival de triancinolona em porção inferior de conjuntiva. Fez uso de colírio e pomada oftalmológica de antibiótico e corticoide associado por 15 dias com esquema de regressão. Após um ano e meio de acompanhamento, apresenta-se com acuidade visual de 20/80 com correção de olho direito, córnea com discreta nubécula central, transplante aderido, bem posicionado e vascularizado (Figura 2). Paciente do gênero masculino, de 47 anos, caucasiano, proceden- 1) Residente do Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Médica oftalmologista do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 3) Chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Christianne Neves Ruschi - Rua José Caballero 60 – 11055-300 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 08/04/2016; publicado online em 20/12/2016 134 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 134 - 135, out / nov / dez 2016 Figura 1. Pterígio recidivado grau III, corpo do pterígio invadindo eixo visual e com início de formação de simbléfaro inferior, não sendo possível visualizar a pupila completamente. taxa de recidiva de 62% contra 13% nos submetidos ao transplante autólogo de conjuntiva em pacientes com pterígio primário e 7% para pacientes com pterígio recorrente7. No relato em questão, o paciente não havia realizado as cirurgias anteriores no nosso serviço, não sendo possível afirmar qual técnica cirúrgica foi utilizada. Justifica-se o número de recidivas caso tenha sido realizado esclera nua, uma vez que o transplante autólogo de conjuntiva é atualmente a alternativa mais eficaz para o tratamento do pterígio. O uso da cola de fibrina na cirurgia de pterígio representa um avanço inquestionável, por tornar o procedimento mais rápido para o cirurgião e a recuperação mais confortável para o paciente. O uso da cola de fibrina é seguro e eficaz, traz bons resultados cirúrgicos e pequena incidência de complicações e recidiva. Apesar da acuidade visual do paciente não ter sido recuperada por completo, devido ao sofrimento da córnea causada pelas várias abordagens cirúrgicas, o paciente ficou muito satisfeito com o resultado, visto que anteriormente estava com uma visão muito ruim que alterava sua qualidade de vida. Referências Figura 2. Após um ano e meio de acompanhamento paciente apresenta-se com acuidade visual de 20/80 com correção de olho direito, córnea com discreta nubécula central, transplante aderido, bem posicionado e vascularizado. 1. Bubak K, Khater TT, Friedman NJ, Koch DD. Corneal topographic changes induced by excision of perilimbal lesions. Ophthalmic Surg Lasers. 1999;30(6):458-64. 2. Adamis AP, Starck T, Kenyon DR. The management of pterygium. Ophthalmol Clin N Am. 1990;3(4):611-23. 3. Stern GA, Lin A. Effect of pterygium excision on induced corneal topographic abnormalities. Cornea. 1998;17(1):23-7. 4. Allan BDS, Short P, Crawford GJ, Barret GD, Constable IJ. Pterygium excision with conjunctival autografting: an effective and safe technique. Br J Ophthalmol. 1993;77:698-701. 5. Cunha M, Allemann N. Transplante autólogo de conjuntiva no tratamento de pterígio primário e recidivado. Arq Bras Oftalmol. 1993;56:78-81. 6. Starck T, Kenyon KR, Serrano F. Conjunctival autograft for primary and recurrent pterygia: surgical technique and problem management. Cornea. 1991;10:196-202. 7. Garcia SG, Alleoni S, Junqueira AM, Rezende R. Técnica de enxerto autólogo de conjuntiva em pterigiectomia primária e recidivada. Rev Bras Oftalmol. 1994;53:277-80. 8. Figueiredo RS, Cohen EJ, Gomes JA, Rapuano CJ, Laibson PR. Conjunctival autograft for pterygium surgery: how well does it prevent recurrence? Ophthalmic Surg Lasers. 1997;28:875-7. Discussão As várias técnicas disponíveis para o tratamento do pterígio devem ser avaliadas com referência a dois critérios principais: segurança (ausência de complicações que comprometam a visão) e eficácia (ausência de recidiva). A taxa de recidiva pode ser influenciada por: fatores relacionados com a resposta do hospedeiro, variações da técnica empregada, uso de terapia adjuvante, diferentes medicações utilizadas no pós-operatório, localização geográfica da população estudada, a duração do período de seguimento e pela definição de recorrência empregada4. Encontrou-se, em portadores de pterígio primário e recorrente, taxa de recidiva de 4,16%, sendo observada apenas entre os portadores de pterígios já recidivados5. Em estudo de portadores de pterígio primário e recidivado, não se observou nenhum caso de recidiva6. Em outro estudo, encontro-se taxa de recidiva de 6,8%, com apenas um caso e que ocorreu entre os pterígios primários4. Em pacientes operados pela técnica da “esclera nua”, relatou-se Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 134 - 135, out / nov / dez 2016 135 Relato de Caso Abordagem de anemia por doença crônica The management of a anemia due to chronic disease Dayanne Lima Veiga1 Letícia Medeiros2 José Carlos Medina Carvalho3 RESUMO ABSTRACT Anemia de doença crônica (ADC), antigamente denominada como anemia da inflamação crônica, é usualmente relacionada com pacientes que apresentam distúrbios inflamatórios, infecciosos (fúngicos, bacterianos e virais) ou neoplásicos. É considerada a comorbidade mais comum em paciente internados. Apresenta-se com hipoferremia, apesar de observar-se abundante quantidade de ferro nos macrófagos. A anemia de doença crônica corresponde à anemia normocítica e nomocrômica do tipo hipoproliferativa, podendo ocorrer hipocromia em 20-30% dos pacientes. Relato de caso: Descrevem-se dois casos de anemia encaminhados para o ambulatório de hematologia após múltiplos tratamentos sem melhora. O primeiro caso apresenta um homem de 50 anos portador de diabetes mellitus e doença reumatológica em atividade com anemia normocrômica e normocítica em investigação há mais de 1 ano, sem sucesso. O segundo caso relata uma mulher de 32 anos portadora de doença inflamatória intestinal em tratamento irregular que evoluiu com piora da anemia, sendo encaminhada pelo gastroenterologista devido à não identificação da causa da anemia. Introduction: Anemia of chronic disease, in old days called anemia of inflammation, has been usually related to patients with inflammatory disturbs, infections (fungal, bacteria or viruses) or cancer. It is the most common comorbidity in hospitalized patients. It is featured as hypoferremia, although the big amount of iron into the macrophage. This disease corresponds to normocytic and normochromic anemia with low reticulocyte count, occurring hypochromia in 20-30% of the patients. Case report: We describe two anemia cases forwarded to the hematology ambulatory after multiples treatments without improvement. The first case presents a 50 year-old man, diabetic and with active rheumatologic disease, with normochromic e normocytic anemia, being investigate for a year without success. The second case, a 32 year-old women, on irregular treatment of inflammatory bowel disease, evolving with aggravation of anemia, being forwarded from the gastroenterologist that couldn´t identify a cause for it. Key words: Anemia of Chronic Disease. Hepcidin. Iron Metabolism. Descritores: Anemia de Doença Crônica. Hepcedina. Metabolismo do Ferro. Introdução Relato de Casos O termo anemia de doença crônica (ADC) utiliza-se para definir uma condição clinica associada a lesão tecidual crônica, que resulta no desenvolvimento de anemia hipoproliferativa em pacientes que apresentam doenças inflamatória crônicas, infecciosas crônicas (bacterianas, fúngicas ou virais) ou neoplásicas. As condições patológicas mais associadas com ADC são tuberculose, pneumonia, endocardite, doenças inflamatórias pélvicas e intestinais, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, mieloma múltiplo e carcinomas1-3. É considerada a comorbidade mais comum em pacientes internados, especialmente superiores a 60 anos e a segunda causa mais frequente de anemia investigadas em ambiente ambulatorial3-5, perdendo somente para anemia por deficiência de ferro. Caso 1. Paciente de 50 anos , masculino, com antecedentes de diabetes melittus tipo 2 e gota, sem devido tratamento, veio encaminhado para o Ambulatório de Hematologia no Hospital Ana Costa, Santos, devido ao diagnóstico anemia sem causa aparente. Apresentava intensa dor em hálux direito, em uso de analgésico. Encontrava-se com exames recente que evidenciava uma Hb = 11, 8g/dL; anemia normocromica e normocitica, sem anisoscitose, com glicemia de 265mg/dL e proteína C reativa 87mg/dL (valor de referência [VR] < 5mg/dL) e velocidade de hemossedimentação (VHS) de 102mm/h (VR < 30mm/h), ausência de alteração laboratorial de ferro sérico, saturação de transferina e feritina. Foi iniciado o manejo da anemia de doença crônica com tratamento da doença inflamatória crônica e do diabetes descompensado. Retornou após cinco meses em uso de medicamentos para diabetes e para gota apresentando resolução da anemia, níveis de 1) Residente de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Hematologista do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil 3) Chefe do Serviço de Hematologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil Instituição: Serviço de Hematologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil Correspondência: Rua Nabuco de Araujo, 240 ap. 76, Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 15/04/2016; publicado online em 20/12/2016 136 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 136 - 137, out / nov / dez 2016 glicemia em jejum de 127mg/dl , PCR de 4,7 e VHS de 15. Caso 2. Paciente feminina, 32 anos, caucasiana, com história de doença de Crohn havia 15 anos, sem comorbidades, procurou o Serviço de Hematologia para investigação de anemia de três anos, com piora progressiva. Apresentava pesquisa de sangue oculto negativo e colonoscopia sem evidência de sangramento. Apresentava anemia normocítica e normocrômica, com PCR > 45. Informava tratamento irregular da doença inflamatória intestinal. Nesse caso , optou-se pelo retorno ao tratamento da doença de Chron de forma adequada. Retornou após cinco meses com melhora dos níveis de hemoglobina, Hb 12,6g/dL. Discussão Entre os mecanismos patogênicos responsáveis pelo aparecimento da ADC, os três principais são: diminuição da sobrevida das hemácias, eritropoiese ineficaz e alteração do metabolismo de ferro, sendo este último o mais importante. Todos esses mecanismos são desencadeados pela lesão tecidual crônica, que resulta em uma resposta imunológica com liberação de citocinas inflamatórias levando ao aparecimento da anemia3,5. A diminuição da sobrevida eritrocitária está relacionada ao aumento de interleucina-1, que leva ao aumento da atividade fagocitária de macrófagos, resultando em uma sobrevida de 70-90 dias6,7. A eritropoiese ineficiente está diretamente relacionada à liberação de citocinas inflamatórias, principalmente ainterleucina-1 e interleucina-6 (IL-1 e IL-6), fator de necrose tumoral (TNF á) e interferon gama (INF ã), que atuam inibindo a proliferação de percursores eritrocitários e, assim, inibindo a eritropoese8,9 . O distúrbio do metabolismo de ferro está diretamente relacionado com a maior produção de hepcidina, sendo esse um propeptídeo sintetizado no fígado, em resposta ao aumento de níveis séricos de ferro na circulação ou à presença de um estado inflamatório10. A hepcidina possui um receptor na ferroportina. Essa interação de hepcidina-ferroportina controla os níveis de ferro nos enterócitos, hepatócitos e macrófagos. Na ADC, resulta da ativação do sistema imunológico com liberação de citocinas inflamatórias, principamente IL-6, que estimula a produção de hepcidina pelos hepatócitos. O aumento destes leva a maior interação de hepcidina-ferroportina, que resulta na diminuição da absorção de ferro nos enterócitos, inibe a mobilização do ferro dos enterócitos para plasma e promove o estoque de ferro dentro dos macrófagos, resultando em hipoferremia e, assim, em menor disponibilidade de ferro para eritropoiese, levando à anemia1,10,11. A apresentação clínica da ADC geralmente está relacionada à doença de base, sendo a anemia um achado. A característica laboratorial consiste em uma anemia de intensidade leve a moderada (hemoglobina entre 9 e 12g/dL), normocrômica e normocítica. De 30 a 50% dos pacientes podem apresentar eritrócitos hipocrômicos com presença de estoques de ferro adequadas, contudo, com hipoferremia10,11. O principal dado laboratorial dessa anemia é a diminuição da concentração do ferro sérico. O índice de saturação de transferrina e o índice da capacidade total de fixação do ferro (TIBC) encontram-se diminuídos. Os níveis de ferritina, que refletem os depósitos de ferro, encontram-se normais ou aumentados. Entretanto, a mesma é uma proteína de fase aguda, que pode aumentar na presença de doença inflamatórias ou neoplásicas, não expressando de forma correta os níveis reais de ferro no organismo3. Encontram-se outras alterações bioquímicas, tais como aumento da velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína C reativa (PCR), fibrinogênio e do cobre sérico, diminuição da albumina e da haptoglobina9,10,11. Alterações nesses parâmetros têm relação direta com severidade da fase aguda doença, podendo ser utilizada para monitorar a resposta ao tratamento instituído3. Depois de excluídas outras causas de anemia, o tratamento da ADC é essencialmente o tratamento da doença de base. Esse tipo de anemia não responde à terapia com ferro, ácido fólico ou Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 136 - 137, out / nov / dez 2016 vitamina B12. Em casos em que a anemia é sintomática ou em que os doentes apresentam doenças cardiovasculares, são indicados reposição de ferro intravenoso, administração de eritropoietina e transfusões sanguíneas. Referências 1. Grotto H. Metabolismo do ferro: uma revisão sobre os principais mecanismos envolvidos em sua homeostase. Rev Bras Hematol Hemoter. 2008;30(5):390-7. 2. Lemos RA, Ismael LAS, Boato CCM, Borges MTFB, Rondo PHC. A hepctina como parametro bioquimico para avaliação da anemia por deficiencia de ferro. Rev Ass Med Bras. 2010;56(5):596-9. 3. Cançado RD, Chiattone CS. Anemia de doença crônica. Rev Bras Hematol Hemoter. 2002;24(2):127-36. 4. Hansen NE. The anemia of chronic disorders: A bag of unsolved questions. Scand J Haematol. 1983;31:397. 5. Lee GR. The anemia of chronic disease. Sem Hematol. 1983;20:61-80. 6. Moura E, Noordermeer MA, Verhoeven N, Verheul AF, Marx JJ. Iron release from human monocytes after erythrophagocytosis in vitro: an investigation in normal subjects and hereditary hemochromatosis patients. Blood. 1998;92:2511-9. 7. Katevas P, Andonopoulos AP, Kourakli- Symeonidis A, Manopoulos E, Lafi T, Makri M, Zoumbos NC. Peripheral blood mononuclear cells from patients with rheumatoid arthritis suppress erythropoiesis in vitro via production of tumor necrosis factor alpha. Eur J Haematol. 1994; 53:26-30. 8. Weiss G. Advances in the diagnosis and management for the anemia of chronic disease. Hematology. 2000;42(1)92-8. 9. Denz H, Fuchs D, Wachter H. Altered iron metabolism and the anemia of chronic disease: a role of immune activation. Blood. 1992;79:2797. 10. Weiss G. Modification of iron regulation by the inflammatory response. Best Pract Res Clin Haematol. 2005;18(2):183-201. 11. Grotto HZW. Anemia of cancer: an overview of mechanisms involved in its pathogenesis. Med Oncol. 2007;24(3)354-7. 