o capital financeiro e a metrópole: contribuição para

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GT “2”: “METRÓPOLE, METROPOLIZAÇÃO E DINÂMICA ESPACIAL
CONTEMPORÂNEA.”
O CAPITAL FINANCEIRO E A METRÓPOLE: CONTRIBUIÇÃO
PARA CRÍTICA DA METROPOLIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA
Tayná Barros Alves
Universidade Federal Fluminense
[email protected]
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar alguns aspectos da teoria
sobre o Capital Financeiro, de Rudolf Hilferding, com aporte conceitual de Marx e Rosa
Luxemburgo e à luz de questões propostas por Sandra Lencioni para compreender
algumas dinâmicas da metrópole contemporânea. Lançando mão do que foi discutido na
teoria clássica do Imperialismo sobre a situação da força de trabalho na economia
financeira, buscamos traçar um paralelo entre esta força de trabalho e o papel da
metrópole no capitalismo financeiro em nível global.
Palavras-chave: Capital financeiro; força de trabalho; Metrópole.
1
Introdução
O presente trabalho busca apresentar alguns apontamentos a cerca da estrutura
econômica do capitalismo moderno, capitalismo financeiro, através do aprofundamento
da exploração laboral e sua relação com a metrópole contemporânea. O método da
pesquisa consiste em análise de bibliografia pertinente ao assunto.
Sabemos que os centros urbanos abarcam o conjunto de paradoxos próprios
do capitalismo desde sua ascensão como sistema hegemônico. Desde uma conjuntura na
qual o ritmo da acumulação subjugou o campo à cidade (LEFEBVRE, 1974, p. 276) até
o momento atual, em que a finança se apropria inclusive dos setores rurais (AMIN,
2012, online), a cidade permanece como conjunto que melhor ilustra as nuances que o
modo de acumulação capitalista pode manifestar. Por essa característica, se torna
vanguarda do aspecto espacial da financeirização da economia.
Dentre muitas características engendradas por esta financeirização encontramse as novas formas de divisão do trabalho e de divisão internacional do trabalho. Como
tentaremos demonstrar aqui, a força de trabalho e, principalmente, o potencial adquirido
pelo capital para executar a divisão dessa força de trabalho em escala mundial serão os
sustentáculos desta nova etapa do capitalismo.
Para tanto, é necessário observar os fundamentos do capital financeiro e de
como este se insere na gestão do território. A partir disto, será discutido o papel da força
de trabalho na acumulação financeira e sua necessária concentração nas metrópoles.
2
1.
Capital Financeiro: a Omissão do Setor Produtivo
Para o embasamento do que vem a ser o capital financeiro, recorremos às
origens do termo chegando ao conceito apresentado pelo economista Rudolf Hilferding
que o define como:
[...] o capital bancário, portanto o capital em forma de dinheiro que,
desse modo, é na realidade transformado em capital industrial.
Mantém sempre a forma de dinheiro ante os proprietários, é aplicado
por eles em forma de capital monetário – de capital rendoso – e
sempre pode ser retirado por eles em forma de dinheiro. Mas, na
verdade, a maior parte do capital investido dessa forma nos bancos é
transformado em capital industrial, produtivo (meios de produção e
força de trabalho) e imobilizado no processo de produção. Uma parte
cada vez maior do capital empregado na indústria é capital financeiro,
capital à disposição dos e, pelos industriais. (HILFERDING, 1985, p.
219).
Vemos, portanto, que para Hilferding, o capital financeiro é ainda, um capital
que circula tanto na esfera especulativa quanto na esfera produtiva, diferentemente do
capital fictício ou acionário1. Esta consideração é importante pois, atualmente, conforme
o conceito “capital financeiro” se vulgarizou, houve uma inversão de sentindo onde este
passou a ser entendido justamente como o capital que circula apenas na esfera
especulativa.
Isso dito, para averiguação do tema proposto, reiteramos o uso do conceito de
capital financeiro conforme considerado por Hilferding o qual, inserido no setor
produtivo, age também na esfera da circulação do capital e seus desdobramentos.
Ao assumirmos esta premissa, entendemos que o capital financeiro foi uma
inovação no método de acumulação do sistema capitalista que se popularizou em
meados do século XIX. O que inaugura sua existência é a intermediação bancária entre
1
O capital fictício é, para Hilferding, um capital que atua apenas na esfera especulativa, mas que,
contudo, se usa da valorização do capital produtivo para sua própria valorização. (HILFERDING, 1985,
p. 114).
