revista superinteressante - Instituto de Ciências Humanas e Sociais

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Raquel Torres Costa Bressan
O DISCURSO SOBRE O ‘TRANSTORNO PSICOPÁTICO’ NA
REVISTA SUPERINTERESSANTE
Raquel Torres Costa Bressan
Resumo
Observa-se o aumento de estudos em torno das doenças mentais alicerçadas ao aumento da divulgação científica. Há
nos meios de comunicação brasileiros especializados e não especializados em divulgação científica, um intenso
debate de ordem científica, jurídica e social dos riscos da não identificação de possíveis portadores da Psicopatia.
Assim, nos dias de hoje, percebe-se que a maioria dos dados relativos a esse assunto procede do discurso científico.
A partir disso, juntamente com a grande procura do público leitor em melhor compreender o discurso científico,
instituíram-se procedimentos para que esse discurso se tornasse inteligível para a população em geral. Nesse sentido,
fomentaram-se questionamentos de como essas informações são difundidas nos veículos de informação em nossa
sociedade, em especial na revista de divulgação científica Superinteressante. Neste trabalho foi analisado como a
revista Superinteressante concebe e divulga a temática ”Transtorno Psicopático”. Foi possível identificar os
procedimentos linguístico-discursivos empregados em tal processo e o modo como ele contribuiu para que as
informações tratadas pudessem influenciar na construção da visão por parte dos leitores dessa mídia impressa em
relação ao assunto “Transtorno Psicopático”. A análise foi feita a partir do suporte teórico-metodológico da Análise
do Discurso da Divulgação Científica.
PALAVRAS-CHAVE: Divulgação Científica; Análise do Discurso.
Revista Discente do CELL – nº 1 - v. 1 – 2011 (publicado no 2º sem. 2012)
107
O DISCURSO SOBRE O ‘TRANSTORNO PSICOPÁTICO’ NA REVISTA SUPERINTERESSANTE
referentes à nossa sociedade. O acesso do
Introdução
A informação necessária para que as
pessoas possam desenvolver sua competência
de compreensão frente às novas descobertas
científicas, cunha uma atmosfera propícia ao
desenvolvimento de novas tecnologias, além
de colaborar para que o conhecimento
científico atinja a sociedade em geral.
Observa-se, portanto, um importante avanço
de informações sobre um distúrbio em
especial, a Psicopatia1, já que, esse distúrbio,
quando é acometido em um indivíduo, causa
perdas
grandes
em
setores
sociais
e
financeiros e, na maioria das vezes, perdas
relacionadas à sociedade, aos familiares e à
própria pessoa.
O propósito de estudar o ‘Transtorno
Psicopático2’ na mídia decorre do grande
valor que os meios de comunicação adquirem
em nossos dias ao noticiar informações
relevantes e pertinentes de acontecimentos
público leitor à mídia impressa ganha força e,
notoriamente, a divulgação científica, através
dos veículos de informação, ganha espaço.
Com o crescimento da divulgação científica, a
mídia tem uma tarefa dupla ao tentar difundir
essas informações: trazer para o seu público
os conhecimentos de caráter científico e
repassá-los
de
uma
maneira
que
seja
compreensível para a este mesmo público
leitor. Trata-se de um modo de aproximação
das informações procedentes do discurso
científico com o público leigo, através de uma
linguagem simples e de alcance para a
maioria das pessoas.
Percebemos
que,
em
função
da
dimensão social da Psicopatia, devido aos
vários casos de crimes cometidos por
portadores
de
tal
distúrbio
dentro
da
sociedade, esse assunto atingiria o cotidiano
da população e da mesma maneira chegaria às
manchetes de jornais, artigos de revistas e
programas televisivos, tendo em vista os
1
Além de psicopatas, eles também recebem as
denominações
de
sociopatas,
personalidades
antissociais,
personalidades
psicopáticas,
personalidades dissociais, personalidades amorais,
entre outras (SILVA, 2008).