137 Relato de Caso Hipoglicemia neonatal persistente Persistent neonatal hypoglycemia Hugo Belavenuta Pinto¹ José Mário da Rocha Britto² RESUMO Introdução: Hipoglicemia é a ocorrência de oferta inadequada de glicose a partir de níveis séricos abaixo dos valores normais para idade. Esses valores normais são diferentes no período neonatal e após o período neonatal. A incidência de hipoglicemia neonatal é 1,3 a 4,4 casos para cada 100 recémnascidos a termo, aumentando ainda mais em prematuros. Relato de caso: O paciente é um recém-nascido prematuro, nascido de mãe portadora de doença hipertensiva específica da gravidez. Nasceu de parto cesárea por centralização placentária, porém, sem intercorrências, evoluindo no primeiro dia de vida com cianose e queda de saturação. Apresentou, no terceiro dia de vida, quadro de hipoglicemia persistente, de difícil controle, mesmo com uso de medicações. Descritores: Hipoglicemia. Prematuridade. Hipoglicemia Persistente. Introdução Hipoglicemia é a ocorrência de oferta inadequada de glicose a partir de níveis séricos abaixo dos valores normais para idade. Esses valores normais são diferentes no período neonatal e após o período neonatal. No período neonatal os limites de 30mg/dL para prematuros e de 40mg/dL para recém-nascidos a termo tem sido substituídos pelo limite de 50mg/dL, independentemente da idade gestacional, após o relato de deficiências cognitivas em crianças que apresentaram episódios de euglicemia com valores abaixo de 50mg/dL¹. Os bebês pré-termos não têm muito glicogênio em seus corações, especialmente aqueles que estão com dificuldade respiratória. Estes vão necessitar de maiores níveis sanguíneos de glicose para compensar a falta de oxigênio (aumenta o consumo cardíaco). Alguns órgãos são especificamente mais dependentes da glicose e vão necessitar que se mantenha o nível glicêmico mais alto para ser protetor². Cerca de 50% das hipoglicemias em período neonatal são assintomáticas e detectadas por haver fatores predisponentes, como prematuridade ou desnutrição intrauterina ou mesmo agravos perinatais importantes, como anóxia ou retardo na introdução alimentar. Muitas dessas crianças recuperam-se espontaneamente, mas 10 a 20% podem necessitar infusão de glicose intravenosa. Aproximadamente 15% das hipoglicemias em período neonatal pertencem ao grupo das hipoglicemias transitórias do neonato, que são sintomáticas e requerem infusão de glicose endovenosa. Em geral, são crianças pequenas para a ABSTRACT Introduction: Hypoglycemia is the occurrence of inadequate supply of glucose from blood levels below normal for age. These normal values ? are different in the neonatal period and after the neonatal period. The incidence of neonatal hypoglycemia is from 1.3 to 4.4 cases per 100 newborn terms, further increasing in preterm infants. Case report: The reported patient is a premature newborn, whose mother presented hypertensive disorders of pregnancy. Birth child borned by cesarean placental centralization, however, uneventful, evolving on the first day of life with cyanosis and fall saturation. The patient presented persistent hypoglycemia difficult to control on the third day of life, even with the medication employed. Key words: Hypoglycemia. Prematurity. Persistent Hypoglycemia. idade gestacional e ocorre uma predominância do sexo masculino (2,5:1)³. Relato de caso Paciente nascido de parto cesárea obteve escore de Apgar 9 de primeiro minuto e 10 no quinto minuto de vida. A realização da cesárea foi indicada por centralização placentária. A criança, do sexo feminino, foi classificada como recém-nascida prematura (36 semanas e um dia de idade gestacional), com baixo peso ao nascimento (2090 gramas) e com uma estatura de 46 centímetros. A mãe era tercigesta, com um parto cesárea anterior e um aborto, sendo portadora de doença hipertensiva específica da gravidez (DHEG). Fazia uso de Aldomet 250mg ao dia. No primeiro dia de vida, o recém-nascido (RN), apresentou quadro de cianose generalizada e queda de saturação de O2 no berçário, sendo encaminhado para UTI neonatal. Foi intubado, necessitando de ventilação pulmonar mecânica por dois dias. Evoluiu com hipoglicemia no terceiro dia de vida, necessitando de glicose parenteral com velocidade de infusão de glicose (VIG) aumentada progressivamente até 12, necessitando de associação de corticoide (hidrocortisona) e ainda persistindo com episódios de hipoglicemia. No décimo segundo dia de vida, foi associado Glucagon, utilizado por seis dias até a normalização da glicemia. Em seguida, foi reduzido gradativamente a VIG e suspenso o corticoide. Apresentou evidências laboratoriais de sepse neonatal precoce, sendo utilizado Penicilina Cristalina (4 dias), Gentamicina 1) Residente de Pediatria do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Preceptor do Serviço de Pediatria do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Pediatria do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Hugo Belavenuta Pinto, Rua Dr. Arnaldo de Carvalho n°40, Apto 23 – Santos – SP / email: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 02/05/2016; publicado online em 20/12/2016 138 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 138 - 139, out / nov / dez 2016 (5 dias), Cefepime (14 dias) e Vancomicina (21 dias). Devido ao episódio de persistente de hipoglicemia, foi realizado pesquisa de erros inatos do metabolismo, com resultados normais. Permaneceu internado por 22 dias em UTI neonatal e por mais cinco dias em enfermaria, onde permaneceu estável, sem mais episódios de hipoglicemia, recebendo alta com 27 dias de vida. Discussão A incidência de hipoglicemia neonatal é 1,3 a 4,4 casos para cada 100 recém-nascidos a termo, aumentando ainda mais em prematuros³, como no caso relatado. Definições clínicas, epidemiológicas e fisiológicas são encontradas na literatura e os sintomas da hipoglicemia são inespecíficos, apresentando manifestações generalizadas comuns aos neonatos doentes. Assim, recomenda-se que valores baixos de glicose sanguínea e sintomas consistentes de hipoglicemia para os neonatos sejam considerados. Portanto, confirma-se o diagnóstico de hipoglicemia quando se encontram valores baixos de glicemia capilar com observação de sintomas4. No caso relatado, o recém-nascido apresentou glicemia de 28mg/dL e sintomas como cianose e hipoatividade, confirmando, assim, o diagnóstico de hipoglicemia. Em relação ao tratamento, se confirmado conforme descrito, devese aplicar 200mg/Kg de glicose (2 ml/Kg de glicose a 10%) e manter infusão intravenosa continua de glicose (8mg/Kg//min). Se a hipoglicemia persistir por 24-36 horas, usar o corticosteroide (hidrocortisona na dose de 5-15mg/Kg/dia ou prednisona: 2mg/Kg/dia) O corticosteroide diminui a utilização de glicose e aumenta a gluconeogênese². O uso de Glucagon é controverso e não recomendado por alguns autores3,4, pois a glicose sobe muito rapidamente, com aumento da produção de insulina e o problema não se resolve. Se a hipoglicemia persistir por 3-4 dias, usar-se o diazóxido5. Este inibe o canal de potássio e a ativação da secreção de insulina pelas células beta pancreáticas. Se não responder, agrega-se somatostatina de ação prolongada. Apesar da persistência da hipoglicemia do neonato aqui descrito, a associação dessas medicações não foi utilizada e pode justificar o prolongamento do Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 138 - 139, out / nov / dez 2016 caso de hipoglicemia tratada somente com corticoide e glucagon. Outra constatação descrita na literatura é sobre a prescrição o mais precoce possível da nutrição parenteral como dieta6. A dosagem da insulina deve ser realizada para descartar hiperinsulinismo persistente, o que normalmente acarreta em pacreatectomia parcial ou total5. Neste relato, a insulina encontrava-se com valores normais, o que descartaria essa hipótese. O maior risco da hipoglicemia está relacionado à lesão cerebral. Se a hipoglicemia for acentuada, recorrente e durou horas, os recémnascidos podem ter dificuldades de aprendizado e alterações precoces, mas não consistentes no eletroencefalograma6. Todos os exames para pesquisa de lesão cerebral (ultra-som transfontanela, eletroencefalograma, tomografia de crânio) no caso relatado foram normais e não demonstraram alterações. Referências 1. Campos D. Tratado de Pediatria. 3a. ed. Barueri: Manole; 2014. 2. Wajchenberg B. Tratado de endocrinologia clínica- Sociedade Brasileira de Endocrinologia. 2a ed. São Paulo: ABDR; 2014. 3. Damiani D. Hipoglicemia na infância – ainda um desafio. J Pediatria. 1997;73(4):231-8. 4. Margotto PR. Assistência ao recém-nascido de risco - Distúrbios metabólicos no recém-nascido. 2ª ed. Brasília: Pórfiro; 2005. 5. Lord K, De León D. Monogenic hyperinsulinemic hypoglycemia: current insights into the pathogenesis and management. Int J Pediatr Endocrinol. 2013;2013(1):3. 6. Josefson J, Zimmerman D. Hypoglycemia in the emergency department Clin Pediatr Emerg Med. 2009;10:285-291. 139 Relato de Caso Diagnóstico primário de linfoma não-Hodgkin pós-esplenectomia na urgência Primary diagnosis of non-Hodgkin lymphoma post splenectomy on urgency Isabel Vaz Romani1 Messias Elias Neto2 Airton Zogaib Rodrigues3 Carolina Manna Santos1 Lucas Ferraz Amaral1 RESUMO Introdução: Os linfomas são tumores sólidos do sistema imunológico. A taxa de incidência aumenta drasticamente com a idade e é superior nos brancos em relação aos outros grupos étnicos. Relato de caso: Paciente de 60 anos, feminino, apresentou dor em flanco direito e posterior migração para hipocôndrio e flanco esquerdos há 8 dias, associada a náuseas, dispnéia e anorexia com perda ponderal de 5 quilos em 2 meses. Apresentou-se com dispneia (+2/+4), com dimuição do murmúrio vesicular em base esquerda, abdômen doloroso em repouso e à palpação em hipocôndrio e flanco esquerdos. A tomografia computadorizada de abdômen revelou esplenomegalia com uma massa expansiva intraesplênica de 10,5 x 10,0 cm e derrame pleural volumoso à esquerda. Procedeu-se à esplenectomia total e toracostomia à esquerda, sem intercorrências. O anatomopatológico evidenciou linfoma não-Hodgkin difuso de grandes células B e a paciente foi encaminhada para realizar a quimioterapia adequada. Descritores: Linfoma não-Hodgkin/Diagnóstico. Linfoma nãoHodgkin/Complicações. Esplenectomia/Indicações. Doenças do Baço. Introdução Linfomas são transformações neoplásicas de células linfoides normais que residem predominantemente em tecidos linfóides. São morfologicamente divididos em linfomas de Hodgkin (LH) e não-Hodgkin (LNH). Os trabalhos atuais mostram que o LNH é a quarta neoplasia mais incidente nos Estados Unidos, excluindo o câncer de pele não melanoma, sendo responsável por 4% de todas as malignidades. É também a nona causa de morte por câncer no sexo masculino e a sétima no sexo feminino, envolvido em 5% das mortes por câncer1-2. Estudos recentes apontam que os linfomas não-Hodgkin correspondem a 4% dos novos tumores e a taxa de incidência ajustada pela idade é cerca de 23.4 por 100.000 homens e 15.6 por 100.000 nas mulheres. A incidência vem aumentando nas últimas quatro décadas, principalmente os linfomas agressivos, o que parece ser apenas parcialmente explicado pela maior incidência de síndrome da imunodeficiência adquirida e pela exposição a fatores ambientais. A maioria dos casos não possui etiologia definida, porém, sugerese que fatores hereditários, ambientais, ocupacionais e dietéticos possam estar envolvidos3. ABSTRACT Introduction: Lymphomas are solid tumors found in the body's immune system. The incidence rate grows significantly with age and is higher among whites compared to others ethnicities. Case report: A 60-year-old demale patient reported pain in the right flank and posterior migration to left hypochondrium and flank for 8 days, associated to nausea, dyspnea and anorexia with weight loss of 5 kilograms within 2 months. She presented with dyspnea (+2/+4), diminished vesicular breath sounds in the left base, painful abdomen at rest and on palpation in left hypochondrium and flank. CT scan revealed splenomegaly with intrasplenic expansive mass measuring 10.5 x 10.0 cm in diameter. A total splenectomy and left thoracostomy were proceeded with no complications. The anatomopathological examination showed a diffuse large B-cell non-Hodgkin lymphoma (NHL). Patient was then referred to a hematologist for adequate chemotherapy. Key words: Non-Hodgkin's Lymphoma/Diagnosis. Lymphoma Non-Hodgkin/Complications. Splenectomy/Indications. Diseases of the Spleen. Além desses fatores, alguns agentes infecciosos têm sido implicados na gênese do LNH, incluindo o vírus do Epstein-Barr, vírus linfotrópico de células T humano tipo 17, herpes vírus tipo 88, vírus da hepatite C9-10, vírus simiano 4011 e a bactéria Helicobacter pylori1,2. Os linfomas de alto grau apresentam alto índice de proliferação celular, células grandes, linfonodomegalias localizadas, porém com alta agressividade, cursando com sobrevida de semanas a meses se não tratados. São considerados linfomas de alto grau o linfoma não-Hodgkin difuso de grandes células B (LNHDGCB), o linfoma folicular pouco diferenciado, o linfoma de células do manto, o linfoma de células T periférico, o linfoma de grandes células anaplásico e o linfoma de Burkitt1,3,4,5. Atualmente, a classificação mais utilizada para linfomas é a da Organização Mundial da Saúde (OMS). Tal classificação baseia-se em dados de morfologia, imunofenotipagem, genética e informações clínica e divide os vários tipos de neoplasias linfóides em três grandes grupos: neoplasias de células B, neoplasias de células T/NK e linfoma de Hodgkin. O LNHDGCB é o linfoma mais comum em adultos, responsável por 30% a 40% dos casos1,4. Os exames de estadiamento incluem hemograma completo, função 1) Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Chefe do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil 3) Assistente do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP Instituição: Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 – 10° andar – 11075-905 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 23/03/2016; publicado online em 20/12/2016 Conflito de interesse: Nenhum. Fonte de Fomento: Nenhuma 140 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 140 - 141, out / nov / dez 2016 renal e hepática, desidrogenase lática (LDH), beta-2 microglobulina, cálcio, ácido úrico, eletroforese de proteínas, sorologias virais, tomografia computadorizada (TC) de tórax, abdome e pelve e biópsia de medula óssea (BMO)1. O diagnóstico deve ser feito no tecido nodal ou extranodal de preferência obtido por biópsia excisional1,4. Relato de caso Paciente de 60 anos, do gênero feminino, queixava-se de dor em hipocôndrio direito com posterior migração para hipocôndrio e flanco esquerdos há oito dias. A característica da dor era contínua, com intensidade crescente que melhorava parcialmente após uso de analgésicos e não havia fatores de piora. Também era associada há náuseas, dispnéia e anorexia com perda ponderal de 5Kg em dois meses. Negava febre, vômitos, icterícia ou outros sintomas. Ao exame físico, encontrava-se em regular estado geral, eutrófica, hidratada, dispneica (+2/+4) com diminuição do murmúrio vesicular em base esquerda, abdômen doloroso em repouso e à palpação em hipocôndrio e flanco esquerdos, sem sinais de peritonite ou tumor palpável, com normalidade do restante do exame clínico. A TV de abdômen total revelou esplenomegalia com uma massa expansiva intra-esplênica de 10,5 x 10,0cm de diâmetro, com áreas de liquefação e necrose central em seu interior associada a um derrame pleural volumoso a esquerda (Figura 1). A laparotomia subcostal esquerda na urgência identificou esplenomegalia volumosa no intra-operatório. Procedeu-se à esplenectomia total sem intercorrências, subsequente sutura da parede abdominal por planos e toracostomia à esquerda. À abertura do espécime operatório, encontramos tumoração de aspecto friável e com áreas de necrose (Figura 2). Evoluiu com melhora clínica e sem intercorrências. O anatomopatológico evidenciou linfoma