A PROBLEMÁTICA DA IDENTIDADE CULTURAL DO ESTADO DO TOCANTINS: UM ESTUDO DE CASO SOBRE OS ACADÊMICOS DO CURSO DE GEOGRAFIA DA UFT DE ARAGUAÍNA (TO) Cosmea Rodrigues da Silva Dalilla Pacini Resplandes Diana Raquel Saraiva Miraci Dias Vidal Mônica Brandão de Sousa UFT - Universidade Federal do Tocantins [email protected] INTRODUÇÃO O presente artigo tem como proposta principal realizar um estudo na área de Geografia Regional e a partir dele promover uma breve discussão envolvendo a questão da diversidade cultural no Estado do Tocantins problematizando a Identidade Cultural tocantinense, tendo como estudo de caso os acadêmicos do curso de Geografia da UFT do campus de Araguaína-TO. Nesse sentido, foram abordadas no decorrer do texto várias perspectivas sobre o significado de cultura. Esta foi uma forma de esclarecer melhor para a sociedade em geral, principalmente para os leitores deste trabalho, o quanto o termo cultura é abrangente. E teve ainda o intuito de mostrar que uma cultura regional sempre será proveniente das atividades produzidas por atores políticos num tempo-espaço determinado. Quanto à problemática da Identidade Cultural, foram colocados em evidência alguns pontos chaves sobre sua definição. Assim, foi de extrema relevância compreender que ele está intimamente vinculado ao sentimento de pertença, de enraizamento que as pessoas criam ao se estabelecerem em determinado lugar e é simbolizado por algo ou alguma coisa que os identifica com o local em que vivem. Na seqüência, foi abordada a temática da diversidade cultural no Tocantins, onde foi realizado um breve histórico a respeito dessa região quando ainda era o antigo norte de Goiás, até os diversos fluxos migratórios que chegaram e continuam chegando atualmente. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 PROBLEMATIZANDO A CULTURA Não se sabe ao certo quando e como surgiu a cultura. Não é fácil identificar o momento em que as pessoas começaram a compartilhar os mesmos costumes e o porquê. Preocupações em estudar e discutir sobre a cultura humana surgiu devido “a constatação da variedade de modos de vida entre povos e nações”. (SANTOS, 2005, p. 26.) No entanto, uma busca sistemática ligada a essa questão, segundo Santos (2005, p. 26), só se desenvolveu a partir do século XVIII, na Alemanha. A partir de suas concepções, o autor supracitado apresenta dois conceitos distintos sobre o significado de Cultura. O primeiro conceito “remete a todos os aspectos de uma realidade social”; enquanto que o “segundo refere-se mais especificamente ao conhecimento, as idéias e as crenças de um povo.” (SANTOS, 2005, p. 23) Já na visão de outro autor, Cultura pode ser definida como “o conjunto de experiências humanas (conhecimentos, costumes, instituições, etc.) adquiridos pelo contato social e acumulados pelos povos através dos tempos.” (LUFT, 1995, p.178) A cultura pode ainda, ser considerada como “o processo pelo qual um grupo social garante a permanência de sua identidade, aquilo que lhe confere singularidade, distinguido dos demais grupos sociais.” (BOSI, 1992, apud, ROZEMBERG et. al 2004, p.97). Nesse contexto, é de grande relevância compreender que cada cultura é resultante de uma história particular e da interação entre as várias culturas como, exemplifica Laraia (2009, p. 96), “podemos afirmar que existem dois tipos de mudança cultural: uma que é interna, resultante da dinâmica do próprio sistema cultural, e uma segunda que é o resultado do contato de um sistema cultural com um outro”. Dessa forma, é possível entender que o termo Cultura “diz respeito à humanidade como um todo e ao mesmo tempo a cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos.” (SANTOS, 2005, p. 8). Portanto, apesar de existirem diversas maneiras de se conceituar cultura, vale ressaltar que sejam elas quais forem, todas sempre terão como referência a humanidade e como objetivo identificar as peculiaridades de cada povo, de cada realidade cultural. Ou seja, a cultura é também o resultado da interação entre os povos e seus modos de se relacionarem com o espaço. PROBLEMATIZANDO A IDENTIDADE CULTURAL. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 Para a Geografia, falar de Identidade Cultural não é uma missão muito fácil. Isto porque, a partir da globalização, surgiram expectativas de que a cultura humana se tornaria homogênea, o que na prática, todavia, não aconteceu. Contraditoriamente, as sociedades têm procurado preservar cada vez mais as suas particularidades, as suas tradições e a sua maneira de viver, umas completamente diferentes das outras. Partindo desse pressuposto, cabe aqui primeiramente compreender que identidade cultural refere-se ao sentido de saber se reconhecer, mas pode corresponder também o sentimento que identifica um grupo, um indivíduo ou uma cultura na medida em que ele é influenciado pela sua pertença a um grupo ou cultura distinta. Nesse contexto, a identidade cultural representa todo um sistema de relações entre indivíduos e grupos, e isto “envolve um compartilhamento de patrimônios comuns, como a língua, a religião, as artes, o trabalho, os esportes, as festas” (OLIVEIRA, 2006, p. 1), as construções edificadas, dentre outras manifestações geradas pelos mais distintos povos. Contudo, na sociedade contemporânea, a identidade cultural não pode ser vista apenas como um conjunto de valores arcaicos, tradicionais, fixos e estagnados que definem um indivíduo ou a coletividade da qual este faz parte. Mas, ao contrário, deve ser observada como um processo dinâmico, de construção contínua, que se reproduz a partir de diversas fontes no tempo e no espaço. E justamente por não ser um processo estático, é que a Identidade Cultural “vai evoluindo a medida que a sociedade avança do ponto de vista cultural, social, econômico e político [...] é graças a ela que o individuo se identifica com determinado grupo.” (EMBALÓ, 2007, p.1) Entretanto, no mundo globalizado de hoje, as relações entre as pessoas e os lugares estão cada vez mais fluidas e móveis, o que torna difícil a identificação cultural desta com um só local ou uma só comunidade em especial. Assim, pode-se ressaltar ainda que as identidades culturais que antigamente “eram achadas ou outorgadas, passaram a ser construídas e as que eram definitivas, tornaram-se temporárias” (COELHO, 1997 apud OLIVEIRA, 2006, p.1). Nesse sentido, é relevante dizer que no passado as identidades eram mais conservadas, isto devido à falta de contato entre culturas diferentes. Para Oliveira (2006, p. 01), a defesa da preservação de identidades rígidas, muitas vezes, colide com valores tidos como universais e estabelecidos, que ferem a dignidade humana, como a subordinação da mulher em diferentes culturas, a circuncisão feminina, o cerceamento da liberdade individual, entre outro. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 No entanto, atualmente, esta situação mudou devido à globalização, que fez e faz com que as pessoas interajam mais entre si e com o mundo ao seu redor. No que tange a Identidade Cultural, “o que se impõe hoje, [...], é garantir que a multiplicidade e a diversidade sejam preservadas, que a cultura, como uma longa conversa entre partes distintas, permita que convivam sujeitos dos mais diferentes matizes” (OLIVEIRA, 2006, p.1). Em outras, isto significaria dizer: preservar a diversidade na unidade. A DIVERSIDADE CULTURAL NO TOCANTINS E A PROBLEMÁTICA DA IDENTIDADE CULTURAL TOCANTINENSE: UM BREVE HISTÓRICO A formação da população do Estado do Tocantins teve início, principalmente, pela vinda de pessoas de outras regiões do país em busca de melhores condições de vida, dentre eles, destacam-se os nordestinos de estados vizinhos (principalmente do Maranhão, Piauí e Bahia), e os paulistas com as inúmeras expedições em busca da exploração do ouro. Anteriormente a estes, aqui chegaram os colonizadores portugueses e franceses, que exploravam os negros africanos e os índios que aqui já viviam. Estes últimos já moravam aqui há muito tempo, também vindos de outras regiões. Acredita-se que eles eram fugitivos de tribos rivais e da exploração de brancos nas regiões que primeiro foram colonizadas no Brasil. Isso enquanto o atual estado ainda era o extremo Norte do Estado de Goiás. A exploração do norte Goiano se iniciou por volta do século XVII com as chamadas bandeiras e entradas em que paulistas buscavam aprisionar os nativos para serem utilizados como mão-de-obra escrava. Até então esses sertões, que hoje formam o estado do Tocantins, eram habitados por Índios, nome pelo qual os nativos foram chamados, equivocadamente, pelos europeus por acharem que estavam chegando à Índia, ao desembarcarem em terras brasileiras no