Raquel Torres Costa Bressan O DISCURSO SOBRE O ‘TRANSTORNO PSICOPÁTICO’ NA REVISTA SUPERINTERESSANTE Raquel Torres Costa Bressan Resumo Observa-se o aumento de estudos em torno das doenças mentais alicerçadas ao aumento da divulgação científica. Há nos meios de comunicação brasileiros especializados e não especializados em divulgação científica, um intenso debate de ordem científica, jurídica e social dos riscos da não identificação de possíveis portadores da Psicopatia. Assim, nos dias de hoje, percebe-se que a maioria dos dados relativos a esse assunto procede do discurso científico. A partir disso, juntamente com a grande procura do público leitor em melhor compreender o discurso científico, instituíram-se procedimentos para que esse discurso se tornasse inteligível para a população em geral. Nesse sentido, fomentaram-se questionamentos de como essas informações são difundidas nos veículos de informação em nossa sociedade, em especial na revista de divulgação científica Superinteressante. Neste trabalho foi analisado como a revista Superinteressante concebe e divulga a temática ”Transtorno Psicopático”. Foi possível identificar os procedimentos linguístico-discursivos empregados em tal processo e o modo como ele contribuiu para que as informações tratadas pudessem influenciar na construção da visão por parte dos leitores dessa mídia impressa em relação ao assunto “Transtorno Psicopático”. A análise foi feita a partir do suporte teórico-metodológico da Análise do Discurso da Divulgação Científica. PALAVRAS-CHAVE: Divulgação Científica; Análise do Discurso. Revista Discente do CELL – nº 1 - v. 1 – 2011 (publicado no 2º sem. 2012) 107 O DISCURSO SOBRE O ‘TRANSTORNO PSICOPÁTICO’ NA REVISTA SUPERINTERESSANTE referentes à nossa sociedade. O acesso do Introdução A informação necessária para que as pessoas possam desenvolver sua competência de compreensão frente às novas descobertas científicas, cunha uma atmosfera propícia ao desenvolvimento de novas tecnologias, além de colaborar para que o conhecimento científico atinja a sociedade em geral. Observa-se, portanto, um importante avanço de informações sobre um distúrbio em especial, a Psicopatia1, já que, esse distúrbio, quando é acometido em um indivíduo, causa perdas grandes em setores sociais e financeiros e, na maioria das vezes, perdas relacionadas à sociedade, aos familiares e à própria pessoa. O propósito de estudar o ‘Transtorno Psicopático2’ na mídia decorre do grande valor que os meios de comunicação adquirem em nossos dias ao noticiar informações relevantes e pertinentes de acontecimentos público leitor à mídia impressa ganha força e, notoriamente, a divulgação científica, através dos veículos de informação, ganha espaço. Com o crescimento da divulgação científica, a mídia tem uma tarefa dupla ao tentar difundir essas informações: trazer para o seu público os conhecimentos de caráter científico e repassá-los de uma maneira que seja compreensível para a este mesmo público leitor. Trata-se de um modo de aproximação das informações procedentes do discurso científico com o público leigo, através de uma linguagem simples e de alcance para a maioria das pessoas. Percebemos que, em função da dimensão social da Psicopatia, devido aos vários casos de crimes cometidos por portadores de tal distúrbio dentro da sociedade, esse assunto atingiria o cotidiano da população e da mesma maneira chegaria às manchetes de jornais, artigos de revistas e programas televisivos, tendo em vista os 1 Além de psicopatas, eles também recebem as denominações de sociopatas, personalidades antissociais, personalidades psicopáticas, personalidades dissociais, personalidades amorais, entre outras (SILVA, 2008). crimes hediondos, os quais ocorrem dentro da nossa sociedade. Observa-se, nos meios de comunicação brasileiros, um intenso debate 2 É uma patologia que, durante muito tempo, foi considerada tipicamente de ordem emocional e psíquica. Entretanto, as características de conduta e os estudos em clínicas de psicopatas serviram para o desenvolvimento de modelos explicativos que levam a conclusões com diversos tipos de variáveis, desde anormalidades bioquímicas, eletrofisiológicas e anatômicas, até fatores psicossociais ou de personalidade. Foi observado que o comportamento dos psicopatas é semelhante aos padrões de conduta observados em pacientes com lesão frontal: déficit cognitivo, tendência a persistir em um ato ou pensamento, dificuldade de planejamento e atenção na integração de informações, irritabilidade, inadequação etc. (OLIVEIRA, 2005, p. 191). 