não-Hodgkin difuso de grandes células B. Foi transferida ao Serviço de Hematologia para realização da quimioterapia com esquema R-CHOP. Foram realizadas sorologias para hepatites virais e anti-HIV, todas negativas. Além disso, no estadiamento desta paciente pela tomografia computadorizada por emissão de pósitrons (PET) não foi visualizado outros sítios de linfoma (somente em linfonodos peri-esplênicos) e a biópsia da medula óssea não apresentou células tumorais. Figura – Imagem de massa intra-esplênica com necrose central. Discussão A avaliação do paciente com LNH inclui anamnese e exame físico. Mais de dois terços dos pacientes apresentam-se com linfadenopatia e sintomas B (febre, sudorese noturna e emagrecimento) são observados em cerca de 40%, indicando doença agressiva. No entanto, a paciente do relato não apresentou linfadenopatia ou sintomas B, o que dificultou o diagnóstico2,3,5. Aproximadamente 20% dos pacientes têm massa mediastinal e cerca de 3% a 8% podem cursar com síndrome de veia cava superior. Além disso, doença extranodal (outros sítios, exceto linfonodos, baço ou medula óssea) é observada em 10% a 35% dos casos, acometendo principalmente o trato gastrintestinal. A medula óssea (MO) está infiltrada em 30% a 50% dos pacientes, mais comumente nos linfomas indolentes 1-3,5 . No entanto, no estadiamento da paciente, não foi visualizada doença extranodal ou acometimento da medula óssea. O LNH é o terceiro tipo de câncer que apresentou o maior aumento na incidência, somente após o melanoma, primeiro lugar e o câncer de pulmão, segundo1. Evidenciou-se que, no LNH, o baço é geralmente afetado (50% a 80%) no decorrer das autópsias de mortes por este linfoma5. O termo linfoma esplênico primário (LEP) refere-se a uma variedade de linfomas em que a doença começa no baço, o que é uma forma rara de apresentação de linfomas (<1%). O LEP apresenta sítio único no baço (esplenomegalia) e ausência de linfadenopatia periféricas3-5, sendo este o caso da paciente e sua incidência é raríssima entre os linfomas. O diagnóstico do LEP é realizado se houver isoladamente esplenomegalia na ausência de qualquer outra linfadenopatia, especialmente nos linfonodos peri-hepáticos, para-aórticos ou mesentéricos. O mais interessante mostrado nos trabalhos é que o diagnóstico de LEP só é fechado após 6 meses de tratamento, sem recidivas após a remoção do baço. Além disso, a idade média de início da LEP é de 36 anos, com um intervalo entre 22 e 48 anos, no entanto, a paciente descrita acima encontrava-se fora desse intervalo de maior incidência. A incidência do LEP é mais comum em mulheres com uma proporção de 4:1, neste quesito a paciente em questão, como era do sexo feminino, fazia jus a literatura3-5. Os métodos mais comumente utilizados ? para diagnosticar esta doença são a TC ou o PET-CT, que proporcionam fácil detecção tumoral. No entanto, o diagnóstico definitivo requer a esplenectomia e posterior estudo histopatológico do espécime cirúrgico1,3,5. Referências Figura – Baço com tumor central. Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 140 - 141, out / nov / dez 2016 1. Harris NL, Jaffe ES, Diebold J, Flandrin G, Muller Hermelink K, Varkiman J, Lister TA, Bloomfield CD. World Health Organization classification of neoplastic diseases of the hematopoietic and lymphoid tissues: report of the Clinical Advisory Commitee Meeting - Airlie House, Virginia, November 1997. J Clin Oncol. 1999;17(12):3835-49. 2. Araújo LHL, Victorino APAS, Melo AS, Assad DX, Lima DS, Alencar DR, Moreira MML, Filho OM, Coelho RFS, Asmar SB, Pereira BSV, Scheliga A. Linfoma não Hodgkin de alto grau: revisão da literatura. Rev Bras Cancerol. 2008;54(2):175-83. 3. Milito CB, Morais JC, Nucci M, Pulcheri W, Spector N. Classificação dos linfomas não-Hodgkin: estudo morfológico e imunoistoquímico de 145 casos. J Bras Patol Med Labor. 2002;38(4):315-24. 4. Miller TP, Dahlberg S, Cassady JR, Adelstein DJ, Spier CM, Grogan TM, LeBlanc M, Carlin S, Chase E, Fisher RI. Chemotherapy alone compared with chemotherappy plus radiotherapy for localized intermediate and highgrade non-Hodgkin´s lymphoma. N Engl J Med. 1998;339:21-6. 5. Medina CT, Cotran RS, Vinay K, Tueker C. Patología Estructural y Funcional 6a ed. Madrid: McGraw-Hill Interamericana; 2000.p.682. 141 Relato de Caso Uso do pessário em pacientes com incompetência istmo-cervical Pessary in patients with cervical incompetence Julia Francato Chiaradia1 João Henrique de Araújo Fernandes2 RESUMO Introdução: A incompetência istmo-cervical é uma condição caracterizada pelo apagamento do colo uterino, sendo diagnosticado por meio de anamnese e exames ultrasonográficos durante o segundo trimestre da gravidez. Após o diagnóstico, existem vários tipos de práticas preventivas para evitar o trabalho de parto prematuro, dentre eles o uso do pessário. Relato de caso: Gestante de 31 anos, com 23 semanas e 4 dias de gestação, procura o serviço, com alterações em seus exame ultra-sonográfico, com diagnóstico de colo curto. Optou-se pela introdução do pessário, com sucesso, já que o seu diagnóstico foi realizado tardiamente. ABSTRACT Introduction: The cervical incompetence is a condition characterized by the deletion of the cervix and is diagnosed through a careful medical history and ultrasound exams during the second trimester of pregnancy. After the diagnosis, there are several types of preventive practices in order to avoid premature labor, including the use of pessary. Case report: A pregnant 31, at 23 weeks and 4 days gestation, requesting the service, with changes in their sonographic examination, was diagnosed with short cervix. We opted for the introduction of the pessary successfully since its diagnosis was made late. Key words: Pregnancy. Cervical Incompetence. Pessary. Descritores: Gestante. Incompetência Istmo-Cervical. Pessário. Introdução A incompetência cervical é uma condição que se caracteriza pela perda fetal recorrente no segundo trimestre da gravidez, em consequência da insuficiência do sistema de oclusão do colo uterino. Essa inabilidade do colo uterino em manter-se convenientemente ocluído pode ser consequente a um defeito estrutural ou funcional. Geralmente, ocorre dilatação cervical indolor, ausência de sangramento, protrusão das membranas ovulares na vagina e posterior rotura de membranas, seguida de expulsão fetal, na maioria das vezes com produto conceptual ainda vivo. A incompetência cervical é responsável por 10 a 20 % dos abortamentos de repetição¹. O diagnóstico clínico de incompetência cervical é baseado fundamentalmente na historia obstétrica de perdas fetais recorrentes no segundo trimestre da gravidez (entre 12 e 20 semanas) ou partos prematuros extremos (entre 21 e 32 semanas de gestação)². A ultra-sonografia transvaginal, por ser exame de fácil execução e não invasivo, tem sido utilizada no diagnóstico de incompetência cervical durante a gestação. Avaliam-se, para esse diagnóstico, o comprimento da cérvix, a forma do canal cervical e a presença da protrusão das membranas amnióticas através do canal cervical³. O comprimento do colo apresenta uma distribuição normal na população e o percentil 10 entre 22-20 semanas é de 25mm. Apesar de existir alguma variação, na definição de colo curto, é este valor comumente considerado como ponto de corte³. Durante as últimas décadas, várias intervenções foram estudadas na tentativa de prevenir o trabalho de parto prematuro em mulheres com fatores de risco ou comprimento do colo curto. As intervenções mas estudadas são a prescrição de progesterona, realização de ciclorrafia ou colocação de pessário vaginal¹. O pessário vaginal é um dispositivo de silicone que é colocado no fundo do saco vaginal ao redor do colo uterino. Promove um reajustamento do ângulo formado entre o maior eixo do colo e o pavimento pélvico, fazendo com que o peso do saco gestacional seja distribuído mais para o seguimento anterior do útero e não tanto para o colo uterino². Relato de caso Paciente de 31 anos, 23 semanas e 4 dias, secundigesta, com parto cesárea anterior, procurou o ambulatório de alto risco, do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, com ultra-sonografia obstétrica recente com o diagnóstico de encurtamento de colo uterino (1,6cm) associado a bolsa protrusa e presença de sluge. A paciente relata que, em gestação anterior, apresentou amniorrexe prematura com 29 semanas, associada a cervicodilatação precoce. Foi realizado, na época, parto cesárea devido ao feto estar em posição pélvica. Devido ao diagnóstico tardio de incompetência istmo cervical em gestação atual, foi sugerido a implantação do pessário, já que não há indicação de circlagem do colo uterino, devido à idade gestacional mais avançada e presença de sluge. O pessário foi introduzido via vaginal com sucesso. Seu pré-natal ocorreu normalmente. Com 28 semanas, foi realizado um ciclo de Celestone Soluspan para gravidez. Com 38 semanas, a paciente deu entrada no serviço com diagnóstico de amniorrexe. Foi retirado o pessário com sucesso e realizado parto cesárea, devido à cesárea anterior. 1) Residente de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Chefe do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Júlia Francato Chiaradia, Rua Pará, 90, apto. 43, 11075-410 Santos/SP, Brasil Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 23/03/2016; publicado online em 20/12/2016 Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 142 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 142 - 143, out / nov / dez 2016 Discussão A incompetência cervical é uma das principais causas de trabalho de parto prematuro que pode ser evitada por meio de uma boa anamnese, exames ultra-sonográficos e diagnóstico prévio¹. Entre os fatores etiológicos da incompetência cervical, destacamse as causas traumáticas, como dilatação e curetagem; laceração cervical pós-parto traumático ou pós-abortamento; amputação ou conização do colo uterino. Pode ser ainda de origem congênita, por alteração do colágeno ou em consequência à exposição intrauterina ao dietilestilbestrol¹. Normalmente, o comprimento do colo uterino permanece praticamente estável até o início do terceiro trimestre da gravidez, quando se encurta progressivamente. Vários estudos envolvendo a ultra-sonografia transvaginal no segundo trimestre da gravidez têm demonstrado a acurácia desse exame na predição de parto prematuro em pacientes de risco para tal evento, especialmente nos casos de comprimento cervical inferior a 25mm, quando associado à antecedente de incompetência cervical ou abaixo de 20mm como fator isolado². Nos casos iniciais, observam-se dilatação do orifício interno do colo e protrusão das membranas para o interior do colo (sluge – sinal de dedo de luva)4. Quando o diagnóstico é realizado, existem algumas intervenções a serem realizadas para a sua prevenção, tais como, uso de progesterona, cerclagem e a introdução do pessário³. A realização da cerclagem do colo uterino deve ser realizada entre 14-16 semanas de gestação, do contrário, deve-se pensar em outra opção, tal como o pessário. Quando o diagnóstico da incompetência istmo cervical é tardio, a melhor opção para prevenção de trabalho de parto prematuro, é a introdução do pessário³. Referências 1. Zugaib M. Obstetrícia. 2ª ed. Barueri: Manole; 2012. pp.568-77. 2. Cubal A, Pereira S. Parto pré-termo: rastreio e prevenção. Acta Obstet Ginecol Port. 2014;8(3):276-82. 3. Bittar RE, Francisco RPV, Zugaib M. Prematuridade: quando é possível evitar? Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(10):433-5. 4. Briquet R. Obstetrícia Normal. 2ª Ed. Barueri: Manole; 2011.pp.338. Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 142 - 143, out / nov / dez 2016 143 Relato de Caso Atresia esofágica Esophageal atresia Natália Marques Rodrigues¹ Mariana Rodrigues Guelli² RESUMO Introdução: A atresia de esôfago (AE) é uma malformação congênita caracterizada pela formação incompleta do esôfago que geralmente está associada a outras malformações. Suspeita-se de AE quando há poli-hidrâmnio materno no prénatal, interrupção da progressão da sonda de alimentação em sala de parto e salivação excessiva e espumosa pela boca após nascimento, entre outros sinais e sintomas clínicos. Feito o diagnóstico, a estabilização clínica, pulmonar e de anomalias associadas, a correção cirúrgica é indicada. Relato de caso: Trata-se de recém-nascido cuja mãe, durante gestação, apresentou poli-hidrâmnio com aumento do ILA e da altura uterina, já sugerindo atresia de esôfago. Após o nascimento, a salivação excessiva e duas tentativas de passagem de sonda nasogástrica sem sucesso confirmaram a hipótese diagnóstica. Considerações: Trata-se do caso de um récemnascido com uma hipótese diagnóstica de atresia esofágica desde o pré-natal que se confirmou ao nascimento com o quadro clínico e com exames complementares. Apesar do diagnóstico ter sido feito precocemente, o caso não teve uma boa evolução. ABSTRACT Introduction: Esophageal atresia (EA) is a congenital disease that is characterized by the absence of a segment of the esophagus, which is commonly associated with other congenital anomalies. EA is suspected when patients have polyhydramnios in the prenatal care, abundant salivation after birth and a failed gastric poll. After the diagnosis is established and having reached clinical stabilization, the surgical treatment can then be indicated. Case report: A new born baby during the pregnancy developed polyhydramnios, with an increase in amniotic fluid. This suggested EA. After the baby was born, the salivation and the failed attempts of passing the gastric probe confirmed the diagnosis. Considerations: This case report describe a newborn with a possible diagnosis intrauterine which was confirmed after birth with clinical condition and sample tests. Despite early diagnosis the case had not a good outcome. Key words: Atresia. Esophageal. Congenital Malformations. Tracheoesophageal Fistula. Descritores: Atresia. Esôfago. Malformações Congênitas. Fístula Traqueo-Esofágica. Introdução A atresia de esôfago (AE) é a malformação congênita mais comum do esôfago, tendo sido descrita inicialmente por Durston (1670) e Gibson (1969) em sua forma de apresentação mais comum, associada à fístula traqueo-esofágica distal (FTE)¹. É um defeito congênito relativamente comum de etiologia desconhecida, que consiste em uma falta de continuidade do esôfago com ou sem comunicação com a via áerea2. Mais de 50% dos casos apresentam outras anomalias congênitas associadas, sendo mais comuns as cardíacas, as urinárias e as do trato gastrointestinal¹. O manejo da AE é ainda um grande desafio. O índice de sobrevida está na dependência da prematuridade, malformações congênitas associadas e atraso no diagnóstico, o que acarreta complicações pulmonares, daí a importância fundamental do diagnóstico precoce3. Relato de caso Trata-se de recém-nascido (RN) do gênero masculino nascido de parto cesárea a termo (38 semanas e 3 dias), apgar de 6 no primeiro minuto, 7 no quinto minuto e 8 no décimo minuto, peso de nascimento: 2575g (pequeno para idade gestacional). A mãe apresentou poli-hidrâmnio durante gestação, sendo necessária a retirada de aproximadamente 1 litro e meio de líquido amniótico no terceiro trimestre. A último ultra-sonografia gestacional apresentava um ILA = 28,1cm e a altura uterina estava aumentada (38cm). Na sala de parto, foi necessária estimulação externa, máscara aberta com oxigênio e passagem de sonda nasogástrica, sem progressão. Ao exame físico, apresentava-se em regular estado geral, sem alteração do aparelho respiratório e cardíaco. Foi encaminhado para a UTI neonatal para melhor suporte hemodinâmico e investigação de AE. Na UTI, ao exame físico, evoluiu com salivação excessiva, sendo