Eletromagnetismo Eletromagnetismo do Planeta Terra Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra 1 Fenomenos Elétricos e Magnéticos na Terra Pode-se dizer que o estudo sistemático dos fenômenos eletromagnéticos do nosso planeta adquiriu relevância a partir do século X d.C. O fenômeno do magnetismo da Terra foi percebido, provavelmente pela primeira vez, pelos chineses há cerca de 1.000 anos. Eles notaram que as agulhas constituídas de determinados materiais seriam capazes de se orientar quando suspensas por um fio leve. Sua orientação era sempre no sentido norte-sul. Com isso os chineses descobriram a bússola. E com ela veio uma revolução nos transportes marítimos. A bússola passou a ser um instrumento de navegação obrigatório. Ao redor do ano 1300, um engenheiro militar francês construiu uma bola esférica de um material magnético (a magnetita, a qual contém óxido de ferro magnetizado) e traçou, com o auxilio de agulhas magnetizadas, as linhas de força do campo magnético. Obteve algo como o que é apresentado na Figura 000. Ele notou que as linhas de força convergiam para dois pontos que se encontram diametralmente opostos. Credita-se a ele a ideia de dar a esses pontos o nome de polos. Analisando as linhas de força de um magneto esférico, o médico da rainha da Inglaterra William Gilbert formulou, em 1600, uma teoria para explicar o magnetismo terrestre. A Terra seria, nessa teoria, um grande ímã. Os polos magnéticos norte e sul não coincidiriam com os polos geográficos norte e sul (os pontos nos quais o eixo de rotação da Terra interceptam sua superfície terrestre). Na realidade, os dois eixos estão deslocados, formando um ângulo de cerca de 11,5 graus. Hoje sabemos que Gilbert tinha razão e que a Terra é um grande ímã na medida em que o campo magnético da Terra tem a forma do campo de um dipolo magnético. Analisando o comportamento dos vários tipos de distribuição do campo (dipolo, quadrupolo, octopolo etc.) com a distância, Gauss concluiu que a contribuição do termo de dipolo é uma ordem de grandeza maior do que outras contribuições (ou seja, o campo difere cerca de 10% do campo de um dipolo). E sobre os fenômenos elétricos do planeta? Em julho de 1750, Benjamin Franklin realizou uma experiência mediante a qual conseguiu demonstrar que os raios que ocorrem em tempestades tinham uma natureza semelhante à de correntes elétricas produzidas no laboratório. Chegou a aventar a hipótese de que seria possível extrair eletricidade a partir das nuvens. Visando a fortalecer sua teoria, realizou a temerária experiência de soltar uma pipa durante uma tempestade. Figura 1: A Terra se assemelha, do ponto de vista magnético, a um grande imã. Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra Como entenderam tanto Gilbert quanto Franklin, o nosso planeta exibe fenômenos associados ao eletromagnetismo e isso porque, além de a Terra ser eletrizada, ela exibe campos magnéticos que se estendem pelo espaço ao seu redor. Portanto, na atmosfera terrestre encontramos campos elétricos e magnéticos, cujas intensidades, que são proporcionais aos seus efeitos, diferem de região para região da atmosfera e da superfície do nosso planeta. Neste capítulo, abordaremos quatro aspectos dos fenômenos eletromagnéticos exibidos pelo nosso planeta: • Cargas elétricas são distribuídas na superfície bem como na atmosfera terrestre. Não é difícil constatar que existem cargas elétricas distribuídas tanto na superfície, quanto em determinadas regiões do espaço ao redor do planeta Terra, daí gerando um campo elétrico praticamente radial. • Existem correntes elétricas naturais (temporárias e permanentes). Correntes elétricas são geradas no planeta; por exemplo, quando ocorre uma tempestade. Durante algum tempo elas se concentram em determinadas regiões nas nuvens. Em seguida escoam. Têm, portanto, um caráter temporário. Outras correntes naturais têm um caráter permanente. São as correntes ditas de “tempo