íCARACTERIZAÇÃO ELÉTRICA E SUPERCONDUTORA DA LIGA SN-PB PARA APLICAÇÃO EM JUNTAS SUPERCONDUTORAS Carlos Y. Shigue1, Carlos A. Baldan1,2, Daltro G. Pinatti1,3 e Ernesto Ruppert Fo4 1 2 Departamento de Engenharia de Materiais, FAENQUIL, Lorena – SP Departamento de Engenharia Elétrica, UNESP, Campus de Guaratinguetá – SP 3 4 Instituto de Física “Gleb Wataghin”, UNICAMP, Campinas – SP Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, UNICAMP, Campinas - SP RESUMO Juntas supercondutoras são utilizadas para prover conexão elétrica entre enrolamentos de bobinas supercondutoras constituídas por fios de NbTi ou Nb3Sn. O principal requisito dessas juntas é a sua baixa resistividade elétrica, de modo que um magneto supercondutor constituído por diversas bobinas supercondutoras conectadas em série possa operar em modo persistente de corrente estavelmente por um longo tempo de operação. Neste trabalho foram caracterizadas diferentes ligas comerciais de Sn-Pb empregadas como solda elétrica de baixo ponto de fusão em juntas e emendas de fios supercondutores. Devido ao fato destas ligas apresentarem comportamento supercondutor em baixos campos magnéticos, a sua utilização é importante do ponto de vista da fabricação de juntas com resistência elétrica inferior a 10-10 Ω quando posicionadas em regiões de baixo campo magnético. São apresentados os resultados da caracterização elétrica e supercondutora da solda à base de liga Sn-Pb e mostrados os cálculo e fabricação de juntas supercondutoras. Palavras chave: junta supercondutora, solda Sn-Pb, magnetos supercondutores. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 34301 ABSTRACT Nowadays superconducting joints are commonly employed in constructing superconduting magnets comprised by a number of NbTi and Nb3Sn coils electrically connected in series to a power supply. The main requirement of joints is its very low electrical resistance enabling operation in persistent mode current thus allowing high stable magnetic field generation. Commercial solders based on the Sn-Pb alloys were characterized by measuring their critical superconducting parameters: temperature, magnetic field, and current, as well as their normal state resistance at liquid helium temperature. The experimental results are presented along with an application of joint calculation and evaluation. Keywords: superconducting joints, tin alloy solder, superconducting magnets. 1. INTRODUÇÃO. Atualmente, a fabricação de magnetos supercondutores capazes de gerar campos magnéticos de elevada intensidade (B > 12 T) requer o emprego de diversos fios supercondutores, de acordo com as suas características supercondutoras (Tc, Bc2 e Jc) adequadas às condições locais de operação (temperatura e campo magnético) [1]. Desta forma, torna-se necessário efetuar emendas e juntas em fios supercondutores com baixa resistência elétrica objetivando baixa dissipação de energia e longo tempo de operação com corrente operando em modo persistente. A estabilidade do campo magnético para aplicações como, por exemplo, ressonância magnética nuclear, requer resistência de juntas com resistência inferior a 10-12 Ω [2]. Diversos tipos de solda têm sido empregados na fabricação de juntas, dentre elas podemos citar, índio metálico, Wood’s metal (liga de Bi) e ligas de Pb-Bi e Pb-Bi-Sn [2]-[4]. Neste trabalho apresentamos os resultados de ensaios de caracterização elétrica e supercondutora de ligas comerciais de Sn-Pb, usualmente denominadas de solda de estanho, que vêm sendo empregado na produção de juntas de fios supercondutores de NbTi e Nb3Sn. Foram realizados também os estudos sobre o projeto e fabricação de juntas utilizando a solda de estanho e a sua aplicação em alguns modelos para estudo das suas características operacionais quando submetidas a campos magnéticos e correntes semelhantes aos encontrados nas bobinas supercondutoras. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 34302 2. MATERIAIS E MÉTODOS. As ligas de Sn-Pb utilizadas são da marca Alpha Best e as suas características básicas estão resumidas na Tabela 1. Os fios supercondutores utilizados na fabricação das juntas modelo são produzidos pela empresa alemã Vacuumschmelze, os dados referentes a eles estão apresentados na Tabela 2 e as micrografias de secção transversal na Fig. 1. TABELA 1 Características das soldas de estanho Liga Composição nominal (% peso) Diâmetro (mm) Sn-40% Pb 60% Sn, 40% Pb 1,0 Sn-60% Pb 40% Sn, 60% Pb 1,2 Sn-75% Pb 25% Sn, 75% Pb 1,5 TABELA 2 Características dos fios supercondutores Fio Diâmetro (mm) Razão cobre/supercondutor NbTi 0,60 (nu) 0,68 (isolado) 1,35 NbTi 0,85 (nu) 