3
o capital que tem potencial produtivo e a própria indústria. Assim, por meio dos bancos,
o capital oriundo de diferentes fontes pode ser reunido e investido no setor produtivo.
Essa estratégia econômica permite a utilização de pequenos capitais que não teriam
potencial produtivo enquanto capital de um particular, mas que, por outro lado, unido a
outros pequenos capitais, atinge este patamar. Conforme este capital é investido, ele
opera na indústria como capital produtivo gerando lucro.
Contudo, a soma de capital à disposição de valorização produtiva também é
capaz de produzir valor a despeito de seu investimento. Isto ocorre devido ao capital ser,
também, mercadoria e, como tal, estar sujeito à valorização e desvalorização em função
da lei da oferta e da demanda. Conforme nos explica Marx: “Nessa qualidade de capital
possível, de meio para a produção de lucro, torna-se mercadoria, mas uma mercadoria
sui generis. Ou, o que dá no mesmo, o capital enquanto capital se torna mercadoria.”2 .
Sendo assim, o banco, como agente aglutinador de capitais antes não
potencialmente produtivos, gera uma oferta aumentada de capital no mercado. Este
incremento de capital promove o desenvolvimento industrial, consequentemente
aumentando a taxa de lucro. O desenvolvimento industrial passa a demandar cada vez
mais capital monetário e a produção industrial continua se desenvolvendo. Segundo este
esquema há tendência de crescimento na demanda de capital, na indústria e nas taxas de
lucro. Parte deste lucro, no entanto, tem que ser devolvido ao investidor como juro.
A valorização do capital no setor produtivo, no entanto, compreende custos que
a valorização de capital monetário não sofre. Além dos riscos envolvidos até a
realização do lucro, há os custos de produção e transporte. O capital monetário,
portanto, tem uma valorização livre dos custos da economia real:
[...] a circulação não produz lucro, e, portanto representa despesas. [...]
Em compensação, o capital bancário, próprio e alheio, nada mais é do
que capital de empréstimo e esse capital de empréstimo na verdade
nada mais é do que a forma monetária do capital produtivo, e nesse
2
MARX, 1984, p. 255.
4
caso é importante que seja, na sua maior parte, mera forma, e portanto,
que só exista em termos de contabilidade. [...]. (HILFERDING, 1985,
p. 172).
O investimento de capital como capital monetário é, portanto, garantia de
maiores lucros. Além disso, capitalistas industriais podem também investir como
capitalistas monetários, investido no setor produtivo indiretamente, através dos bancos,
o que lhes garante o lucro do setor produtivo e o lucro por juros devido ao capital
emprestado. Nesse sentido, torna-se indiferente se o capitalista industrial é detentor ou
não do capital que investe em sua empresa.
[...] tem a escolha quanto a seu capital, quer exista este já no ponto de
partida como capital monetário quer tenha de ser transformado ainda
em capital monetário, se deseja emprestá-lo como capital portador de
juros ou se prefere ele mesmo valorizá-lo como capital produtivo. [...]
(MARX, 1984, p. 282).
Partindo destas premissas: de que mesmo o capitalista industrial pode lançar
mão de parte do seu lucro como juro, já que: “o capital portador de juros é o capital
enquanto propriedade em confronto com o capital enquanto função” 3; que: “o juro
aparece [...] abstraído do processo de reprodução do capital, à medida que ele não
“trabalha”, não “funciona”
4
e considerando que: “O processo de produção aparece
apenas como elo inevitável, como mal necessário, tendo em vista fazer dinheiro.”5, é
possível inferir que o capital industrial desenvolve uma tendência a ser realocado como
capital monetário, sempre que isto for mais vantajoso.
3
MARX, 1984, p. 283.
Op. Cit., p. 280.
5
MARX apud CHESNAIS, 2003, p. 46.
4
5
A concorrência entre estes dois capitais, o monetário e o produtivo, pela maior
valorização do valor é que deflagrará a busca por uma força de trabalho cada vez mais
barata, chegando a atingir os níveis mais precários de exploração do trabalho.
Porém é necessário compreender o aspecto que determina essa característica da
ação do capital financeiro: a composição do capital da demanda.
2.
