Brasil e Argentina: uma análise macroeconômica - coppead

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Brasil e Argentina: uma análise macroeconômica
comparativa a partir dos planos de estabilização dos anos 90
Morine Alves Fonseca
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação
do
Instituto
COPPEAD
de
Administração da Universidade Fede ral do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Mestre em Administração (M.Sc.).
a
Orientadora: Prof . Margarida Gutierrez
D.Sc. em Administração COPPEAD/UFRJ
Rio de Janeiro
2006
ii
Brasil e Argentina: uma análise macroeconômica comparativa a
partir dos planos de estabilização dos anos 90.
Morine Alves Fonseca
Dissertação de Mestrado submetida à Banca Examinadora do Instituto COPPEAD de
Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Administração (M.Sc.)..
Aprovada por:
__________________________________________
Profa . Margarida Gutierrez, D.Sc. - Orientadora
(COPPEAD/UFRJ)
________________________________________
Profa . Letícia Casotti, D.Sc.
(COPPEAD/UFRJ)
________________________________________
Prof. Antônio Luis Licha, D.Sc.
(IE/UFRJ)
Rio de Janeiro – Brasil
Outubro - 2006
Presidente da Banca
iii
Fonseca, Morine Alves.
Brasil e Argentina: uma análise macroeconômica comparativa a partir
dos planos de estabilização dos anos 90/ Morine Alves Fonseca. - Rio de
Janeiro: UFRJ/ COPPEAD, 2006.
xi, 116f.: il.; 31 cm.
Orientadora: Margarida Gutierrez.
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ COPPEAD/ Programa de Pósgraduação em Administração, 2006.
Referências bibliográficas: f. 112-116.
1. Macroeconomia. 2. Análise de políticas econômicas. I. Gutierrez,
Margarida. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de PósGraduação em Administração. III. Título.
iv
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, grandes responsáveis por eu ter chegado até aqui, ao me fornecerem não
somente os instrumentos necessários para que eu pudesse escolher meu caminho e
atingir meus objetivos, mas também apoio incondicional nas minhas decisões.
Aos meus irmãos e familiares, pela amizade e apoio.
Ao Marcus, pela compreensão e ajuda.
À Margarida, pela enorme paciência e por me estimular sempre na busca por
melhoramento constante.
Aos meus amigos do mestrado, funcionários e professores do COPPEAD, por
proporcionarem um momento único na minha vida, não só pelo crescimento
profissional que me ajudaram a atingir, mas pelos muitos momentos de alegria, amizade
e companheirismo.
Aos meus amigos, por compreenderem minha ausência e me apoiarem.
v
RESUMO
FONSECA, Morine Alves. Brasil e Argentina: uma análise macroeconômica
comparativa a partir dos planos de estabilização dos anos 90. Rio de Janeiro, 2006.
Dissertação (Mestrado em Administração). Instituto COPPEAD de Administração,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
O objetivo deste trabalho é traçar um paralelo entre as políticas econômicas
utilizadas no Brasil e na Argentina a partir dos planos de estabilização implementados
em 1994 e 1991 respectivamente, assim como avaliar os resultados macroeconômicos
que elas produziram em termos de crescimento econômico, estabilização das taxas de
inflação, desempenho do comércio exterior e das contas públicas, dentre outros
indicadores. Tenta-se, com isso, entender os motivos que levaram a Argentina a
abandonar seu plano de estabilização e decretar moratória, enquanto o plano de
estabilização brasileiro, após significativa alteração de rumo em suas políticas em 1999,
perma nece até os dias de hoje.
À luz desta análise discute-se também as perspectivas futuras de evolução dos
indicadores macroeconômicos destes países. Os resultados sugerem que as políticas
adotadas pela Argentina nos últimos anos podem levar o país a uma nova espiral
inflacionária, enquanto o Brasil vem adotando políticas macroeconômicas que teriam
maior probabilidade de promover um crescimento de longo prazo.
vi
ABSTRACT
Fonseca, Morine Alves. BRASIL E ARGENTINA: UMA ANÁLISE
MACROECONÔMICA COMPARATIVA A PARTIR DOS PLANOS DE
ESTABILIZAÇÃO DOS ANOS 90. Orientador: Margarida Gutierrez. Rio de Janeiro:
Instituto COPPEAD de Administração UFRJ – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO
DE JANEIRO; 2006. Dissertação (Mestrado em Administração).
The main object of this task is to draw a parallel between economic policies in
Brazil and Argentina since their stabilization plans, implemented in 1994 and 1991
respectively, and to evaluate the macroeconomic results they produced in terms of
economic growth, inflation stabilization, external market, public accounts and other
economic indicators. The present task tries to find the reasons that led Argentina to
abandon its stabilization plan and request default in its external public debt repayments,
while Brazil, after having changed its economic policy in 1999, has maintained its
stability plan until today.
By means of this analysis, future perspectives for macroeconomic indicators in
these countries are discussed. The results suggests that the policies adopted by
Argentina in recent years can drive the country to a new inflation growth, while Brazil
is adopting macroeconomic policies with greater possibility of promoting long term
growth.
SUMÁRIO
1
1.1
1.2
2
INTRODUÇÃO .................................................................................. 1
Motivação e objetivos .............................................................................................1
Organização ............................................................................................................2
REFERENCIAL TEÓRICO............................................................... 4
2.1
Política Monetária...................................................................................................4
2.2
Política Fiscal..........................................................................................................7
2.3
Política Cambial......................................................................................................8
2.4
O modelo IS-LM-BP ............................................................................................11
2.4.1
Sob regime de câmbio fixo ...........................................................................12
2.4.2
Sob regime de câmbio flutuante ...................................................................13
3
3.1
3.2
4
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA...........................................................14
Regimes Cambiais ................................................................................................14
Controle de Capitais .............................................................................................23
O BRASIL E O PLANO REAL .........................................................28
4.1
Antecedentes .........................................................................................................28
4.2. Implantação do Plano Real ...................................................................................31
4.3. As fases do Plano Real e seus resultados ..............................................................34
4.3.1
Primeira fase .................................................................................................35
4.3.2
Segunda fase .................................................................................................51
5
A ARGENTINA E O PLANO DE CONVERSIBILIDADE ..............71
5.1
Antecedentes .........................................................................................................71
5.2
O Plano de Conversibilidade e a crise ..................................................................73
5.2.1
Política Monetária.........................................................................................74
5.2.2
Política Cambial............................................................................................77
5.2.3
Política Fiscal................................................................................................79
5.2.4
A crise argentina e as políticas pós-crise ......................................................85
5.3
Resultados econômicos.........................................................................................88
6 ANÁLISE COMPARATIVA: BRASIL E ARGENTINA ................ 100
7 CONCLUSÃO.................................................................................. 109
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................. 112
1
1
INTRODUÇÃO
1.1
Motivação e objetivos
Diante das recentes crises ocorridas no Brasil, com a mudança de regime cambial e
adoção do câmbio flutuante em 1999, e na Argentina, com o abandono do regime de currency
board nos primeiros dias de 2002, bem como a forte ligação comercial existente entre esses
países, torna-se importante discutir as diferenças e semelhanças entre as políticas
macroeconômicas que vêm sendo adotadas por eles nos últimos anos, e suas conseqüências para
o desempenho econômico e para o crescimento.
As crises que atingiram os países emergentes vinham ocorrendo desde meados da década
de 1990, e se iniciaram com a crise mexicana em 1994, seguida pela crise asiática em 1997 e
pela crise russa em 1998. Estas crises retraíram a liquidez internacional e acabaram levando às
crises brasileira, em 1999, e argentina, em 2001/2002, quando, devido à vulnerabilidade externa
destes países gerada por suas políticas, ocorre fuga de capitais e estes se vêem sem alternativa
que não abandonar seus regimes de âncora cambial e alterar suas políticas econômicas.
O propósito deste trabalho, portanto, é comparar essas políticas a partir dos planos de
estabilização que ficaram conhecidos como Plano Real, no Brasil, e Plano de Conversibilidade,
no caso argentino, quando, após tentativas fracassadas, ambos os países conseguem se livrar dos
processos hiperinflacionários que viveram durante anos e passam a partir de então, a buscar a
consolidação desta estabilidade de preços e a promover o crescimento de suas economias.
2
Com o objetivo de avaliar os problemas macroeconômicos existentes nas políticas
adotadas por estes países durante os primeiros anos de estabilização, são analisados os resultados
destas políticas e as alterações ocorridas nos rumo s delas após os ataques especulativos que estes
países sofreram, além de se discutir como estas mudanças têm gerado resultados diferentes para
cada um destes países e para as perspectivas futuras de seus indicadores macroeconômicos.
1.2
Organização
O trabalho está dividido em sete capítulos. O capítulo introdutório procurou definir a
análise a ser desenvolvida, os objetivos do trabalho e a estrutura da dissertação. O segundo
capítulo é destinado à descrição do referencial teórico, que explica os principais mecanismos das
políticas monetária, fiscal e cambial, bem como a forma que estas políticas interagem. No
capítulo seguinte é apresentada a revisão bibliográfica, que se baseará na discussão acerca da
adoção da livre mobilidade de capitais por países emergentes e no tipo de regime cambial que
deveria ser adotado por eles, objetivando o melhor desempenho econômico.
O quarto capítulo traz uma análise do Plano Real, incluindo seus antecedentes, as fases de
implantação, e as políticas econômicas adotadas nas duas etapas nas quais o plano foi dividido,
assim como os resultados que estas políticas produziram. No quinto capítulo, analisa-se o Plano
de Conversibilidade, e, tal como no capítulo anterior, inclui seus antecedentes, políticas adotadas
e resultados obtidos.
Após análise detalhada das políticas adotadas no Brasil e na Argentina, o sexto capítulo
traz uma análise comparativa de tais políticas e dos resultados que estas produziram, assim como
busca traçar perspectivas para o desempenho econômico dos países analisados. Finalmente, no
3
sétimo capítulo, conclui- se o trabalho, com uma síntese sobre a análise realizada ao longo da
dissertação.
4
2
REFERENCIAL TEÓRICO
Antes de iniciar-se uma análise das políticas econômicas adotadas por Brasil e Argentina
a partir de seus planos de estabilização e os resultados macroeconômicos alcançados por estes
países, é importante definir os principais mecanismos e instrumentos das políticas monetária,
fiscal e cambial, bem como de que forma estas políticas interagem. Para analisar as formas de
interação entre estas políticas, e como estas afetam as principais variáveis macroeconômicas,
como demanda agregada e nível de produto da economia, será utilizado o modelo IS-LM-BP. 1
2.1
Política Monetária
A política monetária refere-se à atuação do Banco Central na definição das condições de
liquidez da economia, que pode se dar através de alterações na oferta de moeda, no nível da taxa
de juros, ou através de outros instrumentos, conforme será explicado nesta seção. Para que se
entenda o mercado monetário, se faz necessária uma análise tanto do lado da demanda quanto da
oferta de moeda.
Iniciemos pela análise da demanda por moeda, que tem na Teoria Quantitativa da Moeda
(TQM), uma das principais correntes de pensamento a explicar tal demanda. A TQM define que
esta é dependente basicamente da renda, e um aumento na oferta de moeda acima da taxa de
crescimento do produto levaria, no longo prazo, apenas a um aumento no nível dos preços,
enquanto o crescimento do volume físico do produto seria determinado unicamente por fatores
1
Esta análise se baseou predominantemente nas bibliografias de CARDIM (2001), GIAMBIAGI (1999), LOPES
(2000) e MANKIW (1997).
5
reais. No curto prazo, porém, mudanças na oferta de moeda poderiam influenciar preços e
variáveis reais da economia.
A TQM define que o total de moeda no sistema multiplicado por sua velocidade de
circulação deveria ser igual ao produto nominal da economia, ou seja, o produto real acrescido
de inflação. Por aproximação, a TQM considera a velocidade com que a moeda circula
constante, o que faz com que a quantidade de moeda determine o PIB nominal. Dado que o PIB
real é determinado pela capacidade produtiva da economia, uma variação na quantidade de
moeda ofertada afetaria somente o nível de preços.
Em 1950 Milton Friedman definiu novos conceitos para explicar a função de demanda
por moeda. A visão de Friedman é considerada uma retomada da TQM, pois considera que o
impacto final da política monetária se dará apenas no nível de preços. As abordagens, porém,
possuem algumas diferenças, como a consideração, por Friedman, que a velocidade-renda da
moeda é uma função estável e previsível, ainda que não constante, de algumas variáveis
econômicas.
Segundo a abordagem de Friedman, a quantidade demandada de moeda dependeria,
principalmente: (i) dos gostos e preferências dos detentores de riqueza ; (ii) do custo de
oportunidade da moeda, medido pela taxa de retorno dos demais ativos financeiros; (iii) da
riqueza total já existente, que seria composta de riqueza humana – ilíquida e relacionada à
capacidade produtiva dos trabalhadores – e riqueza não-humana, sendo que, quanto maior a
parcela da riqueza humana para um indivíduo, mais ele demandaria moeda para compensar sua
falta de liquidez.
Uma outra forma de ver a demanda por moeda foi definida por Keynes, cuja visão
ganhou força logo após a Grande Depressão de 1929 e principalmente após a Segunda Guerra
Mundial, defendendo que a presença do Estado na economia seria fundamental para garantir seu
6
equilíbrio e estabilidade. Segundo a visão keynesiana, a oferta e a demanda por moeda
definiriam a taxa de juros, sendo a oferta de moeda uma variável exógena, determinada pelo
Banco Central, enquanto a demanda por moeda se daria de acordo com a teoria da preferência
pela liquidez, sendo definida pela taxa de juros, que seria o custo de oportunidade de manter
moeda.
Para Keynes, a taxa de juros se ajustaria de forma a garantir o equilíbrio entre oferta e
demanda por moeda, com alterações na oferta de moeda alterando as taxas de juros, e
consequentemente a quantidade demandada de moeda, diferentemente da TQM, que não
considerava que a taxa de juros impactasse a demanda por moeda.
A oferta de moeda, por outro lado, é controlada pelo Banco Central, porém não
determinada apenas por este, pois bancos comerciais também podem liquidar transações através
de outros tipos de moeda bancária. O Banco Central, portanto, define a base monetária – soma
do papel-moeda em poder do público com as reservas dos bancos –, e os bancos comerciais
podem criar meios de pagamento adicionais, como os empréstimos, por exemplo, expandindo a
oferta de moeda.
Estes bancos comerciais mantêm, ainda, determinada parcela de seus depósitos sob a
forma de reservas, que podem ser compulsórias ou voluntárias, para reduzir o risco de liquidez,
ou seja, de não ter em caixa dinheiro suficiente para atender à demanda por saques nos depósitos
à vista.
O conjunto dos meios de pagamento com característica de liquidez absoluta, e que,
portanto, não rendem juros, constituem o agregado monetário M1, que inclui o papel moeda em
poder do público e os depósitos à vista. Por não oferecer nenhum rendimento, o M1 sofre todo o
impacto da inflação, motivo pelo qual, quando a inflação acelera, observa-se forte redução de
M1, processo chamado de desmonetização.
7
Com relação aos instrumentos de política monetária que o Banco Central pode utilizar
para controlar a oferta monetária, os mais importantes são os recolhimentos compulsórios de
parcela dos depósitos, os empréstimos de liquidez, a taxa de redesconto (incidente sobre esses
empréstimos) e as operações de mercado aberto (Open Market).
2.2
Política Fiscal
A política fiscal pode ser definida como a forma que o governo atua em relação à
arrecadação de impostos e gastos, de forma a afetar a demanda agregada da economia, e com o
objetivo de garantir o crescimento econômico e um nível de emprego adequado. A demanda, por
sua vez, pode ser afetada pela política fiscal de duas formas: devido a alterações na renda
disponível à sociedade causada por variações nos tributos, ou devido ao próprio gasto do
governo, que também compõe a demanda agregada.
É interessante destacar a discussão existente sobre se o governo deve ou não tentar
influenciar a economia através de sua política fiscal 2 . Defensores de uma visão keynesiana
afirmam que a intervenção é legítima para evitar flutuações econômicas. De acordo com Keynes,
os gastos públicos são necessários para eliminar o desemprego e estimular o aumento da renda,
uma vez que redução de impostos ou aumento nos gastos públicos estimularia a demanda
agregada.
De outro lado, críticos questionam o financiamento desses gastos gove rnamentais,
principalmente em momentos de retração econômica, quando a arrecadação de impostos cai
devido à redução na demanda e o governo gasta mais para estimular a retomada do crescimento.
2
Seja através de política fiscal expansionista, com o aumento dos gastos públicos e/ ou redução de impostos com o
objetivo de estimular a demanda, ou através de política contracionista, de efeito contrário.
8
Tal situação provocaria um aumento da dívida pública e da vulnerabilidade do país, tornando
esta situação insustentável no longo prazo.
Em termos de dívida pública, alguns economistas argumentam que uma redução da carga
tributária que provocasse um aumento desta dívida, acabaria por levar a um crescimento do
consumo e conseqüente redução da poupança nacional, aumentando a taxa de juros e retraindo os
investimentos e o nível de produto no longo prazo.
Por outro lado, a teoria de equivalência ricardiana diz que, caso o governo decida reduzir
impostos sem cortar despesas, o consumidor não iria aumentar seu consumo por entender ser esta
uma situação insustentável, com os impostos subindo no futuro para liquidar a dívida pública que
iria aumentar com essa estratégia. Em suma, o consumidor entenderia que um aumento do
endividamento público no presente significaria aumento de impostos no futuro, o que o levaria a
poupar o excedente de renda disponível com a redução dos impostos, o que, juntamente com a
queda da poupança pública, faria com que a poupança nacional permanecesse inalterada.
No entanto, o consumo seria efetivamente estimulado caso o governo reduzisse impostos
juntamente com o corte de gastos, uma vez os consumidores teriam a percepção de que não
haveria aumento futuro de impostos. A equivalência a que se refere a teoria diz que financiar o
governo através de dívida pública é o equivalente a financiá-lo através de impostos.
2.3
Política Cambial
As políticas cambiais irão variar de acordo com o regime cambial adotado. Nesta seção
serão apresentados os principais tipos de regime cambial, a fim de dar subsídio à discussão,
apresentada na próxima seção através do modelo IS-LM-BP, de como interagem as políticas
9
econômicas, assim como à discussão acerca do melhor regime a ser adotado por uma economia
emergente, que será feita no próximo capítulo.
Os dois tipos extremos de regime cambial são o de flutuação pur a e o de câmbio fixo
imutável. O regime de flutuação pura é aquele em que a taxa de câmbio é determinada
exclusivamente através da oferta e demanda por moeda, ou seja, quando a demanda por moeda
local aumenta, a taxa de câmbio se valoriza, caso a oferta de moeda estrangeira não se altere. Da
mesma forma, caso haja uma maior demanda por moeda estrangeira, a moeda doméstica se
desvalorizará. Com isso, o balanço de pagamentos sempre se equilibraria e o Banco Central não
precisaria utilizar suas reservas internacionais para atender aos movimentos de oferta e demanda
por divisas, enquanto a economia seria afetada pelo balanço de pagamentos à medida que este
provocasse alterações na taxa de câmbio. Este tipo de regime, por outro lado, leva a constantes
alterações nos preços relativos.
