Maria de Fátima Almeida Baia Livia Oushiro Ivanete Belém do Nascimento (organizadoras) Anais do XII e XIII Encontros dos Alunos de Pós-Graduação em Linguı́stica da USP Anais dos XII e XIII Encontros dos Alunos de Pós-Graduação em Linguı́stica da USP. São Paulo: Paulistana, 2012, p. 26–40. Agentividade e Voz nos Padrões Nominais do Hebraico Rafael Dias Minussi∗ Resumo Este artigo tem como objetivo principal discutir a seleção de argumentos com base nas nominalizações do hebraico. Como arcabouço teórico para esse estudo, tomamos a Morfologia Distribuı́da (MD) (Cf. Halle & Marantz 1993; Marantz 1997), a qual afirma que tanto palavras quanto sentenças são formadas durante a derivação sintática. Assim, por meio da descrição dos dados, notamos a existência de dois padrões de nominalizações, que possuem diferentes tipos de restrições para os elementos que as acompanham. Além disso, refletimos sobre as estruturas de um dos padrões vocálicos. Palavras-chave: Núcleos funcionais; núcleos lexicais; nominalizações; raı́zes abstratas; Morfologia Distribuı́da. Introdução Este trabalho, ainda em andamento, tem como objetivo maior estudar a estrutura argumental nas nominalizações e, por consequência, entender que tipo de núcleo faz a seleção de argumentos, ou seja, se são núcleos lexicais (raı́zes) ou núcleos funcionais. A questão de que tipo de núcleo faz a seleção dos argumentos é colocada, uma vez que tratamos do fenômeno da seleção argumental numa teoria não lexicalista. Por sua vez, como objetivo especı́fico dessa pesquisa, estudaremos as nominalizações do hebraico. O estudo da lı́ngua hebraica nos interessa porque tal lı́ngua apresenta um sistema de formação de palavras, que envolve raı́zes triconsonantais, que nos permitirão estudar os chamados núcleos lexicais, e padrões vocálicos, que nos permitirão estudar os núcleos funcionais, que são os responsáveis pela categorização das ∗ Departamento de Linguı́stica da Universidade de São Paulo. Este trabalho faz parte de pesquisa de doutorado financiada pelo CNPq. E-mail: [email protected]. Agentividade e Voz nos Padrões Nominais do Hebraico 27 raı́zes triconsonantais. O estudo desses padrões vocálicos categorizadores permitirá entendermos melhor qual a contribuição semântico-sintática dos núcleos chamados funcionais na formação das sentenças. Dessa forma, por meio dos estudos desses dois tipos de núcleos, levantamos uma questão principal neste estudo: a estrutura argumental de uma determinada palavra mantém-se nos diversos contextos categoriais em que a sua raiz formadora se encaixa? √ Observemos uma raiz triconsonantal gdl que pode receber padrões vocálicos de diversas categoriais: (1) √ gdl (Raiz) Padrão Vocálico Palavra formada a. CaCaC1 (v) gadal (crescer) b. CiCCeC (v) gidel (elevar, criar, cultivar (padrão causativo)) c. hiCCiC (v) higdil (aumentar) d. CaCoC (a) gadol (grande) e. CoCeC (n) godel (tamanho) f. miCCaC (n) migdal (torre) g. CCuCa (n) gdula (grandiosidade) h. CCiCa (n) gidla (crescimento) Podemos verificar por meio desse paradigma que, de acordo com o padrão vocálico recebido pela raiz, essa toma um significado único, além de uma categoria. Desse modo, alguns autores que estudaram o hebraico (Cf. Glinert 1989, Arad 2004, Minussi 2008 etc.) afirmam que as raı́zes do hebraico possuem um conceito e adquirem um significado próprio de acordo com o padrão vocálico que as categoriza. Bem, essa ideia pode ser relacionada à ideia de fases dentro de palavras defendida por Arad (2004) e Marantz (2001). Ambos os autores desenvolvem suas ideias dentro do quadro teórico da Morfologia Distribuı́da, teoria que utilizaremos como arcabouço teórico nesta pesquisa. A Morfologia Distribuı́da (MD) (Cf. Halle & Marantz 1993, Marantz 1997, Halle 1997) não prevê a existência de um léxico