realizada nova tentativa de passagem da sonda nasogástrica sem sucesso. Notou-se a presença de sons semelhantes a borbulhamento em estômago, sugerindo fístula, fácies sindrômicas, malformação de pavilhão auricular bilateral, assimetria facial e retrognatia. Foi mantido em decúbito elevado, com sistema de aspiração de esôfago (Venturi), intubação orotraqueal em ventilação mecânica, jejum, iniciado antibioticoterapia (ampicilina + sulbactam e gentamicina). A radiografia tóraco-abdominal confirmou o diagnóstico de AE com fístula; o ecocardiograma mostrou uma comunicação 1. Residente de Pediatria do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 2. Médica Pediatra do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Instituição: Serviço de Pediatria do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Natália Marques Rodrigues, Rua Frei Francisco Sampaio, 122, apto 51 – 11040-220 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 23/03/2016; publicado online em 20/12/2016 Conflito de interesse: Nenhum. Fonte de Fomento: Nenhuma 144 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 144 - 145, out / nov / dez 2016 interventricular muscular média (aproximadamente 2mm) e uma comunicação interatrial do tipo óstium secundum (aproximadamente 2mm); a ultra-sonografia transfontanela e de rins e vias urinárias não mostrou alterações. Com 48 horas de vida, foi submetido à cirurgia para correção da AE com fístula distal, no qual foi realizado esofagoplastia com tratamento de fístula. Após a operação, apresentou hipertensão pulmonar, insuficiência renal aguda e choque, evoluindo a óbito com 12 dias de vida. Discussão A AE consiste na interrupção da luz esofágica na sua porção torácica acompanhada da falta de um segmento; em 90% dos casos, existe uma fístula que comunica o segmento esofágico distal com a traquéia, próximo de sua bifurcação. Nos demais casos não existe trajeto fistuloso (8%) ou existe fístula traqueoesofágica com o segmento proximal ou com os 2 segmentos (2%)4. É a causa mais frequente de cirurgia torácica no recém-nascido, com uma incidência de 1:3.000 nascidos. Tem discreta predominância pelo gênero masculino e por caucasianos5. A causa exata desse complexo é desconhecida; supõe-se que ocorra um distúrbio do desenvolvimento na formação e separação do intestino anterior primitivo em traqueia e esôfago. Durante a vida fetal precoce, o esôfago e a traquéia consistem em um tubo único, que mais tarde se dividem em duas estruturas, por meio de uma dobra na parede lateral do intestino anterior. Se esse processo for incompleto e as paredes laterais do mesoderma deixarem de encontrar-se em algum ponto, ocorrerá o aparecimento da fístula esofagotraqueal. Se os folhetos laterais girarem dorsalmente durante o desenvolvimento das duas estruturas, interrompendo a passagem do lúmen esofágico, resultará atresia. Além disso, anoxia intra-uterina ou estresse levando ao comprometimento vascular poderá causar necrose focal do esôfago, tendo como resultado atresia ou comunicação esofagotraqueal6. Cerca de 50% dos bebês com atresia esofágica têm anomalias associadas.³ As anomalias mais comumente associadas são: · Cardíacas (ducto arterioso patente, comunicação interatrial e interventricular, defeitos complexos): são as mais frequentes e responsáveis, em parte, pela mortalidade desses RN; · Gastrintestinais: anomalia anorretal e obstruções duodenais, incluindo más rotações intestinais, são as mais comuns; · Geniturinária: malformações renais e ureterais; · Neurológicas: neurocristopatias cefálicas – anomalia de diferenciação da crista neural; têm relação com a AE isolada e anomalias cardiovasculares; · Esqueléticas: vertebrais. Existe uma associação de malformações particularmente comum, conhecida pela sigla VACTERL (V - anomalias vertebral, A arroretal, C - cardíaca, TE - fístula traqueo-esofágica, R - renais e do osso rádio, L – extremidades)¹. A suspeita deve ser feita já no período pré-natal, diante de polihidrâmnio, que pode ser diagnosticado pelo exame físico da gestante ou pela ultra-sonografia¹. Se houver suspeita, uma sonda alimentar de maior calibre deve ser passada e verificada para estabelecer se alcança o estômago. Se não for diagnosticada ao nascimento, a manifestação clínica é de salivação e baba persistente da boca depois do nascimento, associadas a episódio de cianose e choque. Se o diagnóstico não for realizado nesse estágio, a criança pode tossir e se sufocar durante a alimentação. Pode haver aspiração para o interior dos pulmões de saliva (ou leite), de secreção de vias aéreas ou ácidas do estômago7, predominando o quadro respiratório, com aparecimento de pneumonias aspirativas e atelectasias. O abdome pode estar distendido (pela fístula) ou escavado (sem fístula)¹. Para confirmação radiológica, após colocação da sonda injeta-se de 10 – 20 ml de ar e realiza-se radiografia de tórax e abdome para analisar: Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 144 - 145, out / nov / dez 2016 · Presença de coto superior do esôfago atrésico cheio de ar; Campos pulmonares: atelectasias, pneumonias; · Tamanho da silhueta cardíaca; · Presença de ar no abdome indicativo de atresia com fístula. Na atresia sem fístula, o abdome é vazio. Adicionalmente, o diagnóstico de qualquer obstrução ou atresia intestinal poderá ser feito; Analise da imagem dos ossos, principalmente vértebras8. Uma vez levantada a hipótese diagnóstica de AE, esta deverá ser confirmada seguida do reconhecimento do tipo de anomalia6. O tamanho do coto proximal, a altura da fístula e a distância entre os cotos são fatores que determinam o grau de dificuldade da correção cirúrgica¹. Antes da cirurgia, mantém-se o paciente em decúbito ventral para diminuir qualquer tendência do conteúdo gástrico atingir os pulmões. A bolsa esofágica deve ser mantida vazia por sucção constante para evitar aspiração das secreções. Deve-se dar atenção especial ao controle de temperatura, função respiratória e tratamento das anomalias associadas³. A antibioticoterapia deve ser instituída precocemente com penicilina e amicacina, além da vitamina K, na dose de 1mg intramuscular6. O tratamento cirúrgico da AE não é indicado de emergência, mas a cirurgia corretiva deve ser realizada assim que a investigação laboratorial e por exames de imagem tenham sido concluídas¹. A cirurgia em questão vai depender das condições clínicas da criança e do tipo da atresia. Em atresia com fístula, indica-se a esofagoplastia, realizada através de toracotomia extrapleural à direita, com ou sem gastrostomia simultânea6. Atresia sem fístula existe uma separação grande entre os cotos esofágicos, portanto, não é possível realizar de primeira intenção uma anastomose T-T². Com os avanços do tratamento, a mortalidade diminuiu drasticamente, havendo sobrevida próxima de 95% nos dias de hoje. A criança portadora de AE tem alta possibilidade de cura com uma boa qualidade de vida, porém, ainda é uma afecção fatal se não diagnosticada e tratada precocemente5. Referências 1- Campos D, Burns DAR, Lopez FA. Tratado de Pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. 3a ed. Barueri: Manole; 2014. 2- García H, Gutiérrez MF. Manejo multidiciplinario de los pacientes com atresia de esófago. Bol Med Hosp Infant Mex. [periódico online] 2011. Disponível em: http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1665 -11462011000600010 3- Murahovschi J. Pediatria: Diagnóstico + Tratamento. 6ª ed. São Paulo: Savier; 2006. 4- Romagna ES, Oliveira FO, Ballardin PAZ. Atresia de Esôfago – relato de caso. 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Em torno de 5 a 15% da população geral vai desenvolver durante a vida algum tipo de reação cutânea medicamentosa, daí a importância do tema. Relato de caso: Trata-se de paciente do gênmro feminino, que apresentava lesões urticariformes, após o aumento da dose de seu anticonvulsivante, a Carbamazepina, apresentando melhora clínica, após a suspensão da droga, associada a introdução de corticosteroides e anti-histamínicos-H1. Comentários: O manejo da farmacodermia é iniciado com a suspeita clínica de que alguma medicação possa estar ocasionando as lesões dermatológicas, sendo o tratamento baseado na suspensão da droga, além de outras medicações indicadas de acordo com a gravidade das lesões. ABSTRACT Introduction: Drug's adverse is considered an adverse reaction to medication that alters the skin composition, mucous or even presents systemic changes, with a broad spectrum of clinical manifestation. Such changes should be differentiated from those which can be expected of each drug reaction. Around 5-15% of the general population will develop some kind of drug skin reaction during the lifetime, so the importance of the issue. Case report: A female patient presented urticaria injuries after increasing the dose of the anticonvulsant Carbamazepine. Improvement occurred after the discontinuation of the drug, associated with the introduction of corticosteroids and AntiHystaminics-H1. Comments: The management of an adverse drug starts with the clinical suspicion that some medication may be causing the skin lesion and the treatment should be based on the suspension of the drug and other medication given according to the severity of the injuries. Key words: Pharmacodermia. Carbamazepine. Hypersensitivity. Descritores: Farmacodermia. Carbamazepina. Hipersensibilidade. Introdução A farmacodermia é considerada uma reação adversa a medicamentos que alteram a composição natural da pele, das mucosas ou levam a alterações sistêmicas1. Dentre suas manifestações clínicas, merecem destaque: exantema, urticária, eritema pigmentar fixo, fotossensibilidade, quadros liquenoides, acneiformes, porfirias, pigmentações e discromias, exantema pustuloso generalizado agudo, eritrodermia, vasculites e quadros vesico-bolhosos2. Tais reações podem ser consideradas previsíveis ou não. Em relação às reações previsíveis, incluem-se os efeitos colaterais e secundários, toxicidades e interações medicamentosas. Já as imprevisíveis estão associadas à suscetibilidade individual. Estudos demonstram que as reações de hipersensibilidade podem influenciar nas situações alérgicas ou não, dependendo do mecanismo desencadeante, o qual pode ter origem imunológica apesar da maior parte desses desencadeadores não estarem ligados às reações imunológicas3. Medicamentos são utilizados tanto no diagnóstico, quanto no tratamento e na prevenção de enfermidades4. O uso de drogas cresce progressivamente e é estimado que cerca de 5% a 15% dos pacientes desenvolvem durante a vida alguma reação cutânea medicamentosa5. As medicações que costumam causar um maior número de farmacodermias são: os antibióticos (principalmente penicilinas e outros â-lactâmicos), os inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), a insulina, os antinflamatórios não esteroidais (AINES), os diuréticos, os anticonvulsivantes e os anestésicos6-8. O objetivo deste estudo é apresentar o caso de uma paciente com uma farmacodermia tipo urticariforme por Carbamazepina. Relato de caso Paciente do gênero feminino, de 67 anos, caucasiana, proveniente de Santos/SP, deu entrada no Pronto-Socorro do Hospital Ana Costa com quadro de exantema em tronco, membros inferiores, membros superiores e região cervical, acompanhados de prurido urticariforme (Figuras 1 e 2). Havia dois meses, iniciou uso de Carbamazepina por quadro convulsivo de ausência, diagnosticados havia aproximadamente 20 anos. Nos últimos dias, foi recomendada a aumentar a dose da medicação, fazendo uso de 1) Residente de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP 2) Chefe da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Ana Costa, Santos/SP Instituição: Serviço de Terapia Intensiva do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Dr. Orlando Trevisan Neto, Av. Mal. Floriano Peixoto, 123, ap. 302, Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 30/03/2016; publicado online em 20/12/2016 146 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 146 - 147, out / nov / dez 2016 200mg de doze em doze horas. Além da Carbamazepina, fazia uso de fenobarbital 100mg uma vez ao dia, porém, por vários anos. Foi internada sem alterações nos exames laboratoriais, apresentando placas eritematosas de bordos irregulares confluentes, pruriginosas. Foi medicada com Hidrocortisona 1,6g por dia, inravenoso durante 4 dias, Maleato de Dexclorfeniramina 16mg por dia, via oral ao longo de 4 dias. A Carbamazepina foi substituída pelo Ácido Valpróico. Evoluiu com melhora clínica, recebendo alta cinco dias após. Figura 1 – Placas eritematosas com bordos irregulares no dorso da paciente. Figura 2 - Membro inferior esquerdo com lesões pruriginosas. de imediato. Um dado importante condizente com o diagnóstico é a observação de melhora da reação após a suspensão da droga3. A paciente obteve melhora significativa das manifestações cutâneas ao interromper o tratamento com a Carbamazepina, comprovando a suspeita diagnóstica. Algumas alternativas são utilizadas na comprovação da enfermidade, como testes de provocação, testes reintrodução da droga e testes de contato10, todavia, os riscos e custos desses testes não se justificaram na paciente descrita. A primeira medida a ser tomada em qualquer tratamento de farmacodermia é a suspensão da medicação e substituição por outra alternativa3. Se o doente fizer uso de mais de uma medicação, a indicação é de retirar-se uma droga por vez, sendo que a primeira deve ser a mais provável e assim sucessivamente. No relato, a droga anticonvulsivante Carbamazepina foi alterada para o Ácido Valpróico, que atua como inibidor de potenciais de ação GABA, no bloqueio dos canais de sódio e indicado em convulsões tônico clônicas generalizadas, parciais, mioclonias menores e acinéticas. É especialmente útil em crises de ausência9, como no nosso caso. O tratamento farmacológico em reações mais brandas, como urticárias não extensas ou angioedema palpebral, geralmente responde bem apenas com anti-histamínicos-H1 orais. Já reações mais graves requerem tratamento com urgência. Nesses casos, são empregadas medicações de acordo com a necessidade clínica como: adrenalina intramuscular, anti-histamínicos-H1 e anti-H2, drogas beta-adrenérgicas e corticosteroides11. A paciente foi medicada com corticosteroides intravenoso e anti-histamínico-H1 oral, pela extensão das lesões urticariformes. A dessensibilização a determinadas drogas deve ser indicada quando não há alternativas terapêuticas à droga que causou a reação. Os protocolos variam de acordo com o fármaco envolvido na reação, não sendo pertinente ao caso, uma vez que a droga pode ser substituída12 sem prejudicar a saúde da paciente. O relato apresentado versa sobre uma paciente com quadro urticariforme após aumento da dose de Carbamazepina, que apresentou melhora clínica, após a substituição da droga por outro anticonvulsivante, evidenciando tratar-se de uma farmacodermia. Novos estudos devem ser elaborados para maior compreensão desta enfermidade de alta prevalência na prática clínica. Referências Discussão A Carbamazepina age bloqueando os canais de sódio voltagemdependentes. É indicada em crises convulsivas parciais com ou sem crises generalizadas secundárias. Os principais efeitos adversos notados são: náuseas, vertigem, diplopia, sedação, cefaleia, insônia, tremores, alterações no comportamento, ganho de peso, reações cutâneas, entre outros9. No caso relatado, a paciente apresentou um quadro urticariforme desencadeado pelo aumento da dose da medicação, sendo o eritema fixo, como no caso descrito, a principal manifestação cutânea relacionada a anticonvulsivantes3. O diagnóstico tem como ponto de partida a suspeita clínica, a relação do aparecimento das lesões com o início da medicação ou mudanças na dose3. De maneira geral, os sintomas não aparecem Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 146 - 147, out / nov / dez 2016 1. Antonio RJ, Antonio RC. Farmacodermias. Dermatologia IberoAmericano Online. 