Utilização de lodo de esgoto como adubo nitrogenado: risco ou benefício ao meio ambiente? Rita Carla Boeira* Nas áreas urbanas os principais agentes poluidores de águas são os esgotos, que na maioria das vezes são lançados diretamente nos corpos de água. Frente à degradação intensa dos recursos hídricos, os esgotos de diversas cidades brasileiras vêm sendo tratados em estações de tratamento de esgoto (ETEs), que operam com diferentes sistemas tecnológicos. Nestes sistemas de tratamento de águas residuárias, a água retorna aos mananciais com bom grau de pureza. No entanto, ocorre a geração de um resíduo semi-sólido, pastoso e de natureza predominantemente orgânica, chamado de lodo de esgoto. A destinação deste lodo residual que é gerado nas ETEs é um grande problema ambiental para as empresas de saneamento, públicas ou privadas. Uma alternativa técnica que pode ser viável, porém com muitas limitações, é o uso desses resíduos orgânicos como adubo, aproveitando principalmente o nitrogênio, que é um importante e caro nutriente para as plantas. Mas, paralelamente, devem ser considerados outros aspectos envolvidos, como composição em metais pesados, presença de centenas de compostos orgânicos tóxicos e/ou persistentes e de patógenos ou ainda seu potencial de salinização ou de acidificação do solo. Tais fatores podem superar largamente as possíveis vantagens como fertilizante, colocando em risco a qualidade do solo agrícola e da cadeia alimentar. Com relação aos poluentes, por exemplo, há pouco interesse em buscar a redução da sua concentração nas fontes industriais ou pontuais contaminantes do esgoto (conhecidas), uma vez que isso incorre em perda de lucro (menor volume de material orgânico). Mas há muito interesse na implantação imediata de programas de reciclagem agrícola de lodo de esgoto. Assim, a reciclagem agrícola de lodos de esgoto é muitas vezes mostrada como uma forma sustentável de gestão do resíduo, olvidando-se a avaliação necessária e criteriosa dos riscos ambientais desta alternativa de disposição. O nitrogênio encontra-se no lodo de esgoto em formas proteicas, principalmente. Uma vez aplicado ao solo, esse nitrogênio orgânico contido no lodo passa a formas minerais, entre elas o nitrato, pela ação de microrganismos. As quantidades de nitrato que forem geradas no solo além da capacidade de absorção pelas raízes das plantas são pouco ou nada retidas nas partículas do solo. Assim, movimentam-se com facilidade em direção a corpos d’água subsuperficiais, junto com as águas de chuva, por exemplo. Dessa forma, a geração excessiva de nitrato é um dos grandes riscos ambientais do uso agrícola de lodo de esgoto, justamente pela possibilidade da contaminação de corpos d’água. O risco em relação ao nitrato é possível de ser minimizado com a aplicação de doses seguras de lodos de esgoto. Essas doses devem ser determinadas com base em informações técnicas tais como: a) avaliações laboratoriais e em campo do comportamento do lodo de esgoto no solo em que será aplicado, e b) recomendações de adubação para a cultura de interesse. O risco de poluição ambiental com nitrato pôde ser comprovado em experimento conduzido com cultivo de milho na Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna, SP. As quantidades seguras, em relação ao nitrato, foram de 3.500 kg/ha de lodo de esgoto, aplicadas no máximo por três anos consecutivos na mesma área. E, mesmo nessa dose relativamente baixa, houve intensificação da acidez do solo, problema de ocorrência natural na maioria de nossas terras, mas de elevado custo de correção. Assim, considerando-se somente o risco de contaminação ambiental com nitrato, o uso agrícola seguro pode ser pouco relevante como alternativa para descarte dos grandes volumes de material gerado nas ETEs. A recomendação do uso agrícola de lodos de esgoto carece, ainda, de muitas informações de pesquisa que a validem amplamente em todo o nosso território brasileiro, para que possa então ser feita aos agricultores que não querem correr riscos de contaminar suas terras e seu entorno. A informação quanto à caracterização destes resíduos (em especial contaminantes orgânicos, voláteis ou não, dioxinas, furanos, PCBs, PAS, etc, e organismos patogênicos) é precária. Os benefícios do uso agrícola de lodos de esgoto, fácil e prontamente visíveis no desenvolvimento das plantas, podem desenvolver problemas ambientalmente dispersos (de difícil detecção) e graves, a curto e a longo prazo. *Engenheira agrônoma, Dra. em Solos e Nutrição de Plantas, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente.