Diretrizes SBD 2014-2015 Prevenções primária e secundária da doença macrovascular no paciente com diabetes A doença macrovascular do paciente com diabetes é a própria doença aterosclerótica que incide em uma população não diabética. É, contudo, mais precoce, mais frequente e mais grave. A doença cardiovascular (DCV) é a maior causa de morbidade e mortalidade nesses pacientes (A).1-3 O termo “diabetes vascular” tem sido introduzido com o objetivo de chamar a atenção do clínico para a necessidade de, paralelamente ao tratamento da hiperglicemia, desenvolver estratégias para a prevenção da DCV. O tratamento ideal da hiperglicemia seria aquele que pudesse também propiciar benefícios na prevenção da doença macrovascular, além da prevenção da doença microvascular. Não existe, contudo, até o momento, tratamento medicamentoso para a hiperglicemia que realmente apresente evidências de prevenção da DCV. Contrariamente, a mudança no estilo de vida (implementação de atividade física e dieta adequada) tem-se mostrado uma medida altamente eficaz (B).1-5 A prevenção primária da doença macrovascular está relacionada com a própria prevenção do diabetes (B).4,5,11 Consideram-se fatores de risco para desenvolver diabetes: idade > 40 anos, excesso de peso, sedentarismo e antecedente de diabetes na família, além de mulheres que tenham dado à luz recém-nascidos com peso ≥ 4 kg e 142 pessoas com glicemia de jejum alterada ou tolerância diminuída à glicose (pré-diabetes). A prevenção da DCV no diabetes está associada ao tratamento dos outros fatores de risco frequentemente associados ao diabetes, como: hipertensão, dislipidemia, obesidade, tabagismo e sedentarismo (B).6,7 Esses fatores têm sido denominados, no seu conjunto, risco cardiometabólico. A importância prática do conceito de risco metabólico é o reconhecimento de que a presença de um desses fatores de risco leva obrigatoriamente à necessidade de pesquisar outros fatores e, consequentemente, ao tratamento adequado. É importante notar que esses fatores constituem risco tanto para diabetes como para DCV.8 A prevenção secundária compreende o tratamento e o controle adequado da hiperglicemia, seja com o uso de agentes orais, seja com insulina. Nessa etapa, continua sendo também fundamental a mudança do estilo de vida: perda de peso por meio de dieta adequada e atividade física (B).9,10 Tanto na prevenção primária como na secundária, é altamente necessária a cessação do fumo. Esse fato tem que ser amplamente enfatizado pelo clínico e incorporado em qualquer plano de prevenção de DCV. Recomendam-se o desenvolvimento e a implementação de estratégias, tanto dirigidas para o paciente durante a consulta médica (aconselhamento, orientação, apoio psicológico e eventual farmacoterapia), como também à população em geral, mediante campanhas de esclarecimento sobre a relação do fumo com a DCV e outros malefícios relacionados. Com relação à hipertensão arterial no paciente com diabetes, as metas dos níveis pressóricos a serem atingidos com o tratamento são de < 130/80 mmHg, idealmente < 120/80 mmHg. A associação de mais de um agente anti-hipertensivo pode ser necessária e recomendada.6 A dislipidemia é um preditor importante de DCV e deve ser agressivamente tratada. Os níveis desejáveis são: colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) < 100 mg/dl, colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-C) > 40 mg/dl no homem e > 50 mg/dl na mulher e triglicerídios < 150 mg/dl.6 A mudança no estilo de vida, que seguramente é a principal medida de prevenção tanto da DCV como do diabetes, implica dieta adequada e exercício físico moderado por pelo menos 30 minutos diários. Além disso, tem também sido preconizada a intervenção farmacológica.11 Entre os fármacos recomendados, o ácido acetilsalicílico (AAS) tem sido universalmente aceito na profilaxia da DCV. Diversos estudos foram e têm sido realizados com o objetivo de observar se, a longo prazo, a introdução de 2014-2015 determinados medicamentos normalmente utilizados para o tratamento do diabetes pode também prevenir ou diminuir eventos cardiovasculares: o Diabetes Reduction Approaches with Ramipril and Rosiglitazone Medications (DREAM), com a rosiglitazona; o Nateglinide and Valsartan in Impaired Glucose Tolerance Outcomes Research (NAVIGATOR), com a nateglinida; possibilitando a redução de eventos cardiovasculares por meio da intervenção precoce com insulina glargina (ORIGIN), entre outros. Os indivíduos incluídos nesses estudos foram pacientes em fases precoces do diabetes. O estudo ORIGIN mostrou efeito neutro da insulina na prevenção da doença macrovascular.21 O estudo clássico United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) mostrou certo benefício da metformina12 e o Study to Prevent No Insulin Dependent Diabetes Mellitus (STOP-NIDDM), mostrou também benefício da acarbose em pré-diabetes.13 Quando o diabetes já está instalado, o controle