gerativo e um de seus pressupostos é o de que tanto palavras quanto sentenças são formadas 28 Rafael Dias Minussi durante a derivação sintática, ou seja, estão sujeitas aos mesmos princı́pios e às mesmas operações como merge, move, copy etc. Sendo assim, não há entradas lexicais formadas ao inı́cio da derivação. Essa teoria postula ainda a existência de três Listas: Lista A, que contém as raı́zes abstratas2 e os morfemas abstratos; a Lista B, localizada no caminho para PF, que contém o material fonológico para as raı́zes e morfemas, de forma que a união entre o feixe de traços abstratos e o som se dá por meio de regras, também chamadas de Itens de Vocabulário; a Lista C, também chamada de Enciclopédia, que contém os significados especiais dados contextualmente para as raı́zes e o conhecimento de mundo do falante. A sintaxe busca na Lista A os elementos primitivos para serem manipulados. Pode-se, portanto, colocar como questão para uma teoria não-lexicalista: onde se encontram as informações, por exemplo, sobre a estrutura argumental, que em um quadro teórico como a GB, estavam localizadas nas entradas lexicais? Ainda de acordo com o paradigma em (1), percebemos que uma raiz √ gdl pode entrar em padrões vocálicos verbais, nominais e adjetivais e que essa pode entrar em mais de um padrão de mesma categoria, por exemplo, se considerarmos apenas a formação de nomes. Preliminarmente, se nossas observações estão corretas, o fato de a mesma raiz se enquadrar em mais de um padrão de mesma categoria pode sugerir que tais padrões devam se comportar de modo diferente, que possuam restrições sintáticas e aspectos semânticos diversos. Para verificar a hipótese lançada acima, além de olharmos com mais atenção para a seleção de argumentos, tomemos os dados de um verbo e suas nominalizações em (2). (2) a. b. c. d. 2 ha-‘ikarim gidlu ‘et ha-‘agvaniot DEF-fazendeiros cultivaram MO DEF-tomates ‘Os fazendeiros cultivaram os tomates’ gidul ha-‘agvaniyot (‘al yedey ha-‘ikarim) cultivo.CS.m.sg DEF-tomates (por DEF-fazendeiros) ‘O cultivo dos tomates pelos fazendeiros’ ha-‘agvaniot gadlu DEF-tomates cresceram ‘Os tomates cresceram’ gdilat ha-‘agvaniot crescimento.CS.fem.sg DEF-tomates Consideramos que tanto as raı́zes quanto os morfemas abstratos não possuem conteúdo fonológico, de forma que ambos estarão condicionados ao princı́pio de Inserção Tardia (Cf. Harley & Noyer 1999). Agentividade e Voz nos Padrões Nominais do Hebraico 29 ‘O crescimento dos tomates’ √ Em (2a), temos uma sentença transitiva, na qual temos a raiz gdl inserida em um padrão vocálico verbal causativo, que permite, portanto, a presença de um agente. Já em (2b), temos uma nominalização correspondente ao padrão verbal causativo e que permite, como observamos no padrão vocálico verbal, a presença de um agente. Por sua vez, em (2c), temos uma √ sentença com a mesma raiz gdl inserida em um padrão vocálico verbal, mas não causativo, de modo que não se projeta a posição de agente. De modo paralelo, temos, em (2d), uma nominalização correspondente ao padrão verbal não causativo. Ora, por meio desses dados, podemos começar a hipotetizar que, se temos uma mudança na estrutura argumental de nomes e verbos, quando inserimos a raiz em diferentes padrões vocálicos de nome ou verbo, a informação sobre a estrutura argumental desses nomes e verbos deve estar contida na parte dessas palavras em que ocorre a alteração, ou seja, a parte correspondente aos núcleos funcionais, aqui expressos pelo conjunto vocálico e não pelas raı́zes. Dessa forma, na próxima seção, investigaremos a natureza desses itens funcionais: (i) quantos são?; (ii) que tipo de informação sintático-semântica eles possuem?; e (iii) verificar se há um paralelo entre os padrões verbais e suas nominalizações: seriam