A GEOGRAFIA MÉDICA E A REEMERGÊNCIA DA DOENÇA DE CHAGAS NO SEMIÁRIDO NORTE MINEIRO MÔNICA OLIVEIRA ALVES ACADÊMICA DO CURSO DE GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS /UNIMONTES, BOLSISTA DA FAPEMIG [email protected] ANETE MARÍLIA PEREIRA PROF.ª DR.ª DO DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS/UNIMONTES – [email protected] RESUMO O objetivo deste trabalho é apresentar os dados parciais obtidos através da pesquisa realizada pelo projeto “Espacialização e estudo de doenças emergentes e reemergentes no semiárido norte mineiro”1 que está vinculado ao laboratório de Geografia Médica da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). A pesquisa se constitui em um estudo acerca da reemergência da Doença de Chagas na região semiárida do estado de Minas Gerais. A metodologia, nesta primeira fase, baseou-se em revisões bibliográficas sobre os conceitos inerentes à Geografia Médica, com ênfase na Doença de Chagas, e estudo acerca das características físicas, econômicas e sociais do semiárido norte mineiro. Para tal, foram utilizados livros referentes ao assunto, artigos científicos e sites oficiais e de procedência comprovada. Os dados obtidos apontam uma evolução nos casos da doença na área em questão, o que requer maior intervenção do poder público, uma vez que se trata de populações com baixos indicadores socioeconômicos. PALAVRAS-CHAVE: Geografia Médica. Doença de Chagas. Semiárido Mineiro. INTRODUÇÃO A Geografia Médica é uma ciência que estuda a ocorrência das doenças de acordo com o ambiente, notadamente a distribuição espacial. Segundo Lacaz (1972), a Geografia Médica é o resultado da interligação dos conhecimentos geográficos e médicos, dando ênfase à contribuição do meio geográfico no surgimento e espacialização das doenças. Nesse sentido, não se pode desvincular o estudo do homem enfermo com o de seu ambiente, nem das particularidades regionais de cada doença. Lacaz (1972) afirma que para se estudar uma doença à luz da Geografia Médica, deve-se considerar, além do agente etiológico, do vector, do reservatório, do hospedeiro, do hospedeiro 1 Apoio Financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais. Trabalho de Iniciação Científica. intermediário e do homem suscetível, os fatores geográficos físicos, humanos ou sociais e biológicos. A Geografia Médica contribui com os programas políticos de saúde pública, fornecendo dados seguros para sua elaboração. O presente trabalho tem como objetivo apresentar dados parciais da pesquisa acerca da reemergência da Doença de Chagas na região semiárida do Norte de Minas Gerais, realizada pelo projeto “Espacialização e estudo de doenças emergentes e reemergentes no semiárido norte mineiro”, que está vinculado ao laboratório de Geografia Médica da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). De acordo com Luna (2002) “Doenças infecciosas emergentes e reemergentes são aquelas cuja incidência em humanos vem aumentando nas últimas duas décadas ou ameaça aumentar num futuro próximo”. Segundo este autor, existe uma série de fatores envolvidos na determinação dessas doenças, entre os quais podem ser citados os fatores demográficos, sociais, políticos, econômicos, ambientais, relacionados ao desempenho do setor saúde, relacionados às mudanças e adaptação dos microrganismos e manipulação de microrganismos com vistas ao desenvolvimento de armas biológicas. O referido projeto visa analisar os fatores determinantes da ocorrência de doenças emergentes e reemergentes na região, enfatizando a espacialidade das mesmas. Serão estudadas, além da Doença de Chagas, a Tuberculose, a Hanseníase, a Leishmaniose, a Aids, Hepatite A, entre outras. MATERIAL E MÉTODOS As atividades do projeto tiveram início em março de 2012 e tem previsão para serem executadas no prazo de dois anos. Para a realização destas, deverão ser feitas revisões bibliográficas e documentais, visitas a campo nos municípios de maior e menor ocorrência