crimes hediondos, os quais ocorrem dentro da
nossa sociedade. Observa-se, nos meios de
comunicação brasileiros, um intenso debate
2
É uma patologia que, durante muito tempo, foi
considerada tipicamente de ordem emocional e
psíquica. Entretanto, as características de conduta e os
estudos em clínicas de psicopatas serviram para o
desenvolvimento de modelos explicativos que levam a
conclusões com diversos tipos de variáveis, desde
anormalidades bioquímicas, eletrofisiológicas e
anatômicas, até fatores psicossociais ou de
personalidade. Foi observado que o comportamento
dos psicopatas é semelhante aos padrões de conduta
observados em pacientes com lesão frontal: déficit
cognitivo, tendência a persistir em um ato ou
pensamento, dificuldade de planejamento e atenção na
integração de informações, irritabilidade, inadequação
etc. (OLIVEIRA, 2005, p. 191).
108
de ordem científica, jurídica e social dos
riscos da não identificação de possíveis
portadores da Psicopatia. Atualmente, a
maioria dos dados relativos a esse assunto
procede do discurso científico. Esse discurso
é de difícil compreensão por parte da
população leiga e também vem carregado de
ideologias. A partir disso, juntamente com a
Revista CELL - www.ichs.ufop.br/cell/ - ISSN: 2179-0221
Raquel Torres Costa Bressan
grande procura do público leitor em melhor
conhecimento sobre a temática ‘Transtorno
compreender
Psicopático’,
o
discurso
científico,
identificando
as
estratégias
instituíram-se procedimentos para que esse
linguístico-discursivas
discurso se tornasse inteligível para a
processo e o modo como contribuem para a
população
sentido,
(in)formação efetiva do leitor, ou seja, como
fomentaram-se questionamentos acerca de
as informações tratadas podem colaborar para
como essas informações são difundidas nos
a construção de uma visão, positiva ou
veículos de informação em nossa sociedade.
negativa, por parte dos leitores da mídia
Foi a partir dessas questões que essa pesquisa
impressa.
surgiu
informações
sociedade preocupa-se e é afetado pelo
publicadas na mídia impressa em relação ao
discurso sobre o ‘Transtorno Psicopático’, por
‘Transtorno3 Psicopático’ a partir do suporte
isso tal tema é tão polêmico.. Portanto,
teórico-metodológico da Análise do Discurso
analisar,
da Divulgação Científica.
discursivo, como esse conhecimento tem sido
em
já
geral.
que
Nesse
analisa
as
No momento considerado para análise
enfocado
empregadas
Qualquer
o
ponto
pela
sujeito
de
revista
vista
em
neste
inserido
na
linguístico-
questão,
dá
desta pesquisa – o mês de junho de 2009 –
subsídios para esclarecer quais os interesses
ocorreu uma divulgação do ‘Transtorno
que podem estar por trás dessa polêmica.
Psicopático’
na
esfera
social4
que
proporcionou uma significativa repercussão
na revista Superinteressante5. Diante desta
situação,
foi
analisado
impressa,
nesse
Superinteressante
caso,
como
como
concebe
e
a
a
1. O
transtorno
psicopático
como
doença mental
mídia
revista
divulga
o
3
O termo “transtorno” é usado para toda a
classificação, de forma a evitar problemas ainda
maiores inerentes ao uso de termos tais como “doença”
ou “enfermidade”. “Transtorno” não é um termo exato,
porém é usado para indicar a existência de um conjunto
de sintomas ou comportamentos clinicamente
reconhecível associado, na maioria dos casos, a
sofrimento e interferência com funções pessoais (CID,
1993).
4
É um imbricamento do setor público com o privado,
destruindo a separação entre Estado e sociedade (...)
são setores estatizados da sociedade e os setores
socializados do Estado que se interpenetraram sem
intermediação das pessoas privadas que pensavam
politicamente (ABRAHÃO, p, 27).
A psiquiatria clássica trata as doenças
mentais como um distúrbio orgânico que
altera a química cerebral do indivíduo. Essas
alterações criam mudanças comportamentais,
afetivas e mudanças no pensamento dos
indivíduos que sofrem com esses tipos de
distúrbios.