0,90 (isolado) 1,35 Nb3Sn 1,0 (nu) 1,15 (isolado) 0,90 (a) (b) Fig. 1 Micrografias da secção transversal dos fios de (a) NbTi e (b) Nb3Sn. As propriedades elétricas e supercondutoras das ligas Sn-Pb foram avaliadas no sistema MagLab da Oxford Instruments, com campo magnético máximo de 9 T e variação de temperatura desde 300 K até 2 K, em amostras curtas de 20 mm de comprimento. Para as CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 34303 medidas de corrente crítica foi utilizada fonte de corrente programável EMI modelo ESS 20-500, com capacidade de corrente máxima de 500 A / 20 V. Para a caracterização das juntas supercondutoras foi utilizado um magneto supercondutor de NbTi capaz de gerar campo magnético de até 5 T. O método utilizado foi o de quatro pontas, com o sinal de tensão da amostra lido por um voltímetro analógico de alta sensibilidade “Null detector microvoltimeter” Keithley modelo 155. O sinal de tensão da amostra é amplificado pelo microvoltímetro e enviado para um multímetro digital Keithley 2001, onde é digitalizado e enviado para um microcomputador através de interface GPIB. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO. As Figuras 2, 3 e 4 apresentam os resultados das medições dos parâmetros supercondutores de interesse na fabricação de juntas supercondutoras: temperatura, campo e densidade de corrente crítica. A Tabela 3 sumariza as características das ligas estudadas. Os resultados apresentaram variação inferior a 5% de uma composição de liga para outra. A curva de Tc da Fig. 2 apresenta dupla transição devido ao fato da liga Sn-Pb ser um eutético constituído por Sn, com Tc = 3,7 K e Hc (0 K) = 0,031 T e Pb, com Tc = 7,2 K e Hc (0 K) = 0,08 T [5]. O valor de onset de Tc na liga Sn-Pb é nitidamente determinado pela presença da fase rica em Pb. 3.0 Resistividade, ρ (nΩ -m) 2.5 2.0 1.5 1.0 0.5 0.0 4 5 6 7 8 9 Temperatura (K) Fig. 2 Curva de temperatura crítica característica para as ligas de Sn-Pb. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 34304 3.0 Resistividade, ρ (nΩ -m) 2.5 2.0 1.5 1.0 0.5 0.0 0.00 0.05 0.10 0.15 0.20 Indução magnética (T) Fig. 3 Curva de variação da resistividade das ligas de Sn-Pb em função do campo aplicado. 120 100 Sn-75% Pb Sn-60% Pb Sn-40% Pb 2 Jc (A/mm ) 80 60 40 20 0 0.00 0.02 0.04 0.06 0.08 0.10 Indução magnética (T) Fig. 4 Curvas de densidade de corrente crítica versus campo aplicado para as ligas de Sn-Pb. As curvas de Jc, que é um parâmetro crítico secundário e dependente do estado metalúrgico do material, mostram pequena variação, sendo que a mais pronunciada ocorre para valores próximos à Hc para a liga Sn-75% Pb, que exibe corrente supercondutora para campos de até 0,1 T, enquanto que as outras composições de liga não exibem corrente CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 34305 supercondutora para campos acima de 0,065 T. Ainda assim, todas as composições de liga apresentam elevada densidade corrente para campos abaixo de 0,04 T. TABELA 3 Resumo das propriedades elétricas e supercondutoras das ligas Sn-Pb. Propriedade Valor Tc (K) 7,2 (onset) 6,4 (offset) Bc2 (T) 0,061 Jc (A/mm2) 95 (0,02 T) 30 (0,04 T) 2 (0,06 T) ρn (Ω-m) 2,7.10-9 A Fig. 5 ilustra o modelo de junta supercondutora obtida pela sobreposição de dois fios de secção transversal circular, soldados. Fig. 5 Modelo para o cálculo de resistência de junta sobreposta De acordo com Wilson [6], para o cálculo da resistência de junta RJ, como mostrado no arranjo da Fig. 5, a seguinte expressão pode ser aplicada: π 1 L = ρ RJ na qual f = b a 2 ∫ o 2a cos θ L dθ = ρ 2( a + b − a cos θ ) π 2 cos θ ∫ 1 + f − cos θdθ (1) o e cujo resultado da integração será: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 34306 ρ = LR J 1 f + 2 2 arctg −π/ 2 1 1 f f 2( f + 2 ) 2 2( f + 1 ) (2) Para a estimativa da resistência de junta de NbTi empregando (2), utilizamos os dados apresentados na Tabela 4 para dois comprimentos de junta (0,1 e 0,3 m). TABELA 4 Dados geométricos da junta supercondutora de NbTi. Junta No 1 Junta No 2 ∅ 0,60 mm (nu) - NbTi ∅ 0,85 mm (nu) – NbTi L = 0,1 m/0,3 m L = 0,1 m/0,3 m f = 2b 0,2 = ≅ 0,33 2a 0,6 RJ = 1,3.10-8/4,3.10-9 Ω-m f = 2b 0,2 = ≅ 0,23 2a 0,85 RJ = 9,8.10-9/3,3.10-9 Ω-m Os resultados do ensaio das juntas de NbTi utilizando o suporte em forma de “U” mostrado na Fig. 6 estão apresentados na Tabela 5. TABELA 5 Resistências das juntas de NbTi para B < 5T RJ (Ω) B=0 B=2T B=4T NbTi ∅ 0,60 mm 1,7.10-8 2.10-7 1,6.10-7 NbTi ∅ 0,85 mm 2,7.10-8 2,0.10-7 2,2.10-7 Observa-se que os resultados experimentais estão em contradição com o modelo analítico. Enquanto que no modelo uma