bom”. • Campos magnéticos próximos da superfície terrestre e em regiões longínquas. A Terra é circundada por um campo magnético. É comum compará-lo com o campo produzido por ímã. Isso vale, no entanto, apenas para pontos próximos à superfície. Para pontos longínquos, o campo se distribui de forma mais complexa. • Condutividade elétrica da atmosfera. Concluímos assim que são muitos os fenômenos naturais associados ao eletromagnetismo do planeta. Os relâmpagos e as auroras boreais têm uma relação direta com os fenômenos eletromagnéticos. Outros fenômenos meteorológicos, como tornados, terremotos e o fenômeno El Niño, podem ter uma origem eletromagnética. Muitas dessas descobertas são bastante recentes (desde o lançamento dos primeiros satélites meteorológicos). Assim, o estudo dos fenômenos eletromagnéticos que ocorrem no nosso planeta adquire, a cada dia, uma maior relevância. 2 Figura 2: Benjamin Franklin. Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra 3 Cargas Elétricas no Planeta Podemos falar de mais de um tipo de distribuição de cargas no planeta. Isso ocorre porque existem muitas partículas carregadas distribuídas na superfície terrestre bem como acima dela. Algumas regiões da atmosfera terrestre armazenam cargas elétricas em caráter temporário, enquanto outras armazenam cargas em caráter mais definitivo. Assim, podemos falar de mais de um tipo de distribuição de cargas elétricas no planeta. Vamos falar primeiramente de distribuições de cargas elétricas em caráter definitivo. Nesse caso, devemos falar de cargas elétricas na superfície terrestre e em regiões especiais em que encontramos cargas distribuídas ao longo delas. Cargas elétricas se distribuem temporariamente em determinadas regiões do espaço. Trata-se de cargas elétricas distribuídas de forma não uniforme nas nuvens do tipo cúmulos-nimbos (nuvens geradoras de raios e trovoadas). Tal distribuição leva à formação de raios durante as tempestades. Um aspecto interessante sobre o planeta é o fato de que ele pode ser considerado um grande condutor, dotado de uma grande capacidade para absorver cargas elétricas. Assim, um corpo, quando inicialmente carregado, e colocado em contato com a superfície terrestre por meio de um condutor (o fio térrea), terá uma carga remanescente praticamente desprezível (tomamos esse valor como igual a zero). A Terra absorve, portanto, as cargas elétricas dos objetos carregados quando colocados em contato, por meio de um condutor, com ela. Cargas na Superfície Terrestre A Terra tem uma carga total negativa. Tal achado deve ser creditado a C.T.R. Wilson, em 1920. Sendo a Terra um bom condutor, as cargas elétricas se concentram na sua superfície. Para verificarmos isso, e medir a densidade de carga superficial, adotamos o procedimento sugerido por Richard Feynman. Assim, devemos colocar uma placa metálica aterrada. Depois de um breve intervalo de tempo ela estará carregada com a mesma densidade superficial da Terra (veja Figura 000). Em seguida, colocamos uma segunda placa aterrada acima da primeira, cobrindo-a inteiramente (veja Figura 000). Figura 3 Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra 4 Depois de um intervalo de tempo, a primeira placa metálica estará descarregada. Em princípio, podemos determinar a carga total que se encontrava na primeira placa e que escoou para o solo. Um galvanômetro pode ser utilizado para esse fim. A grandeza relevante a ser medida é a densidade superficial, a qual é dada pela carga total sobre a primeira placa dividida pela sua área. O valor encontrado, cujo símbolo é σ0, será próximo do valor: σ0 = 8,8·10−10C/m2 ( 1 ) ou seja, um valor muito próximo de 50 bilhões de elétrons a cada metro quadrado. A carga total é dada por: Q = σ04πRT2 ( 2 ) onde RT é o raio da Terra. Tomando RT ≅ 6,4·106 m, vemos que a carga total é de 450.00 Coulombs distribuídas aproximadamente de maneira uniforme sobre a superfície terrestre. Ela é responsável pela existência de um campo elétrico na superfície terrestre, que se estende por toda a atmosfera. Figura 4: (a) A grounded metal plate will have the same surface charge as the earth. (b) If the plate is covered with a grounded conductor it will have no surface charge. Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra Cargas nos cinturões de Van Allen Cargas elétricas existem em caráter permanente em duas regiões no entorno da Terra conhecidas como os anéis (ou cinturões) de Van Allen. As partículas provenientes do Sol, da nossa galáxia, são capturadas e armazenadas nessas regiões que têm a forma de um toroide (donut). O agente responsável pela captura dessas partículas é o campo magnético da Terra. Os elétrons formam dois cinturões distintos ao passo que os prótons estão localizados em apenas um dos cinturões. As partículas que compõem o cinturão são partículas de alta energia. O cinturão externo se estende de altitudes entre 12.000 km e 60.000 km (entre 2 e 10 vezes o raio da Terra). Ele é constituído de várias partículas carregadas (partículas alfa, por exemplo), mas com predominância de elétrons de altas energias (energias entre 0,1 MeV e 10 MeV). O cinturão interno se estende ao longo de altitudes entre 700 km e 10.000 km acima da superfície e tem regiões com altas concentrações de prótons com altas energias (acima de 100 MeV) e elétrons de energia mais baixas. Nessas regiões, os campos magnéticos são bem mais fortes do que no anel externo. Figura 5: Cargas elétricas se concentram no cinturão de Van Allen. Elétrons executam um movimento de vai e vem. O campo magnético da Terra é capaz de capturar partículas, e mantê-las capturadas, porque o campo da Terra funciona como um espelho magnético. As partículas vão e vêm como se estivessem se movimentando diante de um espelho. O movimento se parece com o de condas em um anel. Elas podem iniciar seu movimento na região polar sul, descrever um arco bem amplo ao longo do equador e retornar em algum ponto próximo da superfície da Terra, mas próximo agora do polo Norte. A partir desse ponto, ele volta para algum ponto próximo do polo Sul, e assim por diante. Elas vão e voltam de um polo a outro, ao longo de anos (veja Figura 000). 5 Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra Cargas Elétricas nas Nuvens Cúmulos-Nimbos Nosso planeta exibe distribuições de cargas elétricas não uniformes em caráter temporário. E isso ocorre cerca de 40.000 vezes por dia. Cargas elétricas de sinais opostos se acumulam em nuvens do tipo Cúmulos-Nimbos. No entanto, a duração dessa distribuição de cargas é determinada pelo tempo de duração de uma tempestade, ou seja, desde o início do processo de carregamento de uma nuvem. Nessa fase inicial, a partir de uma dinâmica bastante complexa, ocorre o fenômeno da separação dos dois tipos de cargas, fenômeno esse denominado carregamento. O fato é que cargas elétricas se distribuem de forma não uniforme durante uma fase do processo de formação de uma tempestade. A rigor, o que está em jogo é um mecanismo de separação de cargas. Essa separação de cargas é temporária, pois, através dos raios, parte dessa carga é escoada para o solo. A despeito da complexidade do processo, sabe-se hoje com segurança que, numa fase de uma tempestade, existe a formação de regiões onde predomina um determinado tipo de carga elétrica. As cargas elétricas são distribuídas de tal forma que as cargas positivas se encontram distribuídas em regiões mais acima das nuvens e cargas negativas se encontrarão distribuídas logo abaixo. Tipicamente, as cargas negativas estão distantes alguns quilômetros das cargas positivas (veja Figura 000). De acordo com as teorias modernas, o carregamento mais eficiente de uma tempestade requer a presença de três tipos de hidrometeoros: gotas de água super-resfriadas, cristais de gelo e granizo. Os três ingredientes devem estar entre as temperaturas 0°C e −20°C. Figura 6: Distribuição de cargas numa nuvem em um estágio da formação das tempestades. 