Então,
toda
alteração
comportamental que faça com que o sujeito
não se encaixe em princípios já prescritos em
nossa sociedade seria caracterizada como
doença mental. Já através da abordagem
psicológica, os sintomas são encarados,
5
Essa revista publicou uma edição especial tratando do
assunto “Transtorno Psicopático”. Edição Especial,
junho de 2009.
portanto, a doença mental é encarada, como
uma desorganização da personalidade. Nos
Revista Discente do CELL – nº 1 - v. 1 – 2011 (publicado no 2º sem. 2012)
109
O DISCURSO SOBRE O ‘TRANSTORNO PSICOPÁTICO’ NA REVISTA SUPERINTERESSANTE
dois modelos explicativos anteriores —
20017, os doentes não mais ficarão internados
psiquiatria clássica e abordagem psicológica
em hospitais psiquiátricos, portanto, tendo
— está implícita a questão dos padrões de
direito ao convívio em sociedade, caso sejam
normalidade, isto é, embora as duas teorias se
portadores de doenças mentais. Porém, para
diferenciem quanto à concepção de doença
outros, o psicopata somente seria um ser
mental e suas causas, elas se assemelham no
perverso que vê no sofrimento alheio uma
sentido de que ambas supõem um critério do
forma de sentir prazer e não um portador de
que é normal. (BOCK, 2001).
distúrbio mental. Tendo como regra a visão
que os psicopatas são seres perversos , eles
Os
portadores
do
‘Transtorno
representariam, então, uma ameaça à vida
Psicopático’ possuem imaturidade no
humana e à sociedade, tendo em vista que
córtex do hemisfério esquerdo, o que se
manifesta na limitada capacidade de
estudos científicos não são conclusivos sobre
processamento de informações e nos
os riscos que os portadores desse distúrbio
mecanismos de inibição de conduta
poderiam causar a outrem e a si próprios, da
frente às diversas situações sociais.
mesma maneira que a cura e/ou tratamentos
Quanto às alterações neuroquímicas, já
efetivos para esse transtorno ainda não foram
foi comprovado em experiências com
animais e na observação de pacientes em
clínicas que
há
descobertos.
uma alteração na
2. Discurso de divulgação científica
atividade do sistema serotonérgico6, tal
teoria ainda não está confirmada e não
existe uma evidência clara sobre tal
alteração,
com
baixos
níveis
de
serotonina (transmissor do prazer e do
bem-estar). Isso leva a uma busca
constante
de
sensações
novas,
à
impulsividade, violência, incapacidade
de responder ao castigo ou à recompensa,
delinquência
e
abuso
de
drogas,
características essas que são próprias do
psicopata (OLIVEIRA, 2005, p. 192).
Analisando através desse viés, o
distúrbio se caracteriza como uma doença
mental. Assim, através da lei no 10.216 de
6
Local onde ocorre a produção da serotonina.
110
7
“Lei decretada pelo presidente em exercício em 2001,
Fernando Henrique Cardoso, assegurando os direitos
dos portadores de doenças mentais em ter acesso ao
tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas
necessidades; ser tratada com humanidade e respeito e
no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando
alcançar sua recuperação pela inserção na família, no
trabalho e na comunidade; ser protegida contra
qualquer forma de abuso e exploração; ter garantia de
sigilo nas informações prestadas; ter direito à presença
médica, em qualquer tempo, para esclarecer a
necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
receber o maior número de informações a respeito de
sua doença e de seu tratamento; ser tratada em
ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos
possíveis; ser tratada, preferencialmente, em serviços
comunitários de saúde mental e, todo e qualquer
tratamento, terá como finalidade permanente a
reinserção social do paciente em seu meio”. Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10
216.htm Acesso em 24 abril 2010.