junta utilizando fio de diâmetro maior apresenta resistência de junta menor, o resultado experimental mostra o contrário. A razão para essa discrepância deve-se ao fato que o modelo de Wilson não considera a resistividade da matriz metálica que envolve os filamentos supercondutores (Fig. 1). O efeito da transferência de CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 34307 corrente através da matriz normal torna-se mais pronunciado para matrizes com resistividade elevada em comparação com a resistividade da solda de estanho. Pode-se observar este fato para a junta de Nb3Sn, cuja matriz metálica é constituída de bronze de alta resistividade elétrica. Outro ponto a considerar é a influência do campo magnético sobre a resistência da junta, que pode ser causado tanto pela magnetoresistividade do estanho quanto da matriz de cobre. Fig. 6 Suporte de amostra para medida de resistência de juntas de NbTi e Nb3Sn. O mesmo suporte foi utilizado para a junta de Nb3Sn, cujos resultados experimentais estão mostrados nas Fig. 7 e 8. A junta, cujo resultado está mostrado na Fig. 8, possui um fio de cobre puro soldado em paralelo à junta, com a finalidade de investigar o efeito da presença do cobre sobre a resistência da junta. Este tipo de junta é utilizado em terminais de corrente de bobinas nos quais um “poste” de cobre atua como terminal de contato elétrico entre o condutor do enrolamento e o cabo para transporte de corrente da fonte de potência para o magneto supercondutor. Pelos gráficos mostrados nessas figuras, pode-se observar que a supercondutividade da solda de estanho influencia a resistência da junta para correntes de até 45 A aproximadamente, sob campo aplicado nulo. Para campos magnéticos de intensidade acima do campo crítico desses materiais, a intensidade da corrente de transporte tem pouca ou nenhuma influência sobre RJ. A presença do “shunt” de cobre também tem pouca influência CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 34308 sobre essa resistência. Como observado anteriormente para a junta de NbTi, o principal efeito do campo magnético é sobre a magnetoresistência da matriz metálica que, no caso do fio de Nb3Sn, trata-se de uma matriz de bronze. 0.7 0.6 Resistência (µΩ ) 0.5 0.4 0.3 B 0 1 2 3 4 0.2 0.1 T T T T T 0.0 0 50 100 150 200 250 300 Corrente (A) Fig. 7 Curvas de resistência de junta RJ para fio de Nb3Sn em função da corrente. 0.7 0.6 Resistência (µΩ ) 0.5 0.4 0.3 B 0 1 2 3 4 0.2 0.1 T T T T T 0.0 0 50 100 150 200 250 300 Corrente (A) Fig. 8 Curvas de resistência de junta RJ para fio de Nb3Sn em função da corrente com “shunt” de cobre soldado em paralelo à junta. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 34309 O efeito da transferência de corrente através da matriz de bronze do fio supercondutor de Nb3Sn pode ser observado na Fig. 9, que apresenta a curva de temperatura crítica para o Nb3Sn. Por causa da presença do bronze entre o diâmetro externo ao condutor e os filamentos supercondutores embutidos na matriz metálica, aparece uma resistência devido à transferência de corrente para temperaturas acima da temperatura crítica da solda de estanho. 1.2 1.0 Nb3Sn Resistência (µΩ ) 0.8 0.6 0.4 0.2 0.0 4 6 8 10 12 14 16 18 20 Temperatura (K) Fig. 9 Curva de temperatura de transição supercondutora para a junta de Nb3Sn com terminal de corrente soldado com a liga Sn-Pb. 4. CONCLUSÃO. Foi realizada a avaliação das propriedades elétricas e supercondutoras de ligas comerciais de Sn-Pb e analisada a sua influência sobre a resistência de junta de fios de NbTi e Nb3Sn. A principal contribuição da solda de estanho sobre a diminuição da resistência de junta somente aparece quando ela está no estado supercondutor. Como o seu campo crítico é baixo; para correntes elevadas, cujo campo próprio gerado excede o campo crítico da liga Sn-Pb, ou para campo aplicado de pequena intensidade, ambos são capazes de destruir o estado supercondutor na liga de estanho, reduzindo o efeito do estado supercondutor sobre a redução da resistência de junta. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 34310 Outros materiais de solda, como ligas ternárias de Pb-Bi-Sn, vêm sendo testados e utilizados na confecção de juntas devido às suas melhores propriedades supercondutoras em relação às ligas binárias Sn-Pb. AGRADECIMENTOS Este trabalho foi financiado pela FINEP/PADCT pelo Convênio 54.94.0106.00 e pela FAPESP através do Processo No 97/11113-6. Os autores agradecem ao Engo Domingos Sávio S. Figueira pelo apoio à infra-estrutura criogênica necessária para a realização deste trabalho. 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