O regime de câmbio fixo, por sua vez, é aquele em que o governo estabelece uma taxa de
câmbio, que não poderá variar com as mudanças na oferta e demanda de divisas. O Banco
Central, portanto, deve agir comprando e vendendo divisas para atender ao mercado, e alterando,
consequentemente, o nível de reservas internacionais. No entanto, o Banco Central pode utilizar
alguns instrumentos para reduzir estas diferenças entre oferta e demanda de divisas, como o
estabelecimento de taxa de juros visando estimular a entrada ou saída de capitais.
Entre as experiências com câmbio fixo, as de maior destaque foram o padrão-ouro e o
currency-board. O padrão-ouro, que vigorou de 1873 a 1913 e de 1925 a 1931, estabelecia a
fixação de uma paridade oficial da moeda doméstica ao ouro, sendo que o país deveria garantir a
conversibilidade da moeda à paridade fixada e manter lastro em ouro para o estoque de moeda.
Segundo este sistema, países deficitários sofreriam perda de ouro através de seus balanços de
pagamentos, reduzindo o estoque de moeda doméstica e o nível de preços. Com isso, a
10
competitividade externa seria aumentada, reduzindo o déficit. Através de movimento semelhante
para uma economia superavitária, seria encontrado automaticamente um equilíbrio no balanço de
pagamentos.
O sistema de currency board, por outro lado, se assemelha ao padrão-ouro, pois é
caracterizado por uma paridade fixa entre a moeda nacional e uma moeda estrangeira, por um
lastro em divisas para o estoque da base monetária, e pelo fato do Banco Central só poder emitir
moeda para comprar reservas internacionais. Quando há excesso de demanda por divisas, o
Banco Central vende parte de suas reservas, levando a uma contração monetária. Com isso, a
base monetária passa a ser determinada pelo balanço de pagamentos, e a taxa de câmbio passa a
acompanhar a flutuação da moeda-âncora em relação às demais moedas. Normalmente este
regime é adotado quando há uma falta de credibilidade na moeda ou na política monetária
tamanha que é preferível renunciar ao exercício das políticas monetária e cambial em nome da
credibilidade da moeda.
Os tipos de regimes cambiais, no entanto, não se restringem aos de câmbio flutuante e
fixo puros. Uma outra possibilidade é a flutuação suja, que se assemelha ao câmbio flutuante,
porém, neste caso, o Banco Central em alguns momentos entra comprando ou vendendo divisas
no mercado de câmbio com o objetivo de direcionar e/ ou limitar as variações da taxa de câmbio.
Há ainda o regime de bandas cambiais, no qual são impostos limites mínimos e/ou máximos à
taxa de câmbio dentro dos quais o câmbio poderia oscilar como em um regime de câmbio
flutuante, enquanto quando a cotação atingisse algum dos limites, o regime funcionaria como
sendo de câmbio fixo.
11
2.4
O modelo IS-LM-BP
O modelo IS-LM-BP é um dos mais usados para entender como ocorre a interação entre
políticas econômicas, tendo se transformado freqüentemente em base teórica para a implantação
de políticas macroeconômicas em diversos países. Este modelo prevê a possibilidade da
existência de perfeita mobilidade de capitais (economia pequena), de mobilidade imperfeita
(economia grande) ou de ausência de mobilidade de capitais. Como as duas economias que serão
analisadas, Brasil e Argentina, possuem uma participação relativamente pequena na economia
mundial, e suas eventuais tentativas de controlar capitais teriam impacto pequeno para
determinar o fluxo destes, abordaremos apenas a situação de perfeita mobilidade de capitais.
O gráfico do modelo é apresentado para melhorar a visualização da integração entre as
políticas econômicas, e representa no eixo horizontal o produto, ou PIB da economia (Y),
enquanto no vertical fica a taxa de juros (r).
Gráfico 1 – Curva IS-LM-BP
r
LM
BP
IS
Y
12
A curva IS é uma função que representa o equilíbrio no mercado de bens e serviços,
sendo determinada pelo consumo, investimento e gastos do governo. Caso qualquer um desses
itens aumente, a curva se deslocará para a direita, levando a uma expansão do produto, e caso se
reduzam, a curva fará o movimento contrário . A curva IS possui ainda uma relação inversa com
a taxa de juros, fazendo com que menores taxas de juros estimulem a demanda interna e levem a
um incremento do produto nacional. Já a curva LM representa o equilíbrio no mercado de oferta
e demanda por moeda, mostrando a relação entre taxas de juros e nível de renda que se
estabelece no mercado de saldos monetários reais. Esta curva se desloca para a esquerda caso a
oferta de moeda diminua e para a direita caso aumente, determinando a taxa de juros.
A curva BP, por sua vez, é determinada pelo equilíbrio no Balanço de Pagamentos, no
qual o saldo deste é nulo . Sua posição horizontal se deve à suposição de perfeita mobilidade de
capitais, pois caso a taxa de juros local fique diferente da internacional, haverá uma entrada ou
saída massiva de capitais em busca de maiores rendimentos, torna ndo insustentável tal situação.
O modelo IS-LM-BP pode ser dividido de acordo com o regime cambial adotado: fixo ou
flutuante. Apresentaremos ambas as análises, uma vez que as economias a serem analisadas
adotaram os dois tipos de regime em momentos diferentes de suas histórias.
2.4.1 Sob regime de câmbio fixo
O modelo IS -LM-BP diz que, no caso de uma economia sob regime de câmbio fixo e
com livre mobilidade de capitais, o impacto da política monetária sobre o produto seria nulo.
Esse mecanismo se daria através da alteração da taxa de juros interna, que ficaria diferente da
taxa internacional e levaria a uma entrada ou saída massiva de capitais. Esta situação não seria
13
sustentável, pois o Banco Central, para manter o câmbio fixo, teria que atender a esse excesso de
demanda ou oferta de divisas através de alterações na base monetária, o que faria com que a taxa
de juros voltasse a ficar igual à taxa internacional, cessando o movimento de capitais e voltando
para a situação inicial, sem implicar em alterações no produto.
Em termos de política fiscal, no caso de uma política expansionista, os juros irão
aumentar, provocando forte entrada de capitais e aumento da base monetária. A expansão da
quantidade de moeda, ao mesmo tempo em que permitiria a volta dos juros aos níveis
internacionais, também contribuiria para amplificar os efeitos desta política sobre a expansão do
produto. No caso de uma política fiscal restritiva o efeito seria contrário, contraindo o produto.
2.4.2 Sob regime de câmbio flutuante
Uma política monetária expansionista sob um regime de câmbio flutuante pressiona rá a
taxa de juros para baixo, provocando acentuada fuga de capitais e desvalorização da moeda local.
A taxa de câmbio se desvalorizará até que a IS intercepte a LM ao nível de taxa de juros
internacional, quando cessa a pressão por desvalorização. Com isso, esta política é eficaz para
promover o aumento do produto, ao melhorar o saldo de transações correntes através da
desvalorização. O mesmo mecanismo, porém com efeito contrário, também é verificado para o
caso de uma política restritiva.
Uma política fiscal expansionista, por sua vez, pressionará as taxas de juros para cima,
valorizando a moeda nacional e retraindo as exportações, até que a curva IS volte para sua
posição inicial, fazendo com que a política fiscal (tanto expansionista quanto contracionista) não
tenha efeito sobre o produto.
14
3
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
A revisão bibliográfica se baseará na apresentação dos principais trabalhos e correntes
relacionados com as políticas econômicas a serem adotadas por um país que objetive o
crescimento sustentável, com enfoque nas discussões sobre se países emergentes deveriam adotar
a livre mobilidade de capitais ou restringir tal mobilidade e sobre qual seria o melhor tipo de
regime cambial a ser utilizado por estes países objetivando o melhor desempenho econômico, no
que se incluiu uma discussão acerca da utilização de uma política monetária baseada em metas
para a inflação.
3.1
Regimes Cambiais
A discussão sobre o melhor regime cambial a ser adotado pelos países emergentes
ganhou força após as sucessivas crises cambiais ocorridas no passado recente em diversos destes
países, como o México, em 1994, Tailândia, Indonésia, Malásia, Filipinas e Coréia do Sul, em
1997, Rússia, em 1998, Brasil, em 1999, Turquia em 2000, e Argentina, em 2001.
Entre as décadas de 1950 e 1970, foi estabelecido um tipo de consenso, descrito por
Shashoua (2002), sobre as principais vantagens e desvantagens dos regimes de câmbio fixo e
flutuante. O câmbio fixo teria como vantagens o favorecimento do comércio e do investimento
ao reduzir o custo de transação e o risco cambial, além de fornecer uma âncora para a
determinação de preços e salários na economia. No entanto, este regime traria como
desvantagens a perda de autonomia da política monetária e um aumento na volatilidade da
15
atividade econômica e no nível de preços, que passariam a ser fortemente afetados pelo fluxo de
divisas, além de aumentar a vulnerabilidade a um ataque especulativo contra a moeda,
particularmente em uma situação de grande mobilidade de capitais.
Ainda segundo este consenso, um regime de câmbio flexível teria como principal
vantagem permitir que a política monetária fosse operacionalizada em função dos objetivos
domésticos de preço ou produto, não ficando restrita apenas a garantir que a base monetária
estivesse atrelada às reservas internacionais. Em contrapartida, este regime traria como
conseqüência maior volatilidade da taxa de câmbio, que tornaria a competitividade dos produtos
domésticos mais suscetível aos movimentos do mercado financeiro internacional, além de inibir
os investimentos ao aumentar as incertezas relacionadas ao câmbio.
Dois exemplos importantes de regimes de câmbio fixo são o currency board, já discutido
no capítulo anterior, e a dolarização. Neste último caso, a moeda nacional é substituída pelo
dólar (ou por outro tipo de moeda forte, como o euro), representando um regime mais radical do
que o anterior, pois torna mais difícil o reto rno ao controle da política monetária e o
estabelecimento de um novo patamar para o câmbio.
De acordo com Calcagno e Manuelito (2001), em um regime de currency board, o fluxo
de capital estrangeiro faz com que, no caso de um aumento em sua entrada, o estoque de reservas
internacionais aumente, levando a uma expansão da base monetária e do crédito, com queda na
taxa de juros, o que acaba por estimular a economia, promovendo seu crescimento. Um fluxo
negativo de divisas provocaria o efeito contrário, retraindo a atividade econômica. Além disso, o
estímulo dado pela entrada de divisas geraria um aumento das importações, levando a um ajuste
automático ao provocar uma retração no estoque de moeda estrangeira. Tal ajuste também seria
verdadeiro no caso de uma retração econômica, que retrairia as importações e aumentaria o
16
estoque de divisas, possibilitando a retomada do crescimento. Com isso, o sistema tenderia a
produzir ciclos econômicos ao possuir um mecanismo de ajuste automático.
Em defesa do câmbio fixo, Shashoua (2002) argumenta que a adoção de um regime de
câmbio flutuante não seria condição suficiente para a política monetária ser operacionalizada
exclusivamente em função dos objetivos domésticos de preço ou produto, como argumentado
pelos defensores da utilização deste regime, pois esta política deverá ser guiada também a fim de
administrar a conta capital quando houver expectativa de interrupção ou redução do fluxo de
capitais estrangeiros, no caso de uma economia com mobilidade de capitais e déficit em
transações correntes.
Defensores do regime de câmbio fixo argumentavam ainda que os países que adotavam o
regime de câmbio flutuante, na prática, não o deixavam flutuar, o que revelava no fundo a sua
preferência por regimes de câmbio fixo ou de flexibilidade restrita.
Essa era a idéia principal por trás da hipótese do “fear of floating” existente em
economias emergentes, de Calvo e Reinhart (2000a), conhecidos defensores de regimes cambiais
com algum tipo de fixação (“hard peg”), e que se baseava na idéia de que esse medo da
flutuação seria conseqüência do medo de um colapso financeiro e da volta da inflação devido à
existência de fragilidade financeira, baixa credibilidade da política monetária, um elevado passthrough das alterações do câmbio para a inflação, e efeitos desfavoráveis da incerteza cambial
para o crescimento econômico.
Calvo e Mishkin (2003) rebatem ainda o argumento de que o regime de câmbio flexível
garantiria uma política monetária mais ativa, afirmando que, no caso de países emergentes, este
argumento poderia não ser válido. A justificativa seria que os mercados de capitais destes países
sofreriam forte influência dos grandes centros financeiros do mundo, além de, em um momento
17
de crise, os países emergentes serem afetados como um grupo único, o que tornaria difícil para
os bancos centrais destes países operarem, na prática, uma política monetária autônoma.
A dificuldade em operar uma política monetária autônoma se tornaria ainda mais crítica
no caso dos bancos centrais não possuírem credibilidade em relação ao seu comprometimento
com o controle da inflação, o que tornaria tal política ineficaz. Calvo e Mishkin, porém, admitem
que, no caso de um país emergente possuir instituições monetária, financeira e fiscal capazes de
fornecer credibilidade ao mercado, ele poderia ser bem sucedido em operar uma política
monetária ativa para estabilizar a economia. O que os autores questionam é se tais países seriam
capazes de cumprir com esta pré-condição, o que justificaria a adoção de regimes de câmbio
fixo.
No entanto, Calvo e Mishkin enfatizam que a opção por um determinado regime cambial
seria uma questão secundária se comparada com a importância do desenvolvimento de
instituições fiscais, financeiras e monetárias sólidas para garantir o crescimento econômico de
países emergentes, no sentido de melhorar a regulação de seus setores financeiro, efetuar ajuste
fiscal atra vés de redução dos gastos públicos, operar uma política monetária sustentável e
previsível, além de garantir maior abertura para o comércio exterior. Com isso, o foco em
reformas institucionais que objetivassem arranjos institucionais mais profundos, mais do que no
tipo de regime cambial, tornaria os países menos propensos a crises semelhantes às ocorridas na
década de 1990.
No entanto, em estudo recente, Licha (2006) discorda de Calvo e Mishkin, afirmando que
o tipo de regime cambial é importante. Seguindo a linha da teoria da escolha do regime cambial,
desenvolvida nos anos 70, o autor afirma que o regime cambial deve ser escolhido de acordo
com o tipo de choque que predomine na economia, com o câmbio devendo ser mais flexível no
18
caso de uma economia mais atingida por choques nominais (ocorridos no mercado monetário), e
baseado em uma âncora cambial no caso de economias mais atingidas por choques reais
(ocorridos no mercado de bens e serviços).
Segundo Licha, essa escolha de regimes cambiais, porém, pode mudar ao longo do tempo
caso a natureza dos choques seja alterada. Além disso, regimes cambiais intermediários podem
ser, em certas condições, mais eficientes do que regimes puramente fixos ou flutuantes.
A partir de meados de 1990, os choques nominais predo minaram nas economias
emergentes, tornando o regime de câmbio flexível, em conjunto com a utilização de uma âncora
monetária determinada por metas de inflação, a melhor escolha para estas economias. Nos
últimos anos, porém, os choques reais passaram a prevalecer, e o autor conclui que o regime
cambial mais prudente para os países emergentes nos próximos anos seria aquele que fornecesse
uma flexibilidade limitada através de regimes cambiais e monetários híbridos.
Crítico ao regime de câmbio flexível, Gustavo Franco (1999) afirma que este é o regime
“que melhor convive com o desequilíbrio fiscal”, ao não estimular a disciplina fiscal, e logo após
a alteração no regime cambial no Brasil, em janeiro de 1999, em que o país passou a adotar um
regime de câmbio flexível, afirmou que “alguma rigidez precisa ser introduzida, ou seja, será
preciso mitigar a flutuação cambial”.
Por outro lado, os defensores do câmbio flutuante concordavam que as economias
emergentes de fato não deixavam seu câmbio flutuar livremente, porém argumentavam que o
problema não era intrínseco ao regime cambial e sim às condições nas quais ele era
implementado, que justificavam a absorção dos choques externos não só através da taxa de
câmbio, mas também via variações na taxa de juros. Estas condições incluiriam o medo de uma
19
aceleração inflacionária e a existência de um descasamento de moedas, com o excessivo
endividamento destes países, público e privado, denominado em moeda estrangeira.
Em estudo realizado em 183 países, no período de 1974 a 2000, para verificar a relação
entre diferentes regimes cambiais e crescimento econômico, Yeyati e Sturzenegger (2002)
concluíram que, no caso dos países emergentes, o tipo de regime cambial seria importante na
determinação do crescimento econômico, estando os regimes de câmbio menos flexíveis
relacionados com menores taxas de crescimento e maior volatilidade do PIB. As possíveis causas
para este fato estariam ligadas à falta de ajuste na taxa de câmbio, no caso de um regime fixo,
que causaria distorção nos preços relativos e na alocação de recursos, na ocorrência de choques
externos. Com isso, para manter a taxa de câmbio no nível fixado, o produto acabaria variando
mais sob este tipo de regime, afetando o crescimento da economia e anulando os ganhos que o
câmbio fixo traria pelo fato de ser uma política mais estável e previsível, uma das principais
vantagens apontadas pelos defensores deste tipo de regime.
Milton Friedman, já na década de 1950 defendia a adoção de regimes de câmbio
flutuante, com a justificativa de que, no caso de uma crise econômica que requeresse mudança na
taxa de câmbio real, seria muito mais rápido e teria custos menores uma alteração na taxa de
câmbio nominal, permitida pelo regime de câmbio flutuante, do que esperar a queda no excesso
de demanda por bens e no mercado de trabalho, com o ajuste ocorrendo através da redução dos
salários e dos preços nominais, conforme ocorreria no caso de um regime de câmbio fixo,
afetando negativamente o PIB e a taxa de desemprego.
Com o objetivo de aumentar a percepção de comprometimento das autoridades
monetárias com a estabilidade de preços, economistas e policymakers vêm defendendo que
países que optam pelo regime de câmbio flutuante, principalmente no caso de países emergentes,
20
devem adotar também um sistema de metas de inflação, que atuaria como âncora à política
monetária.
O regime de metas inflacionárias é caracterizado não apenas pelo anúncio de uma meta
normalmente de médio prazo para a variação da inflação, como também pelo comprometimento
da autoridade monetária com a estabilização de preços como sendo seu principal objetivo, além
da existência de total transparência para o mercado em relação à estratégia de política monetária,
através de clara comunicação sobre os planos, objetivos e decisões a serem adotados.
A utilização de um regime de metas de inflação traz como questões a definição sobre que
tipo de índice seria utilizado como referência para a meta, que deve ser preciso, transparente e de
rápida divulgação, podendo ser adotados aqueles que buscam mensurar o núcleo da inflação
(core inflation), que mediriam a verdadeira tendência da inflação, ao excluir o impacto sobre os
preços de eventos transitórios como quebras na safra agrícola, choque de preços de insumos
básicos e aumento de impostos. No entanto, apesar da utilização de índices de núcleo da inflação
tornarem mais fácil o cumprimento da meta, alguns críticos argumentam que a política monetária
pode perder credibilidade com a utilização de tais índices, pois a população teria dificuldade para
entender a diferença entre o core inflation e a inflação percebida em seu dia a dia.