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Partindo do pressuposto da Análise do
contudo, adulterar os conceitos referenciais, o
Discurso, os textos devem ser compreendidos
que ocasionaria a falsificação do conteúdo
tendo em vista seus desígnios e intenções para
científico original.
cada situação comunicativa. De acordo com
Calsamaglia e Cassany (1999) apud Cataldi et
3. A
finalidade
discursiva
do
alii (2007), a Análise do Discurso, baseada na
conhecimento
integração
psicopático’ na Superinteressante
de
diversas
disciplinas
que
sobre
‘trantorno
enfocam o uso o linguístico em contexto,
como a pragmática, a análise da conversação,
Devido a repercussão dada pela Rede
a teoria enunciativa, a ciência cognitiva, a
Globo de Televisão em sua novela intitulada
retórica,
permite
Caminho das Índias, além de manchetes a
relacionar os elementos da língua com as
respeito de crimes hediondos como o caso
condições textuais, de forma que o uso das
Isabella Nardoni e da Suzane Von Richthofen, a
unidades linguísticas concretas, as expressões
respeito
e os procedimentos discursivos, as formas de
sociedade, a Superinteressante em conjunto
construção textual e os gêneros sejam
com a Editora Abril, lançou uma edição extra
contemplados até o ponto de vista dos
para o mês de junho de 2009, tendo em vista a
propósitos e dos alvos do intercâmbio
grande procura por informações pertinentes
comunicativo.
acerca
a
linguística
textual,
Considerada a natureza mediadora da
do
‘Transtorno
do
Psicopático’
assunto.
Superinteressante
é
A
na
revista
considerada
uma
ação jornalística, emergem alguns aspectos
importante difusora de informação cultura e
linguístico-discursivos que se interpõem à
entretenimento, com o intuito do progresso.
divulgação da ciência. Tornar compreensível
Ela pertence à Editora Abril, que tem em seu
um saber específico a um universo de leitores
arcabouço muitas revistas com publicação no
não-especializados requer a utilização de uma
Brasil.
linguagem comum a partir de formas distintas
Os textos contidos na revista, além de
de significação. De um lado, figura a
divulgar,
opacidade dos discursos científicos, marcados
problemática
por sua estrutura e terminologia particulares,
convivência em sociedade com os portadores
às vezes obscuras; de outro, o discurso
do distúrbio psicopático, que orientam a
jornalístico, que deve ser claro e inteligível a
interpretação do público leitor a partir de uma
um
perspectiva positiva ou negativa, como pode
público
genérico.
Essa
realidade
comunicativa pressupõe um processo de
reformulação
que
possibilite
trazem
que
opiniões
gira
em
acerca
da
torno
da
ser observado nos fragmentos a seguir:
transportar
significações do campo jornalístico sem,
Revista Discente do CELL – nº 1 - v. 1 – 2011 (publicado no 2º sem. 2012)
111
O DISCURSO SOBRE O ‘TRANSTORNO PSICOPÁTICO’ NA REVISTA SUPERINTERESSANTE
TEXTO SI2009 – 07DC8 - Então, em quem
Observa-se, a partir das denominações
confiar? Se você não quer ter um parasita
que os autores dão para os portadores do
manipulador azucrinando a sua vida, preste
‘Transtorno Psicopático’, que existe uma
atenção às características de colegas amantes e
construção do estereótipo do psicopata nos
amigos psicopatas.
textos do corpus, assim como foi visto no
TEXTO SI2009 – 03DC9 - Para psicopatas que
fragmento. Para Zanforlin (2005, p.112) o
viram criminosos, as únicas leis são as suas
estereótipo surge como uma “estratégia de
próprias. A crueldade e o poder sobre as
exclusão”, uma vez que pratica a separação e
pessoas lhes dão prazer. E não há castigo que
repele aqueles que não se encaixam no
os impeça de agir de novo.
“padrão”. Assim, percebe-se, novamente, que
A partir destes fragmentos, é possível
a maneira que os autores criam seus
observar como o objetivo de evidenciar o
argumentos,
conhecimento
‘Transtorno
denominações estereotipadas. Assim, são
da
construídos com intuito de direcionar o leitor
Psicopático’
sobre
é
de
Superinteressante,
o
interesse
que
revista
disponibiliza
posicionamentos distintos, tais como os
exemplificados
anteriormente,
os
quais
relacionando-os
com
para um ou outro ponto de vista.