108 de ordem científica, jurídica e social dos riscos da não identificação de possíveis portadores da Psicopatia. Atualmente, a maioria dos dados relativos a esse assunto procede do discurso científico. Esse discurso é de difícil compreensão por parte da população leiga e também vem carregado de ideologias. A partir disso, juntamente com a Revista CELL - www.ichs.ufop.br/cell/ - ISSN: 2179-0221 Raquel Torres Costa Bressan grande procura do público leitor em melhor conhecimento sobre a temática ‘Transtorno compreender Psicopático’, o discurso científico, identificando as estratégias instituíram-se procedimentos para que esse linguístico-discursivas discurso se tornasse inteligível para a processo e o modo como contribuem para a população sentido, (in)formação efetiva do leitor, ou seja, como fomentaram-se questionamentos acerca de as informações tratadas podem colaborar para como essas informações são difundidas nos a construção de uma visão, positiva ou veículos de informação em nossa sociedade. negativa, por parte dos leitores da mídia Foi a partir dessas questões que essa pesquisa impressa. surgiu informações sociedade preocupa-se e é afetado pelo publicadas na mídia impressa em relação ao discurso sobre o ‘Transtorno Psicopático’, por ‘Transtorno3 Psicopático’ a partir do suporte isso tal tema é tão polêmico.. Portanto, teórico-metodológico da Análise do Discurso analisar, da Divulgação Científica. discursivo, como esse conhecimento tem sido em já geral. que Nesse analisa as No momento considerado para análise enfocado empregadas Qualquer o ponto pela sujeito de revista vista em neste inserido na linguístico- questão, dá desta pesquisa – o mês de junho de 2009 – subsídios para esclarecer quais os interesses ocorreu uma divulgação do ‘Transtorno que podem estar por trás dessa polêmica. Psicopático’ na esfera social4 que proporcionou uma significativa repercussão na revista Superinteressante5. Diante desta situação, foi analisado impressa, nesse Superinteressante caso, como como concebe e a a 1. O transtorno psicopático como doença mental mídia revista divulga o 3 O termo “transtorno” é usado para toda a classificação, de forma a evitar problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos tais como “doença” ou “enfermidade”. “Transtorno” não é um termo exato, porém é usado para indicar a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível associado, na maioria dos casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais (CID, 1993). 4 É um imbricamento do setor público com o privado, destruindo a separação entre Estado e sociedade (...) são setores estatizados da sociedade e os setores socializados do Estado que se interpenetraram sem intermediação das pessoas privadas que pensavam politicamente (ABRAHÃO, p, 27). A psiquiatria clássica trata as doenças mentais como um distúrbio orgânico que altera a química cerebral do indivíduo. Essas alterações criam mudanças comportamentais, afetivas e mudanças no pensamento dos indivíduos que sofrem com esses tipos de distúrbios. Então, toda alteração comportamental que faça com que o sujeito não se encaixe em princípios já prescritos em nossa sociedade seria caracterizada como doença mental. Já através da abordagem psicológica, os sintomas são encarados, 5 Essa revista publicou uma edição especial tratando do assunto “Transtorno Psicopático”. Edição Especial, junho de 2009. portanto, a doença mental é encarada, como uma desorganização da personalidade. Nos Revista Discente do CELL – nº 1 - v. 1 – 2011 (publicado no 2º sem. 2012) 109 O DISCURSO SOBRE O ‘TRANSTORNO PSICOPÁTICO’ NA REVISTA SUPERINTERESSANTE dois modelos explicativos anteriores — 20017, os doentes não mais ficarão internados psiquiatria clássica e abordagem psicológica em hospitais psiquiátricos, portanto, tendo — está implícita a questão dos padrões de direito ao convívio em sociedade, caso sejam normalidade, isto é, embora as duas teorias se portadores de doenças mentais. Porém, para diferenciem quanto à concepção