das doenças, proporcionando observações locais com mapeamento dessas áreas. Fazem parte da pesquisa os municípios da região semiárida do Norte de Minas listados a seguir: Águas Vermelhas, Berizal, Bonito de Minas, Capitão Enéas, Catuti, Cônego Marinho, Cristália, Curral de Dentro, Divisa Alegre, Espinosa, Francisco Sá, Fruta de Leite, Gameleiras, Grão Mogol, Ibiracatu, Indaiabira, Itacambira, Itacarambi, Jaíba, Janaúba, Januária, Japonvar, Josenópolis, Juvenilia, Lontra, Mamonas, Manga, Matias Cardoso, Mato Verde, Miravânia, Montalvânia, Monte Azul, Montezuma, Ninheira, Nova Porteirinha, Novorizonte, Padre Carvalho, Pai Pedro, Patis, Pedras de Maria da Cruz, Porteirinha, Riacho dos Machados, Rio Pardo de Minas, Rubelita, Salinas, Santo Antônio do Retiro, Santa Cruz de Salinas, São João das Missões, São João da Ponte, São João do Paraíso, Serranópolis de Minas, Taiobeiras, Vargem Grande do Rio Pardo, Varzelândia e Verdelândia. Na primeira etapa da pesquisa foram realizadas revisões bibliográficas acerca dos conceitos inerentes à Geografia Médica, com ênfase na Doença de Chagas, além de estudo acerca das características físicas, econômicas e sociais do semiárido norte mineiro. Para tal, foram utilizados livros referentes ao assunto, artigos científicos e sites oficiais de procedência comprovada. RESULTADOS E DISCUSSÃO Aspectos físicos e socioeconômicos do semiárido norte mineiro O Ministério da Integração Nacional tomou por base três critérios técnicos para a realização da nova delimitação do Semiárido Brasileiro, a saber, precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 mm; índice de aridez de até 0,5 calculado pelo balanço hídrico, que relaciona a precipitação e a evapotranspiração potencial, no período entre 1961 e 1990; e o risco de seca maior que 60% tomando-se por base o período entre 1970 e 1990. Essa região abrange uma área considerável do Nordeste brasileiro, porém 85 de seus municípios estão no estado de Minas Gerais. Nessa região, predomina o Cerrado, o solo é pobre, o clima é tropical de inverno seco, as temperaturas são elevadas ficando acima dos 22º C no verão, a precipitação média anual pode variar de 400 a 2.000mm (NIMER, ). As chuvas são irregulares, concentradas em um curto período do ano (verão), o que explica as intensas secas da região. Aliados aos problemas climáticos têm-se os de cunho socioeconômico. A região apresenta baixos níveis de infraestrutura em serviços básicos ao bem estar social como educação, saúde, saneamento básico, moradia, baixo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), entre outros, o que caracteriza um quadro de extrema pobreza da população. Todos esses fatores favorecem a ocorrência de doenças infecciosas emergentes e reemergentes na área em questão. A figura 1 apresenta o mapa da Nova Delimitação do Semi-Árido Brasileiro, realizada pelo Ministério da Integração Nacional. Além dos 1.031 municípios já incorporados, passaram a fazer parte do Semiárido outros 102 novos municípios enquadrados em pelo menos um dos três critérios utilizados. Nessa atualização, a área classificada oficialmente como semiárida aumentou de 892.309,4 km para 969.589,4 km, um acréscimo de 8,66%. Minas Gerais teve o maior número de inclusões na nova lista - dos 40 municípios anteriores, vai para 85, variação de 112,5%. A área do Estado que fazia anteriormente parte da região era de 27,2%, tendo aumentado para 51,7% (Ministério da Integração Nacional). FIGURA 1: Mapa geográfico e social do Semi-Árido brasileiro. Fonte: Ministério da Integração Nacional Descrição da Doença de Chagas De acordo com dados disponibilizados no site Portal da Saúde – SUS, a Doença de Chagas (DC) ou Tripanossomose Americana, é uma antropozoonose causada pelo protozoário flagelado Trypanosoma Cruzi. Na ocorrência da doença, observam-se duas fases clínicas: uma aguda, que pode ou não ser identificada, podendo evoluir para uma fase crônica caso não seja tratada com medicação