os padrões de nominalização originados a partir dos padrões verbais? Há resquı́cios morfológicos dos padrões verbais nos padrões nominais? Os padrões vocálicos do hebraico Como já dissemos brevemente na seção anterior, o hebraico é uma lı́ngua em que a estrutura das palavras pode ser decomposta em raı́zes consonantais e padrões vocálicos. Segundo Arad (2004), a maioria das raı́zes contém três √ consoantes, aqui representadas como CCC. Esses padrões vocálicos são combinações de vogais e, segundo os estudiosos do hebraico, são atômicos, ou seja, indivisı́veis. Há combinações de vogais que dão origem a verbos, a nomes e a adjetivos. Nas próximas seções, iremos discutir dois tipos de padrões que o hebraico apresenta: os padrões para verbos e os padrões para nomes. 30 Rafael Dias Minussi Os padrões verbais do hebraico De acordo com alguns especialistas (Cf. Arad 2004, Glinert 1989, Bat-El 1994, 2001, Doron 2003), o hebraico possui exatos sete padrões de combinação vocálica para os verbos. Tais padrões são chamados em hebraico de binyanim. Na tabela 1, podemos observar os padrões, algumas raı́zes em que eles são inseridos e o significado do verbo formado. Tabela 1 Padrões verbais do hebraicoa RAIZ √ lmd √ lmd √ spr √ spr √ qlt √ qlt √ pll a Tabela Forma morfo-fonológica do padrão 1 CaCaC 2 niCCaC 3 CiCeC 4 CuCaC 5 hiCCiC 6 huCCaC 7 hitCaCeC lamad nilmad siper supar hiqlit huqlat hitpalel Verbo estudar ser estudado dizer/narrar ser dito/narrado gravar ser gravado rezar adaptada de Arad (2004:47). O padrão verbal 1 é um padrão de voz ativa. Já o padrão 2 é um padrão de voz passiva que está relacionado ao padrão 1, isto é, as raı́zes que podem ser inseridas no padrão 1 são inseridas no padrão 2, quando ocorrem na voz passiva.3 Por sua vez, o padrão 3 é um padrão de voz ativa e é considerado causativo por alguns autores como Glinert (1989). Já o padrão 4 está relacionado ao padrão 3, porém seu significado é de voz passiva. O padrão 5 é um padrão de voz ativa e o padrão 6 é sua contraparte na voz passiva. Por fim, o padrão 7 é um padrão que forma verbos com significado reflexivo e também um padrão utilizado com o significado de voz média. Como pudemos observar, os padrões verbais, além de contribuir para o significado das raı́zes, trazem informações sobre a voz dos verbos formados. Na próxima subseção, descreveremos os padrões de nominalização. 3 Segundo Arad (2004), o padrão 2 não é um padrão exclusivamente passivo, ele pode hospedar verbos inacusativos, inergativos e verbos com complemento oblı́quo. Agentividade e Voz nos Padrões Nominais do Hebraico 31 Os padrões nominais do hebraico Ao falar dos padrões vocálicos nominais, chamados em hebraico de mishqalim, Arad (2004) defende que existe uma assimetria nome-verbo no hebraico. A autora afirma que os nomes devem ser separados em dois grupos: os que podem ser alocados em um mishqal (um padrão vocálico nominal) e os que não podem ser alocados em um mishqal. A fim de mostrar que esses dois tipos de padrão são diversos, a autora ressalta que existe uma diferença quanto ao número de padrões nominais e verbais: enquanto os padrões verbais são limitados a sete, os padrões nominais são numerosos. O gramático Glinert (1989) faz uma descrição detalhada e pormenorizada dos padrões nominais. O autor, por exemplo, cita cerca de trinta tipos de combinação de vogais, com e sem afixos e, diferentemente de Arad (2004), faz algumas generalizações quanto ao significado desses padrões. Ao observarmos os dados de nominalizações eventivas, como em (2d) e (2b), notamos que essas se enquadram nos dois primeiros padrões descritos por Glinert (1989). (3) (4) CCiCa a. mexina b. harisat c. sgira d. štifa e. pšita f. bxira g. gdila CiCuC a. ibud b. gidul c. sikum ‘apagamento’ ‘destruição’ ‘fechamento’ ‘enxágue’ ‘esticação’ ‘seleção’ ‘crescimento’ ‘processamento’ ‘crescimento/cultivo’ ‘reabilitação’ Os padrões em (3) e (4), segundo Glinert (1989), contêm um grande número de nomes e são padrões atualmente produtivos, sendo o padrão em (3) ainda mais produtivo. Na classificação feita por Glinert (1989), podemos encontrar os nomes de ‘ação’ ou ‘resultado (concreto ou abstrato) da ação’ localizados em cinco mishqalim, descritos abaixo: (5) CCiCa é mais comum com raı́zes que podem entrar no padrão 1 de verbos. bHina ‘exame’, ‘examinação’ (6) hiCaCCut é mais comum com raı́zes que podem entrar no padrão 2 de verbos. 32 Rafael Dias Minussi hidabrut ‘diálogo’ (7) CiCuC é mais comum com raı́zes que podem entrar no padrão 3 de verbos. tipul ‘tratamento’ (8) hitCaCCut é mais comum com raı́zes que podem entrar no padrão 7 de verbos. hitbagrut ‘maturação’, ‘amadurecimento’ (9) haCCaCa é mais comum com raı́zes que podem entrar no padrão 5 de verbos. hagrala ‘rifa’, ‘sorteio’ Percebemos pelo trabalho de Glinert (1989) que o autor sugere que exista uma correspondência entre os padrões verbais e as nominalizações formadas a partir de um determinado padrão verbal, porém o autor não aprofunda sua análise, de modo a mostrar que tal correspondência possui evidências sintáticas, semânticas ou morfológicas. Ainda sobre os padrões vocálicos, podemos citar o trabalho de Bat-El (2001), o qual faz uma defesa das raı́zes e dos padrões vocálicos, seja de verbos ou de nomes, como morfemas separados. A sugestão de distinção morfêmica entre as raı́zes e os padrões é bastante interessante para este trabalho, uma vez que podemos traçar um paralelo entre as raı́zes hebraicas e as raı́zes abstratas propostas pela MD4 (Cf. Halle & Marantz 1993, Marantz 1997, Arad 2004) de um lado, e podemos aproximar os padrões vocálicos aos núcleos funcionais categorizadores presentes na Lista A, por outro lado. Na seção a seguir, mostraremos que o uso de um ou de outro padrão nominal pode provocar algumas diferenças na modificação do sintagma nominal, além de restrições em relação ao movimento dos nomes. Dessa forma, defendemos que os padrões nominais, primeiramente, podem ser estudados do mesmo modo que os padrões verbais o são; em segundo lugar, que os padrões nominais, assim como os verbais, contêm traços semânticosintáticos e não são apenas meros categorizadores. Efeitos e restrições dos padrões nominais Esta seção possui como ponto principal defender que os diferentes mishqalim interferem nos aspectos semânticos e sintáticos do sintagma nominal, contra Arad (2004), a qual argumenta em favor do fato de os mishqalim 4 O fato de defender que as raı́zes abstratas equivalham às raı́zes hebraicas não implica dizer que, para cada raiz abstrata da Lista A, exista uma raiz hebraica equivalente (Cf. Minussi 2008), mas que as raı́zes hebraicas equivalem a certa raiz abstrata da Lista A. Agentividade e Voz nos Padrões Nominais do Hebraico 33 não colocarem nenhuma restrição sobre os nomes em que aparecem. Para tanto, traremos uma discussão sobre a modificação adverbial e adjetival nos sintagmas nominais. Os argumentos das nominalizações do hebraico podem aparecer de duas formas. Em (10a), temos uma nominalização em um Construct State (CS), com seu argumento interno marcado pela Marca Diferencial de Objeto ‘et (MO), também considerada por alguns autores como Caso acusativo (Cf. Borer 1999; Danon 2001, 2002). Já em (10b), temos a mesma nominalização em um CS, com seu argumento na posição de segundo membro do construto (posição do membro associado) e com o sujeito da nominalização introduzido por uma by-phrase. (10) a. b. sgirat ha-mankal ‘et ha-misrad fechamento.CS.f.sg DEF-diretor MO DEF-escritório ‘O fechamento do escritório pelo diretor’ sgirat ha-misrad (alyedey