Também foi observado que a lei de
proteção
aos
doentes
mentais
não
foi
transmitem informações para a sociedade,
mencionada em nenhum argumento proposto
permitindo que o leitor tenha acesso a
pela Superinteressante. Assim, observa-se o
conhecimentos variados, apesar de o discurso
direcionamento
ser predominantemente em relação ao risco
argumentos em que tratavam o portador como
do convívio em sociedade com portadores do
deficiente mental.
da
revista,
mesmo
nos
transtorno psicopático.
Mesmo contendo dados científicos
evidenciados nos textos da amostra (como a
Escala
de
Hare),
observa-se
que
3.1 O procedimento de reformulação
como prática discursiva
as
informações referentes à divulgação científica
A divulgação científica coloca ao
ficaram para segundo plano, usados somente
alcance de um público amplo e leigo o
para sustentar argumentos concernentes aos
conhecimento
pontos negativos do ‘Transtorno Psicopático’.
reformulação. Essa reformulação ocorre de
8
maneira que o discurso científico previamente
Revista Superinteressante, junho de 2009, texto
número 07, página 24.
construído
9
compreensão
Revista Superinteressante, junho de 2009, texto
número 02, página 12.
112
científico
seja
reescrito
do
através
visando
público-leitor
da
à
de
determinado veículo midiático, se adequando,
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assim, à linguagem de seus leitores. Esse
se como prática de reformulação de um
processo se constitui de duas partes: na
discurso-fonte em um segundo discurso, em
primeira, o autor é o cientista referindo-se aos
função de um receptor diferente daquele a
seus pares cientistas, enquanto, na segunda, o
quem se endereça o discurso científico.
autor é um jornalista que reformula o discurso
Portanto, o divulgador tem o trabalho de
científico, criando um discurso para um
transformar o discurso científico em um
receptor não especialista. Assim, o texto de
discurso com o mesmo conhecimento do
divulgação científica, que é veiculado pela
primeiro,
mídia, assume um formato atraente para o
circunstâncias comunicativas.
em
recursos
extralinguísticos
capazes
interesse
leitor.
linguísticos
de
suscitar
adequando
às
novas
Através de variações lexicais, que
público, valendo-se de efeitos de sentido
traduzidos
mas
e
fazem parte da transformação do discurso
o
científico
em
discurso
de
divulgação
como
científica, a linguagem passa a ser comum,
exemplifica Van Dijk e Calsamiglia (2004),
abarcando as ambiguidades características da
“o público irá memorizar melhor os temas
linguagem cotidiana, se transformando, assim,
científicos quando a informação é mais
em uma instituição aberta e heterogênea, com
relevante em suas vidas do que através de um
a possibilidade de agregar-se a conteúdos da
conhecimento
vida comum. O vocabulário, anteriormente
do
Portanto,
mais
desenvolvido
tecnicamente” (p. 370, tradução nossa)10.
técnico e científico, dá lugar a uma seleção
faz
vocabular de variações características da
recursos,
linguagem comum (CATALDI et alii, 2007).
técnicas e procedimentos para a veiculação
Essas variações denominativas podem ser
das informações científicas e tecnológicas.
relativas aos portadores do ‘Transtorno
Assim, segundo Calsamiglia (2001) apud
Psicopático’
Cataldi et alii (2007), o processo de
recontextualização
recontextualização
passada
Na
necessário
divulgação
utilizar
científica
diferentes
do
se
conhecimento
para
o
que
da
os
ocasiona
uma
informação
a ser
leitores.
Varia-se
a
científico na mídia impressa caracteriza-se
denominação característica do psicopata ao
por re-criar este tipo de conhecimento para
usar uma seleção de léxicos carregados de
cada
esse
estereótipos. Esses estereótipos, de acordo
pressuposto, o texto de divulgação apresenta-
com Bhabha (p.119) são em si problemáticos,
público.