de doença outros, o psicopata somente seria um ser mental e suas causas, elas se assemelham no perverso que vê no sofrimento alheio uma sentido de que ambas supõem um critério do forma de sentir prazer e não um portador de que é normal. (BOCK, 2001). distúrbio mental. Tendo como regra a visão que os psicopatas são seres perversos , eles Os portadores do ‘Transtorno representariam, então, uma ameaça à vida Psicopático’ possuem imaturidade no humana e à sociedade, tendo em vista que córtex do hemisfério esquerdo, o que se manifesta na limitada capacidade de estudos científicos não são conclusivos sobre processamento de informações e nos os riscos que os portadores desse distúrbio mecanismos de inibição de conduta poderiam causar a outrem e a si próprios, da frente às diversas situações sociais. mesma maneira que a cura e/ou tratamentos Quanto às alterações neuroquímicas, já efetivos para esse transtorno ainda não foram foi comprovado em experiências com animais e na observação de pacientes em clínicas que há descobertos. uma alteração na 2. Discurso de divulgação científica atividade do sistema serotonérgico6, tal teoria ainda não está confirmada e não existe uma evidência clara sobre tal alteração, com baixos níveis de serotonina (transmissor do prazer e do bem-estar). Isso leva a uma busca constante de sensações novas, à impulsividade, violência, incapacidade de responder ao castigo ou à recompensa, delinquência e abuso de drogas, características essas que são próprias do psicopata (OLIVEIRA, 2005, p. 192). Analisando através desse viés, o distúrbio se caracteriza como uma doença mental. Assim, através da lei no 10.216 de 6 Local onde ocorre a produção da serotonina. 110 7 “Lei decretada pelo presidente em exercício em 2001, Fernando Henrique Cardoso, assegurando os direitos dos portadores de doenças mentais em ter acesso ao tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; ter garantia de sigilo nas informações prestadas; ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental e, todo e qualquer tratamento, terá como finalidade permanente a reinserção social do paciente em seu meio”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10 216.htm Acesso em 24 abril 2010. Revista CELL - www.ichs.ufop.br/cell/ - ISSN: 2179-0221 Raquel Torres Costa Bressan Partindo do pressuposto da Análise do contudo, adulterar os conceitos referenciais, o Discurso, os textos devem ser compreendidos que ocasionaria a falsificação do conteúdo tendo em vista seus desígnios e intenções para científico original. cada situação comunicativa. De acordo com Calsamaglia e Cassany (1999) apud Cataldi et 3. A finalidade discursiva do alii (2007), a Análise do Discurso, baseada na conhecimento integração psicopático’ na Superinteressante de diversas disciplinas que sobre ‘trantorno enfocam o uso o linguístico em contexto, como a pragmática, a análise da conversação, Devido a repercussão dada pela Rede a teoria enunciativa, a ciência cognitiva, a Globo de Televisão em sua novela intitulada retórica, permite Caminho das Índias, além de manchetes a relacionar os elementos da língua com as respeito de crimes hediondos como o caso condições textuais, de forma que o uso das Isabella Nardoni e da Suzane Von Richthofen, a unidades linguísticas concretas, as expressões respeito e os procedimentos discursivos, as formas de sociedade, a Superinteressante em conjunto construção textual e os gêneros sejam com a Editora Abril, lançou uma edição extra contemplados até o ponto de vista dos para o mês de junho de 2009, tendo em vista a propósitos e dos alvos do intercâmbio grande procura por informações pertinentes comunicativo. acerca a linguística textual, Considerada a natureza mediadora da do ‘Transtorno do Psicopático’ assunto. Superinteressante é A na revista considerada uma ação jornalística, emergem alguns aspectos importante difusora de informação cultura e linguístico-discursivos que se interpõem à entretenimento, com o intuito do progresso. divulgação da ciência. Tornar compreensível Ela pertence à Editora Abril, que tem em seu um saber específico a um universo de leitores arcabouço muitas revistas com publicação no não-especializados requer a utilização de uma Brasil. linguagem comum a partir de formas distintas Os textos