específica. No Brasil, devido à transmissão vetorial domiciliar ocorrida no passado, predominam os casos crônicos. Segundo Teixeira (1987), a descoberta dessa nova tripanossomíase humana foi realizada pelo cientista brasileiro, Dr. Carlos Chagas em 1909, após ele ter descoberto o protozoário em um inseto hematófago (barbeiro) que infestava choupanas da pobre área rural de Minas Gerais. Este autor afirma, ainda, que a distribuição geográfica do parasito coincide com a dos insetos vetores, que pertencem à subfamília Triatominae (Fig. 2), cuja existência parece ser determinada por condições ecológicas favoráveis encontradas em regiões tropicais e semitropicais da América. FIGURA 2: Exemplo de Triatomíneo (barbeiro) Fonte: www.epp.g12.br/informatica/2008/webquests/Parazitologia/chagas.htm A transmissão da doença pode ocorrer pelo vetor (barbeiro) através de suas fezes, alimentos contaminados com o protozoário, acidentes laboratoriais, por transfusão de sangue e por transmissão placentária e pelo leite. Lacaz (1972), afirma que as habitações humanas precárias como as casas construídas de pau-a-pique barreadas, de madeira e de sapé, constituem o biótipo ideal para certas espécies de Triatomíneos. Segundo ele, o controle da doença baseia-se no combate ao barbeiro vector, substituição das moradias precárias por casas de alvenaria, melhoria das condições de vida da população e uso de inseticidas como medida profilática em curto prazo. As figuras 3 e 4 são exemplos de residências construídas de pau-a-pique, madeira ou sapé, modelo de habitação rural precária encontrada ainda hoje na região seca de Minas Gerais, biótipo ideal para a infestação dos Triatomíneos. FIGURA 2: Habitação rural – Mamonas Autor: Pereira, 2006 FIGURA 3: Habitação rural – Miravânia Autor: Pereira, 2006 Ocorrência da Doença de Chagas no semiárido norte mineiro De acordo com Lacaz (1972), em Minas Gerais, onde a Doença de Chagas foi descoberta, a endemicidade é elevada, pois praticamente todo o estado é coberto pelo parasito de hábitos domiciliares. Contudo, houve uma grande diminuição da ocorrência de novos casos no estado nas últimas décadas. Isso foi possível graças à condição de vigilância epidemiológica nos municípios buscando o controle da transmissão vetorial aliado às ações do Programa Nacional de Controle da Doença de Chagas (PCDCh) com fatores de ordem socioeconômicas que ocorreram no meio rural, com o esvaziamento do campo (êxodo rural), melhoria da renda e das habitações, luz elétrica, acesso à educação, à saúde, dentre outros, como afirmam Mendes e Lima (2011). Porém, tais melhorias não foram tão abrangentes na região semiárida do Norte de Minas, onde as condições socioeconômicas da população, principalmente da zona rural, ainda são precárias e preocupantes, de forma que a região é considerada uma das mais pobres do país. Tais condições podem ser responsáveis pela reemergência da Doença de Chagas nessa área, uma vez que “... a doença de Chagas apresenta sua distribuição espacial coincidente com a distribuição espacial das populações carentes, o que a torna uma patologia que se relaciona diretamente a questões socioeconômicas”, como enfatiza Carneiro Filho e Lima (2008, p. 3). Segundo dados obtidos através de pesquisa, baseada em internações hospitalares, sobre a incidência e a distribuição da doença de Chagas no estado de Minas Gerais, Carneiro Filho e Lima (2008) concluíram que no período de 1998 a 2007, os dados disponíveis no DATASUS mostraram que ocorreram em Minas Gerais 2.940 internações por doença de Chagas, sendo que o município de Montes Claros ficou responsável por 44% deste total. Observou-se também, uma evolução significativa das ocorrências onde, no ano de 2006, foram registradas 203 internações. No mesmo ano, o município de Varzelândia apresentou cinco casos da doença, segundo dados obtidos no site do DATASUS. O município de Montes Claros, localizado no Norte de Minas Gerais, é considerado um polo