século XVI. (SOUZA et al, 2008, p. 9) Por volta do século XVIII, a região recebeu muita gente que se aventurava em busca da especulação aurífera e com a ilusão de ganhar dinheiro fácil (SILVA, 1996, p.90). A febre passou e a região ficou desolada, pois já havia recebido tanta gente que não tinha para onde ir e acabaram ficando na região mesmo sem identificação cultural com o local. Já os exploradores, detentores do poder e do dinheiro, podiam procurar outros locais para explorar ou ficar explorando de outra forma as pessoas que por aquí ficaram. Neste território havia os negros africanos que foram trazidos como escravos, os nordestinos vindos de estados vizinhos em busca de novas oportunidades de vida e os exploradores colonizadores. A permanência de todos esses povos no território dos índios deu novas características ao espaço local, o que gerou mudanças drásticas na vida dos nativos. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 Passada a fase de mineração do ouro, o Tocantins dava sinais de decadência. Casas em ruínas, famílias empobrecidas e tentando manter uma tradição de grandeza – em contraste com o pauperismo da maioria da população. Até o final da década de 50, a escravidão era mantida de maneira engenhosa (SILVA, 1996, p. 97). A vida na região explorada ficou muito difícil, mas, mesmo assim, aqui permaneceram sertanejos, negros escravos e exploradores. Alguns “camaradas” (trabalhadores rurais) começaram a lutar por um pedaço de terra, com o incentivo dos sindicalistas que eram pessoas mais esclarecidas e ainda com a ajuda dos estudantes (SILVA, 1996, p. 98). Os grandes exploradores ainda continuaram a exploração do trabalho humano, e isto ocorre até nos dias atuais. Já os índios continuaram na difícil luta pela sobrevivência e convivência com os ocupantes daquele que antes era o seu espaço territorial. Muitas tribos foram extintas decorrente do contato com os descendentes de europeus, caso dos Goyazes, dos Crixás, dos Gradaús, dos Akroás, dos Tessemus, dos Amadu-Guasts,dos Topirapé e de muitos outros. Outras tribos já estão quase extintas, como os Javaés e os Naraguagés. Dentre as várias tribos que habitavam o norte de Goiás, ainda vivem hoje no Estado do Tocantins os Xerentes, os Karajás, os Javaés, os Xambioás, os Apinajés, os Kraô-Kanelas e alguns membros dos povos Avá- Canoeiros, Pankarus, Guaranis e Apirinãs. O resultado do encontro de tanta gente é a diversidade de costumes, crenças e valores (SOUZA et al, 2008, p.16-19). A QUESTÃO DA IDENTIDADE CULTURAL DO ESTADO DO TOCANTINS: UM ESTUDO DE CASO SOBRE OS ACADÊMICOS DO CURSO DE GEOGRAFIA DA UFT DE ARAGUAÍNA O Estado do Tocantins recebeu, e ainda tem recebido, muitas pessoas de outros Estados desta Federação. Isto pode ser afirmado através de um estudo de caso realizado com os acadêmicos do curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Federal do Tocantins (UFT) de Araguaína, onde, dentro de um universo de 68 entrevistados, 34% são naturais de outros Estados e 66% são naturais do Tocantins (Gráfico 1). Ou seja, isso mostra que ainda ocorre um fluxo migratório muito grande de pessoas advindas de outros Estados para o Estado do Tocantins, o que fez e continua fazendo com que a diversidade cultural tocantinense se torne ainda mais acentuada. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 Fonte: Entrevistas realizadas com acadêmicos do Curso de Geografia da UFT/Campus de Araguaína. Elab.: SARAIVA, D. R. Dentro do percentual de 34% de estudantes declarados naturais de outros Estados, 61% são do Estado do Maranhão e 39% correspondem aos Estados de: Ceará, Piauí, Goiás e Pará. Isso vem mostrar que a maioria dos entrevistados de outros estados são oriundos do estado vizinho do Maranhão. No universo de 68 entrevistados, 34% são naturais da cidade de Araguaína, 32% são naturais de outras cidades do Estado do Tocantins e 34% são naturais de outros estados, conforme ilustra o Gráfico 2: Fonte: Entrevistas realizadas com acadêmicos do Curso de Geografia da UFT/Campus de Araguaína. Elab.: SARAIVA, D. R. Dos nascidos em outras cidades do Tocantins (32%), a maioria é de cidades da região norte do Estado, com exceção da cidade de Almas. São elas: Ananás, Araguatins, Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 6 Araguanã, Babaçulândia, Colinas, Filadélfia, Goiatins, Grotão, Luzinópolis, Nazaré, Nova