2010 Disponível em: <http://piel-l.org/libreria/item/921>. Acesso em 01 dezembro 2015. 2. Alonzo L, Cepeda LDCL. Diagnóstico diferencial de reacciones medicamentosas adversas. Rev Centro Dermatol Pascua. 2000;9(2):120-5. 3. Ensina LP, Fernandes FR, Di Gesu G, Malaman ML, Bernd LAG. Reações de hipersensibilidade a medicamentos. Rev Bras Alergia Imunopatol. 2009;32(2):42-7. 4. Silvares MRC, Abbade LPF, Lavezzo M, Gonçalves TM, Abbade JF. Reações cutâneas desencadeadas por drogas. An Bras Dermatol. 2008;83(3):227-32. 5. Weiss M, Adkinson Jr N. Diagnostic testing fro drug hipersensitivity. Immunol Allergy Clin N Am. 1998;18:731-44. 6. Silva LM, Roselino AMF. Reações de hipersensibilidade a drogas (farmacodermias). Rev Med. 2003; 36(2):460-71. 7. Bend LAG. Alergia a medicamentos. Rev Bras Alergia Imunopatol. 2005;28(3):125-32. 8. Antunes J, Susana B, Sara P. Alergia a fármacos com manifestações cutâneas – Abordagem diagnóstica. Rev SPDV. 2012;70(3):277-85. 9. García JA, Calderón VG, Orgaz MB. Uso de los fármacos antiepilépticos en Oncología. Sociedade Española de Oncología Médica. 2013. pp.39-56. 10. Demoly P, Romano A. Recent advances in the diagnosis of drug allergy. Curr Opin Allergy Clin Immunol. 2007;7(4):299-303. 11. Volcheck GW. Clinical evaluation and management of drug hypersensitivity. Immunol Allergy Clin N Am. 2004;24:357-71. 12. Castells M. Desensitization for drug allergy. Curr Opin Allergy Clin Immunol. 2006;6:476-81. 147 Relato de Caso Coroidoretinopatia serosa central Central serous chorioretinopathy Renata Angelini Moraes1 Christianne Ruschi Neves1 Marcos Alonso Garcia2 Celso Afonso Gonçalves3 RESUMO Introdução: Introdução: Coroidoretinopatia serosa central é uma doença comum, principalmente entre homens na faixa etária de 20-45 anos que apresentam altos níveis de ansiedade, estresse emocional e personalidade tipo A. A doença é diagnosticada por meio de exame clínico, podendo ser confirmada com os exames complementares como a angiofluoresceinografia, angiografia com indocianina verde e pela tomografia de coerência óptica (OCT). O tratamento com fotocoagulação a laser é realizada somente após quatro meses do diagnóstico, caso o paciente não apresente melhora espontânea. Relato de caso: Relatamos um caso de um adulto jovem que deu entrada no pronto-socorro com queda da visão de olho esquerdo há 3 dias e após 2 meses o paciente apresentou melhora não necessitando de tratamentos. ABSTRACT Introduction: Central serous chorioretinopathy is a disease common mainly among men aged 20-45 years that present high levels of anxiety, emotional stress and type A personality. The disease is diagnosed through clinical examination and can be confirmed with the complementary examinations like the angiofluoresceinography, indocianine green angiography and optical coherence tomography (OCT). Laser photocoagulation treatment is performed only after 4 months of diagnosis, if the patient does not present spontaneous improvement. Case report: We report a case of a young adult who was admitted to the hospital with fall of vision of left eye for 3 days and after 2 months the patient improves not requiring treatment. Key words: Central Serous. Emotional Stress. Descritores: Serosa Central. Estresse Emocional. Introdução Coroidoretinopatia serosa central é um distúrbio esporádico da barreira hematorretiniana externa, caracterizado por um descolamento localizado da retina sensorial na mácula, secundário a efeitos focais do EPR. A doença atinge preferencialmente indivíduos do gênero masculino1-2 (em 85% dos casos), na faixa etária de 20 a 45 anos3-4 e está associada com alguns fatores de risco, como tensão emocional, gravidez e estresse cortisônico. O principal sintoma é a diminuição de acuidade visual3. O diagnóstico clínico é feito por meio da biomicroscopia da região macular e confirmado com exames complementares como a angiofluoresceinografia, tomografia de coerência óptica (OCT) e angiografia com indocianina verde. resceinografia nos dois olhos. No olho direito não apresentou alteração. No esquerdo, apresentou descolamento seroso na área macular com ponto de vazamento do contraste no EPR responsável pelo descolamento. O vazamento foi na forma de “fumaça de chaminé” característico da doença. As figuras de 1 a 5 mostram imagens das etapas da retinografia e angiofluoresceinografia demonstrando o vazamento em forma de “fumaça de chaminé". Figura 1. Retinografia mostrando descolamento seroso da região macular. Relato de caso Paciente de 32 anos, empresário, com personalidade tipo A, deu entrada no pronto-socorro do Hospital Ana Costa, com queixa de baixa de visão de olho esquerdo havia três dias. Referia embaçamento e metamorfopsia nesse olho. Ao exame: acuidade visual de OD = 20/20 sem correção e OE= 20/100 sem correção. Apresentou melhora da acuidade de olho esquerdo com correção de lente corretiva de +1.50 esférico. À biomicrospia, não apresentou alteração, mas, na região macular, mostrava elevação bem delimitada da retina nessa área assim como na retinografia. Para complementar e confirmar o diagnóstico, foi realizada angiofluo1- Médica Residente do Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa , Santos/SP 2- Médico oftalmologista, Preceptor de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 3- Doutor pela Universidade Italiana de Rosário. Chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos Instituição: Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Renata Angelini Moraes, Av. General Francisco Glicério, 121, Cep 11065401, Santos/SP. E-mail: [email protected] Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 30/03/2016; publicado online em 20/12/2016 Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 148 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 148 - 150, out / nov / dez 2016 Figura 2. Enchimento dos vasos da coróide com contraste de flúor. Após a confirmação do diagnóstico, orientamos o paciente a aguardar três meses para ver se apresentava melhora da doença sem tratamento ou se haveria necessidade de realizar fotocoagulação a laser. Assim que completou o tempo estimado, o paciente retornou ao hospital, realizando novo exame de acuidade visual, onde apresentou acuidade visual de 20/20 em olho direito e 20/20 em olho esquerdo sem necessidade de uso de lentes corretivas. Logo, não precisou de tratamento complementar. Discussão Figura 3. Completo enchimento dos vasos da coroide e um ponto de começo de vazamento em região inferior da mácula. Figura 4. Demonstra vazamento do contraste em região inferior da mácula. Figura 5. Aumento do vazamento do contraste semelhante a “sinal de chaminé" em região macular quando comparado a foto anterior aos 55 segundos que confirma o diagnóstico da doença. Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 148 - 150, out / nov / dez 2016 A CRSC é uma doença classicamente relacionada ao sexo masculino e ao estresse psicológico. A doença atinge preferencialmente indivíduos do gênero masculino1,2 (em 85% dos casos), na faixa etária de 20 a 45 anos3. As razões pelas quais ocorre uma maior incidência nos homens são desconhecidas. Especula-se que fatores genéticos poderiam torná-los mais susceptíveis ou as mulheres mais protegidas, porém, sem nenhuma comprovação até o momento5. Outros fatores relatados que induzem ou agravam a CRSC, além do estresse emocional, tem-se hipertensão não tratada, consumo de álcool, administração de corticoesteróides e gestação6. É uma doença idiopática caracterizada pelo acúmulo de fluido na área macular, causando descolamento seroso circunscrito da retina neurossensorial, do epitélio pigmentário da retina (EPR) ou de ambos7. O principal sintoma é o embaçamento visual associado a um escotoma, micropsia, metamorfopsia e, ocasionalmente, macropsia. A acuidade visual reduzida é frequentemente corrigível com lentes positivas devido o principal sinal da doença5. O sinal característico é a elevação da retina neurossensorial na região macular com acúmulo de líquido transparente (90% dos casos) ou turvo (10% dos casos) no espaço sub-retiniano8. Essa elevação apresenta-se geralmente plana, bem delimitada e de pequenas dimensões dificultando a observação em alguns casos. O diagnóstico clínico é feito por meio da biomicroscopia da região macular, utilizando lente de Goldmann, que possibilita observar área elevada em polo posterior. Pode ser confirmado por meio de exames complementares, como: angiofluoresceinografia, angiografia com indocianina verde e pela tomografia de coerência óptica (OCT)5. A angiofluoresceinografia (AF) tem papel importante na avaliação e confirmação da CRSC, uma vez que pode excluir doenças que levam ao descolamento neurossensorial de retina9. A AF demonstra o ponto de vazamento do contraste no EPR responsável pelo descolamento da retina neurossensorial (DNS). Esse vazamento apresenta-se em “mancha de tinta”(MT), quando a expansão do contraste acontece de uma maneira uniforme e simétrica a partir do ponto inicial; ou na forma de “fumaça de chaminé” (FC), quando o contraste ascende verticalmente até o limite superior do DNS, para então expandir-se lateralmente10. Outra exame, menos frequente, que ajuda no diagnostico é a angiografia com indocianina verde, onde observa o atraso no enchimento arterial seguido pela congestão capilar e venosa em determinadas áreas11. Os principais achados são os múltiplos pontos de vazamento na coriocapilar encontrados nas fases média e tardia do exame. Esses pontos ocorrem nas áreas de congestão vascular e diferem do exame de AFG, no qual o vazamento geralmente é único12,13. O exame de tomografia óptica de coerência (OCT) na CCS permite a observação da retina neurossensorial elevada na região da fóvea e, em alguns casos, do desprendimento do EPR. O espaço subretiniano apresenta baixa refletividade, podendo estar ocupado por massas de alta refletividade correspondentes a exsudatos fibrinosos14. A falta de conhecimento da gênese da CCS dificulta o tratamento do fator causal da doença15. A maioria dos casos não necessita de tratamento. É aconselhável esperar por quatro meses antes de considerar algum tratamento no primeiro ataque e 1-2 meses para as recorrências5. Caso não apresente melhora nesses períodos, a fotocoagulação 149 com laser de argônio pode ajudar a uma resolução mais rápida e diminuir o índice de recorrências5. Tratamento com o laser é contraindicado se o vazamento estiver próximo ou dentro da zona avascular da fóvea. Referências 1. Spaide RF, Campeas L, Haas A, Yannuzzi LA, Fisher YL, Guyer DR, et al. Central serous chorioretinopathy in younger and older adults. Ophthalmology. 1996;103(12):2070-9. 2. Tittl MK, Spaide RF, Wong D, Pilotto E, Yannuzzi LA, Fisher YL. Systemic findings associated with central serous chorioretinopathy. Am J Ophthalmol. 1999;128(1):63-8. 3. Serracarbassa PD. Coroidoretinopatia central serosa. Arq Bras Oftalmol. 2002;65(3):385-9. 4. Pimentel SLG, Costa VP, Biral EL, Nascimento C, Abujamra S. Corioretinopatia central serosa: estudo epidemiológico de 544 casos. Arq Bras Oftalmol. 1995;58(1):29-32. 5. Todd KC, Hainsworth DP, Lee LR, Madsen RW. 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A rare surgical complication treated by endoscopy Tiago Franco Vilela Filho1 Gabriel Marques Favaro2 Diego Soares Coca1 Messias Elias Neto3 Everson Luis Almeida Artifon4 RESUMO Introdução: A lesão iatrogênica de via biliar póscolecistectomia é uma complicação grave, porém, com uma baixa incidência. Dentre elas, a fístula bilio-colônica apresenta apenas alguns relatos descritos. Inicialmente, a conduta é cirúrgica. Com o advento das técnicas endoscópicas, esta se tornou uma terapêutica efetiva e alternativa à intervenção radiológica ou cirúrgica. Relato de caso: Paciente de 53 anos, feminina, diabética, com antecedente de cirurgia abdominal, submetida à colecistectomia laparoscópica eletiva, evoluiu 2º dia de pós-operatório com coleperitôneo, sendo necessária a reabordagem laparoscópica para drenagem do leito vesicular. Após 35 dias, queixou-se de saída de secreção biliosa alternada com secreção entérica pelo trajeto fistuloso do dreno. A fistulografia demonstrou contraste de alças intestinais e da árvore biliar. Realizou-se CPRE com identificação de fistula bilio-colônica e passagem de prótese plástica. Após dois meses, em nova CPRE de controle, a prótese biliar foi removida, demonstrando resolução completa da fistula bíliocolônica. Descritores: Fistula Bílio-Colônica. Pós-Operatório. Tratamento Endoscópico. ABSTRACT Introdution: The iatrogenic biliary duct injury by cholecistectomy laparoscopic is a serious complication, however, it has a low incidence. Among them, the biliary colonic fistula has only a few reported cases worldwide. Initially, the conduct is surgical. With the advent of endoscopic techniques, this has become an alternative and effective therapy to the radiological or surgical intervention. Case report: A diabetic 53 year-old female patient, with a history of abdominal surgery, underwent an elective laparoscopic cholecistectomy, evolving with coliperitoneum in the 2nd postoperative, being necessary a laparoscopic approach for the drainage of the galldbladder bed. After 35 days, she complained of alternating bilious secretion with enteric secretion output by fistula drain path. The fistulography showed staining of bowel and biliary tree. ERCP was done with identification of biliary-colonic fistula and placed a plastic biliary stent. After 2 months, in a new ERCP control, the plastic biliary stent was removed, demonstrating complete resolution of biliary-colonic fistula. Key words: Biliary-Colonic Fistula. Postoperative. Endoscopic Treatment. Introdução tografia retrógrada endoscópica (CPRE). A lesão iatrogênica de via biliar pós-colecistectomia videolaparoscópica é uma complicação grave e potencialmente com risco de vida, porém, apresenta uma baixa incidência de 0,1 – 2 %1 e apenas 30% destas são reconhecidas durante a cirurgia2. Em tais lesões, menos de 1% leva a fístula biliar interna, a maioria das quais são fístulas colédoco-duodenal1. Estas correspondem a aproximadamente 70 % dos casos3. As fístulas bilio-colônicas apresentam menos de cinco casos descritos em todo o mundo1. Inicialmente, a conduta nestes casos é tratamento cirúrgico1. Com o advento das técnicas endoscópicas, esta se tornou uma terapêutica efetiva e alternativa à intervenção radiológica ou cirúrgica2, além de ser menos invasiva, sendo o tratamento de escolha para aqueles pacientes idosos e de alto risco3. O objetivo é relatar um caso raro de fístula biliocolocutânea pós colecistectomia videolaparoscópica tratada por colangiopancrea- Relato de caso Paciente de 53 anos, feminina, diabética, com antecedente de cirurgia em andar inferior do abdômen por histerectomia e duas cesáreas, foi submetida à colecistectomia laparoscópica eletiva, tendo alta hospitalar no mesmo dia. No segundo dia de pósoperatório, retornou ao pronto-socorro com queixas de náuseas e vômitos, associada a dor abdominal difusa de forte intensidade. Ao exame físico geral, encontrava-se em regular estado geral, descorada +/4+, desidratada 2+/4+, anictérica, afebril. O abdômen estava distendido, doloroso à palpação difusa, com ruídos hidroaéreos diminuídos, DB positivo. Com isso, foi realizado uma laparoscopia diagnóstica de urgência, sendo evidenciado coleperitôneo e efetuado drenagem do leito vesicular. Após 35 dias, durante acompanhamento ambulatorial, queixou-se de saída de secreção biliosa alternada com secreção entérica pelo