ha-mankal) fechamento.CS.f.sg DEF-escritório prep DEF-diretor ‘O fechamento do escritório pelo diretor’ No que se refere à modificação adverbial, Hazout sugere que os advérbios que ocorrem nas construções com nominalizações não são licenciados simplesmente pela interpretação de processo ou de ação associada a tais construções, mas são condicionados sintaticamente. Isso quer dizer que um advérbio só pode aparecer se ele estiver de acordo com todo o sistema requerido pelo verbo correspondente ao nome que ele modifica. Em (11b), a nominalização aparece sem um argumento. (11) a. b. ha-harisa nimšexa šaatayim DEF-destruição durou duas horas ‘a destruição durou duas horas’ ha-harisa be-axzariyut DEF-destruição em-crueldade (=cruelmente) Se considerarmos os tipos de advérbios que são admitidos, observaremos que advérbios sentenciais são excluı́dos, como vemos em (12). (12) ‘et ha-avoda Dan katav lelo safek duvidosamente Dan escreveu ACC DEF-trabalho ‘Duvidosamente Dan escreveu o trabalho’ b. *ktivat Dan ‘et ha-avoda lelo safek escrita.CS Dan ACC DEF-trabalho duvidosamente a. 34 Rafael Dias Minussi A afirmação de que a distribuição dos advérbios nas nominalizações do hebraico é sintática, em vez de semanticamente determinada, apóia-se, em primeiro lugar, no fato de que adjetivos podem seguir o núcleo em construções genitivas com a preposição, porém advérbios não podem seguir o nome. (13) a. axilat-o ha-menumeset šel Dan ‘et ha-uga comida-seu DEF-polida de Dan ACC DEF-bolo ‘a “começão” polida de Dan do bolo’ šel Dan ‘et ha-uga b. *axilat-o be-nimus comida-seu em-polidez(=polidamente) de Dan ACC DEF-bolo Outro fato que chama a atenção é que adjetivos, ao contrário de advérbios, são ruins em posição final. (14) a. ktivat Dan ‘et ha-avoda bi-mehirut escrita.CS Dan ACC DEF-trabalho em-rapidez ‘a escrita do trabalho por Dan rapidamente’ ha-mehira b. *ktivat Dan ‘et ha-avoda escrita.CS Dan ACC DEF-trabalho DEF-rápida Resumindo, para Hazout, os fatos observados indicam que a configuração subjacente destas construções envolve a distinção entre um domı́nio verbal, que permite a ocorrência de advérbios e exclui adjetivos e, controversamente, um domı́nio nominal que permite a ocorrência de adjetivos e exclui advérbios. Assim sendo, Hazout (1995) postula um nı́vel verbal para todas as nominalizações. Contudo, para uma teoria como a MD, a postulação de um nı́vel verbal anterior a um nı́vel nominal não é necessária, embora ainda muito utilizada (Cf. Harley 2008). Voltemos um pouco a discussão para o ponto em que fizemos a distinção das duas formas em que podem aparecer os argumentos das nominalizações. No que diz respeito à modificação por advérbios e adjetivos, a construção com by-phrase é possı́vel com ambos, porém a construção em que a MO ocorre, a modificação por advérbios não é possı́vel, como vemos em (15b). (15) a. mexikat ha-maxšev ‘et ha-kvacim apagamento.CS.fem.sg DEF-computador MO DEF-arquivos bi-mhirut em-rapidez ‘O apagamento dos arquivos pelo computador com rapidez’ b. *mexikat ha-maxšev ‘et ha-kvacim apagamento.CS.fem.sg DEF-computador MO DEF-arquivos Agentividade e Voz nos Padrões Nominais do Hebraico 35 maher rapidamente Como notou Siloni (1997), bi-mhitut (literalmente: em-rapidez) deve ser analisado como um sintagma preposicional em vez de um advérbio. Advérbios verdadeiros, como maher ‘rapidamente’, não podem ocorrer com os nominais numa construção com ‘et (MO). Esse fato leva Siloni (1997) a defender a análise de que os nominais de ação são nomes puros, sem uma camada verbal. Contudo, Engelhardt (1998) traz exemplos em que os chamados advérbios “verdadeiros” ocorrem em construções com ‘et. Observemos o exemplo em (16): (16) a. ibud ha-mumxim ‘et ha-kolot processamento.CS.masc.sg DEF-peritos MO DEF-votos yadanit manualmente ‘o processamento manual dos votos pelos peritos’ O que nenhum autor notou ainda é o fato de que o padrão vocálico é diferente nas nominalizações em (15) e (16). Em (15), temos uma nominalização no padrão CCiCa, já citado anteriormente no trabalho, que não permite a modificação por advérbios “verdadeiros” e, em (16), temos uma nominalização com o padrão CiCuC, que permite a modificação por advérbios ditos “verdadeiros”. Outras diferenças precisam ser averiguadas em relação a esses dois padrões, porém é fatal dizer que certas restrições existem, contrariamente ao que Arad (2004) defende. Uma análise preliminar para os nominais CCiCa Nesta seção, exporemos uma análise preliminar para os nominais com o padrão CCiCa. Nessa análise, em primeiro lugar, defendemos que os padrões vocálicos do hebraico, sejam eles verbais ou nominais, são a realização de núcleos funcionais que possuem em si: sabores diversos (aspecto, seleção de argumentos, voz), diferentes restrições (quanto ao movimento dos sintagmas, quanto à modificação adjetival ou adverbial), entre outras caracterı́sticas. Em segundo lugar, argumentamos que esses núcleos são os responsáveis pelo licenciamento argumental. Voltemos aos dados. 36 Rafael Dias Minussi (17) a. b. gidul ha-‘agvaniyot (‘al yedey ha-‘ikarim) cultivo.CS.m.sg DEF-tomates (por DEF-fazendeiros) ‘O cultivo dos tomates pelos fazendeiros’ gdilat ha-‘agvaniot crescimento.CS.fem.sg DEF-tomates ‘O crescimento dos tomates’ Propomos que na estrutura de formação para as nominalizações com o padrão CCiCa não haja uma camada verbal, contrariando Hazout (1995). Desse fato decorre que tal padrão: (i) não permite modificação por advérbios verdadeiros; (ii) não permite alçamento. Contudo, há dois tipos de estrutura para essas nominalizações, levando em consideração o ambiente de Construct State 5 (CS). A estrutura em (18a) tem o argumento interno da nominalização marcado com a Marca Diferencial de Objeto (MO) e o agente está dentro do CS. Já em (18b), temos o argumento interno da nominalização dentro do CS, enquanto o outro elemento é precedido de uma preposição šel ‘de’. (18) a. b. harisat Picasso ´et yerušalayim destruição Picasso MO Jerusalém ‘a destruição de Jerusalém por Picasso’ harisat yerušalayim šel Picasso destruição Jerusalém prep Picasso ‘a destruição de Jerusalém de Picasso’ Assumimos que é o licenciamento dos elementos na estrutura sintática pelo núcleo funcional ou por preposições que provoca uma determinada ordem dos constituintes na sentença. Assim sendo, na estrutura, temos o padrão CCiCa ocupando o lugar de um núcleo categorizador n que, por sua vez, sempre projeta duas posições: uma de complemento e outra de especificador. Tais posições carregam em si os traços de [+tema] e [+agente] respectivamente. O padrão vocálico não é derivado de um padrão verbal, ou seja, não encontramos resquı́cios morfológicos de um padrão verbal, tal como encontramos em outros padrões nominais, como, por exemplo, histalek ‘deixar-se’, cujo padrão verbal é hitCaCeC e histalkut ‘demição’, cujo padrão nominal é hitCaCCut. Em ambos, podemos notar uma parte comum: hitCa. 5 Sobre o Construct State conferir Minussi 2008, Borer 1999. Agentividade e Voz nos Padrões Nominais do Hebraico 37 O fato de não haver resquı́cios morfológicos de um padrão verbal em CCiCa pode ser comprovado olhando para as vogais do padrão verbal ao qual ele corresponde, isto é, o padrão CaCaC. A primeira vogal do padrão nominal, que corresponderia a uma primeira fase verbal, não é idêntica a do padrão verbal. No padrão nominal temos a vogal i, enquanto no padrão verbal temos a. Observemos, assim, a estrutura em (19): (19) DP D0 nP -t nP AP n NP (+agente) Picasso n PP CiCaC √ hrs ´et yerušalayim Na estrutura, postulamos que o sintagma que ocupa a