Uma outra questão envolvendo o regime de metas de inflação se refere às bandas
adotadas com o objetivo de dar mais flexibilidade à política monetária diante de ocorrênc ia de
choques inesperados. A amplitude destas bandas de confiança possui importância na medida que
existe um trade-off entre flexibilidade e credibilidade, haja vista que um intervalo de confiança
muito amplo permitiria oscilação muito grande da inflação e faria com que se perdesse o sentido
de um regime de metas para esta.
21
Outro trade-off importante está relacionado com o horizonte de tempo a ser utilizado para
avaliar o desempenho das políticas adotadas, onde o estabelecimento de um horizonte longo
tornaria mais flexível o enfrentamento de choques inesperados, possibilitando uma reação menos
agressiva da política monetária sobre os níveis de produto e emprego, ao mesmo tempo em que
sinalizaria um afrouxamento no compromisso da autoridade monetária com a estabilidade de
preços.
De acordo com Ferreira e Júnior (2005), para a implementação bem sucedida de um
regime de metas de inflação, são apontadas algumas condições importantes. A primeira delas
seria a existência de independência do Banco Central para eleger os instrumentos adequados à
busca do objetivo, além de um pleno conhecimento da dinâmica da economia no que tange os
determinantes da inflação, os mecanismos de transmissão da política monetária, os choques a
que a economia está sujeita, dentre outros fatores.
Sobre a importância da independência do Banco Central para o sucesso de um regime de
metas de inflação, Minshkin (2000b) também enfatiza que esta condição é ainda mais importante
no caso de países emergentes, que possuem, em geral, histórico de ma u gerenciamento da
política monetária devido à forte influência do governo sobre os Bancos Centrais desses países.
Minshkin atenta ainda para a importância de o Banco Central ter como prioridade a estabilidade
de preços, devendo este objetivo estar acima de qualquer outro que a autoridade monetária venha
a possuir, como estabilidade da taxa de câmbio ou redução da taxa de desemprego.
Outra condição para que um país possa adotar um regime de metas de inflação de forma
bem sucedida, segundo Ferreira e Júnior, seria a inexistência de outra âncora cambial, como um
regime de câmbio fixo, que tornaria as metas de inflação inconsistentes uma vez que o regime de
câmbio fixo implica em uma política monetária passiva ao fazer com que o Banco Central
22
aumente ou diminua a base monetária em função da compra ou venda de divisas para a
manutenção de uma determinada cotação do câmbio. No entanto, apenas a ausência de um
regime de câmbio fixo não garantiria um ambiente ideal, pois um excesso de volatilidade na taxa
de câmbio também tornaria difícil o cumprimento de metas de inflação.
Uma terceira condição seria a ausência de dominância fiscal, que está relacionada com
contas públicas excessivamente desorganizadas, a ponto de uma decisão da política monetária de
aumentar as taxas de juros causarem significativo aumento da dívida pública. A existência de
dominância fiscal, portanto, faria com que o governo, ao aumentar os juros, afastasse os capitais
internacionais, amedrontados com a capacidade de pagamento do país, ao invés de atraí- los.
Conforme destaca Mishkin (2000), o regime de metas de inflação, quando comparado
com um regime cambial atrelado a algum tipo de agregado ou indicador (“exchange rate peg”),
como no caso de um currency board, tem a vantagem de permitir que a política monetária seja
mais ativa, estando apta a responder a choques na economia. Segundo a autor, o regime de metas
inflacionárias também teria como vantagens o fato de ser mais facilmente compreendido pela
população e de ser mais transparente que os demais, inclusive se comparado a outros regimes de
metas, como o que estabelece limites para a base monetária.
No entanto, Mishkin destaca como uma desvantagem o possível enfraquecimento do
Banco Central no caso do não cumprimento da meta, algo que teria grande probabilidade de
ocorrer, uma vez que o controle dos índices de inflação é algo bastante complexo e sujeito a
desvios, dificultado ainda pela existência de “lags”, ou espaços de tempo, entre a utilização dos
instrumentos de política monetária e seus efeitos sobre a inflação. Segundo o autor, a dificuldade
em cumprir metas para a inflação é ainda maior quando esta vem sendo reduzida a partir de
níveis altos, pois aumenta a dificuldade de previsão, no que ele conclui que um regime de metas
23
de inflação seria uma estratégia mais eficaz em um cenário de inflação já em níveis baixos.
Mishkin destaca ainda a necessidade de uma política fiscal austera como condição necessária
para o sucesso de um regime de metas de inflação no longo prazo:
“In the long run, large fiscal deficits will cause an inflation targeting regime to break down: the fiscal
déficits will eventually have to be monetized or the public debt eroded by a large devaluation, and high
inflation will follow”. (MISHKIN, 2000, p.5)
Calvo (2000b), por outro lado, argumenta que um sistema de metas de inflação teria
semelhanças com um regime cambial do tipo “hard peg ” ao impedir que o Banco Central
expanda a base monetária para evitar um aumento da inflação. No entanto, Calvo argumenta que
um sistema de metas de inflação teria como desvantagens uma menor transparência quanto a
seus indicadores, em relação a um regime de câmbio fixo, além de influenciar apenas
indiretamente os preços e exigir grande credibilidade da autoridade monetária. Segundo o autor,
o regime de metas de inflação operaria de forma semelhante ao de um “hard peg ”, porém sem os
benefícios de um comprometimento rígido como o fixado para a taxa de câmbio, o que acabaria
fazendo com que as taxas de juros tivessem que se manter em níveis altos e voláteis.
3.2
Controle de Capitais
As mesmas crises vividas pelos países emergentes na década de 1990, que suscitaram o
debate acerca de qual seria o melhor regime cambial a ser adotado por estes países, fizeram
24
surgir também discussões sobre se tais países deveriam adotar políticas de livre mobilidade de
capitais ou se deveriam aumentar o controle sobre este fluxo, na busca por evitar novas crises.
O controle de capitais não era, em geral, adotado antes de década de 1930, quando foi
criado para ajudar a defender as economias da volatilidade econômica internacional. Depois de
vários anos, tais controles passaram a ser removidos, porém, com alguns países, principalmente
os desenvolvidos, somente os eliminando recentemente ou mantendo ainda algum tipo de
bloqueio implícito, sob a forma de restrições regulatórias.
O debate sobre liberalização ou não do fluxo de capitais remonta às discussões entre as
duas grandes correntes do pensamento macroeconômico – uma pró- mercado e anti-estado e
outra, reguladora do mercado –, que vêm desde a publicação original da Teoria Geral de Keynes,
em 1936. John Maynard Keynes foi um dos principais defensores da participação do estado para
definir os rumos das economias, incluindo sua atuação no controle de capitais. Sob a influênc ia
de Keynes, em 1944, durante a Conferência de Bretton Woods, os participantes decidiram
recomendar a utilização do controle de capitais no caso de crises causadas por fuga de capitais.
Os defensores da existência de um controle sobre os fluxos de capitais argumentam que a
liberalização total deste fluxo exporia as economias a turbulências desnecessárias, cujos
benefícios seriam muito pequenos ou inexistentes. Segundo De Paula (1999), o controle de
capitais teria como vantagens garantir o isolamento de um país de contágios externos, reduzindo
sua vulnerabilidade externa, além de atrair capitais de longo prazo.
Conforme destaca De Paula, os custos de implantação do controle de capitais passariam
pela possibilidade de retaliação de outros países, evasão de capitais por canais informais e custos
administrativos. Porém, os benefícios com o controle de capitais superariam estes custos, e
estariam relacionados com: (i) manutenção da estabilidade da taxa de câmbio, reduzindo as
25
pressões sobre esta; (ii) poder de escolha entre capitais desejáveis e indesejáveis para o país; (iii)
possibilidade de maior autonomia à política monetária doméstica, ao tornar os fluxos de capitais
menos sensíveis às taxas de juros; (iv) preservação da estabilidade monetária e financeira diante
de eventuais crises no balanço de pagamentos, contendo a saída de capitais.
Cardim e Sicsú (2004) também defendem o controle de capitais, ou o que chamam de
“liberalização cautelosa” do fluxo de capitais, criticando o que definem como suposição
“natural” de que a intervenção do estado é sempre inferior à ação privada livre, pois violaria a
rede de incentivos criada pelo mercado. Os autores atacam o argumento de que o mercado
definiria a melhor alocação dos capitais em uma situação de livre mobilidade, afirmando que as
decisões do mercado são tomadas por agentes econômicos cujas ações são orientadas por
expectativas que apenas em parte são influenciadas por dados objetivos, estando estes agentes
sujeitos a estados de confiança e animal spirits.
Em mercados financeiros, as incertezas seriam ainda mais importantes na tomada de
decisões, já que, ao se negociar ativos, negociam-se ganhos futuros, abrindo espaço para a
influência de variáveis subjetivas e comportamentos nem sempre racionais. Além disso,
possíveis assimetrias de informação contribuiriam para que os mercados financeiros não fossem
eficientes como esperado pelos proponentes da liberalização.
Oreiro (2004) sugere que os argumentos contra o controle de capitais seriam mais
ideológicos do que funda mentados em embasamento teórico e empírico. Segundo o autor, os
argumentos dos defensores da livre mobilidade de capitais de que a adoção de restrições ao
capital representaria uma exclusão dos fluxos de capitais mundiais e, conseqüentemente, dos
benefícios do processo de globalização financeira, seria um exemplo desta visão ideológica.
26
Os defensores do livre fluxo de capitais, por sua vez, se baseiam no argumento de
mercados eficientes, segundo o qual as forças de mercado seriam capazes de buscar a alocação
global ótima dos recursos, caso os capitais sejam deixados livres para se mover entre os países. A
livre mobilidade de capitais permitiria uma alocação global mais eficiente das poupanças e
canalização dos recursos para usos mais produtivos, garantindo o crescimento econômico e bemestar da população, conforme descrito por Arida (2004):
“(...) a abertura da conta de capital, quando empreendida no bojo de políticas macroeconômicas sólidas e
sustentáveis ao longo do tempo, traz ganhos de bem estar por (i) possibilitar a alocação de capital a
oportunidades de investimentos mais produtivas em outros países e (ii) diminuir o impacto das flutuações
da renda sobre o consumo.”
Os críticos ao controle de capitais alegam que tal controle desestimularia investidores
estrangeiros e contribuiria para manter elevadas as taxas de juros domésticas. Arida (2004)
acrescenta ainda que tal controle poderia passar para o mercado uma sinalização negativa acerca
da qualidade do padrão monetário, ao sugerir a necessidade de aprisionar os ativos financeiros
por via administrativa.
A livre mobilidade de capitais é defendida pelo Fundo Monetário Internacional como
uma política importante para que os países emergentes se beneficiem do fluxo de capitais
internacionais para estimular suas economias. O Fundo, no entanto, após as crises ocorridas nos
países emergentes durante os anos 90, passou a admitir um controle temporário de capitais em
determinadas situações, em determinados países. É importante frisar que este controle deveria
durar apenas um certo tempo, voltando-se posteriormente para um regime de livre mobilidade de
capitais.
27
Eichengreen e Mussa (1998), ligados ao FMI e defensores da visão desta instituição,
argumentam que a liberalização de capitais seria inevitável para países interessados em tirar
vantagem dos benefícios de participar de um mercado global aberto, caracterizado por modernas
tecnologias de informação e comunicação. Os autores reconhecem os perigos da liberalização,
como aqueles ligados ao aumento da exposição do s países ao risco, porém argumentam que esta,
quando implementada de forma correta, traz grandes benefícios.
Em estudo realizado por Klein e Olivei (1999) durante o período de 1986 a 1995, no
entanto, chegou-se a conclusão que não haveria ligação entre liberalização do fluxo de capitais e
crescimento econômico, no caso de países emergentes, relação que foi verificada somente no
caso de países desenvolvidos. O estudo conclui que provavelmente esta diferença de resultados
se deve à existência de instituições sólidas, no caso dos países desenvolvidos, que garantiriam os
benefícios trazidos pela liberalização de capitais, o que não ocorreria no caso dos países
emergentes.
28
4
O BRASIL E O PLANO REAL
4.1
Antecedentes
A década de 1980 foi para o Brasil um perío do de baixo crescimento econômico –
principalmente se comparado à média de crescimento de 7,4% a.a do PIB nas três décadas
anteriores –, com variação média do PIB de 3% a.a., e caracterizada por um cenário externo de
baixo crescimento mundial – cuja taxa média de crescimento foi de 2,75% a.a. na primeira
metade da década 3 – e escassez de financiamento, demonstrada pela taxa libor média em dólar
durante a década de 1980, que ficou em 10,6% a.a., tendo atingido 16,8% a.a. em 1981 4 .
O Brasil, porém, encontrava-se fortemente vulnerável diante desse cenário externo
adverso, com sua dívida externa chegando a quase cinco vezes o valor das exportações em
meados dos anos 80, devido à política de crescimento baseado em financiamento externo,
implementada durante o regime militar. Em 1987 o país decreta moratória de sua dívida externa,
e busca um ajuste através de políticas econômicas restritivas, que tiveram como conseqüência o
baixo crescimento do país nesta época.
Por outro lado, durante a década de 1980, a inflação já começava seu processo de
aceleração, principalmente a partir da segunda metade da década, o que fez com que o governo
iniciasse o combate a este processo a partir de 1986, com o lançamento de seis planos de
estabilização e cinco mudanças de moeda, no período de apenas oito anos. O primeiro desses
planos foi o Plano Cruzado, em fevereiro de 1986, sendo seguido pelo Plano Bresser em junho
3
4
De acordo com dados do IFS/ FMI.
De acordo com o Banco Central do Brasil.
29
de 1987, o Plano Verão em janeiro de 1989, os Planos Collor I e II em março de 1990 e janeiro
de 1991 respectivamente, e finalmente o único bem sucedido no objetivo de controle sustentável
da inflação: o Plano Real, implantado em junho de 1994. Estes planos possuíam como
características comuns serem baseados em âncoras cambiais ou congelamento de preços, ou
ambos, normalmente conseguindo provocar queda na inflação em um primeiro momento, porém,
com retorno do processo inflacionário logo em seguida, conforme é possível ver no gráfico 2.
Gráfico 2 – Inflação (IPCA)
90
Plano Collor 1
80
70
(% a.m.)
60
Plano Real
50
Plano Verão
40
Plano Collor 2
30
Plano Bresser
20
Plano Cruzado
10
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
1987
1986
1985
1984
1983
0
Fonte: IPEAData
Com relação à crise externa ocorrida durante os anos 80, os Estados Unidos anunciam um
plano de reestruturação da dívida externa de países com dificuldades de pagamento, denominado
30
Plano Brady, em 1989. O Plano consistiu na troca por bônus de emissão do governo do país
devedor, que contemplavam abatimento da dívida, sob a forma de redução do seu principal e/ou
dos juros. No caso brasileiro, a renegociação da dívida externa nos moldes deste Plano foi
concluída em abril de 1994 e permitiu que o país voltasse a ter acesso ao mercado financeiro
internacional, tendo sido ainda mais importante devido ao bom momento pelo qual passava o
mercado internacional a partir do início dos anos 90, com farta liquidez, e baixas taxas de juros,
como mostra a libor média em dólar na primeira metade da década de 1990, que ficou em 5,5%
a.a.5, quase metade da média registrada na década de 1980.
Cabe destacar ainda o processo de abertura comercial e financeira pela qual o país passou
no início da década de 1990, permitindo um melhor aproveitamento deste cená rio externo
favorável. A abertura comercial implementada pelo país pode ser verificada na queda das tarifas
de importação médias, que passaram de 30,8% em 1986 para 11,6% em 1993 6, enquanto a maior
liberalização financeira e cambial a partir de 1992 eliminou entraves à mobilidade de capitais
através, em grande parte, da maior flexibilização da conta CC-5 e dos Fundos de Investimento no
Exterior.
Em termos fiscais, o governo apresentou superávits primários baixos durante a segunda
metade da década de 1980, cuja média foi de 0,6% do PIB 7, devido ao foco do governo no
controle à inflação, tendo sido o déficit público relegado a segundo plano. Na primeira metade da
década de 1990, porém, os resultados primários do governo melhoraram significativamente
devido à mudança na política fiscal, que passou a dar importância ao combate ao déficit público,
fazendo com que a média dos resultados primários apresentassem um superávit de 2,8% do PIB
5
De acordo com dados do Banco Central do Brasil.
De acordo com dados do IPEAData.
7
Segundo dados do Banco Central do Brasil.
6
31
no período, tendo contribuído para essa melhora também a estratégia de postergação dos gastos
públicos, que eram corroídos pela hiperinflação, enquanto a receita estava indexada à esta.
4.2.
Implantação do Plano Real
Diante do cenário traçado anteriormente, o Plano Real aparece como mais uma tentativa
de controle da inflação, numa economia já traumatizada com os inócuos planos anteriores.
Porém, o Plano Real teve como uma das principais vantagens em relação aos demais, o fato de
ter sido anunciado e discutido ante s de sua completa implementação, que pode ser dividida em
três etapas. O Governo buscava com isso, reduzir a resistência da população às medidas que
seriam adotadas, ao divulgá- las antecipadamente.
O Plano Real partiu do diagnóstico de que a inflação no país possuía forte caráter
inercial, e a partir daí, implementou uma reforma monetária com o objetivo de romper com a
tendência que alimentava tal inércia, tendo o plano logrado controlar a inflação, conforme pode
ser visto na tabela abaixo:
32
Tabela 1 – Índice de Preços ao Consumidor Ampliado – IPCA (% a.m.)
jan/93
fev/93
mar/93
abr/93
mai/93
jun/93
jul/93
ago/93
set/93
out/93
nov/93
dez/93
30,35
24,98
27,26
27,75
27,69
30,07
30,72
32,96
35,69
33,92
35,56
36,84
jan/94
fev/94
mar/94
abr/94
mai/94
jun/94
jul/94
ago/94
set/94
out/94
nov/94
dez/94
41,31
40,27
42,75
42,68
44,03
47,43
6,84
1,86
1,53
2,62
2,81
1,71
Fonte: IBGE
A primeira etapa da implantação do Plano Real, iniciada no primeiro bimestre de 1994,
incluiu a edição do PAI – Programa de Ação Imediata –, cujo objetivo principal era sanear as
contas públicas, permitindo a recuperação da capacidade financeira do Estado, e cujas principais
medidas foram a criação de novos tributos, assinatura de um acordo da dívida externa com o
FMI e bancos credores, além da busca por reduzir a sonegação fiscal.