trajeto fistuloso do 1. Estagiário do Serviço de Endoscopia Digestiva Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2. Residente do Serviço de Endoscopia Digestiva Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 3. Preceptor de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 4.Chefe do Serviço de Endoscopia Digestiva Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 – 10° andar – 11075-905 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 07/05/2016; publicado online em 20/12/2016 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 151 - 152, out / nov / dez 2016 151 dreno - Figura 1. Negava febre, dor abdominal ou alteração do hábito intestinal. Ao exame físico, o abdômen apresentava-se globoso, flácido, indolor à palpação superficial e profunda, ruídos hidroaéreos presentes e DB negativo. A fistulografia demonstrou contraste de alças intestinais e da árvore biliar - Figura 2. Realizouse CPRE com identificação de fistula bilio-colônica - Figura 3. Optou-se por papilotomia e passagem de prótese plástica em ducto hepático direito - Figura 4. Após dois meses, referia ausência de secreção pelo orifício de dreno - Figura 5. Efetuada nova CPRE, evidenciou-se a contrastação da árvore biliar, com resolução completa da fístula bilio-colônica. Com isso, foi possível a retirada da prótese biliar plástica. Figura 5: Cicatrização do trajeto fistuloso Figura 1: Trajeto fistuloso do dreno com eliminação de secreção biliar e entérica. Discussão Figura 2: Fistulografia evidenciando contrastação da árvore biliar e alças intestinais. Figura 3: Colangiografia com identificação da fístula bilio-colônica em ducto hepático direito As fístulas biliares entéricas são complicações raras, encontradas em menos de 1% dos pacientes com afecções biliares. Geralmente são observadas em pacientes com colelitíase de longa data, úlcera duodenal. A principal causa é a colecistite aguda. As fístulas biliares pós-operatórias são descritas pós-transplante hepático, hepaticojejunostomia e, mais raramente, pós-colecistectomia. Destas fístulas, a colédoco-duodenal é a mais comum, correspondendo a aproximadamente 70% dos casos1,3,4,5. As fístulas bilio-colônicas não são tão comuns. Podem ocorrer espontaneamente, secundário à coledocolitíase e diverticulite. Após colecistectomia, há menos de cinco casos relatados em todo o mundo1,5. O quadro clínico da doença é inespecífico e inclui náuseas, vômitos, dor abdominal em quadrante superior direito associada ou não a sinais de peritonite, diarreia e sepse1,3,4,5. No caso apresentado, a paciente encontrava-se assintomática. O diagnóstico pode ser feito com fistulografia, ultra-sonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética e CPRE. Neste caso, utilizou-se a fistulografia, que evidenciou contraste da árvore biliar e alças intestinais. Com isso, foi realizado CPRE que apesar de ser um método invasivo e ter complicações, possibilita a terapêutica. O tratamento para os casos de fístulas bilio-colônicas é geralmente cirúrgico1,4,5, sendo o tratamento endoscópico reservado para os pacientes idosos e de alto risco3. Apesar de a paciente não apresentar altas comorbidades, efetuou-se o tratamento endoscópico como primeira escolha por ser menos invasivo e, consequentemente, apresentar uma menor morbimortalidade. Este caso demonstra a factibilidade do tratamento endoscópico de uma rara e grave complicação pós-cirúrgica. Referências Figura 4: Tratamento de fístula bilio-colônica com passagem de prótese biliar plástica em ducto hepático direito 152 1. Macedo FI, Casillas VJ, Davis JS, Levi JU, Sleeman D. Biliary-colonic fistula caused by cholecystectomy bile duct injury. Hepatobil Pancreat Dis Int. 2013;12(4):443-5. 2. Fasoulas K, Zavos C, Chatzimavroudis G, Trakateli C, Vasiliadis T, Ioannidis A, et al. Eleven-year experience on the endoscopic treatment of post-cholecystectomy bile leaks. AnnGastroenterol. 2011;24(3):200-5. 3. Smith J, Dasari BV, Hannon R. Biliary Colonic Fistula. Clin Gastroenterol Hepatol. 2011;9(10):A26. 4. Rice JP, Spier BJ, Soni A. Preoperative diagnosis of cholecystocolonic fistula on ERCP. N Z Med J. 2010;123(1311):69-72. 5. Balent E, Plackett TP, Lin-Hurtubise K. Cholecystocolonic Fistula. Hawaii J Med Publ Health. 2012;71(6):155-7. Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 151 - 152, out / nov / dez 2016 Relato de Caso Síndrome do desconforto respiratório agudo secundária à infecção por influenza A H1N1 Acute respiratory distress syndrome secundary to influenza A H1N1 infection Vinicius Santos Teixeira1 Regiane Oyole Frederico Relva2 RESUMO Introdução: Desde o seu descobrimento, em 2009, a pneumonia viral relacionada ao influenza A H1N1 tornou-se uma importante e reconhecida causa de insuficiência respiratória hipoxêmica em todo o mundo. O imediato reconhecimento da SDRA secundária ao H1N1 e sua imediata terapia ventilatória acarretam melhor prognóstico. Relato de caso: Trata-se de um paciente de 56 anos sem fatores de risco importantes, apresentando quadro de síndrome respiratória aguda grave decorrente ao influenza A H1N1.Evoluiu com insuficiência respiratória aguda, síndrome do desconforto respiratório agudo, insuficiência renal aguda, choque refratário ,indo ao óbito no 13º dia de internação. Descritores: Vírus da Influenza A Subtipo H1N1. Síndrome Desconforto Respiratório Agudo. Respiração Artificial. Introdução Em 2009, uma pandemia disseminada por influenza A H1N1 registrou, até abril de 2010, pelo menos 17.483 óbitos no mundo inteiro¹. Dados do Ministério da Saúde, resultantes da avaliação de 47 semanas epidemiológicas (SEs), revelaram que a infecção por H1N1 caracterizava-se por febre, tosse e dispneia e estava presente em todas as regiões do país². O diagnóstico é feito principalmente pela pesquisa rápida em swab de nasofaringe por meio de real-time polymerase chain reaction (real-time PCR; reação em cadeia da polimerase em tempo real)². Os achados de tomografia computadorizada alta resolução (TCAR) de tórax mais comuns foram opacidades em vidro fosco (85%), consolidação (64%) ou a combinação de ambos (58%). Outros achados foram nódulos do espaço aéreo (25%), espessamento das paredes brônquicas (25%), espessamento de septos interlobulares (21%), padrão de pavimentação em mosaico (15%), espessamento perilobular (3%) e aprisionamento aéreo (3%). As alterações foram frequentemente bilaterais (89%), com distribuição não específica (68%)³. A maioria dos pacientes com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) secundária à influenza H1N1 apresentava macroscopicamente pulmões “pesados”, com edema difuso, áreas de consolidação e hemorragia. A doença revela dano alveolar difuso, eventualmente com hemorragia e bronquiolite necrotizante. Observam-se microtrombos em mais de 30% dos ABSTRACT Introduction: Since its discovery in 2009, the viral pneumonia related to influenza A H1N1 has become an important and recognized cause of hypoxic respiratory failure worldwide. The immediate recognition of ARDS secondary to H1N1 and its immediate ventilatory therapy carry a better prognosis. Case report: This is a patient of 56 years without major risk factors, presenting severe acute respiratory syndrome frame due to influenza A H1N1. He evolved with acute respiratory failure, acute respiratory distress syndrome, acute renal failure, refractory shock going to death on the 13th day of hospitalization. Key words: Influenza A Virus Subtype H1N1. Acute Respiratory Distress Syndrome. Artificial Breath. casos². A pesquisa tecidual do vírus é quase sempre positiva por meio de real-time PCR. Evidências de infecção bacteriana associada são vistas em 38% dos casos. A gravidade é dividida em três grupos: leve: quando não ocorre dispneia ou maiores alterações no estado geral; progressiva: quando, além dos sintomas usuais, ocorrem dor torácica, piora da oxigenação, hipotensão, confusão mental, desidratação e exacerbação de doenças crônicas, como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência renal, diabetes, entre outras; e grave: quando ocorre hipoxemia que demanda oxigênio suplementar ou ventilação mecânica, radiografia de tórax alterada, encefalite, choque, miocardite, rabdomiólise ou superinfecção bacteriana. Achados laboratoriais incluíam elevação da desidrogenase lática, creatinofosfoquinase e linfopenia². Relato de caso Paciente do sexo masculino, 56 anos, apresentava queixa de tosse seca, febre de 39°C, dispneia, mialgia, sudorese e náusea por 7 dias. Referia uso prévio de amoxicilina e, no momento, de avalox. Procurou serviço de pronto-atendimento algumas vezes, sem remissão do quadro. Os exames laboratoriais demonstraram: hemoglobina, 12,9 g/dL; hematócrito, 39%; leucócitos, 3.700/mm3; linfócitos 14% (0-0-82-1-0-14-3); plaquetas, 154.000/mm3; Proteína C Reativa 163,2 mg/mL; uréia: 8mg/dL; creatinina: 0,8mg/dL; Sódio 1) Estagiário de Medicina Intensiva do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Médica Chefe da Unidade de Medicina Intensiva do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Unidade de Medicina Intensiva do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 – 4° andar – 11075-905 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 29/03/2016; publicado online em 20/12/2016 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 153 - 155, out / nov / dez 2016 153 133 mEq/L; Potássio 3,7 mEq/L; CPK 1239 U/L. A radiografia simples de tórax (Figura 1) demonstrava infiltrado intersticial difuso. A tomografia de tórax (figura 2) revelou áreas de consolidação e opacidades em vidro fosco, espessamento de paredes brônquicas e aprisionamento aéreo. Ao exame físico, mostrava-se em regular estado geral, temperatura, 37,8°C. À ausculta pulmonar, apresentava estertores crepitantes difusos em ambos os pulmões, frequência respiratória 35 irpm. SpO2 = 79% sob máscara de Venturi 50% 10L/min . A gasometria arterial apresentou: pH: 7,47; PO2: 49,8 mmHg; PCO2: 32,5 mmHg; HCO3: 23,2 mmol/l; TCO2: 24,2 mmol/l; BE: 0,4 mmol/l ; SO2:87,7%. Foi encaminhado paciente a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) com APACHE II de 12 pontos. À admissão, optou-se pela ventilação não invasiva - CPAP; corticoterapia; isolamento respiratório; início empirico de cobertura antimicrobiana, antiviral e antifúngica (Vancomicina 2 g/dia + Meronem 3g/dia + Bactrim 240mg/1200mg/dia + Osetalmivir 300mg/dia + Fluconazol 400mg/dia). Foram colhidas culturas (hemocultura, urocultura e cultura de secreção traqueal), swab orofaríngeo para pesquisa de H1N1, sorologias para legionela, micoplasma, citomegalovírus e teste rápido para HIV; ecocardiograma transtorácico dentro da normalidade. Em 12 horas, apresentou piora da dispneia, sendo submetido à intubação orotraqueal. Desenvolveu, em 72 horas de infecção, piora das opacidades radiológicas difusas pulmonares com área cardíaca normal (Figura 3), retenção de escórias sanguíneas, relação PO2/FiO2 < 100 mmHg e aumento de enzimas musculares. No 4°dia, foi necessária terapia de substituição renal pela hemodiálise e realizada biópsia pulmonar aberta. Dentre os exames colhidos na admissão, a única positividade foi para influenza A (linhagem suína pdm09) H1N1 e o anatomopatológico da biópsia pulmonar aberta revelou trombose vascular pulmonar, enfisema pulmonar com regiões de membrana hialina e pneumonia intersticial inespecífica. A ventilação mecânica requereu parâmetros caracterizados por PEFP entre 15 a 25 cmH2O, FiO2 de 100%, Pressão Platô de 30 cmH2O e I:E de 1:2; Insuflação Traqueal de Gás (ITG) a 8L/min, com infusão contínua de bloqueador neuromuscular atracúrio 0,4 mg/Kg . Evoluiu com mais de 20 pontos da escala APACHE II. Desenvolveu instabilidade hemodinâmica refratária pela infusão de volume e de vasopressores. A evolução clínica seguiu uma ordem de acometimento inicial das vias aéreas superiores e inferiores, seguida de insuficiência nefropulmonar aguda, associada com a síndrome do desconforto respiratório agudo, rabdomiólise, insuficiência renal aguda, indo a óbito no 13° dia de internação. Figura 2. TC de tórax³. Áreas de consolidação opacidades em vidro fosco, espessamento de paredes brônquicas e aprisionamento aéreo Figura 3. Radiografia simples de tórax após 72h de evolução Figura 1. Rx de tórax de admissão Discussão A influenza é considerada uma doença que causa morbimortalidade no mundo inteiro¹. A gravidade da afecção está relacionada com alguns fatores como agressividade do vírus, características inerentes ao hospedeiro, retardo no diagnóstico e, consequentemente, no tratamento da doença, além da identificação inapropriada das possíveis complicações¹. Após o diagnóstico da evolução da IRpA para SDRA, o tratamento da síndrome deve ser rápido e prontamente iniciado, com utilização de ventilação mecânica invasiva (VMI)¹. No início (primeiras 48 a 72 horas) do ajuste da ventilação mecânica em pacientes com SDRA (todas as categorias de gravidade - leve, moderada e grave), são recomendados modos controlados: Ventilação Controlada a Volume (VCV) ou Ventilação Controlada a Pressão (PCV). Se SDRA leve, sob ventilação assistida, Volume Corrente (VC) deve ser ajustado em 6mL/kg 154 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 153 - 155, out / nov / dez 2016 (considerando-se peso predito). Na SDRA moderada ou grave, sob ventilação assistida ou controlada, VC deve ser ajustado entre 3 e 6mL/kg (considerando-se peso predito). Deve-se usar a menor FiO2 possível para garantir SpO2 >92% em todos as categorias de gravidade SDRA. Buscar manter pressão de platô (Pplatô) = 30cmH2O. Em casos de SDRA moderada e grave, quando a PEEP usada for elevada (geralmente >15cmH2O), pode-se tolerar Platô de, no máximo, 40cmH2O, desde que necessariamente a pressão de distensão seja mantida =15cmH2O. Recomenda-se iniciar com f=20rpm e, caso necessário, aumentar até 35rpm, desde que não ocasione auto-PEEP, de acordo com a PaCO2 almejada (manter <80mmHg). Em casos de SDRA moderada ou grave, submetidos a estratégia de hipercapnia permissiva com VC = 6mL/kg de peso predito, a frequência pode ser ajustada até 45rpm, desde que não ocasione auto-PEEP. Nos casos de SDRA com relação pO2/FiO2 <120mmHg sob sedação profunda, utiliza-se cisatracúrio nas primeiras 48 horas de suporte ventilatório. Deve-se usar a ventilação mecânica em posição prona em pacientes com SDRA com relação PaO2/FIO2 <150 por pelo menos 16 horas por sessão. Recomenda-se óxido nítrico (NO) inalatório em pacientes com SDRA grave com hipertensão pulmonar aguda e falência de VD, monitorizando-se a resposta, e titular a dosagem de partes por milhão (ppm).Nos casos de hipoxemia refratária definida como uma relação P/F < 80mmHg, com FiO2 >80%, após realização das manobras adjuvantes e de resgate para SDRA grave por pelo menos 3 horas, usar oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) veno-venosa nos centros com essa tecnologia disponível. No caso em questão, evidencia-se a evolução desfavorável relacionado ao diagnóstico tardio, mesmo após inicio de terapia de amplo espectro (antibiótico, antiviral, antifúngico) e suporte ventilatório invasivo de acordo com os protocolos para síndrome do desconforto respiratório agudo5. Referências 1. Soares SS, Janahú LT. O suporte ventilatório no tratamento da influenza a h1n1 em unidade de terapia intensiva. Rev Pan-Amaz Saúde . 2011;2(1):79-84. 2. Kalichsztein M, Nobre GF. Síndrome do desconforto respiratório agudo secundária à infecção por influenza a H1N1. Pulmão. 2011;20(1):59-63. 3. Amorim VB, Rodrigues RS, Barreto MM, Zanetti G, Hochhegger B, Marchiori E. Pneumonia por vírus influenza a h1n1: aspectos na tomografia de alta resolução. J Bras Pneumol. 2013;39(3):323-9. 4. Marchiori R, Bredt CSO,Campos MM, Negretti F, Duarte PA. Influenza pandêmica a/h1n1: análise comparativa de alterações histopatológicas pulmonares. Einstein. 