Composição do Capital e Salário
Segundo Marx, este movimento do capital hierarquiza os capitais numa
estrutura onde o capital monetário subjuga o capital industrial, fazendo deste um
“trabalhador assalariado” e, como tal, explorado de forma equitativa à exploração que se
impõe ao trabalhador6.
O que entra em jogo nesse momento é o fato de que, enquanto mercadoria7, o
preço do dinheiro também é definido em função da lei de oferta e demanda8. Devemos
assumir aqui então, conforme nos explica Marx, que o capital mercadoria atua,
simultaneamente, como mercadoria por já carregar sua cota de mais-valor e como
capital monetário, pois como dinheiro este capital tem potência de meio de compra de
mercadorias. Some-se a isso que enquanto dinheiro, este capital “inaugura o processo de
produção capitalista”9. A partir disto detenhamo-nos no que configura a especificidade
do capital portador de juros.
Para Marx, o capital portador de juros se caracteriza por sua:
6
MARX, 1984, p. 285-286.
“Nessa qualidade de capital possível, de meio para a produção de lucro, torna-se mercadoria, mas uma
mercadoria sui generis. Ou, o que dá no mesmo, o capital enquanto capital se torna mercadoria.” (MARX,
1984, p. 255).
8
[...] o capital portador de juros [...] se torna uma mercadoria sui generis e, por isso, o juro torna-se seu
preço, o qual, como preço de mercado da mercadoria comum, é fixado em cada momento pela procura e
oferta”. (MARX, 1984, p. 275).
9
MARX, 1984, p. 258.
7
6
[...] forma externa, dissociada do ciclo mediador do retorno. O
capitalista prestamista entrega seu capital, transfere-o ao capitalista
industrial, sem receber um equivalente. Sua entrega não constitui ato
algum do processo real de circulação do capital, mas apenas
encaminha esse ciclo, a ser realizado pelo capitalista industrial. [...] A
propriedade não é cedida, porque não ocorre intercâmbio, não se
recebe equivalente. (MARX, 1984, p. 261).
É, contudo, a premissa do capital portador de juros que irá deflagrar sua
tentativa de emancipação, pois Marx afirma: em geral, o limite da taxa de juros é a taxa
de lucro10. Disso decorre, necessariamente, que a taxa de juros não é fixa em função do
seu valor referencial, qual seja, a taxa de lucro que, também, não é fixa, pois que é
determinada no mercado pela lei de oferta e demanda. Em longo prazo, a taxa de juro,
portanto, é uma porcentagem interna ao valor do lucro, que não é determinado a priori.
Contudo, ainda é importante entender como se forma essa porcentagem interna à taxa de
lucro. Segue que Marx nos explica que ela é definida pela oferta e demanda de capital
monetário. A oferta e demanda do capital monetário, por sua vez, é determinada em
função das circunstâncias da produção real, ou seja, do desenvolvimento industrial.
Conforme a indústria se desenvolve, ela demanda cada vez mais um capital adicional
que funciona como uma espécie de “acomodação”11 monetária.
Temos então, a partir disso, duas variáveis que definem a taxa de juros: 1) a
oferta e demanda do capital monetário; 2) formação da taxa de lucro no setor industrial,
decorrente da relação da mais-valia com o capital investido. Então, considerando que a
taxa de lucro seja ainda um diferencial para a taxa de juros, é cabível afirmar que o
capitalista monetário ambiciona taxas de lucro cada vez mais avultantes.
Em consequência disso, é legítimo entender que a velocidade de giro do
capital, então, é função definidora não só da taxa de lucro, mas por extensão, da taxa de
juro praticada pelos bancos. Disto depreende-se que o interesse em acelerar a
velocidade de giro do capital deixa de ser apenas do capital industrial buscando realizar
o lucro, mas se torna uma demanda do capital monetário buscando elevar a taxa de juro.
10
11
MARX, 1984, p. 319. HILFERDING, 1985, p. 102.
MARX, 1984, p. 320.
7
Junto ao que foi dito, observa-se ainda que o capital bancário, que já contempla
a valorização do capital industrial pela própria dinâmica que o define e que ainda pode
ser empregado em outro setor, tende a buscar sua valorização continuamente fora do
setor produtivo. Esse aspecto da dinâmica do capital é autodestrutivo em certa medida,
pois redistribui o capital anteriormente reinvestido na produtividade para diferentes
setores, pressionando assim o setor produtivo. O ímpeto seria, necessariamente, dispor o
máximo de capital possível à valorização fora da produção.
