26 FGV – 06/06/2010 CPV o cursinho que mais aprova na GV REDAÇÃO Texto No mundo moderno, cuja legitimidade é baseada na liberdade e igualdade de seus membros, o poder não se manifesta abertamente como no passado. No passado, o pertencimento à família certa e à classe social certa dava a garantia, aceita como tal pelos dominados, de que os privilégios eram ‘ justos’ porque espelhavam a ‘superioridade natural’ dos bem-nascidos (...). A ideologia principal do mundo moderno é a ‘meritocracia’, ou seja, a ilusão, ainda que seja uma ilusão bem fundamentada na propaganda e na indústria cultural, de que os privilégios modernos são ‘ justos’ (...). O ponto principal para que essa ideologia funcione é conseguir separar o indivíduo da sociedade (...). O ‘esquecimento’ do social no individual é o que permite a celebração do mérito individual, que em última análise justifica e legitima todo tipo de privilégio em condições modernas. Jessé Souza, A Ralé Brasileira, 2009, p. 43 Escreva uma redação argumentativa discutindo o texto acima, na qual, além de seu ponto de vista sobre as ideias defendidas pelo autor, estejam explícitos os seguintes aspectos: — em que consiste a meritocracia? — por que o autor considera a meritocracia uma “ilusão”? — de que maneira a meritocracia se manifesta na realidade brasileira? Para avaliar a redação, serão considerados, principalmente: · · · · o conhecimento de fatos históricos, geográficos e da realidade atual, necessários ao desenvolvimento do texto; a correta expressão em língua portuguesa; a clareza, a concisão, a coesão e a coerência; a capacidade de argumentar. Instruções: * — — — — — A redação deverá seguir as normas da língua escrita culta*. O texto deverá ter, no mínimo, 20 e, no máximo, 30 linhas escritas. Textos fora desses limites não serão corrigidos, recebendo, portanto, nota zero. A redação deverá ser apresentada a tinta. A página 2 é destinada ao rascunho e não será considerada na correção da prova. As questões das provas do Vestibular foram elaboradas conforme as novas regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, promulgado, no Brasil, pelo Decreto 6.583, em 29/09/2008. No texto escrito pelos candidatos, serão aceitos os dois Sistemas Ortográficos em vigor. Comentário do CPV A prova de redação da FGV-ADM junho/2010 solicitou a elaboração de um texto dissertativo sobre meritocracia. Era importante que o candidato seguisse o roteiro estabelecido pela Banca e tratasse do conceito de meritocracia, manifestasse sua opinião sobre o fato de Jessé Souza considerá-la uma ilusão e, por fim, discutisse de que maneira a meritocracia se manifesta na realidade brasileira. Como base, a Banca Examinadora ofereceu um fragmento de texto retirado da obra A Ralé Brasileira, lançada no dia 12 de novembro de 2009, na Fundação Getulio Vargas, por Jessé Souza, renomado sociólogo da contemporaneidade, autor e organizador de 21 livros sobre teoria social, pensamento social e estudos teórico/empíricos sobre desigualdade e classes sociais no Brasil. No texto, o autor faz uma crítica à meritocracia, relacionando-a ao individualismo e à concepção de privilégio. Caberia ressaltar, primeiramente, que o princípio da meritocracia encerra a máxima de que a cada um é dado o que merece. Ao longo da história, a meritocracia serviu de respaldo à perpetuação da dominação e, ainda hoje, serve com excelência a esse fim. Jessé Souza considera a meritocracia uma ilusão porque ela atribui exclusivamente ao indivíduo a responsabilidade por suas conquistas e seus fracassos. Essa concepção encontra-se em perfeita sintonia com os princípios de liberdade e igualdade que pautam a ética da modernidade, dando a falsa impressão de que, na sociedade democrática e liberal, todos têm a mesma oportunidade. Entretanto, em sociedades desiguais, os indivíduos, em função das dificuldades econômicas, não partem do mesmo princípio. Assim, fica impossível dissociar o indivíduo do social e, ainda que a propaganda e a indústria cultural incentivem o mérito, na prática, essas desigualdades constituem uma barreira aos menos favorecidos, promovendo a ausência do reconhecimento, do mérito. Vale ressaltar que o candidato poderia confirmar ou refutar esse posicionamento do autor. O Brasil é um país historicamente caracterizado pelo privilégio das elites, dos bem-nascidos. Sendo assim, embora tenha, recentemente, havido redução da pobreza, a realidade social ainda é uma das mais desiguais do planeta. Entre 30% e 40% da população tem inserção precária no mercado e na esfera pública. Alguns defendem, como solução para a desigualdade, investimentos em educação. Contudo, no Brasil, as crianças já chegam à escola como vencedoras ou perdedoras, o que oficializa, segundo o próprio autor, o engodo do mérito caído do céu de uns e legitima, com a autoridade do Estado e a anuência da sociedade, o estigma de outros. A mídia brasileira também poderia constituir uma alternativa se conduzisse ao debate. Porém, é conservadora, reproduz o comportamento mesquinho, medíocre, avesso ao debate, predominante no país. A ausência do social no indivíduo determinou também a inexistência de transformações políticas e revoluções sociais, segundo Jessé Souza: O Brasil é uma sociedade que se modernizou apenas economicamente. Não houve processo de aprendizagem coletiva por meio da luta. Ao contrário disso, prevalece o traço do personalismo, do individualismo e do jeitinho brasileiro. A Equipe Pedagógica do CPV gostaria de elogiar o trabalho da Banca Examinadora na elaboração desta prova. Trata-se de uma proposta diferenciada, como há muito não se observava em provas da FGV Administração. Certamente, surpreendeu os candidatos, já que estavam habituados a temas menos complexos. Porém, essa prova deve condicionar o comportamento das próximas turmas a uma reflexão mais acadêmica e aprofundada sobre a realidade. Provas sérias como essa devem ser exaltadas pelo mérito de contribuir para a formação de um sujeito crítico, menos alienado, correspondendo ao perfil de candidato que uma instituição de renome como a FGV merece. CPV FGV10JUNADM