2012;10(3):306-11. 5. Barbas CS, Ísola AM, Farias AM, Cavalcanti AB, Gama AM, Duarte AC et al. Recomendações brasileiras de ventilação mecânica 2013 : parte I. Rev Bras Ter Intens. 2014 ;26(2):89-121. Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 153 - 155, out / nov / dez 2016 155 Artigo de Revisão Bevacizumabe como medicação para o tratamento da radionecrose do sistema nervoso central Bevacizumab as treatment for radionecrosis of central nervous system Vinicius Santos Teixeira1 Regiane Oyole Frederico Relva2 RESUMO A radionecrose é uma das sequelas mais graves do tratamento radioterápico no sistema nervoso central, devido a comprometimento neurológico e limitações funcionais que seu desenvolvimento impõe ao paciente. Sua ocorrência deve-se a mecanismos ainda não totalmente conhecidos, que incluem desestabilização de células endoteliais, gerando hipóxia e necrose tecidual com ativação de citocinas e fator de crescimento vascular endotelial, que gera formação de neovascularização, instabilidade vascular e edema. Atualmente, a primeira opção de tratamento é o uso de corticoterapia, porém, seu uso crônico gera efeitos colaterais que limitam qualidade de vida. Este estudo mostra a eficácia do Bevacizumabe no tratamento da radionecrose, evidenciando redução de edema e do uso de corticoide e melhora de função neurocognitiva nos pacientes submetidos a este tratamento. Entretanto, o nível de evidência para sua utilização na prática clínica ainda é fraco. Necessita-se da realização de grandes estudos randomizados, duplo cego, placebo controlado com número mais expressivo de participantes, para confirmação de tais benefícios. ABSTRACT The radionecrosis is the most serious complications of radiotherapy in the central nervous system due to neurological changes and functional limitations that may occur. Its occurrence is due to not yet understood mechanisms including destabilization of endothelial cells causing tissue hypoxia and necrosis with activation of cytokines and vascular endothelial growth factor, which generates the formation of neovascularization, vascular instability and swelling. The first choice of treatment is corticosteroid therapy, whose chronic use generates side effects that limit the quality of life. This review highlights the efficacy of Bevacizumab in the treatment of radionecrosis showing edema and use of corticosteroids reduction and improved neurocognitive function in patients undergoing this treatment. However, the level of evidence for the use in clinical practice is still weak. It is necessary more studies randomized, double blind, controlled, with more significant number of participants to confirm such benefits. Key words: Radionecrosis. Central Nervous System. Bevacizumab. Descritores: Radionecrose. Sistema Nervoso Central. Bevacizumabe. Introdução A radioterapia baseia-se no uso de radiação ionizante para tratamento de tumores malignos e doenças benignas. Em 1896, foi tratado o primeiro paciente com radiação e em 1899 o primeiro caso de câncer1. O avanço da Física e Engenharia Nuclear permitiu o desenvolvimento de novas formas de direcionamento desta energia, propiciando melhor concentração em volume-alvo e maior proteção a tecidos normais. Entretanto, efeitos colaterais secundários à radioterapia são inerentes ao tratamento2,3. As lesões do sistema nervoso central secundárias ao tratamento radioterápico podem ser classificadas em três categorias: aguda, que se inicia em semanas; tardia precoce, com início em semanas até três meses; e tardia remota, que se manifesta após três meses do início do tratamento2,4,5. A radionecrose é uma das toxicidades mais limitantes decorrentes do tratamento radioterápico do sistema nervoso central, já que sua ocorrência pode gerar sequelas neurológicas e limitação funcional. Ocorre, em média, em 5% dos pacientes tratados, como uma complicação tardia remota com instalação geralmente, após três meses do tratamento, sendo fatores determinantes de sua ocorrência: o volume a ser tratado, a dose ofertada durante o tratamento, fracionamento da dose e a associação com quimioterapia4,6,7. Histologicamente, em tecidos de radionecrose, observa-se necrose coagulativa do parênquima cerebral associado à fibrose de vasos, áreas de desmielinização, morte de oligodendrócitos, edema axonal, gliose reativa e quebra de barreira hemato-encefálica8. Estudos pré-clínicos puderam definir que doses de radiação acima de 18Gy induzem a hipóxia tecidual e, com isso, a aumento de 1) Residente de Oncologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil 2) Médica Oncologista do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil 3) Médica Oncologista Chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil Instituição: Serviço de Oncologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil Correspondência: Rua Pedro Américo, 60, 10º andar - 11075-400 Santos/SP, Brasil. E- mail: [email protected] Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 19/09/2016; publicado online em 20/12/2016 156 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 156 - 158, out / nov / dez 2016 expressão de fator de crescimento vascular endotelial por astrócitos, induzindo formação de neovascularização com fragilidade capilar, quebra de barreira hematoencefálica e edema9. O tratamento das lesões causadas ? pela radiação, em especial a radionecrose, continua a ser problemática, pois existem poucos dados de ensaios clínicos para informar as decisões de tratamento, além das dificuldades em obter-se diagnóstico por meio de exames de imagem de alto custo e difícil acesso6,10. Atualmente, o uso de corticóide é a primeira medida instituída para o controle sintomático por meio de redução de edema, porém, com seu uso crônico, iniciam-se efeitos colaterais limitantes à qualidade de vida do paciente8,11. Outras medidas como uso de anticoagulantes, antiplaquetários, vitaminas e oxigênio hiperbárico, apresentam resultados conflitantes e, por vezes, desanimadores. Em último caso, a abordagem cirúrgica como tentativa de controle de hipertensão intracraniana e déficit neurológico passa a ser também um tratamento factível11,12. Diante desse cenário, vem sendo avaliado o uso do Bevacizumabe, um anticorpo monoclonal murino humanizado, aprovado para tratamento de câncer de cólon metastático, câncer de mama, tumores de pulmão não pequena células, tumores de ovário e na terapia de segunda linha para tratamento do glioblastoma, agindo sobre o fator de crescimento vascular endotelial, inibindo a neovascularização e, assim, promovendo controle de permeabilidade vascular e redução de edema6,8,11,12. Relatos e séries de casos sugerem benefícios do tratamento com antiangiogênico para controle de radionecrose em pacientes com tumores primários e metastáticos do sistema nervoso central, como redução do uso de corticóide e melhora cognitiva, após uso de bevacizumabe4,5,6. Embora a literatura evidencie casos de benefício com uso de Bevacizumabe, não existe consenso sobre sua indição, dose a ser utilizada, tempo de uso, tempo de controle de resposta obtido e efeitos colaterais11,13. O objetivo deste estudo é avaliar estudos clínicos, em que se fez uso de Bevacizumabe para tratamento de radionecrose em pacientes com tumores primários e metastáticos do sistema nervoso central, buscando traçar critérios de indicação, dose utilizada, tempo de uso, desfecho clínico e ocorrência de efeitos colaterais. Métodos Foi realizada revisão da literatura nas bases de dados Lilacs, IBECS, MEDLINE, Biblioteca Cochrane, Scielo, Pubmed, estudos clínicos tendo como descritores: “radiation”, “necrosis”, “brain”, “bevacizumab” e selecionados estudos de interesse em que se fez uso do Bevacizumabe para tratamento da radionecrose. Resultados Foram obtidos 13 estudos clínicos, sendo sete relatos de casos, cinco séries de casos e um único ensaio clínico randomizado, duplo-cego, placebo-controlado. Estes estudos envolveram tumores primários de sistema nervoso central, tumores metastáticos, sendo os principais sítios primários: pulmão, mama e melanoma e radionecrose de sistema nervoso central secundário a tratamento radioterápico de tumores de nasofaringe. Como critérios de indicação de Bevacizumabe em todos os estudos foram relatados piora de déficit cognitivo ou alterações neurológicas variadas, persistentes após uso de terapia com corticóide em altas doses ou com início concomitante com corticoide. Quanto à dose utilizada, os estudos variaram de 5mg/kg cada duas semanas a 10mg/kg cada duas semanas, com tempo de uso da medicação variando de três semanas a 17 meses, conforme Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 156 - 158, out / nov / dez 2016 discriminado pela Tabela 1. Tabela 1 - Estudos demonstrando dose e tempo de uso do Bevacizumaabe utilizados para o tratamento da radionecrose. Para a avaliação de resposta ao tratamento com Bevacizumabe, a maioria dos estudos buscou como critérios: redução de edema em exames de imagem, redução da dose de corticóide e melhora de função cognitiva e déficits neurológicos. Dos treze estudos, doze avaliaram redução da dose de corticoide. Todos mostraram redução da dose necessária para controle sintomático dos pacientes, sendo que, em dois estudos, obteve-se interrupção da corticoterapia. Doze estudos avaliaram melhora de cognição, melhora do índice de performance status e redução de déficits neurológicos instalados. Todos evidenciaram melhora dos parâmetros supracitados, todavia, em dois relatos de casos, as respostas foram transientes. A resposta em relação ao edema foi evidenciada em todos os estudos que mostraram redução importante, com taxa variando de 54% a 79%, o que foi evidenciado por exame de ressonância magnética e, em dois estudos, também correlacionado com exame de PET-CT. Não foram relatados efeitos colaterais em seis estudos, nos demais, a maioria dos efeitos colaterais foram leves: hipertensão e proteinúria. Dentre as complicações com maior gravidade, foram relatados três casos de pneumonia, um infarto agudo do miocárdio, uma trombose de seio sagital, um tromboembolismo pulmonar e um sangramento em sistema nervoso central. Discussão A radionecrose é uma complicação tardia do tratamento radioterápico que se apresenta tipicamente de três a 12 meses após término de tratamento radioterápico14,15. Sua ocorrência varia de 2 a 19%, tendo como fatores determinantes o volume de tratamento, dose ofertada, fracionamento e uso de quimioterapia associada, podendo em alguns estudos pode chegar a 35%15,16. Vários tratamentos são aplicados na tentativa de controle sintomático, sendo o tratamento-padrão o uso de corticoide, porém, o uso prolongado de corticoterapia gera efeitos colaterais limitantes para seu uso. Outras formas de tratamento também utilizadas, como oxigênio hiperbárico, antiplaquetários, cirurgia e laserterapia também apresentam respostas limitadas17,18. O mecanismo de desenvolvimento da radionecrose não é 157 completamente conhecido, envolvendo disfunção do endotélio vascular, levando a hipóxia e necrose tecidual, o que induz ativação de citocinas e fator de crescimento vascular endotelial, gerando neovascularização, fragilidade capilar e desestabilização da barreira hemato-encefálica, gerando edema e, com isso, déficit neurológico e comprometimento da qualidade de vida19-20. O Bevacizumabe é um anticorpo monoclonal que age bloqueando o receptor do fator de crescimento vascular endotelial. Foi utilizado a primeira vez para tratamento de radionecrose por Gonzalez et. al, em estudo retrospectivo de oito pacientes com radionecrose que, após o uso, apresentaram redução de 44% do edema em exames de ressonância magnética, compatível com estudos previamente levantados16,19. A redução do uso de corticoide ocorre nas semanas iniciais após o uso de Bevacizumabe, com redução de 8,6mg em média, o que se deve a estabilização da barreira hemato-encefálica e bloqueio a neovascularização16,21 Série chinesa relata 17 pacientes diagnosticados com radionecrose sintomática em uso de corticóide com controle ineficaz, sendo submetidos a tratamento com Bevacizumabe 7,5mg/kg a cada duas semanas e seguimento por 12 meses. Observou-se melhora clínica em 10 pacientes e redução do uso de corticoide em todos eles após quatro semanas do início de tratamento8. Estudo duplo-cego randomizado, placebo-controlado com 14 pacientes também evidenciando esse benefício, na dose de 7,5mg/kgcada duas semanas. Nos pacientes do grupo de tratamento, a melhora de edema ocorreu em 59% dos casos, com redução do uso de corticoide em 83% dos pacientes11. Doses mais baixas de 5mg a cada duas semanas, conforme estudo com 11 pacientes com diagnóstico de radionecrose, também evidenciou redução do uso de corticoide em todos os pacientes após uso de anti-angiogênico, contudo, apenas um paciente manteve esse benefício após suspensão do anti-angiogênico6. Associado ´`a redução de edema e da dose de corticóide, estudos mostram melhora importante de performance status, melhora de padrão congnitivo e redução de déficits cognitivos já instalados10,19. Quanto a efeitos colaterais, a maioria dos estudos relata alterações leves como hipertensão arterial que variaram de 12 a 35%, proteinúria com risco relativo de ocorrência variando de 2,2 a 1,4 dependendo da dose utilizada17. Outros efeitos colaterais de maior gravidade como tromboembolismo pulmonar, hemorragia intracraniana variaram de 23,9 a 7,9% dos casos11,22. Considerações finais O uso do Bevacizumabe no tratamento da radionecrose evidenciou resposta sintomática importante em todos os estudos, com redução do uso de corticoide, melhora cognitiva e melhora de edema em ressonância mangética ou PET-CT. Na maioria dos estudos, os efeitos colaterais foram leves e manejáveis. Entretanto, muitas dúvidas ainda cercam esse tratamento, como a dose a ser utilizada, tempo de uso e recorrência após a suspensão. Esta revisão foi baseada em estudos de casos e séries de casos, com apenas um ensaio clinico randomizado, logo, seu poder é baixo. Faz-se necessária a realização de estudos clínicos, randomizados, duplo-cego, placebo-controlados e com número maior de pacientes, para definir os reais benefícios do uso do Bevacizumabe no cenário do tratamento da radionecrose e, assim, futuramente, possibilitar sua inclusão em protocolos de tratamentos. a treatment for radiation necrosis of brain metastases post stereotactic radiosurgery. 