contidos na revista, além de de significação. De um lado, figura a divulgar, opacidade dos discursos científicos, marcados problemática por sua estrutura e terminologia particulares, convivência em sociedade com os portadores às vezes obscuras; de outro, o discurso do distúrbio psicopático, que orientam a jornalístico, que deve ser claro e inteligível a interpretação do público leitor a partir de uma um perspectiva positiva ou negativa, como pode público genérico. Essa realidade comunicativa pressupõe um processo de reformulação que possibilite trazem que opiniões gira em acerca da torno da ser observado nos fragmentos a seguir: transportar significações do campo jornalístico sem, Revista Discente do CELL – nº 1 - v. 1 – 2011 (publicado no 2º sem. 2012) 111 O DISCURSO SOBRE O ‘TRANSTORNO PSICOPÁTICO’ NA REVISTA SUPERINTERESSANTE TEXTO SI2009 – 07DC8 - Então, em quem Observa-se, a partir das denominações confiar? Se você não quer ter um parasita que os autores dão para os portadores do manipulador azucrinando a sua vida, preste ‘Transtorno Psicopático’, que existe uma atenção às características de colegas amantes e construção do estereótipo do psicopata nos amigos psicopatas. textos do corpus, assim como foi visto no TEXTO SI2009 – 03DC9 - Para psicopatas que fragmento. Para Zanforlin (2005, p.112) o viram criminosos, as únicas leis são as suas estereótipo surge como uma “estratégia de próprias. A crueldade e o poder sobre as exclusão”, uma vez que pratica a separação e pessoas lhes dão prazer. E não há castigo que repele aqueles que não se encaixam no os impeça de agir de novo. “padrão”. Assim, percebe-se, novamente, que A partir destes fragmentos, é possível a maneira que os autores criam seus observar como o objetivo de evidenciar o argumentos, conhecimento ‘Transtorno denominações estereotipadas. Assim, são da construídos com intuito de direcionar o leitor Psicopático’ sobre é de Superinteressante, o interesse que revista disponibiliza posicionamentos distintos, tais como os exemplificados anteriormente, os quais relacionando-os com para um ou outro ponto de vista. Também foi observado que a lei de proteção aos doentes mentais não foi transmitem informações para a sociedade, mencionada em nenhum argumento proposto permitindo que o leitor tenha acesso a pela Superinteressante. Assim, observa-se o conhecimentos variados, apesar de o discurso direcionamento ser predominantemente em relação ao risco argumentos em que tratavam o portador como do convívio em sociedade com portadores do deficiente mental. da revista, mesmo nos transtorno psicopático. Mesmo contendo dados científicos evidenciados nos textos da amostra (como a Escala de Hare), observa-se que 3.1 O procedimento de reformulação como prática discursiva as informações referentes à divulgação científica A divulgação científica coloca ao ficaram para segundo plano, usados somente alcance de um público amplo e leigo o para sustentar argumentos concernentes aos conhecimento pontos negativos do ‘Transtorno Psicopático’. reformulação. Essa reformulação ocorre de 8 maneira que o discurso científico previamente Revista Superinteressante, junho de 2009, texto número 07, página 24. construído 9 compreensão Revista Superinteressante, junho de 2009, texto número 02, página 12. 112 científico seja reescrito do através visando público-leitor da à de determinado veículo midiático, se adequando, Revista CELL - www.ichs.ufop.br/cell/ - ISSN: 2179-0221 Raquel Torres Costa Bressan assim, à linguagem de seus leitores. Esse se como prática de reformulação de um processo se constitui de duas partes: na discurso-fonte em um segundo discurso, em primeira, o autor é o cientista referindo-se aos função de um receptor diferente daquele a seus pares cientistas, enquanto, na segunda, o quem se endereça o discurso científico. autor é um jornalista que reformula o discurso Portanto, o divulgador tem o trabalho de científico, criando um discurso para um transformar o discurso científico em um receptor não especialista. Assim, o texto de discurso com o mesmo conhecimento do divulgação científica, que é veiculado pela primeiro, mídia, assume um formato atraente para o circunstâncias comunicativas. em recursos extralinguísticos capazes interesse leitor. linguísticos de suscitar adequando