É preciso separar as atividades de banco comercial e de

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É preciso separar as atividades de banco comercial e de investimentos
O fato de o capitalismo estar demonstrando, na prática, ser endemicamente
falho não deveria ser uma surpresa. Esta é a natureza da humanidade. O mais
importante é que a história, especialmente a história do mundo depois da
Segunda Guerra Mundial, tem demonstrado de maneira indiscutível que
qualquer outra organização econômica é muito pior. Portanto, o capitalismo
merece sobreviver, e vai sobreviver, assim como fez ao desastre econômico
ainda maior da década de 1930.
Mas há outra lição a ser tirada dos anos de 1930. É a de que, embora o
capitalismo sobreviva, ele é capaz de se esconder atrás de uma carapaça
protecionista, com um custo elevado para a prosperidade mundial. Mas existe
hoje um novo e perigoso fator que amplia a ameaça. Os líderes de algumas
das maiores corporações dos Estados Unidos já se juntaram aos trabalhadores
organizados para exortar o Congresso a impor tarifas contra as importações de
países que compreensivelmente não querem arcar com os pesados custos de
uma obrigação de contenção de suas emissões de dióxido de carbono. Há um
apoio considerável na Europa, a uma abordagem parecida.
É essencial, tanto nos EUA como na Europa, que isso seja rejeitado de
maneira resoluta. A primeira e mais importante exigência para o futuro do
capitalismo é a preservação da globalização, e os enormes benefícios que ela
confere à humanidade, em particular no mundo em desenvolvimento. A
globalização tem custos inevitáveis; mas eles são enormemente compensados
pelos benefícios. Portanto, a resistência à proteção, não importando os
argumentos que possam ser usados em seu favor, precisa ser rigorosamente
mantida. Isso não é um argumento exclusivamente econômico. É também um
imperativo moral. Além disso, uma guerra comercial com a China poderia muito
bem ter consequências políticas imprevisíveis e potencialmente muito danosas.
Mas será que o capitalismo precisará mudar no futuro? Mais uma vez, a lição
da história é que a resposta é "não necessariamente". O ciclo econômico é
endêmico e inelutável, e todo mundo (com exceção do primeiro ministro
britânico Gordon Brown) sempre soube disso. No entanto, o que a atual crise
enfatiza é que uma retração cíclica associada a um colapso do sistema
bancário é de uma magnitude pior que a de uma retração cíclica normal.
Portanto, é preciso haver uma mudança no sistema bancário. Em poucas
palavras, precisamos retornar, em todos os grandes centros financeiros, à
separação das atividades de banco comercial das de banco de investimento
que foi implementada nos Estados Unidos em 1993 sob a lei conhecida como
Glass-Steagall Act - que foi anulada pelo presidente Bill Clinton na década de
1990. Isso é ainda mais importante uma vez que estamos vivendo numa era
em que a aquisição de riqueza parece ter mais importância que a reputação.
Conseguir isso não será fácil ou popular nos círculos bancários, mas pode ser
feito. Temos tempo para fazer isso direito: não se trata de combater um
incêndio, e sim de impedir um incêndio.
O principal motivo da importância dessa separação está claro. É apenas uma
crise dos bancos comerciais que representa um risco sistêmico e pode levar ao
tipo de problema que enfrentamos hoje. É tolice permitir à atividade principal
dos bancos ficar em posição de subserviência a atividades de banco de
investimento, excitantes, mas altamente arriscadas. Mas a ideia de que isso
pode ser impedido por uma regulamentação perspicaz das atividades de banco
de investimento é uma quimera. No mundo real, isso não é possível: ou os
banqueiros de investimento serão mais espertos que as autoridades
reguladoras, ou as autoridades reguladoras responderão com uma aniquilação
danosa.
Dessa forma, os bancos de investimento precisam ser deixados aos seus
próprios dispositivos criativos, e sujeitos essencialmente apenas à disciplina do
mercado. Isso deixa um papel muito mais limitado, e praticável, e ainda assim
absolutamente essencial, para a supervisão bancária e a regulamentação: ou
seja, garantir que o núcleo do sistema bancário comercial esteja perfeitamente
sólido e capitalizado de maneira adequado em todos os momentos.
Vale a pena acrescentar que é o regime de adequação de capital, e não
principalmente a política de juros, que precisa reagir às bolhas nos preços dos
ativos. O que mais é preciso (além da paz mundial) para se ter certeza de que
o capitalismo vai sobreviver (como vai) e prosperar (como deveria)?
Há o perigo em muitas partes do mundo, e certamente no Reino Unido, de se
imaginar que, como este é um problema global, exige solução globalizada, de
modo que a necessidade premente é de um acordo global. Isso pode soar
coisa de estadista, mas é na verdade ilusão perigosa. O que é preciso é que as
autoridades de cada país coloquem a casa em ordem.
A ameaça de terrorismo é um paralelo muito instrutivo. O terrorismo é um
problema mundial e uma cooperação internacional é desejável. Mas isso de
maneira nenhuma diminui a obrigação dos governos nacionais em relação ao
que é necessário para proteger a sua população.
O mesmo se aplica à regulamentação financeira. Conforme o acordo da
Basileia 2 mostrou claramente, um acordo internacional sempre demora a
ocorrer e, quando acontece, ele provavelmente se mostrará inadequado. No
que diz respeito ao Reino Unido, a decisão de Brown, enquanto ministro da
Economia, de se livrar do sistema de supervisão bancária reforçado que eu
implementei em 1987, substituindo-o por um sistema que se mostrou
amplamente disfuncional, não foi coisa muito esperta. Se esperar por um
acordo internacional, por mais desejável que possa ser, nós podemos, e
precisamos, fazer algo muito melhor.
Nigel Lawson- Ex- ministro da Economia do Reino Unido de 1983 a 1989.
Artigo publicado no Financial Times e reproduzido no jornal Valor Econômico
em 23/03/09.
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