Ainda com o objetivo de eliminar o que considerava ser a principal causa da inflação, o
governo buscou controlar a expansão da dívida pública através da criação do Fundo Social de
Emergência (FSE), que tinha como função desvincular parte das receitas do governo que
estavam comprometidas com destinações específicas8 . As mudanças introduzidas pelo PAI e
pelo FSE, porém, não foram suficientes para assegurar o equilíbrio fiscal.
No que pode ser considerada a segunda etapa de implantação do Plano Real, e m março de
1994 foi criada a Unidade Real de Valor (URV) para servir temporariamente como unidade de
8
A Constituição de 1988 havia aumentado consideravelmente a rigidez do orçamento da União ao aumentar o grau
de vinculação das receitas públicas a despesas específicas
33
conta e permitir um ajuste relativo entre preços e salários, ao mesmo tempo em que o Cruzeiro
Real (CR$) permanecia como meio de pagamento, como um primeiro passo para a eliminação
posterior do componente inercial da inflação.
O Banco Central fixava diariamente a paridade entre o Cruzeiro Real e a URV, com base
na variação de três índices de inflação – IPC, IPCA-E, e o IGP-M –, enquanto a URV possuía,
nesta fase, paridade fixa de um para um com o dólar, representando a própria taxa de câmbio. A
idéia era homogeneizar a prática da correção monetária através da URV para devolver à nova
moeda nacional sua função de unidade de conta, e posteriormente de reserva de valor. O repúdio
pelo Cruzeiro Real podia ser medido pelo agregado financeiro M1, que representava apenas
1,3% do PIB em junho de 1994.
O processo de adesão à URV, no entanto, foi lento, uma vez que as negociações entre
comércio e indústria demandaram tempo, e o próprio governo demorou a definir o critério de
conversão das tarifas públicas e dos impostos, dificultando a conversão dos demais contratos.
Apesar do ajuste fiscal e do processo de conversão de todos os setores da economia ainda
não terem terminado, a terceira fase do programa manteve sua data de implantação devid o ao
risco de que as expectativas do mercado comprometessem o sucesso do plano, uma vez que, às
vésperas da entrada em vigor da nova moeda, as remarcações de preços foram fortíssimas.
Em 1º de julho de 1994, é criado o Real como nova moeda, no lugar do Cruzeiro Real,
com o estabelecimento das regras de emissão e lastreamento da nova moeda, no que foi
considerada a última fase de implantação do plano . O Real foi criado com valor igual à cotação
da URV do dia da implantação, e a transição foi relativamente tranqüila, pois boa parte das
mudanças introduzidas já haviam sido antecipadas, tendo havido apenas algumas tentativas
pontuais de aumento de preços. Tal comportamento, no entanto, não se sustentou e a pressão
refluiu por não haver condições de sustentar os preços elevados.
34
Algumas das medidas adotadas neste período foram: obrigatoriedade de que os novos
contratos possuíssem reajuste apenas anual, o que acabava por alongar a correção monetária;
vinculação de parte das reservas internacionais como lastro da nova moeda; e contenção do
crédito através do aumento das taxas de depósitos compulsórios, que passaram de 40% sobre os
depósitos à vista para 100% em junho de 1994.
A política de juros altos, com a taxa Selic acima de 30% a.a. em termos reais durante o
período de transição entre as moedas, em conjunto com o aumento das taxas de depósitos
compulsórios, agiram como pilar de sustentação da política econômica para evitar que a
especulação prejudicasse essa transição, bem como para conter a demanda por crédito.
A política cambial adotada nesta fase foi a de deixar a moeda flutuar livremente para
baixo do teto de 1 para 1 com o dólar, no que ficou conhecido como regime cambial de “banda
assimétrica”, e que será melhor discutido na seção 4.3.1.3.
4.3.
As fases do Plano Real e seus resultados
O Plano Real pode ser dividido em dois períodos distintos sob o ponto de vista de
políticas econômicas adotadas. O primeiro período vai de julho de 1994 a janeiro de 1999, e será
descrito na próxima seção, enquanto o segundo vai de fevereiro de 1999 até os dias atuais, e será
analisado na seção seguinte.
35
4.3.1 Primeira fase
A primeira fase do Plano Real se baseou na combinação de uma política monetária de
juros altos, falta de um ajuste fiscal e utilização de âncora cambial, que permitiram que o plano
fosse bem sucedido em combater a inércia inflacionária, estabiliza ndo os preços, conforme
mostra a tabela 2, que traz o desempenho de alguns índices de inflação.
Tabela 2 – Índices de Inflação (% a.a.)
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
IPCA
2.477,15
916,46
22,41
9,56
5,23
1,66
8,94
IGP-DI
2.708,17
1.093,85
14,77
9,33
7,48
1,71
19,99
IPC (FGV)
2.828,63
1.238,09
25,91
11,34
7,23
1,67
9,11
INPC
2.489,11
929,32
21,98
9,12
4,34
2,49
8,43
Fonte: IBGE e FGV
4.3.1.1 Política Monetária
A política monetária restritiva adotada nesta primeira fase teve como foco o controle da
demanda para evitar que a forte expansão desta levasse a novos aumentos de preços. A política
de juros altos – cuja taxa média ficou em 21,1% em termos reais no período de 1994 a 1999,
conforme gráfico 3 –, no entanto, serviu não só para conter a demanda como também para atrair
divisas, devido aos crescentes déficits em transações correntes, que saltaram de -US$1,8 bilhão
36
em 1994 para -US$33,4 bilhões em 1998, e sustentar o regime de câmbio fixo, conforme será
analisado na seção referente à política cambial.
Gráfico 3 – Taxa de Juros Real – Selic over anualizada (deflator: IPCA)
35,00%
30,00%
25,00%
15,00%
10,00%
5,00%
jan/99
jul/98
jan/98
jul/97
jan/97
jul/96
jan/96
jul/95
jan/95
0,00%
jul/94
(% a.a.)
20,00%
Fonte: IPEAData e Banco
Outro importante instrumento utilizado pelo Banco Central para conter a euforia de
consumo após a estabilização de preços, foi o aumento das taxas de compulsório , conforme pode
ser visto no gráfico 4, na busca por restringir o crédito. Apesar de tais taxas começarem um
movimento de queda a partir do final de 1994, ainda permaneceram em níveis altos, se
comparados aos existentes antes do Plano Real.
37
Gráfico 4 – Alíquota de Recolhimento Compuls ório - % sobre depósitos à vista
100
90
80
70
60
50
40
set/98
mar/98
set/97
mar/97
set/96
mar/96
set/95
mar/95
set/94
mar/94
30
Fonte: Relatórios Anuais do Banco Central
Por outro lado, com o objetivo de controlar o processo de remonetização, comum em
países recém saídos de processos hiperinflacionários, estabeleceu-se, no início do Plano Real,
metas para a base monetária. No entanto, já no primeiro trimestre de vigência, as metas foram
largamente ultrapassadas, levando o governo a abandoná-las e também à tentativa de utilização
de uma âncora monetária. Esse processo de aumento da demanda por moeda pode ser verificado
pela parcela dos meios de pagamento denominada M1 (gráfico 5), que registrou aumento de 83%
em termos reais entre julho e dezembro de 1994, indo de R$ 32 bilhões para R$ 59 bilhões no
período.
38
Gráfico 5 – Agregado Monetário M1 - termos reais *
120.000
100.000
R$ milhões
80.000
60.000
40.000
20.000
(*) Valores trazidos a abri/ 06 pelo IPCA
jul
/99
jan
/99
jul
/98
jan
/98
jul
/97
jan
/97
jul
/96
jan
/96
jul
/95
jan
/95
jul
/94
jan
/94
-
Fonte: Banco Central
Cabe destacar, por fim, um marco importante da política monetária nesta fase, que foi a
criação, em meados de 1996, do Comitê de Política Monetária (Copom), cujo objetivo era
estabelecer as diretrizes gerais da política monetária e definir as taxas de juros básicas da
economia, na busca por dar maior transparência à definição dos objetivos da autoridade
monetária.
Reestruturação do sistema financeiro
O período pós-estabilização trouxe consigo uma reestruturação do sistema financeiro,
tanto dos bancos privados quanto públicos, devido às fortes perdas que estas instituições tiveram
com o fim da receita inflacionária, tendo que se adaptar ao novo contexto de inflação controlada.
39
Com isso, o sistema bancário se volta para a expansão dos empréstimos, numa tentativa de
aumentar suas receitas, bem como para um processo de redução de custos. No entanto, os
esforços para a expansão do crédito foram de encontro à política do governo de conter a
demanda, o que fez com que o volume de crédito na primeira fase do plano real não apresentasse
crescimento significativo, conforme pode-se verificar no gráfico 6, que mostra a evolução do
crédito total, incluindo recursos livres e direcionados.
Gráfico 6 – Operações de Crédito
600.000
550.000
500.000
R$ milhões
450.000
400.000
350.000
* A preços de abri/2006 pelo IPCA (cálculo próprio)
jul/99
jan/99
jul/98
jan/98
jul/97
jan/97
jul/96
jan/96
jul/95
jan/95
jul/94
300.000
Fonte: IPEAData
Apesar de na média do período o volume de crédito ter ficado relativamente estável,
verificou-se uma expansão inicial no primeiro ano do Plano Real, que veio acompanhada de
problemas relacionados à sua qualidade, que, em conjunto com o aumento das taxas de juros,
40
levaram a um aumento na inadimplência. Esta situação, combinada com a forte perda de receita
inflacionária, levou várias instituições, dentre diversos bancos estatais e importantes bancos
comerciais, a apresentarem problemas de liquidez e solvência. O Banco Central então, se viu
obrigado a intervir, auxiliando neste processo de reestruturação do sistema financeiro através do
Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional
(PROER), instituído em novembro de 1995.
O PROER consistiu de uma linha especial de redesconto, que buscava reestruturar bancos
em dificuldades, com a possibilidade de o Banco Central assumir suas carteiras de crédito,
transferir o controle destas instituições, ou privatizá - las. De 1994 a 1997 o Banco Central
interveio em 47 instituições financeiras, de um total de 271 existentes em 1994, e o valor
aplicado no programa durante este período foi de cerca de R$20 bilhões.
4.3.1.2 Política Fiscal
A situação fiscal após o fim da hiperinflação foi caracterizada por déficits públicos
significativos, devido à utilização de uma política fiscal expansionista e ao fim da possibilidade
de gerenciamento de caixa por parte do Tesouro Nacional com o objetivo de se beneficiar do
processo hiperinflacionário. Esta consistia em indexar as receitas do governo à inflação, mas não
suas despesas, faze ndo com que o adiamento dos gastos corroesse seu valor, facilitando o
controle das contas públicas.
41
Tabela 3 – Necessidade de Financiamento do Setor Público - % PIB
Composição
1991
Nominal
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
26,46
44,31
59,64
24,67
7,15
5,77
5,93
7,46
5,78
Governo central*
6,25
14,87
18,77
7,86
2,25
2,46
2,45
4,93
2,70
Governos estaduais e municipais
9,77
16,90
27,12
12,08
3,57
2,71
3,03
2,01
3,14
10,45
12,54
13,75
4,74
1,33
0,61
0,45
0,52
(0,07)
29,17
45,97
61,83
29,89
7,42
5,68
4,97
7,47
8,97
7,23
16,06
19,58
11,11
2,77
2,83
2,17
5,48
5,03
Governos estaduais e municipais
11,17
16,97
27,74
12,84
3,39
2,16
2,29
1,83
3,36
Empresas estatais
10,78
12,95
14,50
5,93
1,25
0,68
0,51
0,16
0,58
0,17
1,88
0,79
(1,25)
4,99
3,42
4,30
7,06
1,12
0,06
0,73
0,67
(1,68)
1,74
1,29
1,75
4,78
0,88
(0,68)
0,65
0,08
0,80
2,37
1,81
2,26
1,78
0,49
0,79
0,51
0,03
(0,37)
0,88
0,32
0,29
0,50
(0,26)
(2,71)
(1,57)
(2,19)
(5,21)
(0,27)
0,09
0,95
(0,01)
(3,19)
Governo central
(0,98)
(1,10)
(0,81)
(3,25)
(0,52)
(0,37)
0,27
(0,55)
(2,33)
Governos estaduais e municipais
(1,40)
(0,06)
(0,62)
(0,77)
0,18
0,54
0,74
0,19
(0,22)
Empresas estatais
(0,33)
(0,41)
(0,76)
(1,19)
0,07
(0,08)
(0,06)
0,35
(0,65)
Empresas estatais
Juros nominais
Governo central
Operacional
Governo central
Governos estaduais e municipais
Empresas estatais
(2,92)
Primário
Juros reais
(0,49)
2,88
3,46
2,97
4,39
5,26
3,32
3,35
7,07
4,31
Governo central
1,04
1,82
1,48
2,00
2,25
1,67
1,48
5,33
3,21
Governos estaduais e municipais
0,72
0,71
0,70
1,57
2,19
1,27
1,52
1,59
0,71
Empresas estatais
1,12
0,92
0,79
0,82
0,81
0,39
0,34
0,15
0,39
* Inclui Governo Federal e Banco Central
Fonte: Banco Central do Brasil
Como pode ser visto na tabela 3, a pouca importância dada à disciplina fiscal fez com que
as NFSP em termos operacionais 9 aumentassem de uma média de 0,4% do PIB em 1991-94 para
4,2% em 1995-99, tendo como grande responsável por esse aumento a piora nos resultados
primários, que passaram de um superávit de 2,9% do PIB para um déficit de 0,5% no mesmo
período. O aumento dos gastos com o pagamento de juros reais, que foram de 3,4% do PIB para
9
Expurga a atualização monetária incidente sobre as despesas com juros, uma vez que esta não deve afetar a
demanda agregada.
42
4,7% no período, embora em menor medida, também contribuíram para a piora dos resultados
operacionais. No mesmo quadro é possível verificar também que a piora nas contas públicas
ocorreu em todos os níveis governamentais.
Um fator importante a contribuir para a deterioração das contas públicas foi a
Constituição aprovada em 1988, que restringiu significativamente a flexibilidade dos gastos do
governo central e aumentou as despesas previdenciárias, e cujos efeitos foram mais sentidos com
o fim da hiperinflação. Um exemplo dessa redução da flexibilidade do governo central foi o
aumento das vinculações, com a parcela de IR e IPI trans ferida para os estados tendo aumentado
40% no período de 1988 a 1993.
No entanto, não só a rigidez dos gastos determinada pela Constituição levou ao aumento
do déficit público. O governo também adotou uma política fiscal expansionista ao elevar gastos
em áreas onde não havia compulsoriedade determinada pela Constituição, como no caso do
reajuste das aposentadorias e pensões acima da inflação e do aumento das OCC – outras
despesas de custeio e capital.
Apesar dos resultados fiscais negativos neste período, houve uma tímida tentativa de
adotar medidas visando à austeridade fiscal, como a determinação de que superávits do Banco
Central fossem utilizados para amortização da dívida pública e a criação do Fundo de
Amortização da Dívida Pública Mobiliária Federal, composto de ações cujos valores de
alienação seriam utilizados para amortização da dívida. No entanto, tais medidas não foram
suficientes para reverter os desequilíbrios fiscais causados pela falta de comprometimento em
conter os gastos públicos neste período.
43
4.3.1.3 Política Cambial
O regime cambial de “banda assimétrica”, implantado durante a fase de transição entre as
moedas cruzeiro real e real, foi substituído em março de 1995 por um regime de bandas
cambiais. Este regime, que acabou se convertendo em uma âncora cambial, foi o principal pilar
de sustentação do Plano Real nesta primeira fase.
O regime de “banda assimétrica” permitiu que o real se valorizasse frente ao dólar nos
primeiros meses do plano, conforme pode ser visto no gráfico 7, impulsionado por fatores como
a própria estabilização de preços e a farta liquidez internacional, além do reingresso do país no
fluxo voluntário de capitais internacionais devido à conclusão da renegociação de sua dívida
externa.
44
Gráfico 7 – Taxa de Câmbio Nominal (média mensal) – comercial venda
1,6
1,4
1,2
R$/US$
1
0,8
0,6
0,4
0,2
0
jul/94
jan/95
jul/95
jan/96
jul/96
jan/97
jul/97
jan/98
jul/98
jan/99
Fonte: Banco Central
No entanto, a partir do segundo trimestre de 1995 o país adota um regime de bandas
cambiais, o que causou apreensão no mercado, especialmente devido à falta de unidade da
equipe econômica em relação ao regime, porém o Banco Central logo tomou o controle da
situação, elevando os juros e reafirmando a nova política. Como pode ser visto no gráfico 7, o
novo regime se caracterizou por desvalorizações constantes da moeda, permitindo que fosse
caracterizado como um regime de crawling peg.
Em relação às reservas internacionais, cuja evolução pode ser vista no gráfico 8, estas
apresentaram três movimentos de queda acentuados, tendo o primeiro se iniciado no final de
1994, e sido causado principalmente pela retração dos capitais internacionais, provocada pela
crise mexicana. Em fins de 1997, com a crise asiática, o país novamente é atingido pelo medo
dos investidores em relação a países emergentes, o que provocou nova fuga de capitais e queda
45
nas reservas internacionais. Na tentativa de obter a confiança do mercado, o governo buscou
mostrar comprometimento para a implementação de um ajuste fiscal, o que possibilitou a
reversão no fluxo de queda das reservas no início de 1998.
Gráfico 8 – Reservas Interna cionais (liquidez internacional)
80000
70000
60000
US$ milhões
50000
40000
30000
20000
10000
0
jan/94
jul/94
jan/95
jul/95
jan/96
jul/96
jan/97
jul/97
jan/98
jul/98
jan/99
Fonte: Banco Central
No entanto, com o descumprimento do prometido ajuste fiscal, a credibilidade do país
ficou abalada, dificultando o enfrentamento à nova crise que se formava na Rússia no final de
1998, com a desvalorização do rublo e a decretação de moratória da dívida do país. Esta crise se
mostrava mais forte do que a da Ásia, com impacto sobre o spread pago pelos títulos da dívida
externa brasileira em relação aos títulos do Tesouro Americano de prazo comparável, ainda mais
acentuado – na primeira crise, o spread máximo ficou em torno de 800 pontos, enquanto na crise
46
da Rússia, esta diferença atingiu cerca de 2.100 pontos. Os mercados internacionais aumentaram
drasticamente sua aversão ao risco, o que atingiu especialmente o Brasil, que passou a ser
considerado o próximo país a entrar em crise.
Com a acentuada fuga de capitais a partir de setembro de 1998, o Banco Central aumenta
os juros para tentar conter a vertiginosa perda de divisas, que caíram de US$67 bilhões em
agosto para US$35 bilhões em dezembro de 1998. Segundo Franco (1999, p.319), tais saídas se
deram através de “(...)operações de arbitragem com Brady bonds, empresas comprando suas
próprias dívidas, saídas de operações não registradas pelas contas CC5 e ‘fugas de capitais’ no
sentido clássico do termo.”