O aspecto que propicia ao capital portador de juros essa tentativa de superar a
esfera produtiva, segundo Hilferding é um “acidente”: é o fato de que o juro não é um
fator objetivamente determinado, como o lucro12 o é. O juro, diz, decorre do fato de que
“não somente os capitalistas produtivos que dispõem de dinheiro.”13 Caso contrário não
haveria juro. A demanda de capital monetário é que enseja o surgimento de juro. Além
disso, o juro, ao adentrar o funcionamento do sistema expandindo a produção e assim
todo o sistema, acaba por expandir novamente a demanda de capital monetário,
retroalimentando continuamente essa demanda. Por simples raciocínio podemos inferir
que o aumento da demanda, em caso de mantida a oferta, levaria a uma elevação do
preço do capital-dinheiro, e é nisso que este capital encontra seu contrassenso, pois o
capital da oferta é, em parte, capital como moeda corrente14 – um capital de circulação
que tem seu referencial num lastro – e o capital fiduciário15 cuja fluidez depende da
reserva dessa moeda corrente. Em circunstâncias normais, a expansão da indústria
garante ao prestamista um incremento em sua reserva de moeda corrente e moeda
12
“ A produção do lucro é tanto condição, como fim da produção capitalista. Sua produção, a produção da
mais-valia, consubstanciada no mais-produto, é objetivamente determinada; o lucro se origina
diretamente da relação econômica, da relação do capital, isto é, da separação dos meios de produção do
trabalho e da oposição entre o capital e o trabalho assalariado [...]. Lidamos aqui com fatores
objetivamente determinados.” (HILFERDING, 1985, p. 102).
13
HILFERDING, 1985, p. 102.
1414
“[...] entendo como moeda corrente o dinheiro metálico de valor integral, a moeda de ouro ou de
prata, mais o papel-moeda estatal de circulação obrigatória e a moeda divisionária, na medida que exista
em quantidade mínima de circulação socialmente necessária.” HILFERDING, 1985, p. 90.
15
“Em resumo, a letra de câmbio funciona como moeda fiduciária [...] a moeda fiduciária é garantida de
forma privada e não socialmente; por isso tem de ser sempre transformável ou conversível em dinheiro.
Caso essa conversibilidade seja duvidosa, seu valor como substituto do meio de pagamento deixa de
existir.” HILFERDING, 1985, p. 66.
8
fiduciária, o que garante também a continuidade da relação entre este e o capitalista
industrial16.
Contudo, o consequente aumento da oferta de moeda fiduciária demanda a
retenção de um montante cada vez maior de moeda corrente para dar validade às notas
bancárias. Nesse panorama, a oferta de moeda corrente vai diminuindo em relação à
demanda. Junto a isso, conforme o sistema evolui com a circulação dos capitais no meio
industrial, o capital fiduciário tenderia a funcionar secundariamente. Isso ocorreria
porque a indústria funciona na economia real, certos setores demandam o capital
corrente e não o fiduciário, sobretudo o pagamento da força de trabalho.
A demanda de capital monetário, portanto, não se dá de maneira equilibrada,
sua dinâmica de expansão unida à expansão industrial converge necessariamente para
duas situações que não se excluem: elevação da taxa de juro e emissão de moedas sem
lastro. A elevação da taxa de juros concorre para uma diminuição do investimento no
setor produtivo já que neste o giro do capital é mais devagar17, o que nestas
16
“Se atentarmos para o volume de dinheiro que entra na composição da oferta, veremos que é
constituído de duas partes: primeiro, da moeda corrente existente; segundo, da moeda fiduciária.