6 Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra Campos Elétricos no Planeta Terra Tendo em vista a distribuição de cargas elétricas no planeta, é de se esperar que existam campos elétricos acima da superfície terrestre; campos temporários, como aqueles no interior das nuvens cúmulos-nimbos, bem como permanentes. Nosso planeta exibe campos elétricos e enormes diferenças de potenciais entre camadas da atmosfera. O campo elétrico da Terra é de cerca 100 volts por metro. A diferença de potencial para uma pessoa de 2 mts é de 200 volts. Isso não é um problema na medida em que uma pessoa altera as superfícies equipotenciais próximas da Terra, fazendo com que elas estejam no mesmo potencial da Terra, não existindo, assim, uma diferença de potencial entre a cabeça e os pés de um indivíduo na superfície da Terra. A conclusão é a de que nós nos movemos no mesmo potencial de uma das equipotenciais da Terra (veja Figura 000). Figura 7 7 Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra 8 A diferença de potencial entre os pontos mais longínquos da atmosfera da Terra e a sua superfície atinge o valor de 400.000 volts. É um valor nada desprezível. Felizmente, o ar é um mau condutor. Não existem muitos elétrons livres no ar para efeito de condução da eletricidade. A diferença de potencial varia ao longo do dia. A variação num determinado dia do ano é apresentado na figura abaixo. Essas variações do campo elétrico na superfície terrestre refletem as alterações das atividades das tempestades. Quando se forma uma tempestade, a separação de cargas que ocorre nas nuvens leva a diferenças de potenciais enormes entre as partes carregadas. A diferença de potencial entre a parte inferior de uma nuvem e a superfície da Terra pode atingir alguns milhões de volts. Figura 8 Quando a diferença de potencial entre a Terra e a nuvem atinge valores muito altos, ocorre uma grande descarga elétrica, descarga a que damos o nome de relâmpago. Esse fenômeno elétrico é gerado nas tempestades (aos milhares) que ocorrem no planeta ao longo de um dia. Ocorrem durante esse período cerca de 100 relâmpagos por segundo. Figura 9: The highest Energy Zone, reaches +350,000 volts. Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra Assim, a existência de campos elétricos de grandes magnitudes é responsável pelas grandes tempestades acompanhadas de trovões e relâmpagos. O relâmpago é um dos efeitos elétricos mais espetaculares da natureza. Condutividade Elétrica e a Ionosfera Como todo meio, a atmosfera tem uma condutividade. Surpreendentemente, a condutividade elétrica do ar aumenta, e rapidamente, com a altura. De relevância nesse contexto apontamos a ionosfera. Figura 10: Measuring the conductivity of air due to the motion of ions. A segunda é que nessa camada a radiação ultravioleta e as radiações mais energéticas, provenientes do Sol, provocam a ionização das moléculas. O efeito da ionização é mais acentuado na ionosfera, que é uma subcamada localizada na região mais baixa da termosfera. Temos assim na ionosfera um plasma constituído por íons e elétrons. Essa camada, que se inicia a cerca de se estende até cerca de 640 quilômetros acima da superfície terrestre. A interação das moléculas (principalmente de oxigênio) com a radiação solar, associada a fótons com grande energia, aumenta a energia cinética das moléculas, o que implica um aumento da temperatura da mesma. A energia cinética é tão elevada que a temperatura associada a elas é equivalente a 2.500 °C. No entanto, a densidade é tão baixa que não se sentiria essa sensação de temperatura. Estações espaciais são construídas próximo da metade dessa camada. As auroras boreais ocorrem nessa camada. O grande número de elétrons na ionosfera faz com que seja possível a comunicação, via sinais de rádio, a longas distâncias. As ondas eletromagnéticas provenientes da Terra, ao incidirem sobre os elétrons na ionosfera, são espalhadas, proporcionando assim uma reflexão das ondas. 