Na busca por tentar impedir um colapso externo iminente, foi fechado acordo com o FMI
e outras instituições internacionais, que incluía um empréstimo de US$41,5 bilhões e que
obrigaria o país a cump rir metas de ajuste fiscal. O acordo foi construído rapidamente, tendo sido
aprovado em dezembro de 1998, porém não foi suficiente para recuperar a confiança do mercado
e o processo de queda das reservas internacionais prosseguiu, culminando no abandono do
regime de bandas cambiais em janeiro de 1999.
4.3.1.4 Resultados da primeira fase
Os primeiros anos do Plano Real foram caracterizados pela retomada do crescimento
econômico, conforme pode ser visto no gráfico 8, com o PIB variando 5,9% em 1994, puxado
pela euforia após a estabilização dos preços. No entanto, em 1998 o crescimento do PIB
arrefeceu, tendo ficado em 0,13%, devido aos efeitos da crise russa, que levaram a um forte
aumento das taxas de juros (ver gráfico 3), conforme já discutido.
47
Gráfico 8 – PIB – Trimestral (1990 = 100)
140
130
120
110
3º T 1998
1º T 1998
3º T 1997
1º T 1997
3º T 1996
1º T 1996
3º T 1995
1º T 1995
3º T 1994
1º T 1994
100
Fonte: IBGE
Em termos de desempenho das contas externas, as políticas baseadas em moeda
valorizada e abertura comercial, que buscavam conter reajustes de preços, tiveram como
conseqüência o aumento de 74% no valor das importações entre 1994 e 1998, o que acabou
deteriorando a balança comercial, conforme pode ser visto na tabela 4.
48
Tabela 4 – Indicadores do Setor Externo
(em US$ milhões)
1994
1995
1996
1997
1998
Transações Correntes
Balança Comercial
Serviços
Rendas
Transf. Unilaterais
-1.812
10.466
-5.657
-9.035
2.414
-18.385
-3.466
-7.483
-11.058
3.622
-23.501
-5.599
-8.681
-11.668
2.447
-30.452
-6.753
-10.646
-14.876
1.823
-33.452
-6.624
-10.108
-18.183
1.463
Reservas Internacionais
38.806
51.840
60.110
52.173
44.556
148.295
159.256
179.935 199.998
241.644
Dívida Externa
Fonte: Banco Central
Os resultados crescentemente negativos na conta de transações correntes, por sua vez,
foram causados não só pela balança comercial como também pela conta de rendas, cujo aumento
do déficit se deveu ao maior envio de lucros e dividendos para o exterior, devido aos bons
resultados que as empresas vinham obtendo com o crescimento da atividade econômica no país,
e dos juros de empréstimos, cujas taxas se mantiveram altas no período. A dívida externa, por
sua vez, dá um salto de 63% entre 1994 e 1998, puxada pelo aumento dos empréstimos e pelo
financiamento externo às importações.
Estes resultados tiveram como conseqüência um aumento da vulnerabilidade externa do
país, conforme é possível ver na tabela 5, com a relação balança comercial/ PIB caindo de 1,9%
em 1994 para -0,8% em 1998, refletindo na relação transações correntes/ PIB, que foi de -0,3%
para -4,2% no mesmo período. Além disso, a dívida externa saltou de 3,4 vezes o valor das
exportações para 4,7 entre 1994 e 1998, devido ao forte crescimento desta dívida, enquanto as
exportações cresceram apenas 17% no período, com o desestímulo do câmbio valorizado. O
49
crescimento da dívida externa fez ainda com que a relação dívida externa/ PIB passasse de
27,1% para 30,7% no período 1994-98.
Tabela 5 – Indicadores de Vulnerabilidade Externa
Dívida Externa/ PIB
Dívida Externa/ Exportações
Balança Comercial/ PIB
Transações Correntes/ PIB
1994
1995
1996
1997
1998
27,1%
22,6%
23,2%
24,8%
30,7%
3,41
3,42
3,77
3,77
4,73
1,9%
-0,5%
-0,7%
-0,8%
-0,8%
-0,3%
-2,6%
-3,0%
-3,8%
-4,2%
Fonte: Cálculo próprio a partir de dados do Banco Central e IPEAData.
A política de juros altos e as crises externas vividas pelo país neste período, que retraíram
o fluxo de capitais internacionais, tiveram reflexos também nos investimentos, cuja taxa caiu de
20,5% em 1994 para 18,9% em 1999, conforme é possível ver na tabela a tabela 6. Essa queda
reflete o desestímulo da indústria em investir na ampliação da capacidade produtiva do país,
acabando por inviabilizar um processo de crescimento de longo prazo.
Tabela 6 – Taxa de Investimento
% PIB
1994
20,75
1995
20,54
1996
19,26
1997
19,86
1998
19,69
1999
18,9
Fonte: IBGE
Em termos de endividamento público, o gráfico 10 mostra que este oscilou entre 28% e
35% do PIB até 1997, quando iniciou uma trajetória de forte crescimento, causada
50
principalmente pelo aumento nos gastos com juros, cujas despesas passaram de 4,97% do PIB
em 1997 para 7,47% em 1998, e pelo fraco desempenho do PIB em 1998.
Gráfico 10 – Dívida Líquida do Setor Público - % PIB
45
40
35
30
25
20
1994
1995
1996
1997
1998
Fonte: Banco Central
Esta primeira fase do Plano Real, portanto, deixa claro a insustentabilidade de um regime
de âncora cambial em um ambiente de descontrole fiscal e desequilíbrio nas contas externas, que
fragilizam a economia, tornando-a vulnerável a ataques especulativos. A crise de confiança que
atingiu o país no final de 1998 levou à necessidade de completa reformulação das políticas
econômicas, enquanto a baixa taxa de investimento apr esentada no período exemplifica a
necessidade de melhorias nos fundamentos macroeconômicos para a sustentabilidade de um
crescimento no longo prazo.
51
4.3.2 Segunda fase
A segunda fase do Plano Real é caracterizada por políticas econômicas bastante distintas
das políticas da primeira fase, tendo como tripé a adoção de um regime de câmbio flexível,
política fiscal mais restritiva, e o estabelecimento de metas para a inflação para o direcionamento
da política monetária. Nesta fase os índices de inflação permaneceram sob controle, apesar de
uma ameaça de aceleração em 2002, como pode ser visto na tabela 7.
Tabela 7 – Índices de Inflação - % a.a.
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
IPCA
8,94
5,97
7,67
12,53
9,30
7,60
5,69
IGP-DI
19,99
9,80
10,40
26,41
7,66
12,13
1,23
IPC (FGV)
9,11
6,21
7,93
12,15
8,92
6,27
4,93
INPC
8,43
5,27
9,44
14,74
10,38
6,13
5,05
Fonte: IBGE e FGV
4.3.2.1Política Cambial
Em janeiro de 1999, o governo é forçado a alterar sua política cambial devido à acelerada
perda de reservas, deixando a moeda flutuar e provocando um overshooting em sua cotação, que
atingiu R$1,91/ US$ em fevereiro de 1999, em comparação com a cotação de R$1,21 / US$
existente em dezembro de 1998, no que representou uma desvalorização de 59% em dois meses.
52
O novo regime foi anunciado prevendo a ocorrência de intervenções do Banco Central no
mercado de câmbio , de forma a evitar volatilidade excessiva nas cotações. Após a forte
desvalorização inicial, a autoridade monetária foi retomando gradualmente sua capacidade de
intervir, fazendo com que o regime fosse caracterizado a partir de então por uma flutuação
“suja”. A alteração de regime cambial implicou ainda na revisão do acordo com o FMI, firmado
em dezembro de 1998, com o desembolso de US$ 9,3 bilhões neste ano referente à primeira
parcela de um valor total de US$18,1 bilhões.
Gráfico 11 – Taxa de Câmbio Nominal (média mensal) – comercial venda
4
3,5
3
2
1,5
1
0,5
jan/06
jul/05
jan/05
jul/04
jan/04
jul/03
jan/03
jul/02
jan/02
jul/01
jan/01
jul/00
jan/00
jul/99
0
jan/99
R$/US$
2,5
Fonte: Banco Central
53
Como pode ser observado no gráfico 11, o período analisado apresentou considerável
volatilidade do câmbio, apesar das intervenções do Banco Central. Após a maxidesvalorização
em janeiro de 1999, a taxa de câmbio apresenta breve recuperação devido à melhora das
expectativas com o sucesso das revisões do acordo com o FMI. No entanto, no final de 2000, a
instabilidade política e econômica da Argentina contribui para o início de um processo de
desvalorização da moeda, que se estende até o final de 2001, quando o país fecha novo acordo de
assistência financeira com o FMI, no valor total de US$15,7 bilhões, tendo US$4,7 bilhões sido
sacados imediatamente.
A partir do segundo trimestre de 2002, a moeda inicia novo processo de desvalorização,
com a cotação do dólar aumentando de R$2,32 em abril de 2002 para R$3,81 em outubro do
mesmo ano. Fatores internos, como as incertezas decorrentes da condução da economia após as
eleições no final do ano, e externos, como o baixo crescimento dos países desenvolvidos – cujo
crescimento médio em 2001 e 2002 foi de 1,15% –, o surgimento de fraudes contábeis em
grandes empresas americanas e as crises observadas em mercados emergentes, com destaque
para a crise Argentina, provocaram aumento na aversão ao risco por parte dos capitais
estrangeiros.
O processo de desvalorização da moeda é revertido a partir do primeiro trimestre de
2003, com a dissipação das preocupações quanto às ações do novo governo, que dá continuidade
às políticas econômicas que já vinham sendo adotadas, a consolidação do ajuste externo, e a
elevação da taxa Selic. O processo de valorização cambial que passa a ocorrer a partir de então
possibilita ao país não renovar o acordo com o FMI em julho de 2005, pagando antecipadamente
ao órgão as amortizações de dívidas contraídas em acordos anteriores.
54
4.3.2.2 Política Monetária
A política monetária pode ser considerada o principal instrumento para controlar a
inflação durante a segunda fase do Plano Real, tendo se baseado em um regime de metas de
inflação, na busca por influenciar as expectativas inflacionárias do mercado, e taxas de juros
altas para perseguir tais metas. O índice de preços escolhido para servir ao regime de metas de
inflação foi o IPCA –Índice de Preços ao Consumidor Amplo.
Segundo Goldfjan (2002), o regime de metas de inflação passou por diversos desafios ao
longo de sua vigência no Brasil, sendo os três principais a construção de credibilidade por parte
da autoridade monetária, as mudanças nos preços relativos, e a grande volatilidade da taxa de
câmbio.
A credibilidade na condução da política monetária foi adquirida pelo Banco Central
mesmo não havendo uma independência formal deste órgão em relação ao governo, através de
sua posição firme em perseguir as metas estabelecidas mesmo durante choques adversos, além da
condução da política monetária de forma consistente com as diretrizes traçadas pelo Copom, e do
estabelecimento de comunicação clara e transparente com o mercado, inclusive nos momentos
em que as metas não foram cumpridas. Segundo Goldfajn, essa credibilidade continua sendo
construída, e a independência do Banco Central contribuiria para elevá - la.
O aumento dos preços administrados10 acima da variação dos demais preços da economia
representou também um desafio na busca pelo cumprimento das metas de inflação. Estes preços
10
Os preços administrados são aqueles estabelecidos por contrato ou por órgão público, e englobam os preços dos
serviços telefônicos, produtos derivados de petróleo, eletricidade, planos de saúde, taxa de água e esgoto, IPVA,
IPTU e a maioria das tarifas de transporte público.
55
possuíam uma participação de 33,63% no IPCA em junho de 2006 11 , e, como é possível ver no
quadro 1, durante todo o período de vigência do Plano Real foram os grandes responsáveis por
estimular o aumento da inflação.
Os reajustes dos preços administrados acima dos demais que compõem o IPCA se
deveram a fatores como: terem sua dinâmica ditada pela dependência dos preços internacionais,
em especial no caso dos derivados de petróleo; sofrerem forte influência da taxa de câmbio em
função de contratos indexados a índices de preços sensíveis às alterações de câmbio 12; e
possuírem forte componente inercial em seus reajustes, estabelecidos por contratos com base na
média da inflação passada.
Quadro 1 – IPCA (% a.a.)
Comercializáveis
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
10,55%
2,24%
1,50%
1,22%
11,26%
3,64%
7,31%
14,88%
8,69%
6,31%
2,74%
Não
comercializáveis
35,52%
13,81%
4,39%
1,47%
1,61%
3,71%
5,70%
7,47%
6,66%
6,84%
6,36%
Preços
administrados
28,17%
20,24%
18,33%
3,23%
20,89%
12,90%
10,78%
15,32%
13,20%
10,20%
8,98%
TOTAL
22,41%
9,56%
5,23%
1,66%
8,94%
5,97%
7,67%
12,53%
9,30%
7,60%
5,69%
Fonte: IPEAData
Com base nesta dinâmica é possível entender o motivo dos reajustes nos preços
administrados terem ficado acima dos preços livres, principalmente no final dos anos 1980 e
11
De acordo com o Banco Central. Para maiores informações sobre os preços administrados, ver BANCO
CENTRAL DO BRASIL (2006).
12
Como no caso do IGP -DI (Índice Geral de Preços).
56
início da década seguinte, quando o preço médio dos combustíveis importados aumentou 210%
entre janeiro de 1999 e janeiro de 2003, e a desvalorização cambial atingiu 216% entre dezembro
de 1998 e outubro de 2002 13 . É importante observar, ainda no quadro 1, a volatilidade nos preços
dos bens comercializáveis, em especial a partir de 1999, quando o câmbio passa a flutuar, que
pode ser explicada pelo fato destes bens serem mais fortemente afetados por estas alterações no
câmbio do que os produtos não comercializáveis.
O terceiro desafio para a política de metas de inflação, segundo Goldfajn, foi a excessiva
volatilidade do câmbio no período, que levou a freqüentes revisões das expectativas de inflação e
dificultou o cumprimento das metas. Conforme já discutido na seção sobre política cambial, a
resposta do Banco Central a este desafio se deu através de intervenções no mercado cambial
buscando reduzir esta volatilidade. Como é possível ver pela continuação da inflação em níveis
baixos, o regime de metas de inflação foi, portanto, bem sucedido no enfrentamento aos desafios
citados.
Analisando o cumprimento das metas estabelecidas para a inflação, é possível ver pela
tabela 8 que nos primeiros dois anos a inflação ficou dentro da meta, mesmo com o impacto da
depreciação do câmbio no início de 1999. Nos três anos seguintes, porém, o governo não
conseguiu cumprir as metas. Em 2001 a inflação ficou maior que o esperado devido ao cenário
externo desfavorável, que acabou desvalorizando a moeda e pressionando a inflação, conforme já
discutido. Os elevados reajustes dos preços administrados também tiveram importante papel na
pressão inflacionária neste ano.
13
De acordo com dados do Banco Central do Brasil.
57
Tabela 8 – Regime de Metas de Inflação
Meta
Meta
ajustada
Tolerância
IPCA efetivo
1999
8,00%
2 p.p.
8,94
2000
2001
2002
2003
6,00%
4,00%
3,50%
4,00%
2 p.p.
2 p.p.
2 p.p.
2,5 p.p.
5,97
7,67
12,53
9,30
2004
5,50%
2,5 p.p.
7,60
2005
4,50%
2,5 p.p.
5,69
8,50%*
5,10%
Meta
cumprida
a
a
X
X
X
a
a
* Meta ajustada proposta em carta aberta, mas não definida pelo Conselho Monetário Nacional
Fonte: Banco Central
Em 2002 a pressão inflacionária aumenta, puxada principalmente pela crise de confiança
provocada pelas eleições e pela retração dos mercados internacionais, que levou a uma
depreciação cambial de 55% entre abril de 2002 e fevereiro de 2003, impactando principalmente
os preços administrados e de bens comercializáveis (ver quadro 1). Em 2003, mesmo com o
aumento dos intervalos de tolerância, o governo não consegue cumprir a meta, sofrendo ainda os
efeitos inerciais da aceleração inflacionária do ano anterior.
A meta de 2004, por sua vez, ficou dentro do intervalo de tolerância, em um contexto de
crescimento do PIB, queda na relação dívida/ PIB e bom desempenho do cenário externo, com
ausência de choques, câmbio estável, e crescimento mundial de 5,3%, com taxa libor em dólar
média de 1,8%a.a. Em 2005, com a continuação deste cenário favorável, o IPCA volta a fechar
dentro da meta.
O gráfico 12 mostra a evolução da taxa de juros nesta segunda fase do Plano Real, com
destaque para o forte aumento da Selic no momento da transição entre regimes cambiais, visando
conter a saída de capitais e o processo de desvalorização.
58
Gráfico 12 – Taxa Selic Nominal – efetiva
50
45
40
35
30
% aa
25
20
15
10
5
* acumulada no mês anualizada
jul/06
jan/06
jul/05
jan/05
jul/04
jan/04
jul/03
jan/03
jul/02
jan/02
jul/01
jan/01
jul/00
jan/00
jul/99
jan/99
0
Fonte: Banco do Brasil
No segundo semestre de 2002 as taxas de juros apresentam novo crescimento
significativo, devido ao aumento da meta para a Selic, que passa de 18% em outubro de 2002
para 25% em dezembro e para 26,5% em fevereiro de 2003, em resposta às pressões
inflacionárias decorrentes da depreciação cambial, causada por fatores já discutidos
anteriormente.
Por sua vez, o comportamento do crédito neste período, medido em termos reais, pode ser
verificado no gráfico 13, no qual é possível ver uma retração em 1999, devido à insegurança
causada tanto pelo aumento do risco percebido com a mudança no regime cambial e suas
possíveis repercussões no nível de preços, quanto pelas variações das taxas de juros. O baixo
crescimento econômico neste ano também contribuiu para contrair a demanda por crédito.
59
Gráfico 13 – Operações de Crédito
700.000
600.000
500.000
jan/06
jul/05
jan/05
jul/04
jan/04
jul/03
jan/03
jul/02
jan/02
jul/01
jan/01
jul/00
jan/00
jul/99
jan/99
400.000
(*) Valores trazidos a abr/06 pelo IPCA
Fonte: Banco Central
Em 2000 o Banco Central reduz novamente a taxa de compulsório sobre depósitos à
vista, que cai para 45%, como pode ser visto no gráfico 14, auxiliando na retomada do crédito.
Com a turbulência no mercado cambial no segundo semestre de 2002, o volume de crédito volta
a se retrair, principalmente a partir de fevereiro de 2003, quando a taxa de compulsório sobre
depósitos à vista sobe para 68%. A partir do segundo semestre deste ano, porém, as operações de
crédito iniciam uma trajetória de crescimento, puxadas pela queda na taxa de juros, redução da
alíquota do compulsório, que cai para 53%, e pelo cenário de estabilidade cambial, além do
impulso proporcionado pelo crédito consignado em folha de pagamento, que estimulou o crédito
para pessoa física.