às novas Através de variações lexicais, que público, valendo-se de efeitos de sentido traduzidos mas e fazem parte da transformação do discurso o científico em discurso de divulgação como científica, a linguagem passa a ser comum, exemplifica Van Dijk e Calsamiglia (2004), abarcando as ambiguidades características da “o público irá memorizar melhor os temas linguagem cotidiana, se transformando, assim, científicos quando a informação é mais em uma instituição aberta e heterogênea, com relevante em suas vidas do que através de um a possibilidade de agregar-se a conteúdos da conhecimento vida comum. O vocabulário, anteriormente do Portanto, mais desenvolvido tecnicamente” (p. 370, tradução nossa)10. técnico e científico, dá lugar a uma seleção faz vocabular de variações características da recursos, linguagem comum (CATALDI et alii, 2007). técnicas e procedimentos para a veiculação Essas variações denominativas podem ser das informações científicas e tecnológicas. relativas aos portadores do ‘Transtorno Assim, segundo Calsamiglia (2001) apud Psicopático’ Cataldi et alii (2007), o processo de recontextualização recontextualização passada Na necessário divulgação utilizar científica diferentes do se conhecimento para o que da os ocasiona uma informação a ser leitores. Varia-se a científico na mídia impressa caracteriza-se denominação característica do psicopata ao por re-criar este tipo de conhecimento para usar uma seleção de léxicos carregados de cada esse estereótipos. Esses estereótipos, de acordo pressuposto, o texto de divulgação apresenta- com Bhabha (p.119) são em si problemáticos, público. Tendo em vista pois o sujeito encontra-se ou se reconhece 10 Tradução de: “Indeed, it is likely that the public will através de uma imagem que é memorize much better these aspects of science than the simultaneamente alienante. Observa-se, então, more technical knowledge involved, especially if such que algumas variações contribuem para a information is more relevant in their everyday lives”. construção da imagem do psicopata através Revista Discente do CELL – nº 1 - v. 1 – 2011 (publicado no 2º sem. 2012) 113 O DISCURSO SOBRE O ‘TRANSTORNO PSICOPÁTICO’ NA REVISTA SUPERINTERESSANTE do uso de procedimentos de reformulação PCL-R13 que são usados para avaliar os carregados de estereótipos. possíveis portadores do ‘Transtorno Psicopático’ (HARE, 1991). Tendo em vista 3.1.1. Procedimentos discursivos de que a escala apresentada pelo jornalista tem reformulação: redução, expansão e somente doze itens e a escala propriamente variação. dita é composta por 20 itens avaliativos, ressalta-se a utilização do recurso linguístico No procedimento de redução tem-se a de redução nos itens da escala avaliativa do informações pesquisador Robert Hare. Essa redução, para relevantes, efeitos de sentido, foi usada de maneira que se necessárias ou convenientes no texto de mantivessem somente os itens mais relevantes divulgação científica. A condensação, uma para o propósito comunicativo do artigo. Esse outra forma do procedimento de redução, tem processo pode ser proveniente do caráter como discurso ilustrativo da escala no artigo. A inserção divulgativo, informações, que, no texto-fonte, dessa escala avaliativa seria somente para ocuparam grande espaço. É o que pode ser explicar como funciona, nos dias de hoje, os observado em: diagnósticos de portadores do transtorno TEXTO SI2009 – 01DC11 - A ESCALA DE psicopático. ROBERT HARE TEXTO SI2009 – 12DC14 - Esquizofrenia15 Psiquiatras dão de 0 a 2 a casa um dos 12 1% da população (EUA) supressão científicas de determinadas que função não serão sintetizar, no Tem tópicos abaixo, a partir da avaliação clínica e uma do histórico pessoal do paciente. A soma dos realidade, pontos é comparada numa escala, que persecutórios. Alucinações determina o grau de psicopatia. Observa-se, no trecho por acima, a visão distorcida exemplo, com da delírios podem atingir os 5 sentidos, mas a mais comum é a auditiva, com explicação de como é feita a avaliação através vozes ameaçadoras, da escala de Hare. A escala de Hare, ou insultantes (...) acusadoras ou PCL12, foi reformulada modificando alguns itens, incorporando outros e, assim, tornando13 se mais clara. O resultado da reformulação de PCL – R: Psycopathy Checklist revised. 