9 Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra Correntes Elétricas Naturais Correntes naturais também existem. E podem, igualmente, ser classificadas em duas categorias: temporárias e permanentes. Vamos abordar essas duas categorias. Raios Cósmicos Victor Hess procurava a solução de um pequeno enigma e encontrou a solução para um enigma muito maior. O problema de Hess era o de encontrar as causas para pequenos “vazamentos” de carga em eletrômetros. Suspeitava-se de algum tipo de contaminação radiativa ou o fluxo de partículas associadas ao que na época se denominava éter. Em 1912, ao realizar uma experiência com balões a altitudes de 6 km e que levavam duas câmaras adaptadas para detectar íons, Hess demonstrou que existia de fato um fluxo de partículas que vinha do céu. Essas partículas são conhecidas genericamente como raios cósmicos. Hoje sabemos muito, mas não tudo, sobre os raios cósmicos. O campo magnético da Terra afasta algumas das partículas dos raios cósmicos. O campo deflete tais partículas. Isso fica evidenciado pelo fato de que o fluxo da radiação cósmica depende da latitude, da longitude e do azimute. Só raios cósmicos com energias acima de 1 GeV tem capacidade para evitar sua captura pelo campo magnético da Terra e atingir a sua superfície. Nessas condições, encontramos apenas 600 partículas por segundo e por metro quadrado. Os raios cósmicos são provenientes das mais variadas fontes: de estrelas em algum processo da sua evolução estelar; do Sol, da nossa galáxia e de outras fontes no Universo. Tempestades e Relâmpagos Há muito tempo, as tempestades se constituem num dos mais assustadores e perigosos fenômenos naturais. Estima-se que cerca de 40.000 tempestades ocorrem no mundo a cada dia. As tempestades têm tudo a ver com o eletromagnetismo, pois elas se originam de nuvens capazes de gerar descargas atmosféricas. Como apontado antes, elas se originam de nuvens do tipo cúmulos-nimbos. 10 Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra Os relâmpagos são enormes descargas elétricas naturais que resultam da distribuição não uniforme de cargas elétricas na atmosfera já aludidas. Durante uma tempestade, as partes inferiores das nuvens ficam carregadas negativamente. Objetos localizados na superfície terrestre, como árvores e a própria Terra ficam carregadas positivamente (por indução). Isso cria um mecanismo para que elétrons deixem a nuvem e se movimentem em direção à Terra criando uma intensa corrente. A corrente elétrica de um relâmpago, no seu máximo, é de cerca de 10.000 ampères. E transporta cerca de 20 Coulombs. Isso significa que aproximadamente 10 a 16 elétrons são transportados da atmosfera para a Terra durante um lapso de tempo insignificante. O processo de formação do relâmpago é bem curioso. Ele se assemelha a uma escada. Trata-se de uma escada composta de degraus de aproximadamente 46 metros. Cada degrau, bem como a escada toda, é composto de elétrons em movimento. Tudo começa com a formação de um degrau líder (pouco visível, aliás). Essa escada composta de elétrons vai ao longo de aproxidamente 46 metros. Depois de percorrida essa distância, a uma velocidade de cerca de 1/6 da velocidade da luz, esse degrau para durante 50 microssegundos. Em seguida, inicia-se outro degrau, mas em outra direção. Quando o último degrau da escada atinge a Terra fica criado o canal (uma espécie de fio condutor), através do qual os elétrons vão fluir para o solo. O que produz todo o efeito pirotécnico com direito a efeitos especiais como os trovões não é a chegada do degrau líder proveniente da atmosfera. O efeito espetacular ocorre depois e é denominado coice (stroke) do relâmpago. Este segue na direção oposta àquela do degrau líder e tem a ver com o movimento de cargas positivas, atraindo cargas negativas que descem pela escada. Alguns relâmpagos não chegam a atingir o solo, pois ficam restritos às regiões localizadas entre as nuvens, ou seja, existem descargas nuvem-nuvem, intranuvem e nuvem-terra. Os relâmpagos são extremamente quentes. Um flash do relâmpago pode aquecer o ar no entorno até temperaturas de uma dezena de milhares de graus Celsius. Pode aquecer o ar até cerca de 30.000 °C. Tal aquecimento leva a uma expansão explosiva do ar, criando assim uma onda de choque. Essa onda se propaga gerando um som audível, ao qual denominamos trovão. 