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Sua relação com a microcefalia e associação de contato de gestantes com o vírus e o vetor em diferentes trimestres da gestação ainda é pouco compreendida, porém, é responsável por grande preocupação e receio por parte das autoridades e da população. Medidas ineficazes de combate ao vetor Aedes aegypt desde o final dos anos 1980 apenas reforçam a preocupação do Brasil estar despreparado para enfrentar tanto vetor quanto a doença. ABSTRACT Although known for decades, Zika virus has gained worldwide prominence in 2015 when introduced in Brazil where it was responsible for a large epidemic. It has spread to more than 30 other countries of the American continent leading the World Health Organization to declare it as a Public Health Emergency of International Concern. In addition to its rapid spread, the increasing number of children born with microcephaly in the same areas where the virus had been reported created enormous repercussions in the world media. Its relation with microcephaly and contact association of pregnant women with the virus and the vector in different trimesters of pregnancy is still poorly understood, but responsible for great concern and fear by the authorities and the population. Ineffective measures to fight Aedes aegypti since the late 1980s only reinforce Brazil's concern of being unprepared to face the vector and the disease. Key words: Zika Virus. Microcephaly. Virus. Descritores: Zika Vírus. Microcefalia. Vírus. Introdução Em 1947, um estudo sobre febre amarela obteve o primeiro isolamento de um novo vírus, do sangue de um macaco rhesus na Floresta Zika, em Uganda. O Zika vírus permaneceu em relativa obscuridade por aproximadamente 70 anos. Então, dentro de apenas um ano, foi introduzido no Brasil a partir das ilhas do Pacífico e espalhou-se rapidamente pelas Américas. Tornou-se a primeira grande doença infeciosa ligada a uma anomalia congênita descoberta em mais de um século e criou uma preocupação global que fez com que a Organização Mundial da Saúde a declarasse uma Emergência em Saúde Pública de Preocupação Internacional1. Este trabalho é um artigo de revisão sobre o Zika vírus. Epidemiologia O Zika vírus é um arbovírus da família Flaviviridae. Desde sua identificação, as ocorrências de infecções humanas foram reportadas de maneira isolada e esporádica, com muitos indivíduos assintomáticos2. O vírus ganhou atenção significativa apenas em 2007, depois de um surto nas ilhas de Yap, onde aproximadamente três quartos dos residentes foram infectados com Zika vírus. Antes disso, apenas 14 casos de infecções em humanos haviam sido reportados3,4. Em 2013, um surto de Zika vírus ocorreu na Polinésia Francesa e, pela primeira vez, microcefalia e Síndrome de Guillain-Barré foram reportados nos pacientes5. O surto atual no Brasil teve início em abril de 2015. Em Natal, no Rio Grande do Norte, foi reportado o primeiro caso de infecção por Zika 3 vírus. Logo após, o vírus disseminou-se pelo país . Em outubro, o vírus tinha-se espalhado para pelo menos 14 estados brasileiros e, em dezembro de 2015, o Ministério da Saúde estimou que 1,3 milhão de casos suspeitos haviam ocorrido. Em março de 2016, o vírus havia se espalhado para, no mínimo, 33 países e territórios americanos. Em setembro de 2015, investigadores no Brasil notaram um aumento no número de crianças nascidas com microcefalia nas mesmas áreas onde o Zika vírus tinha sido reportado1. Até o início de junho de 2016, 7830 casos suspeitos de microcefalia foram reportados para o Ministério da Saúde no Brasil5. Posteriormente, investigadores analisaram dados do surto de Zika vírus na Polinésia Francesa, o maior documentado até o surto das américas, identificando anormalidades fetais, incluindo microcefalia, dando forte apoio a associação proposta entre Zika vírus e microcefalia6. Transmissão do Zika Vírus Transmissão por mosquito. Em ambientes urbanos e suburbanos, o Zika vírus é transmitido em um ciclo humano- 1- Acadêmico de Medicina, Liga de Neurologia e Neurociências, Universidade Metropolitana de Santos 2- Chefe do Departamento de Neurologia, Universidade Metropolitana de Santos Correspondência: Filipe Benetti Rocha, Av. Bartolomeu de Gusmão, 120. Bloco 2 – Apto 1307 - 11045-401 Santos, SP. E-mail: [email protected] Recebido em 30/10/205; aceito para publicação em 23/09/2016; publicado online em 20/12/2016 Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 159 - 161, out / nov / dez 2016 159 mosquito-humano. Duas espécies do subgênero stegomyia – Aedes aegypti e em menor grau Aedes albopictus – foram relacionados com praticamente todos os surtos de Zika vírus.1 Outros tipos de transmissão. Evidência substancial agora indica que o Zika vírus pode ser transmitido da mãe para o feto durante a gravidez. RNA de Zika vírus foi identificado no fluido amniótico de mães cujos fetos tiveram anormalidade cerebrais detectadas pela ultrassonografia e antígenos virais e RNA têm sido identificados no tecido cerebral e na placenta de crianças que nasceram com microcefalia. A frequência e os fatores de risco para transmissão são desconhecidos7. Transmissão sexual já foi descrita, porém, os fatores de risco e a duração de risco para a transmissão sexual ainda não foram determinados. Apesar de a transmissão do Zika vírus por transfusão sanguínea ainda não ter sido reportada, é provável que ocorra, dado a transmissibilidade de outros flavivirus dessa maneira. Transmissão pelo leite materno ainda não foi documentada, contudo, leite materno de uma mulher que se tornou sintomática com o Zika vírus no dia do parto continha partículas virais de Zika infecciosas em altos títulos1. de praticamente nenhum déficit cognitivo até grave incapacidade física. Apesar de os mecanismos pelos quais o vírus possa causar microcefalia ainda serem desconhecidos, diversas agências de saúde mundiais têm recomendado que mulheres grávidas ou planejando engravidar evitem viagens para áreas onde o Zika vírus está circulando11. Anomalias oculares. Também têm sido relatadas em lactentes com microcefalia no Brasil1. No Recife, foram realizadas avaliações oftalmológicas em recém-nascidos com microcefalia, que se acreditava ser relacionada ao Zika vírus. Quatro pacientes apresentaram miopia, diferente da hipermetropia normalmente observada em lactentes. 75% tiveram alterações maculares, que não haviam sido relatadas em outros surtos do vírus no mundo. Ademais, foram observadas alterações do nervo óptico pela primeira vez. A hipótese é que Zika vírus possa causar alterações oculares mais graves quando a infecção ocorrer no primeiro ou segundo trimestre de gravidez, seguindo o raciocínio de outras infecções verticais, tais como toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus12. Aspectos clínicos Diagnóstico Doença febril aguda. A doença associada ao Zika vírus caracteriza-se por um período de incubação de 3 a 12 dias. A maioria dos pacientes, todavia, permanece assintomática depois de contrair o vírus8. Viremia foi detectada quando os sintomas estavam presentes, mas não depois1. Quando sintomática, a apresentação clínica é, geralmente, leve e consiste em uma doença febril autolimitada que dura cerca de 2 a 7 dias. Entre as manifestações clínicas mais comuns estão febre, artralgia, conjuntivite, mialgia, cefaleia e rash macupapular. As taxas de hospitalização e de complicações são baixas, com fatalidades sendo extremamente raras8. Complicações neurológicas. A relação temporal e geográfica entre a síndrome de Guillain-Barré (SGB) e surtos de vírus Zika tem sido observada no Pacífico e nas Américas1. A incidência de SGB no Brasil tem claramente aumentado depois da epidemia de Zika vírus. No entanto, não está claro, neste momento, o real impacto do Zika vírus na ocorrência de novos casos de SGB, uma vez que essa síndrome pode ser secundária a outras ocorrências infecciosas ou imunológicas, assim como outras arboviroses endêmicas, tais como dengue9. Resultados fetais adversos. O espectro completo de resultados fetais provenientes da infecção fetal por Zika vírus em seres humanos ainda não foi determinado. Microcefalia é um achado clínico comumente definido como uma redução significativa da circunferência da cabeça para a idade e sexo10 e é indicativo de um problema subjacente com o crescimento do cérebro. A falta de definições de casos consistentes e padronizadas tem desafiado um controle exato da microcefalia durante o surto atual de Zika vírus. Microcefalia pode ocorrer como resultado da sequência de perturbações do cérebro fetal, um processo em que, após o desenvolvimento relativamente normal do cérebro no início da gravidez, há um colapso do crânio fetal seguido de destruição de tecido do cerebral. Algumas evidências indicam que esse dano pode ocorrer tardiamente durante o segundo trimestre ou até mesmo no início do terceiro trimestre1. Apesar de outros vírus poderem cruzar a barreira placentária e causar microcefalia, esta apresentação nunca antes havia sido associada com flavivirus11. As observações do RNA do Zika vírus no líquido amniótico de fetos com microcefalia e no tecido cerebral de fetos e recém-nascidos com microcefalia, bem como as altas taxas de microcefalia entre as crianças nascidas de mães com comprovada infecção prévia pelo Zika vírus, fornecem fortes evidências ligando microcefalia à saúde materna e infecção. O calendário dos vírus e microcefalia epidêmicas no Brasil e na Polinésia Francesa indicam que o maior risco de microcefalia está no primeiro trimestre. Um relatório preliminar do Brasil indicou que anormalidades fetais detectadas por ultrassonografia estavam presentes em 29% das mulheres com infecção pelo vírus1. Os efeitos em longo prazo da microcefalia podem variar grandemente, Os pilares do diagnóstico da infecção pelo Zika vírus são: a detecção de ácido nucleico viral, por RT-PCR e a detecção de anticorpos IgM por IgM de captura em ensaio imunossorvente ligado a enzima (MAC-ELISA). A detecção de ácido nucleico viral no soro fornece um diagnóstico definitivo; no entanto, na maioria dos casos, a viremia é transitória e diagnóstico por RT-PCR tem sido mais bem-sucedido dentro de uma semana após o aparecimento da doença clínica. Em contraste, o RNA viral foi detectado no soro de aproximadamente 10 semanas após a infecção. Além disso, a viremia é geralmente baixa, o que torna o isolamento do vírus a partir de amostras clínicas difícil. A extensa experiência com outros flavivírus, relacionados sugere que a IgM aparece conforme a viremia diminui na primeira semana após o início dos sintomas e vai persistir durante vários meses1. A reatividade cruzada de anticorpos flavivírus apresenta grandes desafios. Uma infecção recente pelo Zika vírus também pode evocar um resultado positivo MAC-ELISA para a dengue. O maior desafio sorológico de reatividade cruzada decorre o fenômeno "pecado antigênico original": para os pacientes que tenham sido previamente expostos a um flavivírus heterólogo por infecção natural ou vacinação, a resposta de anticorpos para os flavivírus prévios será mais vigorosa do que a resposta para o atual. Isto é particularmente problemático em áreas em que a dengue é endêmica. Regimes de teste confiáveis para o diagnóstico pré-natal e infecção pré-natal do vírus Zika não foram estabelecidas1. 160 Virologia Há uma forte conservação entre todos os tipos de Zika vírus presentes no mundo, com menos de 12% de divergência relacionada a nível de nucleotídeo. Isso é importante para o exame diagnóstico, que depende das sequências e epítopos específicos, tão bem quanto para o desenvolvimento de tratamentos e vacinas. As semelhanças dos dados atuais sugerem que qualquer vacina desenvolvida para combater qualquer cepa do Zika vírus deveria ser protetora contra todas as demais. A verdadeira natureza do parentesco próximo entre os flavivirus é responsável pelos desafios no desenvolvimento de algoritmos diagnósticos, para a distinção dos mesmos1. Tratamento, prevenção e controle Em vista da dificuldade em controlar o mosquito vetor e a ausência de outras formas de tratamento e de prevenção, o desenvolvimento de uma vacina parece ser essencial para o controle em longo prazo da doença. Entretanto, informação insuficiente sobre os mecanismos imunológicos envolvidos na infecção pelo vírus Zika e experiência anterior com o vírus da dengue são razões para ceticismo sobre a probabilidade de uma vacina ser desenvolvida Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 159 - 161, out / nov / dez 2016 em breve. Dessa maneira, as medidas cabíveis, no atual momento, focam em evitar a picada do mosquito, reduzir a transmissão sexual e controle do mosquito vetor, além do manejo clínico correto13. Métodos de proteção potencialmente eficazes, que estão focados na redução das infecções entre mulheres grávidas, incluem evitar viagens desnecessárias para as áreas de prevalência de transmissão11. O manejo depende de relatos de outras epidemias (asiáticas e africanas) e da experiência adquirida na abordagem de outras arboviroses, como dengue e inclui, basicamente, repouso, hidratação e tratamento sintomático. O uso de anti-inflamatórios não hormonais é contraindicado, devendo ser reavaliado naqueles que se utilizam com frequência, desses medicamentos para doenças reumatológicas. Os casos de SGB deverão ser imediatamente tratados, em ambiente hospitalar, sendo às vezes necessário suporte de terapia intensiva14. O governo brasileiro decidiu que medidas para eliminação do mosquito vetor A. aegypti devem ser agressivamente implementadas. A estratégia para eliminar o mosquito é baseada em pesticidas que têm sido aplicados desde o surto de dengue em 1986, sendo que diferentes inseticidas e larvicidas foram utilizados sucessivamente devido a crescente resistência do vetor. A abordagem governamental, até agora, utiliza grandes recursos em métodos de controle de vetores que são ineficientes ou inseguros, ao invés de melhorar a infraestrutura urbana e saneamento básico, com fornecimento de água potável. Uma guerra química contra o vetor tende a pacificar a população com falsa segurança, enquanto um amplo programa de melhoria das condições urbanas sanitárias poderia gerar mobilização social e maior participação populacional. O controle mais efetivo dos vetores do A. aegypti depende de uma abordagem integrada, que envolve a eliminação dos sítios de reprodução. São recomendados uma abordagem de prevenção e controle de vetores combinado a detecção a tempo da doença, comunicação de notificações na hora certa, informações corretas e atualizadas e desenvolvimento de uma resposta rápida, que envolva a comunidade15. 3. Dasti J. Zika Virus infections: An overview of current scenario. Asian Pacific J Trop Med. 2016;9:621-5. 4. Duffy M, Chen T, Hancock T, Powers A, Kool J, Lanciotti R, et al. Zika Virus outbreak on Yap Island, Federation of Micronesia. NEJM. 2009;360:253643. 5. França G, Schuler-Faccini L, Oliveira W, Henriques C, Carmo E, Pedi V et al. Congenital Zika virus syndrome in Brazil: a case series of the first 1501 livebirths with complete investigation. 2016; [Epub ahead of print] 6. Cauchemez S, Besnard M, Bompard P, Dub T, Guillemette-Artur P, Eyrolle-Guignot D et al. Lancet. 2016;387(10033):2125-32. 7. Maharajan M, Ranjan A, Chu J, Foo W, Chai Z, Lau E et al. Zika Virus infection: Current concerns and perspectives. 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Aumentos globais recentes na incidência e proliferação da dengue, chikungunya e, atualmente, Zika vírus (todos com A.aegypti como único vetor) sugerem mecanismos subjacentes comuns para o seu surgimento, tais como a globalização e urbanização. Outras possíveis explicações incluem as mutações virais, afetando a transmissão a virulência e a afecção viral às populações não expostas anteriormente desencadeando a proliferação epidêmica. Pesquisas posteriores serão necessárias para determinar se as associações observadas recentemente, com resultados adversos ao nascimento e a SGB simplesmente refletem uma incidência aumentada da infecção ou se elas resultam de uma alteração na virulência viral1. A perspectiva em longo prazo é incerta. A imunidade suficientemente adquirida, sem dúvida, ocorrerá para diminuir as futuras transmissões. É necessário um entendimento completo da frequência e espectro total dos parâmetros clínicos resultantes da infecção fetal e dos fatores ambientais, que influenciam seu aparecimento, tão bem quanto o desenvolvimento de ferramentas diagnósticas discriminatórias para o flavivirus, modelos animais para os efeitos do desenvolvimento fetal, devido à infecção viral, novas estratégias e produtos de controle do vetor, terapêuticas eficazes e vacinas que protejam os humanos contra a doença1. Referências 1. Peterson L, Jamieson D, Powers A, Honein M. Zika Virus. NEJM. 2016;374:1552-63. 2. Brito C. Zika Virus: A new chapter in the history of medicine. Acta Méd Portug. 2015;28:679-80. Revista Médica Ana Costa, v. 21, n. 4, p. 159 - 161, out / nov / dez 2016 161 Sua saúde em boas mãos www.anacosta.com.br