14 itens na escala Hare foram os 20 itens do Revista Superinteressante, junho de 2009, texto número 12, página 42. 15 11 Revista Superinteressante, junho de 2009, texto número 01, página 10. 12 PCL: Psycopathy Checklist. 114 A Esquizofrenia contribui na revista para a diferenciação do ‘Transtorno Psicopático’ de outros transtornos e, também, contribuem para essa pesquisa de maneira que demonstram a utilização do procedimento de redução na revista Superinteressante. Revista CELL - www.ichs.ufop.br/cell/ - ISSN: 2179-0221 Raquel Torres Costa Bressan Nesses trechos, o autor caracteriza os transtornos mentais “Esquizofrenia”. avaliativa clínica que avaliações confiáveis e válidas sobre a características dos distúrbios em poucos psicopatia” (HARE, 1991 – tradução nossa)19. tópicos. Tendo em vista que a caracterização Essa escala é composta por vinte itens que de provavelmente avaliam o grau de psicopatia de um indivíduo. estipularia uma grande extensão do texto, o No fragmento retirado da amostra, temos um autor suprimiu informações que não seriam dos itens da escala de Hare reformulado relevantes, mantendo conceitos que seriam através do processo de expansão. Com a mais pertinentes para o público-alvo. mudança mental procedimento de que escala jornalista procurava obter, ele condensou as No intuito “uma proporciona a pesquisadores e clínicos, doença o de o uma Para chamados lista de checagem psicopática, consistindo em expansão lexical do “Volubilidade/Charme termo científico Superficial”20 para acrescenta informações baseadas no senso “Boa Lábia” empregado na escala, além da comum expansão dos leitores-alvo da revista Superinteressante, assim como pode ser visto 16 explicativa do termo, foram acrescentados explicações em linguagem nos fragmentos seguintes: comum fazendo com que sejam estabelecidas, TEXTO SI2009 – 01DC17 –Boa Lábia pelos leitores, as devidas relações com o O psicopata é bem articulado e ótimo conhecimento tratado na escala. Observa-se o marketeiro pessoal. Como um ator em cena, desaparecimento conquista a vítima bajulando e contando vocabulário nesse trecho, sendo substituído histórias mirabolantes de si. Com meia dúzia por uma linguagem simples e corrente, de palavras difíceis, se passa por sociólogo, acessível ao público-leitor da revista. Os médico, termos filósofo, escritor, artista ou advogado. “Boa do teor lábia”, técnico do “marketeiro”, “bajulando” e “mirabolantes” são termos O trecho acima foi uma reformulação procedentes da linguagem coloquial utilizada da “Escala de Hare”18, (HARE, 1991) uma pela esfera social jovem da sociedade, público 16 Os fragmentos abaixo foram extraídos dos textos publicados edição extra da revista Superinteressante e não foram colocados em anexo. alvo da revista e servem para promover o entendimento do conhecimento a partir de associações feitas pela linguagem corrente 17 Revista Superinteressante, junho de 2009, texto número 01, página 10. 18 dos leitores. O psiquiatra canadense Robert Hare (professor da University of British Columbia) dedicou anos de sua 19 Tradução de: “(…) are clinical rating scales that vida profissional reunindo características comuns de provides researchers and clinicians with reliable and pessoas com esse tipo de perfil (Transtorno valid assessment of psychopathy”. Psicopático), até conseguir montar, em 1991, um sofisticado questionário denominado escala de Hare e 20 Tradução de: “Glibness/Superficial charm”. que hoje se constitui no método mais confiável na identificação de psicopatas (SILVA, 2008). Revista Discente do CELL – nº 1 - v. 1 – 2011 (publicado no 2º sem. 2012) 115 O DISCURSO SOBRE O ‘TRANSTORNO PSICOPÁTICO’ NA REVISTA SUPERINTERESSANTE De acordo com Cataldi et alii (2007), TEXTO SI2009 – 10DC22 – Morto, Hitler já foi o procedimento de expansão se caracteriza diagnosticado com Síndrome de Asperger, pela inclusão ou expansão de significados paranóia, narcisismo, depressão. Disseram conceituais necessários para o entendimento até que ele tinha só uma bola. de certos termos científicos que não são O autor modifica o termo “testículo”, habituais ao leitor, assim como pode ser fazendo a denominação coloquial de “bola”. observado no trecho abaixo: Tendo em vista que o trecho foi reformulado TEXTO SI2009 – 08DC21 - Lobos Frontais 1 mantendo somente alguns termos científicos Quando uma pessoa faz um julgamento e, reformulando o termo técnico, percebe-se a moral, ativam-se as áreas pré-frontais, intenção do repórter em tornar esse trecho responsáveis pelos aspectos frios e racionais atrativo, mantendo termos de impacto como desse julgamento. Aqui, o cérebro do “Hitler”, “Paranóia” e “bola”, termos, que psicopata tem uma ativação maior do que o para o jornalista, seriam de conhecimento normal. comum para o leitor e, assim, fazendo-se mais Observa-se uma explicação sobre o atrativos. 