Tendo
em
vista
pois o sujeito encontra-se ou se reconhece
10
Tradução de: “Indeed, it is likely that the public will
através
de
uma
imagem
que
é
memorize much better these aspects of science than the
simultaneamente alienante. Observa-se, então,
more technical knowledge involved, especially if such
que algumas variações contribuem para a
information is more relevant in their everyday lives”.
construção da imagem do psicopata através
Revista Discente do CELL – nº 1 - v. 1 – 2011 (publicado no 2º sem. 2012)
113
O DISCURSO SOBRE O ‘TRANSTORNO PSICOPÁTICO’ NA REVISTA SUPERINTERESSANTE
do uso de procedimentos de reformulação
PCL-R13 que são usados para avaliar os
carregados de estereótipos.
possíveis
portadores
do
‘Transtorno
Psicopático’ (HARE, 1991). Tendo em vista
3.1.1. Procedimentos discursivos de
que a escala apresentada pelo jornalista tem
reformulação: redução, expansão e
somente doze itens e a escala propriamente
variação.
dita é composta por 20 itens avaliativos,
ressalta-se a utilização do recurso linguístico
No procedimento de redução tem-se a
de redução nos itens da escala avaliativa do
informações
pesquisador Robert Hare. Essa redução, para
relevantes,
efeitos de sentido, foi usada de maneira que se
necessárias ou convenientes no texto de
mantivessem somente os itens mais relevantes
divulgação científica. A condensação, uma
para o propósito comunicativo do artigo. Esse
outra forma do procedimento de redução, tem
processo pode ser proveniente do caráter
como
discurso
ilustrativo da escala no artigo. A inserção
divulgativo, informações, que, no texto-fonte,
dessa escala avaliativa seria somente para
ocuparam grande espaço. É o que pode ser
explicar como funciona, nos dias de hoje, os
observado em:
diagnósticos de portadores do transtorno
TEXTO SI2009 – 01DC11 - A ESCALA DE
psicopático.
ROBERT HARE
TEXTO SI2009 – 12DC14 - Esquizofrenia15
Psiquiatras dão de 0 a 2 a casa um dos 12
1% da população (EUA)
supressão
científicas
de
determinadas
que
função
não
serão
sintetizar,
no
Tem
tópicos abaixo, a partir da avaliação clínica e
uma
do histórico pessoal do paciente. A soma dos
realidade,
pontos é comparada numa escala, que
persecutórios.
Alucinações
determina o grau de psicopatia.
Observa-se,
no
trecho
por
acima,
a
visão
distorcida
exemplo,
com
da
delírios
podem atingir
os 5
sentidos, mas a mais comum é a auditiva, com
explicação de como é feita a avaliação através
vozes
ameaçadoras,
da escala de Hare. A escala de Hare, ou
insultantes (...)
acusadoras
ou
PCL12, foi reformulada modificando alguns
itens, incorporando outros e, assim, tornando13
se mais clara. O resultado da reformulação de
PCL – R: Psycopathy Checklist revised.
14
itens na escala Hare foram os 20 itens do
Revista Superinteressante, junho de 2009, texto
número 12, página 42.
15
11
Revista Superinteressante, junho de 2009, texto
número 01, página 10.
12
PCL: Psycopathy Checklist.
114
A Esquizofrenia contribui na revista para a
diferenciação do ‘Transtorno Psicopático’ de outros
transtornos e, também, contribuem para essa pesquisa
de maneira que demonstram a utilização do
procedimento de redução na revista Superinteressante.
