O CAPITAL FINANCEIRO: Uma redefinição do tema a partir de Hilferding e Lênin Wolney Roberto Carvalho1 Tem sido recorrente o debate sobre os destinos do modo de produção capitalista, em especial no seio da intelectualidade de esquerda. Nesse sentido, os mais diversos autores que enfocam a dinâmica da reprodução capitalista remetem recorrentemente a uma tentativa de identificar como se apresenta a valorização do capital contemporaneamente, que configuração assume essa valorização. Para Borón, o que se deve observar é o extraordinário grau de concentração do poder político e econômico das grandes corporações internacionais. " As 200 maiores corporações internacionais concentram 25% do Produto Bruto Mundial. Estamos numa etapa de desenvolvimento capitalista em que se chegou a um nível de riqueza e da renda sem precedentes em toda história" (BORÓN, 2002, 01). Isso − ainda segundo Borón (2002) − é resultado da supremacia do setor financeiro frente ao capital industrial, o qual é responsável pelo enorme fluxo financeiro nas grandes bolsas de valores, bem como pelas operações de especulação que representavam, em 2002, 95% de todo fluxo financeiro internacional. Note-se que, para esse autor, o enorme fluxo financeiro pode ser também denominado capital financeiro, o qual passa a ser hegemônico a partir das décadas de 80 e 90. Para Chesnais (2003), a melhor observação dos movimentos da economia capitalista mundial deve necessariamente levar em consideração "o regime de acumulação predominantemente financeiro", que se apresenta em estreita relação com o imperialismo, com o capital financeiro. Isso é constatado − segundo esse autor − através da crescente pressão dos mercados financeiros sobre os governos e sobre a indústria, acompanhado do entrelaçamento entre as finanças e a indústria. "El tipo alemán de interconexión entre los bancos y la industria, del que Hilferding era el arquetipo de capital financiero, se ha convertido hoy en una especie de ‘edad de oro’ de las relaciones entre el capital-dinero concentrado y la industria" (CHESNAIS, 2003, 4). Tavares & Belluzzo (1981), destacam que a internacionalização do capital ocorrida na década de 70 e início da década de 80 é, ao mesmo tempo, resultado do poder do sistema manufatureiro e financeiro estadunidense, ficando o último encarregado de expandir o crédito e a acumulação através da especialização e diferenciação das instituições financeiras. Para Hilferding, a partir do momento em que os bancos fornecem capital de empréstimo ─ portador de juros, para o capitalista produtivo ─ dá-se dinamismo ao modo de produção capitalista e aumentam-se os vínculos com os industriais. Surge assim, para Hilferding, o capital financeiro, que é resultado da transformação de parte do capital monetário ocioso disponível nos bancos em ações das mais diversas empresas atuantes na esfera produtiva. Veja-se que, segundo Hilferding, esse processo é sempre acompanhado da concentração e centralização do sistema bancário, o que possibilita aos bancos subordinarem a esfera indústrial ao se tornarem acionistas majoritários. Assim sendo, os bancos aparecem como os responsáveis pelo aumento das fusões, aquisições e, via de regra, pelo aumento da concentração e centralização industrial. Para Hilferding, o capital financeiro, resultado da fusão ou união dos bancos com a indústria, é característico de uma 1 Graduado e Mestre em Economia/UFSC, Doutorando em Sociologia Política/UFSC. E-mail: [email protected] nova etapa do capitalismo, que se verifica em especial a partir do século XX na Alemanha e nos Estados Unidos da América. Para Lênin, essa relação dos bancos com a indústria, de acordo com Lênin (1977), ultrapassa a simples cessão de capital-dinheiro inativo, ocioso, e verifica-se a partir do início do século XX, que os bancos passam a adquirir ações de empresas dos principais ramos industriais, tornando-se os acionistas majoritários, bem como indicam seus diretores para atuarem junto aos conselhos de administração dessas grandes empresas. Note-se que existe uma reciprocidade entre os bancos e a esfera industrial, e essas grandes empresas, pouco a pouco, tornam-se igualmente acionistas dos bancos. Dessa maneira, tem-se o surgimento do capital financeiro, resultado inicial da concentração e centralização do capital tanto na esfera produtiva como bancária, o que é sempre acompanhado pelo processo de fusões ou uniões entre os bancos e a indústria. Vejase que tais fusões ou uniões manifestam-se em grandes monopólios na forma de sociedades anônimas que, por sua vez, representam as principais empresas nos principais ramos creditícios e produtivos. Por último, segundo Lênin, é através do capital financeiro que o capitalismo adquire traços de uma estrutura econômica e social mais elevada, pois substitui a livre-concorrência pelo surgimento dos monopólios capitalistas no mercado mundial. Assim sendo, o capital financeiro ultrapassa o mercado nacional e transforma o mercado mundial no seu locus de acumulação de capital, no palco da oligarquia financeira, do imperialismo. Mas estas explicações sobre o capital financeiro demonstram como se dá a apropriação do produto excedente na forma mais avançada do capitalismo? Conseguem demonstrar a transmutação de todo produto excedente (a mais-valia) da forma lucro, para a forma de juros ou dividendos (fetichização máxima da mais-valia) ? Entende-se que não. A explicação deverá ser buscada nas sociedades anônimas, onde tem-se a separação entre os produtores da riqueza, de um lado, e os capitalistas, de outro; a transmutação do capitalista ativo em capitalista financeiro. Nessa fase, observa-se a separação da propriedade do capital e sua função econômica. Se o capitalista financeiro é o detentor da ação, que lhe dá direito a um rendimento futuro, dividendo, juro, isso decorre por ser ele o proprietário do capital, dententor da função jurídica do capital. O capitalista não mais atua no processo de reprodução do capital como outrora. Ele mesmo, enquanto capitalista individual, proprietário individual do capital, foi suplantado pela propriedade social do capital, pelos capitalistas associados; é o que se verifica com as empresas na forma de sociedades anônimas. Desse modo, o capital financeiro deverá ser entendido como o capital produtor de juros no mais alto grau, pois se o capitalista aparece completamente dissociado do processo de reprodução do capital, mantendo seu vínculo com esse processo única e exclusivamente através da propriedade do capital, da sua função jurídica, nada mais faz do que ceder o valor-de-uso do seu capital, ou seja, a função econômica do capital, aos próprios trabalhadores, que por sua vez produzirão todo o produto excedente, toda a mais-valia que é apropriada pelo capitalista financeiro na forma de dividendo, juro. Por isso, entende-se que o conceito de capital financeiro somente explicará a apropriação do produto excedente no mais alto grau (as sociedades por ações) se for entendido como o capital produtor de juros no mais alto grau, onde aparecem dissociadas a função jurídica e econômica do capital.