60
Gráfico 14 – Alíquota de Recolhimento Compulsório - % sobre depósitos à vista
100
90
80
70
60
50
40
jan/06
jul/05
jan/05
jul/04
jan/04
jul/03
jan/03
jul/02
jan/02
jul/01
jan/01
jul/00
jan/00
jul/99
jan/99
30
Fonte: Relatórios Anuais do Banco Central
4.3.2.3 Política Fiscal
A partir de 1999 o governo altera sua política fiscal, passando a adotar uma política de
austeridade das contas públicas com o objetivo de atender ao compromisso firmado com o FMI
de implementar um ajuste fiscal, medido através de metas para o superávit fiscal primário, que
podem ser vistas na tabela 9, e que, com exceção do primeiro ano de vigência das metas, foram
cumpridas em todos os demais anos.
61
Tabela 9 – Metas de Superávit Fiscal Primário
Em % PIB
Meta
Meta
ajustada
Meta
cumprida
Efetivo
1999
3,25
3,19
X
2000
3,25
3,46
2001
3,35
3,64
2002
3,50
3,88
3,89
2003
3,75
4,25
4,25
2004
4,25
4,50
4,59
2005
4,25
a
a
a
a
a
a
4,84
Fonte: Banco Central do Brasil
O ajuste fiscal que o país implementou no período se baseou no aumento da arrecadação
para compensar o crescimento dos gastos e possibilitar um resultado primário positivo. Com
conseqüência desta estratégia, a carga tributária aumenta de 29,9% do PIB em 1998 para 37,4%
em 2005, com o volume total arrecadado neste último ano chegando a R$ 724,1 bilhões, e
representando um aumento real de 67,3% no período, como pode ser visto na tabela abaixo.
Tabela 10 – Carga Tributária
Carga Tributária Bruta (% PIB)
Arrecadação (R$ bilhões)
1998
29,90
269,05
1999
32,15
306,26
2000
32,95
361,57
2001
33,84
406,87
2002
35,53
473,84
2003
34,90
542,75
2004
35,88
633,81
Fonte: Receita Federal
Ao mesmo tempo em que a carga tributária aumentou ao longo dos anos, os gastos do
governo central se expandiram 57% entre 1999 e 2005, já excluídos os efeitos da inflação. Parte
2005
37,37
724,11
62
da resistência em reduzir os gastos públicos, no entanto, se deve u ao fato de que o governo ter
mais de 80% de seu Orçamento comprometido com despesas obrigatórias, conforme já discutido.
Cabe destacar a importância da aprovação em 2000, do projeto batizado de Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), cujo objetiv o foi determinar maior responsabilidade na gestão
pública, e tendo como escopo um conjunto de definições e compromissos que deveriam nortear o
comportamento das autoridades, balizando a administração das finanças públicas nos níveis
central, estadual e municipal, de forma a atuarem na busca pelo equilíbrio nas contas públicas.
Dentre os principais aspectos do projeto destacam-se o estabelecimento de teto para as despesas
com pessoal e a limitação do endividamento público, prevendo sanções para o caso de
descumprimento das regras da lei.
Como resultado do comprometimento do governo com a disciplina fiscal, os resultados
do setor público vêm melhorando na segunda fase do Plano Real, conforme pode ser visto na
tabela 11:
63
Tabela 11 – Necessidade de Financiamento do Setor Público (% PIB)
Composição
1998
Nominal
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
7,46
5,78
3,61
3,57
4,58
5,08
2,67
3,29
Governo central*
4,93
2,70
2,27
2,11
0,75
3,99
1,53
3,79
Governos estaduais e municipais
2,01
3,14
2,08
2,02
3,83
1,74
1,92
0,28
Empresas estatais
0,52
(0,07)
(0,74)
(0,56)
0,01
(0,65)
(0,79)
(0,78)
Juros nominais
7,47
8,97
7,08
7,21
8,47
9,33
7,26
8,13
Governo central
5,48
5,03
4,13
3,94
3,12
6,48
4,50
6,68
Governos estaduais e municipais
1,83
3,36
2,63
2,90
4,62
2,62
2,91
1,38
Empresas estatais
0,16
0,58
0,32
0,37
0,74
0,22
(0,15)
0,07
(0,01)
(3,19)
(3,46)
(3,64)
(3,89)
(4,25)
(4,59)
(4,84)
(0,55)
(2,33)
(1,86)
(1,83)
(2,37)
(2,49)
(2,97)
(2,88)
Governos estaduais e municipais
0,19
(0,22)
(0,55)
(0,87)
(0,79)
(0,89)
(0,99)
(1,10)
Empresas estatais
0,35
(0,65)
(1,06)
(0,93)
(0,73)
(0,87)
(0,64)
(0,85)
Primário
Governo central
Juros reais
7,07
4,31
4,64
4,69
1,31
7,10
3,18
7,57
Governo central
5,33
3,21
3,16
2,95
0,05
5,43
2,34
6,35
Governos estaduais e municipais
1,59
0,71
1,23
1,34
0,53
1,47
1,00
1,15
Empresas estatais
0,15
0,39
0,24
0,40
0,73
0,20
(0,15)
0,07
* Inclui Governo Federal e Banco Central
Fonte: Banco Central do Brasil
Essa mudança da política fiscal, para uma postura mais austera, pode ser constatada pela
queda das NFSP, em termos nominais, que eram de 7,46% do PIB em 1998, e foram para 3,29%
em 2005, enquanto neste mesmo período, o resultado primário passou de um superávit de apenas
0,01% do PIB, para 4,84% do PIB. É importante observar ainda a participação dos estados,
municípios e empresas estatais nessa melhoria do desempenho das contas públicas.
Os altos gastos com o pagamento de juros fizeram, porém, com que o resultado nominal
ficasse negativo durante todo o período analisado, com o resultado primário não sendo suficiente
para cobrir os encargos financeiros do setor público.
4.3.2.4 Resultados da segunda fase
64
O país apresentou um crescimento fraco do PIB no período de 1999 a 2005, com média
de crescimento de 2,3%, reflexo das políticas restritivas, que durante este período tiveram como
principal objetivo a consolidação da estabilidade de preços e o ajuste fiscal.
Gráfico 15 – PIB – Trimestral (1990 = 100)
150
140
130
120
3º T 2005
1º T 2005
3º T 2004
1º T 2004
3º T 2003
1º T 2003
3º T 2002
1º T 2002
3º T 2001
1º T 2001
3º T 2000
1º T 2000
3º T 1999
1º T 1999
110
Fonte: IBGE
O bom desempenho do cenário internacional, como pode ser visto pelo crescimento
mundial médio de 4,1% entre 1999 e 200514 , juntamente com a mudança de regime cambial,
permitiu uma melhora das contas externas do país, principalmente através da retomada do
dinamismo das exportações, que cresceram em termos reais 73% entre 1999 e 2005, atingindo
US$118,3 bilhões neste último ano. Este crescimento, por sua vez, foi puxado em grande parte
pelo aumento no preço das commodities vendidas pelo país – que pode ser exemplificado por
14
De acordo com dados do IFS/FMI.
65
alguns dos principais itens da pauta de exportação, como o preço de exportação de combustível,
que aumentou 204% entre 1999 e 2005, o do açúcar, que cresceu 30% e o dos produtos
agropecuários, que aumentaram 21%15 –, fazendo com que as exportações se expandissem
mesmo diante de um cenário de valorização cambial.
Com isso, a balança comercial apresenta crescentes superávits a partir de 1999, que
influenciam fortemente o desempenho do saldo de transações correntes, como pode ser visto na
tabela 12. Em contrapartida, os saldos negativos na conta de rendas foram causados pelo
aumento das remessas para pagamento de juros, lucros e dividendos no período, com destaque
para o significativo aumento do déficit em 2005, puxado pelo crescimento das remessas de
lucros e dividendos provenientes de investimentos feitos no país, impulsionados pelo bom
desempenho da atividade econômica em 2004 e pela valorização da moeda.
Tabela 12 – Indicadores do Setor Externo
(em US$ milhões)
Transações Correntes
Balança Comercial
Serviços
Rendas
Transf. Unilaterais
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
-25.398
-1.294
-6.962
-18.837
1.695
-24.688
-749
-7.574
-17.886
1.521
-23.214
2.650
-7.759
-19.743
1.638
-7.718
13.121
-5.038
-18.191
2.390
4.177
24.794
-4.931
-18.552
2.866
11.711
33.641
-4.678
-20.520
3.268
14.198
44.756
-8.148
-25.967
3.558
36.342
33.011
35.866
37.823
49.296
52.935
53.799
241.468
236.156
226.067
227.689
235.414
220.182
187.397
Reservas Internacionais
Dívida Externa
Fonte: Banco Central
15
De acordo com dados do IPEAData.
66
Como resultado desse bom desempenho das variáveis externas, o país vem melhorando
seus indicadores de vulnerabilidade, que podem ser vistos na tabela 13, com a melhora da
relação transações correntes/ PIB, que foi de -4,7% em 1999 para 1,8% em 2005, puxada em
grande parte pela melhora da relação balança comercial/ PIB, que foi de -0,2% para 5,6% no
mesmo período. A dívida externa, por sua vez, vem caindo desde 2003 devido ao bom cenário
externo e ao processo de desvalorização ocorrido no período, que vêm possibilitando a
amortização de parte desta dívida, fazendo com que as relações dívida externa/ PIB e dívida
externa/ exportações caíssem fortemente entre 1999 e 2005.
Tabela 13 – Indicadores de Vulnerabilidade Externa
2000
2001
2002
2003
2004
2005
39,2%
44,3%
49,4%
46,6%
36,5%
23,6%
4,29
3,88
3,77
3,22
2,28
1,58
Balança Comercial/ PIB
-0,1%
0,5%
2,8%
4,9%
5,6%
5,6%
Transações Correntes/ PIB
-4,0%
-4,6%
-1,7%
0,8%
1,9%
1,8%
Dívida Externa/ PIB
Dívida Externa/ Exportações
Fonte: Cálculo próprio a partir de dados do Banco Central e IPEAData.
A dívida pública como relação do PIB, por sua vez, ficou em 53,1% na média da segunda
fase do Plano Real, enquanto na primeira fase, esta participação ficou em 32,9%. O aumento do
endividamento aconteceu apesar da disciplina fiscal adotada, e se deveu principalmente aos
maiores gastos com juros, cuja média ficou em 8,0% do PIB entre 1999-2005 e 6,4% entre 199498.
67
Gráfico 16 – Dívida Líquida do Setor Público - %PIB
65
60
55
50
45
40
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Fonte: Banco Central
Conforme é possível ver no gráfico 16, a relação dívida pública/ PIB apresentou
crescimento até o final de 2002, quando atingiu 63,6% em setembro deste ano, principalmente
devido à desvalorização, que fez aumentar o custo da dívida mobiliária indexada ao dólar, que
representava 29,5% da dívida mobiliária total em dezembro de 200116 , e da dívida externa
líquida, que aumentou R$134 bilhões 17 somente em 2002. Esta relação passa a cair a partir do
final do ano, puxada pelo aumento do superávit primário. A partir do segundo semestre de 2003,
porém, com o baixo desempenho do PIB e os altos gastos com juros, que chegaram a 9,33% do
PIB neste ano, esta relação volta a crescer, tornando a cair em meados de 2004, com o aumento
do superávit primário e a redução d estes gastos com juros, puxada pela queda da Selic neste ano,
bem como com o maior crescimento do PIB.
16
17
De acordo com o Banco Central do Brasil.
Cálculo próprio a partir de dados do IPEAData e do Banco Central do Brasil.
68
Analisando a composição da DLSP ao longo de todo o período do Plano Real, verifica-se
que esta passou de predominantemente externa, com esta parcela representando 63% do total da
dívida em 1991, para se tornar quase que totalmente interna em 2005, com esta representando
95% do total, conforme é possível verificar no Gráfico 17.
Gráfico 17 – Dívida Líquida do Setor Público – Externa e Interna - % PIB
70
60
50
40
30
,
20
10
0
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
DLSP Externa
DLSP Interna
Fonte: Banco Central
A dívida mobiliária federal, que era de R$ 415 bilhões em 1999, e representava 39,1% do
PIB, passou para R$ 980 bilhões em 2005, ou 50,3% do PIB. O governo, porém, vem tentando
melhorar o perfil desta dívida ao longo dos últimos anos, como é possível ver na tabela 14,
reduzindo a parcela indexada à moeda estrangeira – que caiu de 24,2% do PIB em 1999 para
2,7% em 2005 –, e aumentando a participação de títulos pré- fixados, que permitem maior
previsibilidade das despesas. Por outro lado, o prazo desta dívida também vem sendo alongado,
69
com a duração média dos títulos tendo aumentado de 4,7 meses em janeiro de 1999, para 12,0
meses em dezembro de 200518 .
Tabela 14 – Títulos Públicos Federais
Total (R$ milhões)
1999
2000
2001
2002
Participação percentual por indexador
2003
2004
2005
414.901
510.698
624.084
623.191
731.858
Câmbio
10,8
979.662
24,2
22,3
28,6
TR
3,0
4,7
3,8
2,1
1,8
2,7
2,1
Índices de preços
2,5
6,0
7,0
12,5
13,5
14,8
15,5
Over/ Selic
61,1
52,2
52,8
60,8
61,4
57,1
51,8
Prefixado
9,2
14,8
7,8
2,2
12,5
20,2
27,9
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Total
22,4
810.264
5,2
2,7
Fonte: Banco Central do Brasil
Através dos resultados analisados nes ta seção, é possível verificar que, apesar de o país
ter realizado a troca de regime cambial em meio a um ataque especulativo, a economia não
mergulhou em uma recessão, com volta do processo inflacionário. Isso se deveu em grande parte
à política de juros altos, que atuou para conter a pressão inflacionária e estimular a entrada de
capitais no país.
O ajuste fiscal foi outro importante instrumento utilizado para melhorar os fundamentos
da economia e garantir a continuidade do plano de estabilização, porém, ao se basear no aumento
da tributação, este ajuste vem contribuindo para o fraco desempenho do PIB, com o desestímulo
ao investimento, como pode ser visto pela baixa taxa de investimento (tabela 15) existente no
país, que ficou em 19% na média de 1999 a 2005, insuficiente para garantir o aumento da
capacidade produtiva e crescimento econômico sustentável.
18
Todos os dados referentes à dívida mobiliária têm como fonte o Banco Central do Brasil.
70
Tabela 15 – Taxa de Investimento - % PIB
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
18,9
19,29
19,47
18,32
17,78
19,58
19,93
Fonte: IBGE
Apesar de o ajuste fiscal ser imprescindível para permitir uma redução da taxa de juros e
estimular o crescimento, uma vez que uma relação dívida/ PIB alta obriga à manutenção de altas
taxas de juros para compensar o aumento do risco percebido pelos agentes, há que se atentar para
a qualidade deste ajuste. O ajuste fiscal deve se basear na redução dos gastos mais do que no
aumento da arrecadação, bem como na melhoria na alocação destes gastos, com foco na redução
das despesas com custeio e manutenção da máquina estatal, o que não vem ocorrendo no país.
Com isso, apesar de o país estar seguindo o caminho correto ao melhorar seus
fundamentos do ponto de vista macroeconômico, torna -se de suma importância daqui para frente
a implementação de uma melhora na qualidade do ajuste fiscal implementado, com vistas a
impulsionar o crescimento econômico de forma sustentável através da redução da carga tributária
e retomada dos investimentos.
71
5
A ARGENTINA E O PLANO DE CONVERSIBILIDADE
5.1
Antecedentes
A economia argentina sofreu com o baixo desempenho econômico na década de 1980,
tendo sido atingida por um cenário externo de recessão, com baixo crescimento mundial e
escassez de financiamento, conforme já discutido no capítulo anterior, o que fez com que o PIB
do país apresentasse uma queda média de 0,7% durante os anos 80. O país vivia nessa época
ainda, um processo de transição para um regime democrático, após o fim do regime militar em
1983.
Diante de taxas de juros internacionais altas, o país sofreu um aumento de sua dívida
externa, tendo este período sido caracterizado por uma série de acordos com órgãos
internacionais, principalmente o FMI 19 , na busca por financiamento para suas contas externas
negativas. Os altos gastos com o pagamento do serviço da dívida externa fizeram com que a
conta corrente apresentasse sucessivos déficits neste período, tendo acumulado um resultado
negativo de cerca de US$ 16 bilhões 20 entre 1982 e 1990.
A década de 1980 foi ainda caracterizada por apresentar déficits fiscais primários em
todos os anos, com uma média de déficit de 3,9% do PIB21 , devido à pouca preocupação com a
questão fiscal neste período, que também foi caracterizado por um processo de aceleração
inflacionária, como pode ser visto no gráfico 18. A partir da segunda metade da década de 1980
o país realiza algumas tentativas de conter este processo, primeiro com o Plano Austral, em
19
Para mais detalhes sobre os acordos firmados entre o FMI e a Argentina, ver WIJNHOLDS (2001).
Ver DAMILL (1994)
21
De acordo com dados da Secretaría de Hacienda.
20
72
1985, e depois com o Plano Primavera, em 1988. Em comum, estes planos conseguiram uma
redução temporária das taxas de inflação, porém com o retorno do processo inflacionário
posteriormente.
Gráfico 18 – Inflação – IPC *
250,0
375
" troca de
governo "
200,0
(%a.m.)
150,0
Plano
Bonex
100,0
Plano
Austral
50,0
Plano
Primavera
* Referente à Grande Buenos Aires
jan/91
jul/90
jan/90
jul/89
jan/89
jul/88
jan/88
jul/87
jan/87
jul/86
jan/86
jul/85
jan/85
jul/84
jan/84
0,0
Fonte: INDEC
Em 1988, com a deterioração econômica do país e o descumprimento de acordos
anteriores, o país teve negado um novo desembolso do FMI, o que acabou culminando em uma
moratória não declarada de sua dívida externa. Diante desta crise, a inflação inicia nova escalada
no início de 1989. Em julho deste ano, ocorre mudança de governo e o estabelecimento de
políticas baseadas em abertura comercial e privatizações, além do refinanciamento da dívida
externa, que, inicialmente, contiveram a inflação.
73
No entanto, a elevada dívida pública voltou a alimentar a oferta monetária e a inflação
torna a aumentar no segundo semestre de 1989. Em janeiro de 1990 é lançado o Plano Bonex,
que reduziu a liquidez drasticamente e refinanciou a dívida pública. Porém a situação voltou a se
deteriorar no início de 1991, resultando no anúncio, em abril, de um novo plano, denominado de
Plano de Conversibilidade, e que será discutido na próxima seção.
5.2
O Plano de Conversibilidade e a crise
O Plano de Conversibilidade teve como base uma reforma monetária que transformou o
Banco Central basicamente em uma Caixa de Conversão, transferindo o poder de desvalorizar a
moeda para o Congresso e retirando do Banco Central um de seus principais instrumentos de
política monetária, além de dar à moeda nacional maior credibilidade, ao atribuir à ela um valor
previsível e respaldo em reservas de moeda forte, atrelando a base monetária ao nível de divisas.