posição de especificador da projeção nominal possui o papel temático de agente da nominalização, o que explica a única possibilidade de interpretação que Picasso tem em harisat Picasso et yerušalaim ‘A destruição de Jerusalém por Picasso’, mesmo que o falante saiba que Picasso é um pintor. Ainda podemos prever que nessa estrutura haja duas posições de modificação por adjetivo, uma posição depois do CS formado e outra depois de todo o sintagma determinante, com o adjetivo adjungido no DP. Quanto à atribuição/checagem de Caso, o DP yerušalayim recebe Caso não do nome harisat ‘destruição’, mas de uma preposição ´et, que só aparece quando temos um DP com o traço de [+DEF] na posição de complemento, seja quando temos um complemento de um nome ou o complemento de um verbo. Tal argumentação vai contra autores que defendem que ‘et seja 38 Rafael Dias Minussi uma marca de Caso acusativo morfológico (Cf. Minussi 2008). Já o DP Picasso está checando seu Caso dentro do CS e recebe Caso também de uma preposição -t, a qual só aparece em um contexto de CS. A análise para harisat yerušlayim šel Picasso ‘A destruição de Jerusalém de Picasso’ é a de que, novamente, CCiCa projete duas posições: uma posição para o complemento, esse sempre licenciado pelo núcleo funcional, e uma posição de especificador, a qual pode ser ocupada ou não. Vejamos a estrutura em (20): (20) DP DP PP D0 šel Picasso (+possessivo) nP -t nP AP n n DP CiCaC √ hrs yerušalayim Não há papéis temáticos fixos, prontos, e que são atribuı́dos por um ou outro núcleo, mas a interpretação da expressão é dada de acordo com o preenchimento das posições pelos elementos na estrutura (Cf. Borer 2005). O DP Picasso na posição de adjunto possui uma gama de interpretações maior do que quando se encontra na posição de segundo membro do CS. Ambas as estruturas possuem dois fatos em comum: (i) o primeiro está ligado à natureza do padrão vocálico CCiCa que não se liga a um nı́vel verbal anterior, de modo que ambas as estruturas não possuem um nı́vel verbal anterior ao nı́vel nominal; (ii) o segundo fato diz respeito à atribuição de Caso dentro do Construct State. Na estrutura em (20), o DP yerušalayim Agentividade e Voz nos Padrões Nominais do Hebraico 39 recebe Caso dentro do CS. O Caso oblı́quo é atribuı́do por um atribuidor, no caso dos dados acima é -t, que ocupa a posição do núcleo Do , o que provoca como consequência a não ocorrência do ha-, realização fonológica do traço [+DEF], provocando o fenômeno da Definitude Espraiada e a operação de Agree entre o núcleo Do e Especificador da projeção n na estrutura em (19), e entre Do e o alvo mais próximo, no caso, o complemento do núcleo n na estrutura em (20). Abstract This paper aims at discussing the selection of arguments, based on Hebrew nominalizations. The theoretical background of this study is the Distributed Morphology (DM) (cf. Halle & Marantz 1993, Marantz 1997), which claims that both sentences and words are formed during the syntactic derivation. Thus, through the description of the data, we note the existence of two nominalization patterns, which have different types of restriction to the elements that accompany them. Furthermore, we reflect on a type of possible structure for vocalic patterns. Keywords: Functional heads; lexical heads, nominalizations; abstract roots; Distributed Morphology. Referências Arad, Maya. Roots and Patterns. Stanford University, 2004. (manuscrito) Borer, Hagit. Deconstructing the construct. In: Johnson, K.; Roberts, I. G. (Eds.), Beyond Principles and Parameters, Kluwer, Dordrecht, p.43-89, 1999. Bat-El, Outi. Stem Modification and Cluster Transfer in Modern Hebrew. Natural Language and Linguistic Theory 12, p. 571-596, 1994. Bat-El, Outi. 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