Conforme já vimos na análise do crédito de circulação, a moeda fiduciária constitui um fator variável que
cresce com a expansão da produção. Essa expansão significa demanda multiplicada de capital monetário;
a demanda multiplicada provoca, igualmente, uma oferta maior que se apresenta em decorrência da
moeda fiduciária incrementada, gerada pela expansão da produção. Portanto, uma alteração da taxa de
juros ocorrerá apenas quando a variação da demanda de capital monetário for mais forte do que a variação
da oferta; haverá, pois um aumenta da taxa de juros só quando a procura de capital monetário crescer
mais rapidamente do que o aumenta da moeda fiduciária. Quando é que isso acontece? De imediato a
multiplicação da moeda fiduciária exige também um aumento paralelo da soma em dinheiro que é sempre
necessária existir como reserva para a conversibilidade constante da moeda fiduciária. Como a rotação da
moeda fiduciária também cresce, além disso, a parte da soma em moeda corrente que deve ser retida para
equilibrar a balança com referência à moeda fiduciária não compensada. Expandindo-se a circulação,
crescem também, ao mesmo tempo, as transações nas quais a moeda fiduciária apenas exerce papel
secundário; o dinheiro necessário para o pagamento dos operários e para garantir as maiores vendas no
varejo é constituído, no geral, por moeda corrente. Diminuem, dessa maneira, as somas à disposição do
movimento do empréstimo, porque uma parte da moeda corrente será necessária para essas e outras
funções. Por fim, a multiplicação da moeda corrente ficará aquém das exigências da produção e da
circulação aumentadas assim que, ao término de uma época de prosperidade, as vendas de mercado
diminuam ou parem.”Op. cit., p. 103.
17
Cremos que, neste ponto, Hilferding relaciona a velocidade de giro do capital ao incremento na
valorização que o aumento na velocidade de giro proporciona. Conforme nos explica Harvey (2013, p.
144): “O tempo de circulação do capital é, em si, uma medida fundamental que também indica algumas
9
circunstâncias se torna um risco. A emissão de moedas sem lastro é prática comum
nessas conjunturas, mas também o são as crises que se seguem com total desvalorização
da moeda o que representa sempre um retorno às bases materiais de riqueza.
Hilferding afirma ainda que, em economias capitalistas mais desenvolvidas, a
taxa de juros tende a oscilar menos ao passo que a taxa de lucro diminui. Porquanto a
taxa de juros não caia, deduz-se que o que ocorre é que a taxa de juro passa a
corresponder a uma porcentagem cada vez maior internamente à taxa de lucro. Destas
constatações Hilferding presume que a participação dos bancos cresce e, nestes termos,
a dos capitalistas ociosos na economia produtiva. Conclui, portanto, que o capital
normal é transformado em capital financeiro por meio deste mecanismo18.
Em virtude disso, podemos concluir que o seguimento que será mais
diretamente influenciado pela ingerência do capital financeiro é o proletariado. A
extrema precarização da força de trabalho de maneira a maximizar os lucros é um dos
principais sintomas da economia financeirizada, Conforme sinalizou Marx: “as funções
dos trabalhadores e as combinações sociais do processo de trabalho 19” seriam
revolucionadas junto com o sistema de produção.
O volume do capital industrial depende da evolução do processo de
produção em geral, da dimensão dos meios de produção existentes,
aos quais pertencem também as forças da Natureza e as possibilidades
de sua utilização e da população trabalhadora existente. Seu emprego
e o grau de exploração do operariado determinam a magnitude do
lucro, que se divide de modo igual sobre o capital industrial,
comercial e comercial monetário, sendo que nas duas últimas áreas, o
capital é dado tecnicamente pelas condições das operações de
circulação a serem realizadas. Como a circulação não produz lucro, e,
portanto representa despesas, existe ao mesmo tempo a tendência de
barreiras à acumulação. Como uma taxa acelerada da circulação do capital reduz o tempo durante o qual
as oportunidades passam inaproveitadas, uma redução no tempo de circulação libera recursos para mais
acumulação.” Cita ainda Marx: “Enquanto [o capital] persiste no processo de produção, não é capaz de
circular; e [é] potencialmente desvalorizado. Enquanto persiste na circulação, não é capaz de produzir
[...].”.
18
HILFERDING, 1985, p. 104-107.
19
MARX, 2012, p. 47.
10
reduzir ao seu mínimo o capital aqui empregado. (HILFERDING,
1985, p 172).
Isso dito, devemos agora observar os aspectos que levam o capital financeiro a
dar primazia aos centros urbanos. Não implica entender que o campo também já não
esteja sofrendo influência deste novo ritmo de acumulação, mas que, em certa medida, a
acumulação financeira e a estrutura urbana encontram em seus próprios paradoxos, o
equilíbrio necessário para se impor sobre a sociedade.
3.