A Lei de Conversibilidade, de março de 1991, instituiu o regime de currency board,
fixando a taxa de câmbio de 1 austral para 1 dólar (o peso argentino substitui o austral em janeiro
de 1992), estabelecendo a livre conversibilidade entre a moeda local e qualquer outra moeda
estrangeira e autorizando a realização de contratos no país em qualquer moeda.
Como é possível ver na tabela 16, o novo plano consegue reduzir drasticamente as taxas
de inflação, que caíram de 1.344,5% a.a. em 1990, para 84,0% a.a. em 1991 – levando em
consideração um primeiro trimestre de índices de inflação ainda altos – e 17,7% em 1992, tendo
mantido a tendência de queda até atingir um nível de inflação zero em 1996.
74
Tabela 16 – Índice de Inflação
% a.a.
IPC*
IPC
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1344,5%
84,0%
17,7%
7,3%
3,7%
1,7%
0,0%
0,4%
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
0,6%
-1,9%
-0,8%
-1,4%
40,9%
3,5%
6,1%
12,3%
Fonte: INDEC
* Referente à Grande Buenos Aires
Nas próximas seções serão analisadas de forma separada as políticas econômicas
adotadas durante o Plano de Conversibilidade até o abandono do regime de currency board, em
2001, quando, a partir de então, as políticas serão analisadas em conjunto.
Cabe destacar a dificuldade de obtenção de dados anteriores à segunda metade da década
de 1990 junto a órgãos oficiais, inclusive no caso de indicadores macroeconômicos importantes
como os relacionados às finanças públicas e à dívida externa, o que pode fazer com que a análise
de alguns dados fique prejudicada.
5.2.1 Política Monetária
A Lei de Conversibilidade estabeleceu que a base monetária não poderia exceder o valor
em dólares das reservas internacionais, além de fixar em 20% o nível máximo da base que
poderia ser constituída por títulos do governo denominados em dólares, proibindo o Banco
Central de financiar os déficits do governo. A Lei proibiu também a indexação nos mercados de
bens e trabalho, permitindo-a apenas nas operações de crédito.
75
Essa permissão para que uma parcela da base monetária pudesse ser formada por títulos
públicos possibilitou ao Banco Central operar uma política monetária e de crédito limitadas,
inclusive como emprestador de última instância em momentos de crise, na medida em que a
quantidade de títulos no mercado normalmente esteve abaixo do limite estabelecido pela Lei de
Conversibilidade.
A retirada da capacidade da autoridade monetária em operar uma política monetária plena
foi uma medida radical, normalmente adotada em países nos quais tal autoridade já não possui
credibilidade perante o mercado, que, por sua vez, precisa se certificar que esta não irá atuar de
forma equivocada, prejudicando o bom funcionamento da economia. Esta situação se verificava
na Argentina, após várias tentativas de estabilização fracassadas e descumprimentos de acordos
firmados junto a órgãos internacionais. Complementando as medidas que buscavam dar maior
credibilidade ao sistema monetário, foi dada também ao Banco Central maior autonomia através
da independência de sua diretoria, cujos membros passaram a ter mandatos com prazo
determinado e no meação ratificada pelo Congresso.
Em relação à política de juros, com o fim da hiperinflação e a forte entrada de capitais,
estimulada pelo novo cenário de estabilidade e pela melhora do cenário externo, refletida na
queda da taxa de juros mundial22, que passou de 10,6%a.a. na média da década de 1980 para
5,5% a.a. na primeira metade da década de 1990, as taxas de juros internas caíram, conforme
pode ser visto no gráfico 19.
22
Taxa libor em dólar americano, segundo dados do Banco Central do Brasil.
76
Gráfico 19 – Taxa de Juros Nominal – Money Market
100
90
80
70
(% a.a.)
60
50
40
30
20
10
20
05
20
04
20
03
20
01
20
02
20
00
19
99
19
98
19
95
19
96
19
97
19
94
19
93
19
91
19
92
0
Fonte: Mecon e FMI
No mesmo gráfico, é possível verificar três significativos aumentos das taxas de juros: em
1992, 1995 e durante os anos de 2001 e 2002, este último causado pela crise com a mudança de
regime cambial, e que será analisado mais à frente. No final de 1992 as taxas subiram para conter
uma breve corrida contra a moeda devido a um receio de desvalorização, que logo se mostrou
infundado, enquanto o aumento dos juros em 1995 teve como objetivo conter a saída de capitais
provocada pela crise do México, que retraiu o fluxo de capitais internacionais para países
emergentes.
77
5.2.2 Política Cambial
O principal pilar do Plano de Conversibilidade foi a adoção do regime de currency board,
onde a taxa de câmbio entre o peso e o dólar americano foi estabelecida em 1:1, estando a base
monetária 100% atrelada às reservas internacionais. Com isso, durante todo o período que durou
o currency board, a política cambial se restringiu a prover divisas e constituir reservas de acordo
com a demanda do mercado.
A adoção do sistema de currency board trouxe consigo, no entanto, o problema de
exacerbação da influência do setor externo sobre o desempenho da economia, com o fluxo de
capital estrangeiro determinando a liquidez interna e influenciando a oferta de crédito e,
conseqüentemente, a demanda agregada, bem como o financiamento dos déficits em conta
corrente e a variação nas reservas internacionais. Esse fluxo de capitais, anteriormente
controlado, passou a ter livre mobilidade após a implantação do Plano de Conversibilidade.
Com isso, o acesso aos capitais externos tornou-se extremamente importante, tendo sido
abundante nos primeiros anos do Plano de Conversibilidade, principalmente devido ao fim, em
1992, da renegociação da moratória decretada no final da década anterior, através do Plano
Brady, e que possibilitou que o país voltasse a ter acesso ao financiamento externo no mesmo
momento em que as condições para este financiamento se recuperavam, com a taxa libor em
dólares tendo caído de 10,6%a.a. na média da década de 1980 para 5,5% nos primeiros cinco
anos da década seguinte 23 . Esses capitais constituíram-se principalmente da repatriação de
dólares de propriedade dos próprios argentinos, e capitais destinados à compra de empresas
públicas no processo de privatização, que será discutido na próxima seção.
23
Dados do Banco Central do Brasil.
78
As políticas econômicas adotadas após o abandono do sistema de currency board serão
abordadas na seção 5.2.4, porém convém dar destaque à trajetória da taxa de câmbio após o fim
do câmbio fixo, que pode ser vista no gráfico 20. A sobrevalorização do peso argentino durante a
vigência do câmbio fixo pode ser confirmada pelo overshooting que ocorreu logo após a
mudança cambial, com a taxa de câmbio atingindo $3,60/ US$ em apenas 6 meses, o que
representou uma desvalorização de 157%.
Gráfico 20 – Taxa de Câmbio (média)
4
3,5
3
peso / US$
2,5
2
1,5
1
0,5
jan/06
jul/05
jan/05
jul/04
jan/04
jul/03
jan/03
jul/02
jan/02
jul/01
0
Fonte: FMI - IFS (IpeadData)
Após esse movimento, a taxa de câmbio se valoriza nos meses seguintes, estabilizando a
partir daí em um nível um torno de $3,00 /US$, com o Banco Central comprando dólares para
79
manter a moeda desvalo rizada e continuar a estimular as exportações, bem como para recompor
suas reservas internacionais.
5.2.3 Política Fiscal
Apesar dos esforços para controlar o desequilíbrio fiscal após a implantação do Plano de
Conversibilidade, como a proibição do Banco Central de financiar os déficits do governo, o país
não conseguiu implementar um ajuste fiscal, e apresentou déficits nominais nas contas públicas
na maior parte do período após a implantação do plano, como é possível ver na tabela 17. Neste
trabalho os resultados fiscais estarão sendo analisados de forma nominal devido à não
disponibilização de série histórica com os resultados primários.
Mesmo com resultados fiscais negativos, as contas do governo apresentaram desempenho
melhor após a implantação do Plano de Conversibilidade, quando a média dos resultados
nominais de 1993 (último dado disponível) a 2001 foi de -1,4% do PIB24 , do que durante a
década de 1980, quando a média foi de -3,9% do PIB25 . Esta melhora se deveu tanto à mudança
de postura do governo, que passou a dar maior importância à questão fiscal, quanto a fatores
como a estabilização promovida pelo plano, que possibilitou o fim da erosão inflacionária das
receitas tributárias e a ampliação da arrecadação tributária, que pode ser vista na tabela 17, e que
foi estimulada pelo crescimento da atividade econômica e das importações, como será discutido
na seção 5.3.
24
Segundo dados da Secretaria de Hacienda, referentes ao setor público não financeiro – base caixa (metodologia
internacional)
25
Segundo relatório “ Ejecución del Sector Publico Argentino. Cuenta Ahorro-Inversion Financiamiento”, da
Secretaría de Hacienda, referente ao setor público não financeiro.
80
Tabela 17 – Resultado Fiscal Nominal *
% PIB
1994
1995
1996
1997
1998
1999
-0,03%
-0,92%
-2,52%
-1,48%
-1,36%
-1,68%
2000
2001
2002
2003
2004
2005
-2,39%
-3,25%
-1,46%
0,48%
2,60%
1,77%
Fonte: Secretaría de Hacienda/ MECON.
* Referente ao setor público não financeiro - base caixa (metod. Internacional)
A mudança de postura do governo, no sentido de buscar um ajustamento fiscal, foi em
grande parte determinada pela rigidez do regime de currency board, que fazia com que a política
fiscal contracionista fosse um dos poucos instrumentos disponíveis na busca por aumentar a
confiança do mercado e possibilitar a redução das taxas de juros e a retomada do crescimento.
Esta necessidade de ajustamento se tornou ainda mais importante após a mudança do cenário
internacional com as crises asiática e russa.
Um outro fator importante a auxiliar na melhora dos resultados do governo foi o
ambicioso processo de privatização, que se iniciou no final dos anos 80, e se concentrou
principalmente na primeira metade da década de 1990, momento em que o fluxo de capital
estrangeiro estava ávido por investir em mercados emergentes. Esse programa incluiu a
privatização das principais empresas públicas, e, além do aumento da arrecadação, permitiu o
fim dos prejuízos que parte destas empresas geravam para o governo. Alguns dos setores
privatizados foram os de telecomunicações, energia elétrica, água, combustível, e transportes
81
aéreo e ferroviário, tendo a receita arrecadada até 1995, quando se concentraram as vendas das
principais empresas, sido de cerca de US$ 30 bilhões 26 .
Apesar de não haver dados disponíveis na série histórica usada como base27 , através de
outra fonte 28 , é possível verificar que nos primeiros anos do Plano de Conversibilidade os
resultados fiscais melhoraram significativamente, com o resultado nominal passando de -3,1%
em 1990 para 1,69% em 1992. Essa melhora foi impulsionada pela forte entrada de capitais e a
redução dos custos financeiros no mercado internacional de crédito, já discutidos anteriormente,
que possibilitaram uma queda no custo da dívida pública em dólares, o que fez com que as
despesas com juros caíssem, em termos reais, 50% entre 1989 e 199429 .
Como é possível ver na tabela 17, os resultados fiscais voltam a piorar entre 1994 e 1996,
puxados pelos efeitos da crise mexicana, que retraiu a liquidez internacional e aumentou as taxas
de juros – vide taxa libor em dólares, que passou de uma média de 3,7%a.a. em 1992 e 1993,
para 5,6%a.a. entre 1994 e 1996 30. Esses efeitos provocaram aumento no custo da dívida pública
externa, que neste período representou entre 70-80% da dívida pública total. A queda na
arrecadação com o processo de privatização também contribuiu para deteriorar as contas
públicas, com as receitas caindo de uma soma de $29 bilhões entre 1990 e 1994 para $1,5 bilhão
entre 1995 e 2000 31 .
Convém destacar que foi realizada uma reforma previdenciária em 1994, de grande
impor tância, e na qual alterou-se o mecanismo de capitalização do sistema, passando a coexistir
26
De acordo com dados do MECON.
Série referente ao setor público não-financeiro, base caixa, metologia internacional, calculada através de dados
da Secretaría de Hacienda e do MECON, e disponível na tabela 17.
28
Relatório “ Ejecución del Sector Publico Argentino. Cuenta Ahorro-Inversión Financiamiento”, da Secretaría de
Hacienda, referente ao setor público não financeiro.
29
De acordo com relatório “Ejecución del Sector Publico Argentino. Cuenta Ahorro -Inversión Financiamiento”, d a
Secretaría de Hacienda.
30
Dados do Banco Central do Brasil.
31
De acordo com dados do MECON.
27
82
um sistema novo e privado de capitalização, e o antigo sistema público, no qual permaneceram
os trabalhadores já aposentados e parte dos ativos que optaram por tal. Essa reforma foi
importante para garantir a sustentabilidade do sistema, porém ajudou a piorar as contas públicas
inicialmente, uma vez que grande parte dos contribuintes preferiu migrar para o sistema privado,
fazendo com que as receitas previdenciárias para o sistema público caíssem 38% entre 1994 e
1996 em termos reais 32 .
Após recuperação em 1997 e 1998, o resultado voltou a piorar em 1999, com o impacto
das crises russa e brasileira, que levaram à retração de 3,4% do PIB argentino em 1999 33 . Os
déficits fiscais continuaram a aumentar até 2001, mesmo com as medidas adotadas pelo governo
objetivando o equilíbrio fiscal e que incluíram cortes nos salários de funcionários públicos,
redução de aposentadorias, reestruturação de órgãos públicos e corte no repasse às províncias. O
corte nas transferências para as províncias, por sua vez, agravou a crise política e teve impacto
sobre a capacidade destas em honrar despesas, levando a um processo de crise de liquidez e
agravamento da recessão. As províncias, por sua vez, para atenuar esse problema de falta de
liquidez e honrar seus pagamentos, passaram a emitir títulos, que eram aceitos pelo setor privado
em suas transações de compra e venda.
32
33
Cálculo próprio utilizando dados do INDEC e da Secretaría de Hacienda.
De acordo com dados do INDEC.
83
Tabela 18 – Carga Tributária
Carga Tributária Bruta (% PIB)
Arrecadação Bruta Total ($ milhões)
Carga Tributária Bruta (% PIB)
Arrecadação Bruta Total ($ milhões)
1991
1993
1995
1997
1999
16,94%
21,98%
20,71%
20,85%
21,37%
30.652
51.983
53.426
61.058
60.594
2001
2002
2003
2004
2005
21,14%
56.807
20,30%
63.440
23,79%
89.439
26,70%
119.533
27,03%
143.855
Fonte: MECON
O forte aumento da arrecadação tributária a partir de 2003, que pode ser visto na tabela
18, permitiu que as contas públicas melhorassem mesmo com o significativo aumento dos gastos
no mesmo período (ver gráfico 21). Estes gastos foram puxados pelo aumento das transferências
às províncias através de recursos co-participados, o que, provavelmente, está relacionado com o
próprio aumento da arrecadação. No gráfico 21 é possível ver ainda que as despesas com juros
sofreram acelerado aumento entre 1994 e 2001, principalmente devido ao aumento das taxas de
juros internacionais e do volume da dívida.
84
Gráfico 21 – Gastos Públicos *
140.000
120.000
Em $ milhões
100.000
80.000
60.000
40.000
20.000
0
1993 1994 1995
Desp. operacionais
Juros
1996
1997 1998 1999 2000
Desp. previdenciárias
2001
Transferências
* Referente ao setor público não financeiro - base caixa (metod. Internacional)
2002 2003 2004 2005
Outros
Fonte: Secretaria de Hacienda
Convém enfatizar mais uma vez que uma das principais características do endividamento
público neste período foi seu intenso financiamento externo, que será melhor discutido nas
próximas seções, estimulado pelo cenário internacional favorável até a primeira metade da
década de 1990, o que, no entanto, acabou por aumentar a vulnerabilidade do país a alterações no
fluxo de capitais internacionais. Esta fragilidade contribuiu decisivamente para que o país
declarasse moratória de sua dívida pública externa em 2001, no auge da instabilidade política e
85
econômica, e posteriormente abandonasse o regime de currency board, como será discutido na
próxima seção.
5.2.4 A crise argentina e as políticas pós-crise
O regime de currency board na Argentina passou por diversos desafios ao longo de sua
existência, causados principalmente por turbulências no mercado externo. O primeiro destes
desafios foi a crise do México, em dezembro de 1994, quando a desvalorização do peso
mexicano afetou o fluxo de capitais para a América Latina, o que impactou especialmente a
Argentina, fragilizada pela forte dependência de capitais externos.
A percepção pelo mercado de que o peso argentino estaria sobrevalorizado e que o
governo poderia recorrer a uma desvalorização da moeda para enfrentar a saída de capitais fez
com que a Argentina fosse ainda mais afetada pela crise mexicana do que os demais países
emergentes. Além disso, o país havia anunciado o abandono do Acordo de Facilidades com o
FMI, no mesmo momento em que vinha apresentando tendência ao desequilíbrio fiscal, o que era
especialmente perigoso em um país que adotava o regime de câmbio fixo.
Em 1997, com a crise asiática, em 1998, com a moratória decretada pela Rússia, e em
1999 com a maxidesvalorização do câmbio no Brasil, o país enfrenta novos desafios. Os choques
externos, no entanto, não eram o único problema do país, que viu seu cenário interno se
deteriorar nesse período, com a incapacidade do governo de implementar um ajuste fiscal, além
da existência de elevada dívida externa, que atingiu 54% do PIB em 1999 (ver tabelas 21 e 22).
O alto nível de endividamento público externo se mostrava insustentável e passou a
alimentar incertezas quanto à capacidade do país de sustentar o regime de currency board e
86
honrar suas obrigações externas. Em meados de 2001 o governo ainda tenta equilibrar as contas
públicas através da renegociação da dívida com credores internos e externos, com destaque para
a troca de títulos de curto prazo por títulos de longo prazo, no valor de US$29 bilhões. Porém
este não consegue alterar as expectativas do mercado e superar as restrições de acesso ao crédito
externo, e o quadro recessivo se agrava em 2001, com o aumento dos conflitos políticos e
sociais, que levam a um cenário de instabilidade e retração econômica, com queda de 15% no
nível de atividade e de 4,4% no PIB em 200134 .
Diante deste quadro, os investidores empreendem uma fuga maciça de capitais, através de
uma corrida bancária, – que contraiu os depósitos bancários em US$19,5 bilhões de janeiro a
novembro de 2001, representando uma queda de 21%35 –, bem como de uma fuga de capitais
estrangeiros, que se traduziu em queda de US$10,7 bilhões nas reservas internacionais no mesmo
período 36.
Com o agravamento da crise, o governo adota medidas visando a restringir os saques e
limitar o envio de divisas ao exterior, no que ficou conhecido como “corralito”. Tais medidas
incluíram a imposição de limites aos saques das contas correntes e poupanças 37 e apenas
pioraram a crise, paralisando o comércio e a produção com a súbita queda de liquidez.
Como conseqüência da crise, o então presidente Fernando de la Rua renuncia em
dezembro, mergulhando o país em um caos institucional, que resultou na nomeação de cinco
presidentes em duas semanas. Com um mandato de apenas alguns dias, Adolfo Rodriguez Saá
decreta a suspensão do pagamento da dívida externa devido à incapacidade de pagamento do
país. Indicado pelo Congresso, Eduardo Duhalde assume a presidência no final de dezembro,
34
Dados do MECON.
