DOENÇA DE ALZHEIMER Dar a mão ao doente e ao Quase 10% das famílias portuguesas cuidam de um familiar com demência. O Café Memória, local de encontro para doentes e pessoas que com eles convivem, permite a partilha de experiências www.cafememoria.pt Saiba onde decorrem os próximos encontros. A participação é gratuita e não requer inscrição O NOSSO ESTUDO Como é viver com Alzheimer teste saúde 110 agosto/setembro 2014 • Em maio e junho de 2013, realizámos um inquérito junto de pessoas que acompanham ou cuidam de familiares com demência. 28 • Objetivo: conhecer a evolução da doença, a satisfação com os tratamentos, os custos económicos e sociais, assim como as consequências para o cuidador. • O inquérito foi realizado pela DECO PROTESTE e pelas associações de consumidores suas congéneres na Bélgica, no Brasil, em Espanha e em Itália. Os dados foram tratados para ajustar os estratos amostrais à população nacional no que se refere a sexo, grupos etários, regiões e níveis educacionais. Abordamos a realidade portuguesa no artigo, exceto para os resultados da qualidade de vida e satisfação com os tratamentos, que decorrem da amostra global constituída por 1158 inquiridos entre 18 e 74 anos, dos quais 227 portugueses. “Tentar aprender qualquer coisa todos os dias e recordar no dia seguinte o que se aprendeu é uma boa forma de exercitar a memória”. A TESTE SAÚDE participou num Café Memória, a 5 de abril, no Centro de Comercial Colombo, em Lisboa. Carneiro da Silva, presidente da associação Alzheimer Portugal, esclarece que estes encontros se destinam “a pessoas com problemas de memória ou demência, bem como aos respetivos familiares e cuidadores, para partilha de experiências e suporte mútuo, com o acompanhamento de profissionais de saúde ou de ação social”. Após um jogo de equipas, assistimos a uma palestra sobre tipos de memórias. O conceito Memory Café está implementado em vários países, nomeadamente no Reino Unido, que conta já com 60 espaços. Em Portugal, a iniciativa arrancou em abril de 2013, pela mão da Alzheimer Portugal e da empresa Sonae Sierra, e teve mais de 400 participantes ao longo de um ano. Primeiros sinais aos 60 ■ A doença de Alzheimer é, hoje, a patologia neurodegenerativa mais frequente. O nome deve-se a Alois Alzheimer, médico alemão que, no início do século xx, descreveu pela primeira vez esta “estranha doença do córtex cerebral”. Segundo a Organização Mundial da Saúde, prevê-se que os casos dupliquem a cada 20 anos, podendo atingir, em 2050, 115 milhões de pessoas em todo o Mundo. De acordo com a associação Al- cuidador 63% dos doentes são mulheres 74% são tratados em casa 73 anos idade média do doente na altura do diagnóstico 80 anos média de idade dos doentes aquando deste inquérito Tempo que esperou para ir ao médico Na consulta, o médico poderá suspeitar de Alzheimer com base nos sintomas descritos e pedir exames complementares para avaliar o grau de deterioração intelectual. ■ Geralmente, uma análise ao sangue e uma tomografia axial computorizada (TAC) ao cérebro permitem descartar outras doenças ou demências, como esclerose múltipla ou Parkinson, que requerem tratamentos distintos. Alguns sintomas, como apatia, podem dever-se a depressão, um problema frequente nos idosos. ■ Embora não se conheçam as causas exatas da doença, pensa-se que estarão envolvidos fatores hereditários e ambientais, perturbações bioquímicas e processos imunitários. Medicação útil no início ■ A doença não tem cura, mas é possível retardar a evolução e melhorar a qualidade de vida dos doentes graças a medicação e cuidados adequados. Mais de 80% dos pacientes do nosso inquérito seguem um tratamento, nomeadamente à base de fármacos. ■ A evolução dos sintomas cognitivos (problemas de memória, desorientação e linguagem) pode ser retardada com inibidores de colinesterase, geralmente na fase inicial, e memantina, nas fases moderadas. Nas avançadas, a eficácia de medicamentos específicos torna-se muito mais limitada. Contudo, para alterações do estado emocional e do comportamento, os ansiolíticos e antidepressivos poderão ser úteis de início. Mais para a frente, os antipsicóticos ajudam a controlar episódios de agressividade e alucinações. Verificou-se uma maior taxa de satisfação entre os doentes que tomam memantina, sobretudo > 33% até 6 meses 6 meses 26% 22% 19% 12 meses 24 meses Período entre a primeira consulta e o diagnóstico 41% 19% até 6 meses 6 meses 25% 15% 12 meses 24 meses Metade dos pacientes esperou mais de um ano para ir ao médico e um quarto mais de dois anos pelo diagnóstico como se tratam os doentes