A cidade como aglomeração de força de trabalho
Os centro urbanos são o berço do modo de acumulação capitalista. Em que
pesem as aglomerações populacionais não serem uma exclusividade do sistema
capitalista, as características de uma máquina produtiva foram sendo forjadas nas
cidades europeias e partilhadas mundo afora, conforme iam se espraiando a
“civilização” e a ocidentalização”. De modo objetivo, pode-se pontuar ao menos um
aspecto sem o qual dificilmente os níveis de exploração necessários ao capitalismo
seriam alcançados: a cidade produtiva tem de ser desprovida dos sensos comunitários de
empatia e solidariedade. É certo que este projeto de “automatização moral” da
sociedade não se acaba. A resistência dos modos sutis de coexistência, sobretudo no
nível das relações travadas no cotidiano, são forças inerentes ao convívio social. Ainda
assim, por todos os meios, o capital manipula o potencial social para maximizar a
acumulação. Temos como exemplo a fala de Polanyi:
Este resultado do estabelecimento de um mercado de trabalho é
perfeitamente aparente nas regiões coloniais hoje em dia. Os nativos
são forçados a ganhar a vida vendendo o seu trabalho. Para atingir
essa finalidade, suas instituições tradicionais têm de ser destruídas e
impedidas de se reformularem, pois, em regra, o indivíduo numa
sociedade primitiva não se vê ameaçado de inanição, a menos que a
11
comunidade como um todo também esteja numa situação semelhante.
[...] Não existe a inanição em sociedades que vivem à margem da
subsistência. O princípio de independer da carência era conhecido
também na comunidade aldeã hindu e, podemos ainda acrescentar, em
quase todos os tipos de organização social até aproximadamente o
início do século XVI na Europa, quando as ideias modernas em
relação aos pobres, apresentadas pelo humanista Vives, foram
discutidas na Sorbonne. É justamente a ausência da ameaça de
inanição individual que torna a sociedade primitiva, num certo
sentido, mais humana que a economia de mercado e, ao mesmo
tempo, menos econômica. De forma irônica, a contribuição inicial do
homem branco para o mundo do homem negro consistiu
principalmente em acostumá-lo a sentir o aguilhão da fome. Assim, o
colonizador pode decidir cortar a árvore da fruta-pão a fim de criar
uma escassez artificial de alimentos, ou pode impor uma taxação
sobre a cabana do nativo, para forçá-lo a permutar o seu trabalho. Em
ambos os casos, o efeito é similar ao dos cercamentos da era Tudor,
com sua esteira de hordas errantes. Um relatório da Liga das Nações
mencionou, com o devido horror, o aparecimento recente daquela
indescritível figura do cenário europeu do século XVI, o “homem sem
dono”, na floresta africana. [...] Ora, o que o homem branco ainda
pratica ocasionalmente em regiões remotas hoje em dia, a derrubada
das estruturas sociais a fim de extrair delas o elemento do trabalho, foi
feito no século XVIII com as populações brancas, por homens
brancos, com propósitos similares. (POLANYI, 2012, p. 183-184).
Considerando que a força de trabalho, atualmente, é o único setor que impõe à
acumulação financeira a circulação do capital na economia real (já que também a
ampliação indiscriminada do crédito vem em favor da circulação na esfera especulativa)
e que, portanto, contém a reversão de mais capital monetário para esta especulação, é
necessário conceber as condições necessárias para que a força de trabalho se submeta à
modos ultrajantes no esforço para se reproduzirem socialmente.
Além disso, a cidade, com suas hordas de trabalhadores, de população em
busca de emprego e acúmulo de capital fixo já estabelecido, agem como uma reserva de
capital potencial que sustém novos e renovados projetos de acumulação como uso de
mão de obra escrava e renda da terra. As conexões econômicas da metrópole lhe
12
permitem manter estruturas atrasadas20 de acumulação já que estas são reapropriadas
por estruturas de acumulação mais sofisticadas. Em que pese a atualidade desta
interface do sistema, seu funcionamento já havia sido sinalizado por Rosa Luxemburgo
ao argumentar que a condição de sobrevivência do modo capitalista seria não só manter
estas formas pré-capitalistas de acumulação, mas também recriá-las no seio do
capitalismo mais desenvolvido, para deles sobreviver:
As necessidades históricas que acompanham a intensificação da
concorrência capitalista mundial, em busca de suas condições de
acumulação transformam, assim, o próprio capital em campo de
acumulação de primeira grandeza. Quanto mais o capital necessita
recorrer ao militarismo para apropriar-se dos meios de produção e da
força de trabalho dos países e das sociedades não-capitalistas, com
tanto mais energia trabalha o mesmo militarismo em casa, nos países
capitalistas - os representantes da economia mercantil simples e a
classe operária. Procura roubar da primeira as forças produtivas, e
forçar a queda do nível de vida da segunda, aumentando à custa de
ambas, violentamente, a acumulação do capital. [...] O capitalismo é a
primeira forma econômica capaz de propagar-se vigorosamente: é
uma forma que tende a estender-se por todo o globo terrestre e a
eliminar todas as demais formas econômicas, não tolerando nenhuma
outra a seu lado. Mas é também a primeira que não pode existir só,
sem outras formas econômicas de que alimentar-se; que, tendendo a
impor-se como forma universal, sucumbe por sua própria
incapacidade intrínseca de existir como forma de produção universal.