regional, principalmente no que se refere aos serviços de saúde, atendendo a outros 53 municípios, inclusive àqueles do semiárido norte mineiro. Dessa forma, as informações obtidas ressaltam a possível reemergência da Doença de Chagas nessa região. Alguns municípios da região se destacam quanto à incidência dessa doença, conforme informações disponibilizadas pela mídia a pequena Fruta do Leite, norte de Minas Gerais, a população não ultrapassa os 7 mil habitantes. Sem informação e tratamento, metade deste número padece do mal de Chagas, uma doença sem cura, transmitida pelo mosquito barbeiro. Casas antigas feitas de barro, madeira e folhas de coqueiro favorecem ainda mais as condições necessárias para que o inseto se reproduza. Apenas em 2008, mais de mil exemplares foram recolhidos e estudados - 29 deles eram portadores da doença. (Domingo Espetacular – Record, 04/01/2009) Municípios como São João do Paraíso, Ponto Chique, Riacho dos Machados Espinosa e Porteirinha também possuem levados índices da doença, fato que merece ser melhor estudado. CONSIDERAÇÕES FINAIS A reemergência da Doença de Chagas no semiárido norte mineiro está associada às precárias condições de vida da população dessa área, que é considerada uma das regiões mais pobres do estado de Minas Gerais e do país. Tal situação se agrava quando se trata da zona rural, onde há a predominância do vector (barbeiro) do Tripanosoma Cruzi, protozoário causador da moléstia. Os dados obtidos apontam uma evolução nos casos da doença na área em questão, o que requer maior intervenção do poder público, uma vez que se trata de populações com baixos indicadores socioeconômicos. É nesse sentido, que se ressalta a importância da atuação da Geografia no campo da Medicina e da Saúde. A Geografia Médica, através do conhecimento geográfico, é capaz de contribuir com os programas de saúde pública, no que se refere à disposição segura de dados socioeconômicos e da espacialização das doenças em dada região, facilitando o trabalho dos órgãos públicos responsáveis pelo bem estar social. REFERÊNCIAS CARNEIRO FILHO, Niovaldo Vaz; LIMA, Samuel do Carmo. Distribuição da Doença de Chagas em Minas Gerais, 1998 – 2007. Disponível em: <https://ssl4799.websiteseguro.com/swge5/seg/cd2008/PDF/IC2008-0431.PDF>. Acesso em 05 Jul. 2012. DATASUS. Disponível em: <http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/tabnet/tabnet?sinannet/chagas/bases/chagasbrnet .def>. Acesso em: 04 Ago. 2012. LACAZ, Carlos da Silva. Introdução à Geografia Médica do Brasil. São Paulo: Edgard Blucher, Editora da Universidade de São Paulo, 1972. 568 p. LUNA, Expedito J. A. A emergência das doenças emergentes e as doenças infecciosas emergentes e reemergentes no Brasil. Revista Brasileira de Epidemiologia. Vol. 5, Nº 3, 2002. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415790X2002000300003&script=sci_arttext.>. Acesso em: 03 Ago. 2012. MENDES, Paulo César; LIMA, Samuel do Carmo. Influência do clima na ocorrência de Triatomíneos no município de Uberlândia-MG. Caderno de Geografia. Presidente Prudente, n.33, v.2, p.5-20, ago./dez.2011. Disponível em: <http://agbpp.dominiotemporario.com/doc/33B-2.pdf>. Acesso em 05 Jul. 2012. Ministério da Integração Nacional. Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional. Cartilha da Nova delimitação do Semi-Árido Brasileiro. Disponível em: <http://www.mi.gov.br/desenvolvimentoregional/publicacoes/delimitacao.asp>. Acesso em: 04 Ago. 2012. Portal da Saúde. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1530>. em: 03 Ago. 2012 Acesso SILVEIRA, Antônio Carlos; DIAS, João Carlos Pinto. O controle da transmissão vetorial. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. vol. 44 supl.2 Uberaba, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003786822011000800009#end>. Acesso em: 11 Ago. 2012. TEIXEIRA, Antônio. Doença de Chagas e outras doenças por Tripanossomos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1987. 161 p.