Revista CELL - www.ichs.ufop.br/cell/ - ISSN: 2179-0221
Raquel Torres Costa Bressan
Nesses trechos, o autor caracteriza os
transtornos
mentais
“Esquizofrenia”.
avaliativa
clínica
que
avaliações confiáveis e válidas sobre a
características dos distúrbios em poucos
psicopatia” (HARE, 1991 – tradução nossa)19.
tópicos. Tendo em vista que a caracterização
Essa escala é composta por vinte itens que
de
provavelmente
avaliam o grau de psicopatia de um indivíduo.
estipularia uma grande extensão do texto, o
No fragmento retirado da amostra, temos um
autor suprimiu informações que não seriam
dos itens da escala de Hare reformulado
relevantes, mantendo conceitos que seriam
através do processo de expansão. Com a
mais pertinentes para o público-alvo.
mudança
mental
procedimento
de
que
escala
jornalista procurava obter, ele condensou as
No
intuito
“uma
proporciona a pesquisadores e clínicos,
doença
o
de
o
uma
Para
chamados
lista de checagem psicopática, consistindo em
expansão
lexical
do
“Volubilidade/Charme
termo
científico
Superficial”20
para
acrescenta informações baseadas no senso
“Boa Lábia” empregado na escala, além da
comum
expansão
dos
leitores-alvo
da
revista
Superinteressante, assim como pode ser visto
16
explicativa
do
termo,
foram
acrescentados explicações em linguagem
nos fragmentos seguintes:
comum fazendo com que sejam estabelecidas,
TEXTO SI2009 – 01DC17 –Boa Lábia
pelos leitores, as devidas relações com o
O psicopata é bem articulado e ótimo
conhecimento tratado na escala. Observa-se o
marketeiro pessoal. Como um ator em cena,
desaparecimento
conquista a vítima bajulando e contando
vocabulário nesse trecho, sendo substituído
histórias mirabolantes de si. Com meia dúzia
por uma linguagem simples e corrente,
de palavras difíceis, se passa por sociólogo,
acessível ao público-leitor da revista. Os
médico,
termos
filósofo,
escritor,
artista
ou
advogado.
“Boa
do
teor
lábia”,
técnico
do
“marketeiro”,
“bajulando” e “mirabolantes” são termos
O trecho acima foi uma reformulação
procedentes da linguagem coloquial utilizada
da “Escala de Hare”18, (HARE, 1991) uma
pela esfera social jovem da sociedade, público
16
Os fragmentos abaixo foram extraídos dos textos
publicados edição extra da revista Superinteressante e
não foram colocados em anexo.
alvo da revista e servem para promover o
entendimento do conhecimento a partir de
associações feitas pela linguagem corrente
17
Revista Superinteressante, junho de 2009, texto
número 01, página 10.
18
dos leitores.
O psiquiatra canadense Robert Hare (professor da
University of British Columbia) dedicou anos de sua
19
Tradução de: “(…) are clinical rating scales that
vida profissional reunindo características comuns de
provides
researchers and clinicians with reliable and
pessoas com esse tipo de perfil (Transtorno
valid assessment of psychopathy”.
Psicopático), até conseguir montar, em 1991, um
sofisticado questionário denominado escala de Hare e
20
Tradução de: “Glibness/Superficial charm”.
que hoje se constitui no método mais confiável na
identificação de psicopatas (SILVA, 2008).
Revista Discente do CELL – nº 1 - v. 1 – 2011 (publicado no 2º sem. 2012)
115
O DISCURSO SOBRE O ‘TRANSTORNO PSICOPÁTICO’ NA REVISTA SUPERINTERESSANTE
De acordo com Cataldi et alii (2007),
TEXTO SI2009 – 10DC22 – Morto, Hitler já foi
o procedimento de expansão se caracteriza
diagnosticado com Síndrome de Asperger,
pela inclusão ou expansão de significados
paranóia, narcisismo, depressão. Disseram
conceituais necessários para o entendimento
até que ele tinha só uma bola.
de certos termos científicos que não são
O autor modifica o termo “testículo”,
habituais ao leitor, assim como pode ser
fazendo a denominação coloquial de “bola”.
observado no trecho abaixo:
Tendo em vista que o trecho foi reformulado
TEXTO SI2009 – 08DC21 - Lobos Frontais 1
mantendo somente alguns termos científicos
Quando uma pessoa faz um julgamento
e, reformulando o termo técnico, percebe-se a
moral, ativam-se as áreas pré-frontais,
intenção do repórter em tornar esse trecho
responsáveis pelos aspectos frios e racionais
atrativo, mantendo termos de impacto como
desse julgamento. Aqui, o cérebro do
“Hitler”, “Paranóia” e “bola”, termos, que
psicopata tem uma ativação maior do que o
para o jornalista, seriam de conhecimento
normal.
comum para o leitor e, assim, fazendo-se mais
Observa-se uma explicação sobre o
atrativos.
01DC23
Sede por
lobo frontal. Esse procedimento característico
TEXTO
da expansão é chamado de Descrição, onde se
adrenalina
utiliza da descrição do objeto para conceituar
Não tolera monotonia, e dificilmente fica
significados necessários para o entendimento
encostado num trabalho repetitivo ou num
do termo em questão. O autor expõe o termo
casamento. Precisa viver no fio da navalha,
científico, primeiramente, para logo depois,
quebrando regras. Alguns se aventuram em
através de uma explicação, utilizar uma
rachas, outros nas drogas, e uma minoria, no
linguagem simples e de fácil entendimento
crime.
SI2009
–
-
Nesse outro trecho, em outro tópico da
para os leitores da revista.
Já no procedimento de variação ocorre
escala de Hare feita pelo autor do texto
uma transformação do discurso científico para
divulgativo, ele varia o item da escala,
o discurso divulgativo através da seleção de
tornando o termo simples para os leitores. No
recursos léxicos, semânticos, sintáticos e o
texto-fonte tem-se o item identificado como
distinto grau de variação entre os termos e
“Necessidade de estimulação/propensão ao
conceitos
tédio” (HARE, 1991). Além do recurso de
especializados
para
tornar
a
linguagem mais clara e acessível. Pode-se ser
22
visto abaixo:
número 10, página 42.
21
23
Revista Superinteressante, junho de 2009, texto
número 08, página 36.
116
Revista Superinteressante, junho de 2009, texto
Revista Superinteressante, junho de 2009, texto
número 01, página 10.
Revista CELL - www.ichs.ufop.br/cell/ - ISSN: 2179-0221
Raquel Torres Costa Bressan
variação, observa-se que o autor acrescenta
dos
textos
da
revista
argumentos
uma explicação em linguagem corrente
desfavoráveis aos portadores, baseando-os em
através de exemplificações do conhecimento
indícios negativos sobre os portadores desse
compartilhando entre os participantes. Assim,
transtorno.
o autor logra o maior entendimento do item
Portanto, a divulgação científica, na
da escala de Hare por parte dos leitores da
edição extra da revista Superinteressante, não
revista.
consiste
simplesmente
compreensível
ao
em
público
tornar
leigo
o
conhecimento científico, mas também em
4. Considerações Finais
expor opiniões e conceitos advindos de vários
Os meios de divulgação científica
âmbitos da esfera social, assim como opiniões
constituem um dos grandes veículos de
advindos da filosofia da editora que sustenta a
circulação
e
revista, visando repassar esses conceitos para
tecnológicos dentro de nossa sociedade.
o leitor-alvo contribuindo para a formação de
Assim, os avanços nas áreas científicas se
opinião sobre o ‘Transtorno Psicopático’.
dos
avanços
científicos
tornam acessíveis através dessa mídia.
Observou-se
científicos
do
como
âmbito
os
discursos
psiquiátrico
e
psicológico foram recontextualizados, através
dos processos de reformulação, obtendo uma
linguagem simples e comum, integrando os
conceitos científicos com elementos mais
palpáveis para compreensão do leitor. Dessa
forma, foi possível criar maneiras para que os
leitores compreendessem as explicações e os
conceitos
científicos
mantidos
no
texto
divulgativo.
Logo,
foi
visto,
ao
analisar
os
processos de reformulação, que os autores se
utilizavam
destes
procedimentos
para
explicitar suas opiniões sobre os portadores
do “Transtorno Psicopático”. Através de
vários procedimentos utilizados para certificar
as
informações,
como
citações
de
especialistas, foi possível observar no corpo
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