(LUXEMBURGO, 1985, p. 320). Grifos meus.
Isso dito, temos que o capitalismo operando mundialmente de maneira
hegemônica tem a prerrogativa de alocar o seu capital (tanto o produtivo quanto o
especulativo) onde melhor lhe convier numa miríade de territórios. É próprio do sistema
capitalista, devido à sua estrutura de acumulação, buscar os territórios em que o custo de
vida seja barato e a população esteja “doutrinada” para fins de exploração.
20
LENCIONI, Sandra, 2008, p. 52.
13
O critério que nos parece ser mais determinante é justamente a composição
orgânica da economia do território, pois, como defendido por Hilferding: “Quanto mais
avançado for este, tanto menor será a taxa de lucro21.”. Concorre para isso o fato de que
o preço do salário é definido por duas variáveis: o custo de vida segundo a cultura em
que o trabalhador vive, sendo que deve ser o mínimo necessário pra sua reprodução, e
pelo preço da força-de-trabalho no mercado, ou seja, por sua oferta e demanda. O que
acontece com o avanço da fronteira do território econômico é que, por um lado, a
instauração de uma economia produtiva capitalista fomenta novas necessidades,
alimenta o consumismo ao sugerir novos prazeres sociais22. Por outro, o capital passa a
dispor de cada vez mais opções de diferentes territorialidades, compostas por diferentes
modos de vida, logo, diferentes custos de vida ao redor do mundo. Sendo assim, a
tendência é que haja uma migração de investimento justamente onde os costumes da
população sejam miseráveis, onde o capitalismo funcione de maneira imprecisa e
ambígua, gerando uma concentração produtiva em regiões onde o custo de reprodução
da força-de-trabalho seja a mais barata possível.
4.
A metrópole como condição de reprodução do sistema capitalista
A cidade contemporânea, sob gestão do capital financeiro, ascendeu à condição
de metrópole urbana, gerando novos processos de migrações, de capital e pessoas,
apresentando algumas tendências estruturais que refletem sua nova força latente. Como
exemplo deste processo temos o afastamento das indústrias próximas ao centro urbano,
que foi tomado por empresas do setor de serviços. Curiosamente, o afastamento da
21
HILFERDING, 1985, p. 297.
“O crescimento rápido do capital produtivo traz à tona com a mesma rapidez um aumento da riqueza,
do luxo, das necessidades sociais e dos prazeres sociais.” MARX apud HARVEY, 2013, p. 100.
22
14
indústria é correlato à submissão do capital produtivo ao capital especulativo. O fetiche
da cidade mostra uma nova face, a de empreendimentos materializados nos centros
financeiros, mercado de luxo e exacerbação do consumo. Conforme nos explica Sandra
Lencioni:
Não se trata mais da indústria motriz como principal agente da
atividade industrial fabril e de conformação do urbano, que
caracterizou o século XX. Essa empresas-rede, cabe observar, tem a
característica de mais ancorar no território do que criar raízes, posto
que está sempre posta a migrar para outras paragens que apresentem
maiores vantagens. O que, em síntese, significa dizer que a empresarede tem pouco enraizamento no território, situação oposta à das
indústrias. [...] Essa é a realidade contemporânea onde o processo de
metropolização e a transformação da metrópole herdada indicam
profundas metamorfoses da emergência de um novo momento
histórico. (LENCIONI, 2008, p. 49).