01DC23 Sede por lobo frontal. Esse procedimento característico TEXTO da expansão é chamado de Descrição, onde se adrenalina utiliza da descrição do objeto para conceituar Não tolera monotonia, e dificilmente fica significados necessários para o entendimento encostado num trabalho repetitivo ou num do termo em questão. O autor expõe o termo casamento. Precisa viver no fio da navalha, científico, primeiramente, para logo depois, quebrando regras. Alguns se aventuram em através de uma explicação, utilizar uma rachas, outros nas drogas, e uma minoria, no linguagem simples e de fácil entendimento crime. SI2009 – - Nesse outro trecho, em outro tópico da para os leitores da revista. Já no procedimento de variação ocorre escala de Hare feita pelo autor do texto uma transformação do discurso científico para divulgativo, ele varia o item da escala, o discurso divulgativo através da seleção de tornando o termo simples para os leitores. No recursos léxicos, semânticos, sintáticos e o texto-fonte tem-se o item identificado como distinto grau de variação entre os termos e “Necessidade de estimulação/propensão ao conceitos tédio” (HARE, 1991). Além do recurso de especializados para tornar a linguagem mais clara e acessível. Pode-se ser 22 visto abaixo: número 10, página 42. 21 23 Revista Superinteressante, junho de 2009, texto número 08, página 36. 116 Revista Superinteressante, junho de 2009, texto Revista Superinteressante, junho de 2009, texto número 01, página 10. Revista CELL - www.ichs.ufop.br/cell/ - ISSN: 2179-0221 Raquel Torres Costa Bressan variação, observa-se que o autor acrescenta dos textos da revista argumentos uma explicação em linguagem corrente desfavoráveis aos portadores, baseando-os em através de exemplificações do conhecimento indícios negativos sobre os portadores desse compartilhando entre os participantes. Assim, transtorno. o autor logra o maior entendimento do item Portanto, a divulgação científica, na da escala de Hare por parte dos leitores da edição extra da revista Superinteressante, não revista. consiste simplesmente compreensível ao em público tornar leigo o conhecimento científico, mas também em 4. Considerações Finais expor opiniões e conceitos advindos de vários Os meios de divulgação científica âmbitos da esfera social, assim como opiniões constituem um dos grandes veículos de advindos da filosofia da editora que sustenta a circulação e revista, visando repassar esses conceitos para tecnológicos dentro de nossa sociedade. o leitor-alvo contribuindo para a formação de Assim, os avanços nas áreas científicas se opinião sobre o ‘Transtorno Psicopático’. dos avanços científicos tornam acessíveis através dessa mídia. Observou-se científicos do como âmbito os discursos psiquiátrico e psicológico foram recontextualizados, através dos processos de reformulação, obtendo uma linguagem simples e comum, integrando os conceitos científicos com elementos mais palpáveis para compreensão do leitor. Dessa forma, foi possível criar maneiras para que os leitores compreendessem as explicações e os conceitos científicos mantidos no texto divulgativo. Logo, foi visto, ao analisar os processos de reformulação, que os autores se utilizavam destes procedimentos para explicitar suas opiniões sobre os portadores do “Transtorno Psicopático”. Através de vários procedimentos utilizados para certificar as informações, como citações de especialistas, foi possível observar no corpo Referências Bibliográficas 1. ABRAHÃO, Sérgio Luís. Espaço público: do urbano ao político. São Paulo: Annablume, FAPESP, 2008. 2. BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. 3. BOCK, Ana. Psicologias. 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