intensivo da hiperglicemia, com o objetivo de prevenção secundária dos eventos cardiovasculares, tem sido assunto extensamente debatido na literatura médica.3,14,19 O paciente com diabetes possui risco maior de desenvolver DCV, sendo, p. ex., esse risco o mesmo de uma pessoa não diabética que já tenha tido um evento cardíaco. O indivíduo com diabetes é considerado um potencial paciente de DCV. Na última década, com o objetivo de esclarecer se o controle intensivo da glicemia pode reduzir o risco cardiovascular em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (DM2), diversos estudos a longo prazo foram lançados. Em 2008, dois desses estudos foram publicados: o Action in Diabetes and Vascular Disease: Preterax and Diamicron Modified Release Controled Evaluation (ADVANCE) e o Veterans Affairs Diabe- tes Trial (VADT), os quais não mostraram significância em termos de redução de eventos cardiovasculares com o controle intensivo da glicemia.16,17,19 Em contraste, um terceiro estudo, denominado Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes (ACCORD), foi interrompido porque demonstrou aumento da mortalidade entre participantes randomizados para uma estratégia de controle intensivo, com uma meta de controle glicêmico de hemoglobina glicada (HbA1c) < 6%.18 Uma revisão recente desses estudos, acompanhada de recomendações clínicas, foi publicada pela American Diabetes Association (ADA) com representantes da American Heart Association (AHA) e do American College of Cardiology (ACC).19 Uma conclusão óbvia, mas que merece ser enfatizada, é que pacientes que conseguem facilmente atingir e manter níveis baixos de HbA1c por meio de mudanças no estilo de vida, com ou sem farmacoterapia, não estão em risco de desenvolver eventos cardiovas- Diretrizes SBD culares e, portanto, não necessitam elevar os níveis de HbA1c. Os autores concluem que os achados de mortalidade dos estudos ACCORD, ADVANCE e VADT não implicam mudança de meta da HbA1c. A doença microvascular do diabetes com HbA1c ≥ 7% tem mostrado redução da retinopatia, nefropatia e neuropatia tanto no diabetes mellitus tipo 1 (DM1) como no tipo 2. Quanto à doença macrovascular, estudos clínicos randomizados não demonstraram redução de eventos cardiovasculares, seja no DM1, seja no DM2. Contudo, o acompanhamento a longo prazo do Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) e do UKPDS sugere que níveis de HbA1c ≥ 7% anos após o diagnóstico estão associados à redução da doença macrovascular (B).2,14,20 A meta da HbA1c deve ser individualizada: pacientes mais jovens, com expectativa maior de vida e sem risco significativo de hipoglicemia, níveis < 7% ou < 6% podem ser recomendados; pacientes mais idosos, com risco de hi- Quadro 1 Recomendações e conclusões finais RECOMENDAÇÃO OU CONCLUSÃO GRAU DE RECOMENDAÇÃO A doença macrovascular é a causa mais frequente de morbidade e mortalidade nos pacientes com diabetes A A prevenção primária do diabetes implica mudança do estilo de vida (dieta e exercício) B A prevenção primária da doença macrovascular está relacionada com a própria prevenção do diabetes B A prevenção secundária implica o controle da dislipidemia e da hipertensão arterial e comorbidades frequentemente associadas ao diabetes B Em relação ao controle da glicemia, a meta da HbA1c deve ser individualizada: para pacientes mais jovens, com maior expectativa de vida e sem risco significativo de hipoglicemia, níveis < 7% ou < 6% podem ser recomendados B Cessação do tabagismo é mandatória A (A) Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência; (B) Estudos experimentais e observacionais de menor consistência; (C) Relatos de casos – estudos não controlados; (D) Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consenso, estudos fisiológicos ou modelos animais. 143 Diretrizes SBD 2014-2015 poglicemia e DCV, níveis em torno de 7% são mais aceitáveis. Em conclusão, para reduções primária e secundária do risco cardiovascular, persistem as recomendações de meta < 7% para HbA1c, devendo, contudo, haver flexibilização e individualização para cada paciente. As recomendações das metas de tratamento para hipertensão e dislipidemia devem ser enfatizadas. Estatinas e profilaxia com AAS persistem como pilares na redução do risco cardiometabólico em pacientes com diabetes, sendo a cessação do tabagismo obrigatória. Referências 1. Kannel WB, McGee DL. Diabetes and glucose tolerance as risk factors for cardiovascular disease: The Framingham Study. Diabetes Care. 1979; 2:120-6. 2. Stratton IM, Adler AI, Neil HA, Matthews DR, Manley SE, Cull CA et al. Association of glycaemia with macrovascular and microvascular complications of type 2 diabetes (UKPDS 35): Prospective observational study. BMJ. 2000;321:405-12. 3. Deedwania PC, Fonseca VA. Diabetes, pre-diabetes and cardiovascular risk: Shifting the paradigm. Am J Med. 2005;118:939-47. 4. 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