Inibidores de colinesterase (tacrina, donepezil, etc.) 51% Psicofármacos (ansiolíticos, antidepressivos, antipsicóticos) 47% Antagonistas do recetor NMDA (memantina) 15% Psicoterapia 3% Outros 4% Satisfação com os tratamentos Numa escala até 100 Facilidade em aplicar o tratamento 55 Ausência de efeitos secundários 53 50 Satisfação global Memória 48 Reações emocionais 47 Atividades quotidianas 46 Vida social 38 No geral, os inquiridos manifestam baixa satisfação com as terapias usadas no controlo da doença de Alzheimer teste saúde 110 agosto/setembro 2014 zheimer Portugal, a patologia afeta 90 mil portugueses. Os primeiros sinais surgem geralmente após os 60 anos e a prevalência aumenta com a idade. Estima-se que uma em cada quatro pessoas com mais de 85 anos tenha o problema. ■ Realizámos um inquérito para conhecer a evolução da doença, a satisfação com os tratamentos, os custos e as consequências para os cuidadores. O nosso estudo revela que quase 10% das famílias portuguesas acompanham ou cuidam de um doente com demência, quase sempre Alzheimer, não se verificando uma diferença significativa nos cinco países em que foi efetuado. O inquérito demonstra ainda que, na maioria dos casos, o diagnóstico é realizado por um neurologista ou outro especialista e, num quarto dos pacientes, pelo médico de família. Em 40% dos casos, foi preciso mais de um ano para chegar ao veredicto. Diagnóstico e tratamento 29 DOENÇA DE ALZHEIMER ALZHEIMER PORTUGAL Formar e apoiar cuidadores “O País não dispõe de meios para dar resposta às cerca de 160 mil pessoas com demência, mas é possível dar formação aos cuidadores.” Que serviços presta a associação? A Alzheimer Portugal presta apoio direto a pessoas com a doença de Alzheimer e aos seus cuidadores. Além de centros de dia e de um lar de acolhimento, disponibiliza serviços de apoio domiciliário, grupos de suporte, Cafés Memória, terapia ocupacional, consultas, fisioterapia, entre outros. A associação aposta na formação de cuidadores familiares e profissionais e procura sensibilizar a população sobre as demências. O portal www.alzheimerportugal.org aborda dicas práticas para lidar no dia a dia com a doença. Por fim, a associação promove a investigação e divulga os últimos ensinamentos sobre a doença. Quem vos procura e como é possível ser sócio? São sobretudo os cuidadores de pessoas com a doença de Alzheimer ou outra demência. Para ser sócio, basta preencher e enviar a ficha disponível no portal. Dá acesso a descontos em teste saúde 110 agosto/setembro 2014 > 30 nas tarefas diárias, como lavar-se e vestir-se. ■ Com base nas respostas dos familiares, sobre saúde física, energia, ânimo, memória, relacionamento com a família e com os amigos, autoestima, capacidade para realizar as tarefas domésticas, entre outras, avaliámos a qualidade de vida dos doentes ao longo dos anos. Após uma melhoria inicial com o diagnóstico (provavelmente, graças à medicação), a qualidade de vida dos doentes lares, centros de dia, apoio domiciliário, material médico, farmácias, etc. A quota é de 20 euros anuais. Conseguem dar resposta a todos os pedidos de ajuda? Perante o custo dos tratamentos e serviços necessários, e os baixos rendimentos familiares, verifica-se que muitos abandonam a medicação e abdicam de serviços essenciais, como o apoio domiciliário e a estimulação cognitiva. A Alzheimer Portugal procura responder a todos os pedidos de ajuda, seja internamente ou encaminhando para outras estruturas públicas ou privadas disponíveis. Em parceria com entidades locais, colabora na criação de Gabinetes Alzheimer, para que a informação e formação cheguem mais facilmente a todo o País. A associação está a implementar uma linha telefónica para esclarecer dúvidas, informar sobre serviços, dar apoio psicológico e orientação em situações de crise, entre outros, ao nível nacional. Carneiro da Silva Presidente da direção Quais as carências do País para estes doentes e familiares? A principal carência nacional parte desde logo da ausência de concretização de um Plano Nacional para as Demências, que saliente a importância de áreas de intervenção, como, por exemplo, a formação. Não é possível ajudar todas as pessoas com demência, mas é possível dar formação aos cuidadores para que ganhem competências e prestem cuidados de forma mais especializada, tendo em conta as especificidades das pessoas com Alzheimer ou outra forma de demência. caiu num declive sem fim, devido à evolução da doença e ao agravamento do estado físico e mental. Cuidador à beira do esgotamento Fardo pesado para cuidadores Mentalmente desgastados ■ Um quarto dos inquiridos refere que as despesas com tratamentos são muito difíceis de suportar e quase 10% assumem não ter meios para pagar. Noutro estudo que fizemos sobre demências, metade dos inquiridos revelou gastar, pelo menos, 130 euros por 68% Esgotados e cansados 61% Fisicamente desgastados 55% Vida social diminuída 56% Solidão e isolamento 41% Saúde afetada 41% Mais de dois terços das pessoas que cuidam dos doentes revelam problemas emocionais e físicos Sintomas típicos DEGRADAÇÃO PROGRESSIVA DOS NEURÓNIOS A evolução da demência não é igual para todos os doentes, mas pode resumir-se em grandes etapas. Fase ligeira. As pessoas próximas notam falhas de memória para eventos recentes e dificuldade em tarefas com passos sucessivos e coordenados, como cálculos. A linguagem torna-se mais pobre e as conversas passam a ser repetitivas. O paciente começa a ter consciência da situação, o que gera apatia, desconfiança e ansiedade. Se o doente deixar de falar, reforce a comunicação gestual e o carinho Fase moderada. Esquece-se cada vez mais de eventos recentes e confunde os passados. As tarefas minuciosas, como manejar objetos ou escrever, tornam-se difíceis. O doente fica desorientado fora do ambiente habitual, confunde objetos e caras. Entra em depressão. Podem surgir episódios de irritabilidade, desinibição e profunda apatia. Fase avançada. O paciente fica dependente e não reconhece ninguém. A comunicação verbal torna-se muito reduzida para, na fase final, dar lugar ao mutismo total. O ciclo vigília-sono altera-se. Surgem alucinações e comportamentos obsessivos. O doente fica muito debilitado. A fase final requer cuidados especializados, nomeadamente paliativos. Falhas de memória, desorientação e problemas de linguagem são sintomas típicos TESTE SAÚDE ACONSELHA Enfrentar com coragem, informação e carinho ´ Perante falhas de memória e desorientação, consulte o médico de família. O diagnóstico precoce permite agir e retardar a evolução. Além de medicação, um estilo de vida saudável, com dieta equilibrada e exercício físico, melhora a qualidade de vida. ´ Mantenha-se a par da evolução da doença e informe-se sobre a melhor forma de lidar com os sintomas. As associações de doentes são boas fontes de informação e apoio. Os doentes de Alzheimer beneficiam de um regime especial no cálculo da pensão de invalidez. Para ter acesso, bastam três anos de contribuições para a Segurança Social e a situação de invalidez ser certificada pelo Sistema de Verificação de Incapacidades. ´ O cuidador carrega um fardo pesado. Sem um bom equilíbrio físico e mental, será difícil ajudar o doente. Não salte refeições e procure ter uma dieta equilibrada, pratique atividade física e durma seis a oito horas por noite. Procure partilhar tarefas com outros familiares e obter apoio domiciliário para reservar algum tempo só para si. teste saúde 110 agosto/setembro 2014 mês com a doença, sendo a maior fatia canalizada para cuidados diários, como apoio domiciliário. Metade gasta, só neste item, uma centena de euros todos os meses. ■ A maioria dos doentes fica em sua casa ou na de familiares ao longo de quase toda a doença (74% das situações). O desejo dos familiares de manterem o paciente no domicílio, a recusa do doente em sair do seu ambiente e a falta de meios financeiros para fazer face às despesas são as principais razões para não recorrer a um lar de idosos ou instituição. ■ Segundo o nosso estudo, os pacientes tratados em casa têm melhor qualidade de vida, mas isso acarreta consequências para quem cuida: os inquiridos com pacientes a cargo apresentam níveis de esgotamento mais elevados do que os familiares de doentes institucionalizados. Mais de metade refere que o processo é desgastante ao nível físico e mental e, em dois terços dos casos, chega mesmo a causar esgotamento. ■ As mulheres são os cuidadores mais frequentes e também quem reporta maior nível de sofrimento. A situação complica-se quando a doença dura há mais de cinco anos e piora quando existem dificuldades financeiras. ■ Na ausência de cura e face ao efeito limitado dos medicamentos, o carinho, a compreensão e a atenção de quem cuida adquirem mais importância do que noutras doenças. Se conhecer bem os sintomas, souber como agir nas fases mais críticas e aceitar a evolução da doença, poderá caminhar mais tranquilamente ao lado do paciente. ■ As associações de doentes e os espaços de convívio, como os Cafés Memória, são boas fontes de informação e fornecem indicações sobre os locais onde encontrar auxílio. As experiências partilhadas podem ser um tónico no dia a dia. 31