11 Figura 11: Relâmpagos se propagam em lances de escada. Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra Circuito Elétrico Global Existe uma corrente muito tênue na atmosfera. Isso era de se esperar tendo em vista que a Terra possui enormes diferenças de potencial entre as várias camadas. Tal corrente é denominada “corrente de tempo bom”, pois não está associada a tempestades. Essa corrente natural é constituída de íons com cargas positivas e resulta, também, da colisão de raios cósmicos com átomos, compondo a atmosfera terrestre. No entanto, a maior parte dessas cargas é constituída por aquelas que não escoaram para a terra durante uma tempestade. Essa corrente representa um mecanismo de retorno para a Terra e ela foi constatada por Van Hess. Ela é relativamente débil. A densidade de corrente é de alguns micro microampères por metro quadrado. A corrente total incidente na superfície terrestre é relativamente constante e o valor é próximo a 1.800 ampères. Considerando a diferença de potencial como 40.000 volts, isto nos leva a uma potência de cerca de 700 megawatts. Essa é a potência de uma das 18 turbinas que geram eletricidade na usina de Itaipu. Essa corrente seria suficiente para descarregar a Terra durante um período de tempo de cerca de meia hora. De onde viriam as baterias para manter a Terra sempre carregada? As baterias são as tempestades que realimentam constantemente a Terra com cargas negativas. Figura 12 12 Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra A Influência do Sol O Sol exerce influência em relação ao eletromagnetismo da Terra. Essa influência se faz sentir com maior impacto em relação ao magnetismo terrestre. Em partícular, parte dos campos elétricos e magnéticos em torno da Terra faz parte de um ajuste desses campos como resposta aos campos elétricos e magnéticos produzidos pelo próprio Sol. A propósito de cargas elétricas em movimento, é bom lembrar que do Sol recebemos um grande fluxo de partículas, ou seja, o Sol gera correntes elétricas de baixa intensidade. A seguir analisaremos a questão da influência do Sol no eletromagnetismo da Terra. Ventos Solares Os raios cósmicos provenientes do Sol fazem parte do que denominamos ventos solares. Os ventos solares não são uniformes. Eles praticamente desaparecem durante o período de pouca atividade solar, mas emergem como tempestades torrenciais de partículas nos períodos de maior atividade do Sol. O Sol exibe esses ciclos com durações variáveis entre 9 e 12 anos. No período mais ativo, o número de partículas é cerca de 1 milhão de vezes maior que o período de menor intensidade. Nesse período, o fluxo de partículas provenientes do Sol excede o fluxo galáctico. Os ventos solares distorcem os campos magnéticos da Terra. Essa distorção é bastante acentuada nos períodos de maior atividade solar. Isso ocorre como uma resposta do campo magnético da Terra visando à sua função de escudo contra a radiação. A distribuição de íons trazidos pelos ventos solares reflete a composição do Sol. A sua fração mais significativa é de prótons, seguida de cerca de 5% de partículas alfa (núcleo do hélio) e frações pequenas de oxigênio e outros elementos. Os ventos solares contêm elétrons também na sua composição. Todas essas partículas saem do Sol em direção à Terra com uma velocidade média de cerca de 400 km/s e atingem a Terra com uma densidade aproximada de Figura 13 6 particulas/cc. 13 Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra 14 