Olinda, Palmeiras do Tocantins, Tocantinópolis, Aragominas e Guaraí. Dos 68 entrevistados, 34% declararam morar na cidade de Araguaína, 7% moram em outras cidades do Estado e viajam todos os dias para estudar na UFT, 57% não responderam e apenas 2% moram em outro estado, mas também viaja todos os dias para estudar na UFT. (Gráfico 3). Fonte: Entrevistas realizadas com acadêmicos do Curso de Geografia da UFT/Campus de Araguaína. Elab.: SARAIVA, D. R. Entre os naturais de outros estados, foram bastante claras as respostas dos entrevistados quando estes falaram dos motivos que os trouxeram para o Tocantins. Do percentual de 34% que vivem no Tocantins, 35% disseram ter vindo acompanhando os pais ou outros familiares, 8% a procura de novas oportunidades para melhorar suas condições de vida, 35% tiveram o estudo como motivador na sua escolha e 22% vieram por outros motivos, conforme mostra o Gráfico 4. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 7 Fonte: Entrevistas realizadas com acadêmicos do Curso de Geografia da UFT/Campus de Araguaína. Elab.: SARAIVA, D. R. CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegando ao final dessa discussão, o que se pode notar é que toda sociedade, seja ela qual for, tem uma cultura, isto por que cultura “é um conceito que abrange não apenas conhecimentos, idéias, valores, mas igualmente práticas e construções do ser humano” (VESENTINI, 2003, p.14) sejam estas edificadas ou abstratas, materiais ou imateriais. O Estado do Tocantins por ser novo oficialmente não deixou de ter as pessoas e seus costumes que antecediam a formalização desta nova unidade político-administrativa para ter uma nova cultura, que se cria em sincronia com a oficialização do novo estado. Portanto, estes costumes são em sua maioria oriundos de vários outros estados vizinhos da região norte e nordeste do país. Com isso, o Tocantins pode não ter uma identificação cultural própria tão expressiva quantos outros estados centenários com um processo histórico muito maior. O Estado do Tocantins continua recebendo muita gente que busca na mais nova unidade administrativa do país melhores oportunidades de vida (sejam eles investidores, estudantes, especuladores ou simplesmente aventureiros). O fato é que, o encontro de tanta gente influencia no cotidiano local, nas crenças e nos costumes, e assim segue a dinâmica do processo cultural. Quanto a identidade cultural, é de extrema importância ressaltar a presença e a contribuição indígena na formação cultural do estado, tendo em vista que “o Tocantins é um dos estados que ainda tem a maior população indígena do Brasil, sendo uma comunidade básica na formação do povo tocantinense” (RAMOS, 2003 p. 4). Apesar de estes índios terem tido sua população bastante reduzida. Os negros também devem ter destaque perante a cultura tocantinense, pois a maioria das festas, danças e costumes populares regionais são de origem africana, como exemplo a congada, a sússia, a catira, a festa para Nossa Senhora do Rosário, dentre outras. REFERENCIAS: BOSI. Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Cia das Letras, 1992. COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 8 EMBALÓ. Filomena. Identidade cultural entre o “ser” e o “sentir”. Disponível em: http://www.didinho.org/identidadeculturalentresereosentir.htm. Publicado em 29 de Novembro de 2007. Acesso em 11 de Abril de 2009. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 23ª Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. LUFT, Celso Pedro. Minidicionário Luft. 10. ed. São Paulo: Àtica, p. 178. 1995. OLIVEIRA, Lúcia Maciel Barbosa de. Identidade cultural. p. 1, 2006. SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. 16. ed. São Paulo: Brasiliense, p.8, 23, 26,27. 2005. SILVA, Otávio Barros da. Breve história do Tocantins e de sua gente: uma luta secular. Brasília: Solo Editores, p. 90, 97,98. 1996. SOUZA, Niranete Martins de et al. Os caminhos da colonização.In SILVA,Norma Lúcia.(org). Caderno Didático: História do Tocantins. 1, ed. Goiânia: Grafset Gráfica, p.9,16-19. 2008. VESENTINI, José Willian. Educação e Ensino de Geografia: instrumentos de dominação e/ ou de libertação. In: CARLOS, Ana Fani A.(org). A Geografia na sala de aula. 5 ed. São Paulo: Contexto, p. 14, 2003. Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 9