Por sua vez, Harvey indica as características inovadoras dessa nova
espacialização do capital nos centros urbanos, alertando sobre a dispersão da indústrias
e a ascensão do “marketing” como ator político-econômico desta etapa:
Isso sugere que a tensão que sempre existiu no capitalismo entre
monopólio e competição, entre centralização e descentralização de
poder econômico, está se manifestando de modos fundamentalmente
novos. Isso, porém não implica necessariamente que o capitalismo
esteja ficando mais “desorganizado”, como sugerem Offe (1985) e
Lash e Urry (1987). Porque o mais interessante na atual situação é a
maneira como o capitalismo está se tornando cada vez mais
organizado através da dispersão, da mobilidade geográfica e das
respostas flexíveis nos mercados de trabalho, nos processos de
trabalho e nos mercados de consumo, tudo isso acompanhado por
pesadas doses de inovação tecnológica, de produto e institucional.
(HARVEY, 2011, p. 150-151).
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Dado ao que foi apresentado nos trechos acima fica claro que a metrópole vive
um novo momento, a inovação tecnológica, os novos ritos de consumo e as novas
dinâmicas espaciais dão o tom do que vem por aí. A partir do momento que estas
inovações não conseguem acabar com antigas estruturas econômicas e altos níveis de
pauperização social, a questão que se põe, conforme nos apresenta Lencioni é:
Há o novo, mas há, também, a continuidade de processos e
metamorfose dos atributos da metrópole. É aí devemos centrar o olhar
buscando compreender a dinâmica atual da metrópole contemporânea:
o que ela tem de permanência e o que tem de novo. (LENCIONI,
2008, p. 52).
Parece-nos, em vista do que foi apreciado, que a característica principal dessa
nova fase é, justamente, a reapropriação dos antigos modos de exploração laboral
capitalista e pré-capitalista, sendo não só protegidos pela ocultação de escravos em meio
aos centros urbanos, processos de terceirizações massivos em grandes empresas, mas
também pela criação de situações de exploração de mão-de-obra pré-capitalista a partir
da migração de capitais, próprios da estrutura imperialista, na forma de capitais
produtivo e monetário. A inovação é própria do desenvolvimento social e humano, não
é exclusividade do sistema capitalista. O que distingue nossa conjuntura, dentro desta
nova estrutura econômica, é justamente a estagnação, é o velho que esta sendo ocultado
pelo novo. Como num jogo de luzes onde o foco brilhante ofusca o seu redor, a
metrópole tecnológica informacional ofusca a metrópole exploradora.
Considerações Finais
Este trabalho buscou aliar a estrutura econômica do capitalismo financeiro
como concebido originalmente por Hilferding para compreender algumas dinâmicas da
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espacialização do capitalismo atual na metrópole contemporânea. Devido à evolução do
sistema econômico financeiro avaliado por Hilferding, podemos compreender alguns
processos que ocorriam principalmente noutra escala, a saber, de Estados Nacionais,
também como internos à metrópole. Devido ao avanço tecnológico, que possibilitou
uma diminuição no tempo de giro do capital, esses processos ficam mais claros e
ganham materialidade nas desigualdades sociais evidentes na maioria dos centros
urbanos. Bebendo da produção conceitual de Rosa Luxemburgo e à luz da questão
levantada por Sandra Lencioni quanto a inovações e permanências na metrópole, nos
aproximamos do seu entendimento quanto à metrópole como expressão da sobrevida do
capitalismo. Sobrevida por concentrar suas inovações tecnológicas, por concentrar
grandes somas de capital e por ditar o ritmo de desenvolvimento político e econômico.
Mas também, e talvez principalmente, por produzir uma desigualdade sem a qual o
capitalismo não teria como se reproduzir enquanto sistema de acumulação hegemônico.
Isso dito é importante ressaltar que uma análise fundamentada do atual estágio
do sistema capitalista só pode partir do entendimento dos processos econômicos que
ocorrem nas periferias econômicas do capital financeiro, da qual fazemos parte. Seja
uma análise que queira tratar objetivamente, ainda, do imperialismo contemporâneo ou
que busque demonstrar as dinâmicas próprias, exclusivas, dos centros econômicos, a
análise tem que levar em consideração o que acontece nas metrópoles periféricas, o que
fica ocultado nestas metrópoles, seja pelos números das balanças comerciais do
mercado financeiro, seja pelas fábricas clandestinas. A metrópole é, de fato, a sobrevida
do capitalismo.23
23
LENCIONI, 2008, p. 52.
17
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