Auroras Boreais e Ventos Solares As auroras estão entre os fenômenos naturais mais bonitos que ocorrem no planeta Terra. As auroras representam o maior espetáculo luminoso do planeta. Elas ocorrem, no entanto, apenas nas regiões polares. Aurora é o nome grego para a deusa da madrugada. As auroras ocorrem como resultado de dois efeitos: os ventos solares e a existência de elétrons na magnetosfera. Elétrons de altas energias (energias de cerca de 1 KeV) da magnetosfera podem ser guiados pelos campos magnéticos terrestres, em direção ás regiões polares, atravessando a parte mais alta da atmosfera (cerca de 80 km da superfície). Na atmosfera, eles colidem com oxigênio e nitrogênio, excitando-os. Quando excitados, esses gases emitem luz ao se desexcitarem. É o processo da fluorescência. Por isso, o processo se assemelha ao da produção de luz por uma lâmpada fluorescente. Uma grande lâmpada fluorescente, natural, se forma no céu. A luz emitida tende a ser dominada pela luz correspondente ao espectro de emissão do oxigênio (uma luz esverdeada ou avermelhada). De menor intensidade é a luz produzida associada ao espectro de emissão do nitrogênio molecular (cores azul e púrpura). Por que as auroras surgem apenas esporadicamente? Isso nos leva ao segundo fator que influi no processo de produção das auroras. Trata-se dos ventos solares. Eles são a fonte de energia das auroras. Tanto a magnetosfera quanto os ventos solares são gases ionizados, que consistem de um plasma e têm a capacidade de conduzir eletricidade. De acordo com o que sabemos a respeito do fenômeno da indução eletromagnética, se dois condutores estiverem em movimento relativo numa região na qual existe um campo magnético e se um circuito se formar, envolvendo os dois condutores, então, uma corrente elétrica emergirá nesse circuito como resultado da força eletromotriz induzida. Os condutores podem estar tanto sob a forma de um metal quanto de um plasma. Assim, os ventos solares e a magnetosfera, que são fluidos condutores em movimento relativo, sob a ação de campos magnéticos, podem gerar correntes resultantes da indução eletromagnética. Essas correntes elétricas que se originam desse mecanismo parecem ser aquelas que dão aos elétrons que produzirão as auroras a energia necessária para fazê-lo. Essa energia é fornecida pelos ventos solares. Figura 14: The Aurora Borealis, or Northern Lights, shines above Bear Lake. Wikimedia Commons picture of the year, 2006 Eielson Air Force Base, Alaska Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra 15 Raios Cósmicos da Galáxia e os Efeitos na Atmosfera Terrestre Os raios cósmicos que se originam na nossa galáxia atingem energias mais altas que as dos ventos solares. A energia das partículas atinge a incrível cifra de 10 a 23 eV. O fluxo, envolvendo o número de tais partículas por metro quadrado e por segundo, é de aproximadamente 100.000. Esses raios cósmicos são compostos por prótons (92%) e partículas alfa (6%). Os demais são núcleos mais pesados que o núcleo de hélio. Ao incidir na atmosfera terrestre, os raios cósmicos interagem com as partículas que a compõem. A atmosfera consiste de oxigênio e nitrogênio moleculares. Como resultado, o efeito dos raios cósmicos de baixa energia é o de provocar a ionização na atmosfera superior ao passo que os múons resultantes das cascatas produzidas como resultado das colisões na atmosfera produzem a ionização na parte inferior da atmosfera. Esse processo de ionização acaba sendo responsável pela existência de um campo elétrico na atmosfera. Figura 15: Primary cosmic ray flux. O Campo Magnético da Terra Qual é a explicação para o campo magnético da Terra? Credita-se a P.M. Blackett a ideia de que o magnetismo tem sua origem na rotação da Terra em torno do seu eixo. Não é exatamente isso. No entanto, o magnetismo terrestre é uma consequência de movimentos no interior da Terra. Trata-se, de acordo com a teoria do dínamo, do movimento de ferro derretido na região mais interior do planeta, próximo do seu centro. O que é importante, de qualquer forma, é que o interior da Terra tenha um metal, pois um metal é bom condutor, e que esse metal possa fluir como algo líquido. Sabe-se que correntes dão origem a campos magnéticos; no entanto, a manutenção desse processo indefinidamente é o que mais intriga. Isso exigiria um processo de realimentação. Na teoria do dínamo, esse processo ocorre e isso porque o fluxo de um fluido condutor na presença de um campo magnético induz uma corrente. Essa corrente, por sua vez, cria um campo magnético. Trata-se, assim, de um processo de realimentação, pois o novo campo magnético reforça o campo original e com isso fica criado o dínamo autossustentável. Figura 16 Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra O mesmo mecanismo explicaria o campo magnético nas estrelas e, em particular, do Sol. Figura 17 A Magnetosfera Apresentar o campo magnético da Terra como o de um ímã é naturalmente válido quando fazemos observações próximo da superfície da Terra. Visto de muito longe, no entanto, a situação é bem diferente. As linhas de força do campo magnético têm a forma da Figura 000. Figura 18 16 Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra A região delimitada pela linha tracejada na Figura 000 é a magnetosfera da Terra. Esta é uma região no entorno da Terra, na qual as forças magnéticas são as forças dominantes no meio ambiente. Essa região se estende ao longo de dezenas de milhares de quilômetros a partir da superfície terrestre. Quanto mais longe mais fraco é o campo magnético. A magnetosfera tem um campo magnético que protege o planeta de um tipo de radiação que poderia ser letal para os seres humanos. Essa região de proteção é responsável pela deflexão dos ventos solares e outras partículas, através dos campos magnéticos que compõem a radiação extraterrestre, desviando-as. Nota-se que o campo magnético se estende ao longo de uma região no espaço muitas vezes maior que o raio da Terra. Essa região, que contém um magnético muito fraco, se estende na direção dos polos ao longo de cerca de 70.000 km na direção dos polos magnéticos norte e sul. Ela é consideravelmente menor na direção do Sol, e muito maior, formando uma grande cauda, na direção oposta à do Sol. Essa região é conhecida como a magnetosfera. A magnetosfera contém uma mistura de partículas carregadas e nela ocorrem diversos fenômenos eletromagnéticos, como a Aurora Boreal e as tempestades magnéticas (intensas flutuações nos campos magnéticos). Figura 19: Schematic of Earth's magnetosphere. 17 Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra 18 Como usar este ebook Orientações gerais Caro aluno, este ebook contém recursos interativos. Para prevenir problemas na utilização desses recursos, por favor acesse o arquivo utilizando o Adobe Reader (gratuito) versão 9.0 ou mais recente. Botões Indica pop-ups com mais informações. Ajuda (retorna a esta página). Sinaliza um recurso midiático (animação, áudio etc.) que pode estar incluído no ebook ou disponível online. Créditos de produção deste ebook. Indica que você acessará um outro trecho do material. Quando terminar a leitura, use o botão correspondente ( ) para retornar ao ponto de origem. Bons estudos! Eletromagnetismo » Eletromagnetismo do Planeta Terra Créditos Este ebook foi produzido pelo Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada (CEPA), Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). Autoria: Gil da Costa Marques. Revisão Técnica e Exercícios Resolvidos: Paulo Yamamura. Coordenação de Produção: Beatriz Borges Casaro. Revisão de Texto: Marina Keiko Tokumaru. Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica: Daniella de Romero Pecora, Leandro de Oliveira e Priscila Pesce Lopes de Oliveira. Ilustração: Aline Antunes, Celso Roberto Lourenço e Maurício Rheinlander Klein. Animações: Celso Roberto Lourenço e Maurício Rheinlander Klein. 19