Dados do BCRA.
36
Dados do IFS/FMI.
37
As devoluções foram sendo feitas ao longo de vário meses, através de cronogramas diferenciados, de acordo com
o valor a receber. Os depósitos em dólares foram convertidos em pesos a uma taxa de $1,40/ US$, enquanto a
cotação do câmbio em junho de 2002 atingia $3,60/ US$.
35
87
ratificando a decisão de moratória e anunciando, nos primeiros dias de 2002, o fim do regime de
currency board.
Após um processo de forte desvalorização da moeda com a implantação do novo regime
de câmbio flutuante, como já discutido na seção 5.2.2, esta passa a flutuar a partir do segundo
trimestre de 2003 em um nível um pouco abaixo de $3,00/ US$ (ver gráfico 20), com
intervenções do Banco Central no mercado de câmbio.
Como conseqüência do abandono do currency board seguido deste overshooting cambial,
o país viu suas taxas de juros dispararem, como é possível ver no gráfico 19, na tentativa de
conter a fuga de capitais. No entanto, após este período de turbulência, estas voltam a se
estabilizar em um nível abaixo de 10% a.a. a partir do final de 2002, com a melhora dos cenário s
tanto externo quanto interno, bem como com o estabelecimento de uma política de juros baixos,
com o objetivo de estimular o crescimento econômico.
Outra conseqüência dessa alteração do regime cambial foi a forte expansão da base
monetária, como é possível ver no gráfico 23, devido ao fim da necessidade de se ter esta base
atrelada às reservas internacionais. Tal expansão refletiu também a política cambial de
manutenção do peso desvalorizado, com a emissão de pesos por parte do Banco Central para
comprar dólares.
Em termos fiscais, após o fim do regime de currency board, os resultados do governo têm
sua trajetória alterada, com a obtenção de crescentes superávits, impulsionados pela forte
expansão da arrecadação fiscal, que aumentou 42% em termos reais entre 2002 e 2005, atingindo
$143,8 bilhões neste último ano 38 . Tal melhora pode ser atribuída ao forte crescimento da
atividade econômica a partir de 2003. Os gastos públicos, porém, também se expandiram no
38
Cálculo próprio a partir de dados da Secretaría de Hacienda e MECON.
88
período, com aumento real de 10,5% 39 , apesar da redução das despesas com juros provocada pela
moratória.
No início de 2005 chega ao fim a renegociação da dívida externa, em moratória desde o
final de 2001, tendo a adesão de 76% dos credores, que aceitaram deságios de até 75% do valor
que teriam a receber, com a média de desconto sobre o valor devido tendo ficado em cerca de
65%, considerando os juros. Com isso, a dívida pública externa, que era de US$ 115,9 bilhões
em 2004, passou para US$ 65,4 bilhões em 2005, como é possível ver na tabela 22.
5.3
Resultados econômicos
O regime de currency board permitiu um forte crescimento econômico nos primeiros
anos após sua implementação, como é possível ver no gráfico 22, que apresenta os dados da
evolução do PIB trimestralmente a partir de 1994, uma vez que os dados de anos anteriores
somente estavam disponíveis em percentual ao ano, tendo sido de -1,84% em 1990, 10,58% em
1991, 9,61% em 1992, e 5,72% em 1993 40 .
39
40
Idem.
De acordo com dados do INDEC.
89
Gráfico 22 – PIB – Trimestral *
14,0%
10,0%
6,0%
2,0%
-2,0%
-6,0%
-10,0%
-14,0%
* Variação e m relação a igual trimestre do ano anterior.
1º T 2005
1º T 2004
1º T 2003
1º T 2002
1º T 2001
1º T 2000
1º T 1999
1º T 1998
1º T 1997
1º T 1996
1º T 1995
1º T 1994
-18,0%
Fonte: MECON
O crescimento econômico até meados dos anos 90 foi impulsionado pelo cenário
internacional de farta liquidez e baixa taxa de juros, como já discutido, que permitiu o
financiamento externo dos déficits públicos e dos saldos negativos em transações correntes,
assim como possibilitou um aumento da liquidez da economia, permitindo uma maior
flexibilidade da política monetária. O amplo programa de privatização implementado neste
período também contribuiu para o fluxo de divisas que inundou o país neste período.
Convém destacar o efeito da estabilização sobre a base monetária (ver gráfico 23), que
cresceu significativamente nos primeiros anos do plano. A partir de 1995, no entanto, este
crescimento cessa, em grande parte devido à crescente substituição da moeda e dolarização da
economia, apesar dos baixos níveis de inflação. O processo de dolarização era ainda estimulado
pela autorização dos bancos em prover a população com quaisquer das duas moedas, e pode ser
90
verificado através da parcela dos depósitos em dólar nos bancos, que em janeiro de 1994 (último
dado disponível) 41 era de 46% e em dezembro de 2001 atingiu 71%.
Gráfico 23 – Base Monetária – Nominal – R$ milhões
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: BCRA
Como já discutido na seção anterior, a partir de 1997 o país é atingido por sucessivas
crises externas, que acabaram comprometendo seu desempenho econômico, ao retraírem o
acesso ao financiamento externo, o que era especialmente crítico para um país altamente
endividado em moeda estrangeira e sob um regime monetário rígido. Em 2001 o país não resiste
e é obrigado a abandonar o regime de currency board, mergulhando a economia em uma crise
que fez seu PIB cair 10,9% em 2002, e a taxa de investimento se retrair 37% em termos reais
entre 1998 e 2002, como é possível ver na tabela 19.
41
De acordo com dados do Mecon, elaborado a partir de informações do BCRA.
91
Tabela 19 – Taxa de Investimento
% PIB
1993
19,1%
1994
19,9%
1995
17,9%
1996
18,1%
1997
19,4%
1998
19,9%
1999
18,0%
2000
16,2%
2001
14,2%
2002
12,0%
2003
15,1%
2004
19,2%
2005
21,4%
Fonte: Cálculo próprio com base em dados do INDEC.
A partir de 2003 a economia inicia um processo de recuperação, calcada no crescimento
do consumo, que aumentou 26% em termos reais entre 2002 e 2005 42 , e das exportações, que
cresceram 56% no mesmo período, diante de um cenário externo favorável, com o PIB mundial
variando 4,73% entre 2003 e 2005, e a taxa libor média em dólares ficando em 2,3% a.a. no
mesmo período 43 .
Em termos inflacionários, o regime de currency board permitiu que a inflação
permanecesse controlada até 2001, com uma média de 2,7%a.a. entre 1992 e 2001. No entanto, a
desvalorização da moeda no momento da troca de regimes cambiais fez com que a inflação
atingisse 30% no primeiro semestre de 2002 44, refletindo o aumento dos custos. A partir do
segundo semestre deste ano o nível de preços volta a cair, ficando, porém, em níveis mais altos
do que os observados antes da crise (ver tabela 16), tendo sido puxado principalmente pelos
preços dos setores produtores de bens, que sofreram aumento de 126% entre 2001 e 2005 por
42
Segundo dados do INDEC.
Dados do Banco Central do Brasil.
44
De acordo com dados do INDEC.
43
92
serem mais influenciados pelo câmbio, enquanto o setor de serviços aumentou seus preços em
41% no mesmo período 45 .
Como é possível verificar na tabela 16, a inflação vem indicando uma tendência de alta
desde 2003. No entanto, com receio de adotar uma política monetária contracionista que viesse a
comprometer o crescimento econômico, o governo vem buscando conter a inflação através de
medidas não monetárias, como acordos com a indústria para evitar remarcações de preços,
enquanto mantêm os juros baixos – a média da taxa de juros real ficou em 2,7% a.a. entre 2003 e
2005.
O mercado de crédito, por sua vez, como pode ser visto no gráfico 24, cresceu até 2001,
estimulado pelas baixas taxas de juros, pelo fluxo de capitais estrangeiros e pelo crescimento da
atividade econômica. Entre 2001 e final de 2003, no entanto, o crédito se retrai, devido à crise
vivida pelo país e conseqüente aumento da taxa de juros. A partir de 2003, porém, o mercado de
crédito volta a se recuperar, estimulado pelo crescimento econômico e baixas taxas de juros.
45
Dados do MECON com base nos preços implícitos no PIB.
93
Gráfico 24 – Empréstimos de Entidades Financeiras * – R$ milhões
90.000
80.000
70.000
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
* Nominal
2003
2004
2005
Fonte: Mecon
Em termos de dívida pública, convém destacar a trajetória de crescimento observada
desde a implantação do Plano de Conversibilidade, como resultado dos sucessivos déficits
públicos ocorridos no período, conforme pode ser visto na tabela 20. Com isso, esta dívida, que
em 1992 representava cerca de 28% do PIB, chegou a 54% em 2001.
94
Tabela 20 – Dívida Pública/ PIB
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
27,9%
30,1%
31,8%
34,4%
36,4%
35,4%
38,2%
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
43,5%
45,7%
53,7%
149,9%
137,9%
124,9%
70,2%
Fonte: Cálculo próprio a partir de dados do MECON e BCRA
Com o overshooting que se seguiu à flutuação do câmbio em 2001 e a queda do PIB com
a retração da economia, a dívida pública atingiu níveis insustentáveis, passando a representar
cerca de 150% do PIB em 2002, uma vez que 72% desta dívida estava atrelada ao dólar e 19% ao
euro46 , em 2001. Com a moratória no final de 2001 e a renegociação da dívida em default em
2004, a relação dívida pública/ PIB cai para cerca de 70% em 2005.
Em termos de comércio exterior, a manutenção da moeda artificialmente valorizada sob o
regime de currency board fez com que a balança comercial, que, ao longo da década de 1980
apresentou superávits, ficasse deficitária na maior parte da década seguinte, como é possível ver
nas tabelas 21 e 22, diante de um crescimento de 89% das exportações entre 1990 e 1999,
enquanto as importações deram um salto de 208% no mesmo período47 .
Somente em 1991 e 1992 as importações aumentaram 100% e 80% respectivamente,
tendo chegado a US$13,8 bilhões neste último ano, o que acabou por transformar um superávit
comercial de US$8,6 bilhões em 1990 em um déficit de US$4,1 bilhões em 1994 48. O
46
Segundo boletim fiscal publicado pelo MECON.
De acordo com dados do INDEC.
48
De acordo com dados do INDEC.
47
95
crescimento das importações foi puxado principalmente pelas compras de bens de capital, que
apresentaram crescimento de 325% entre 1991 a 1994.
Essa explosão das importações foi provocada não só pelo câmbio favorável, como
também pelo rápido crescimento da economia nos primeiros anos após a implantação do Plano
de Conversibilidade, e pela grande quantidade de capitais que inundou a economia argentina
neste período, além da maior abertura comercial, que pode ser exemplificada pelo acordo
firmado com o Mercosul, no qual diversos produtos negociados entre os países participantes
passaram a ter tarifas de importação zero a partir de 1995 49.
A partir de 2001, com a adoção do câmbio flutuante e o processo de desvalorização
cambial, a balança comercial melhora seu desempenho. A recessão econômica contribuiu para a
queda de 65% das importações entre 2000 e 2002, refletida na forte retração do segmento de
bens de capital e bens intermediários, cujas importações caíram 61%50 , enquanto as exportações
permaneceram relativamente inalteradas no mesmo período, o que possibilitou a existência de
substanciosos superávits comerciais. Com a recuperação da economia a partir de 2003, no
entanto, a balança comercial começa a ter seus superávits reduzidos, com a expansão de 222%
das importações entre 2002 e 2005, contra um crescimento de 56% das exportações no mesmo
período, apesar do estímulo dado pela política de manutenção do câmbio desvalorizado.
49
As importações do Mercosul representavam cerca de 27% do total importado na média de 1995 a 2000, segundo
dados do INDEC.
50
De acordo com dados do INDEC.
96
Tabela 21 – Indicadores do Setor Externo – 1992/ 1998
(em US$ milhões)
1992
Transações Correntes
Balança Comercial
Serviços
Rendas
Transf. Unilaterais
-5.548
-1.396
-2.557
-2.384
789
1993
-8.206
-2.364
-3.326
-3.069
552
1994
-10.979
-4.139
-3.779
-3.559
497
1995
1996
-5.118
2.357
-3.436
-4.636
597
-6.769
1.760
-3.547
-5.464
482
1997
1998
-12.137
-2.123
-4.385
-6.144
515
-14.482
-3.097
-4.444
-7.405
464
Reservas Internacionais
10.200
14.002
14.551
14.515
18.325
22.338
24.769
Dívida Externa *
Dívida Pública Externa
ND
ND
ND
ND
87.524
61.268
101.462
67.192
114.423
74.113
129.964
74.912
147.634
83.111
Fonte: INDEC/ MECON
* Em 2001 há mudança de metodologia, com o saldo total sendo alterado de US$149 milhões para US$166 milhões
Tabela 22 – Indicadores do Setor Externo – 1999/ 2005
(em US$ milhões)
1999
2000
-8.981
2.452
-4.284
-7.548
399
2001
-3.291
7.385
-3.863
-7.237
424
2002
8.668
17.178
-1.589
-7.484
564
2003
7.982
16.805
-1.397
-7.970
545
2004
3.278
13.239
-1.666
-8.922
627
2005
Transações Correntes
Balança Comercial
Serviços
Rendas
Transf. Unilaterais
-11.944
-795
-4.111
-7.491
453
Reservas Internacionais
26.268
25.148
14.553
10.490
14.154
18.981
27.281
Dívida Externa *
Dívida Pública Externa
152.563
84.750
155.015
84.936
166.272
87.907
156.748
91.247
164.918
105.895
171.115
115.884
117.209
65.355
Fonte: INDEC/ MECON
* Em 2001 há mudança de metodologia, com o saldo total sendo alterado de US$149 milhões para US$166 milhões
5.407
12.714
-1.666
-6.312
671
97
A conta de rendas, por sua vez, apresentou déficits crescentes e significativos no período
analisado, puxados pelo aumento das despesas com juros devido ao forte crescimento da dívida
externa, e às remessas de lucros e dividendos ao exterior como conseqüência principalmente do
processo de privatização ocorrido na primeira metade da década de 1990, no qual o capital
estrangeiro teve forte participação.
Como resultado destes movimentos, o saldo de transações correntes foi deficitário ao
longo de toda a vigência do regime de currency board, tendo passado a produzir superávits
apenas com a reversão dos déficits comerciais, em 2002. Estes déficits foram financiados através
de endividamento externo, como é possível constatar nas tabelas 21 e 22.
A trajetória da dívida externa, por sua vez, mostra que esta veio crescendo desde 1994 até
2000 (ver tabelas 21 e 22), estimulada pelo bom cenário externo, que fazia com que, tanto o
governo quanto a iniciativa privada se financiassem através de capitais externos. Como é
possível observar neste mesmo quadro, em 2005 a dívida pública externa cai 44%, o que foi
causado pela renegociação da dívida em moratória desde o final de 2001, conforme já discutido.
Desde a crise econômica de 2001, o país vem sofrendo ainda com a falta de investimentos
estrangeiros diretos, devido à desconfiança dos investidores em relação às políticas econômicas
adotadas pelo país. As políticas atuais de contenção de preços através de congelamentos e
pressão governamental para evitar reajustes acabam por inibir ainda mais estes investimentos.
Como conseqüência, de 2001 a 2005, a Argentina ficou com apenas 5% do total dos
investimentos diretos externos (IED) destinados à América Latina e Caribe, enquanto o Brasil
ficou com 28% deste total
51
51
.
Segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Para mais detalhes ver CEPAL
(2006)
98
As reservas internacionais, por sua vez, vieram apresentando crescimento desde a
implantação do Plano de Conversibilidade, possibilitado pelo cenário externo de grande liquidez.
A crise de 2001, no entanto, provoca forte retração destas reservas devido ao ambiente de
incerteza interna e a ocorrência de saldos negativos no balanço de pagamentos, o que fez com
que o estoque de divisas caísse de US$25,4 bilhões em fevereiro de 2001 para US$14,6 bilhões
em dezembro deste ano, às vésperas do abandono do regime de câmbio fixo, e para US$9,0
bilhões em julho de 2002, quando atingiu seu nível mínimo. No entanto, a partir de 2002, com a
retomada do crescimento econômico, e puxadas pelos superávits na balança comercial, as
reservas começam a se recompor.
Tabela 23 – Indicadores de Vulnerabilidade Externa
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
Dívida Externa/ PIB
Dívida Externa/ Exportações
Balança Comercial/ PIB
Transações Correntes/ PIB
ND
ND
-0,6%
-2,4%
ND
ND
-1,0%
-3,5%
34,0%
5,46
-1,6%
-4,3%
39,3%
4,79
0,9%
-2,0%
42,0%
4,76
0,6%
-2,5%
44,4%
4,92
-0,7%
-4,1%
49,4%
5,59
-1,0%
-4,8%
Dívida Externa/ PIB
Dívida Externa/ Exportações
Balança Comercial/ PIB
Transações Correntes/ PIB
1999
53,8%
6,55
-0,3%
-4,2%
2000
54,5%
5,88
0,9%
-3,2%
2001
61,8%
6,26
2,7%
-1,2%
2002
153,6%
6,11
16,8%
8,5%
2003
127,3%
5,51
13,0%
6,2%
2004
111,7%
4,95
8,6%
2,1%
2005
63,9%
2,92
6,9%
2,9%
Fonte: INDEC e MECON
Analisando os índices de vulnerabilidade externa através da tabela 23, verifica-se que o
forte crescimento da dívida externa fez com que sua participação no PIB aumentasse de 34% em
1994 para 62% em 2001 e para 154% no ano seguinte. Neste último ano, o aumento foi causado
pelo efeito estatístico da queda do PIB, causada pela maxidesvalorização da moeda ocorrida
neste ano. Em 2005 esta relação cai drasticamente com o fim da renegociação da moratória
decretada em 2001.
99
É possível verificar ainda a piora na capacidade de pagamento desta dívida, medida pela
sua proporção em relação à geração de divisas por meio de exportações, mesmo com o aumento
desta última durante todo o período analisado, relação que só passa a melhorar a partir de 2003,
com a queda da dívida devido à referida renegociação. Outros indicadores da vulnerabilidade do
país, a proporção do saldo da balança comercial e da conta corrente em relação ao PIB, mostram
que somente houve melh ora a partir de 2002, devido principalmente ao câmbio desvalorizado,
que permitiu a melhora na balança comercial.
As políticas adotadas pela Argentina durante o regime de currency board, portanto, se
mostraram insustentáveis, ao aumentar a vulnerabilidade externa do país e retirar a flexibilidade
da economia para enfrentar crises externas. Com o abandono do regime, no entanto, as políticas
que passaram a ser adotadas também ainda não são suficientes para promover um crescimento
sustentável da economia, uma vez que os gastos públicos continuam a aumentar e a inflação
acena para um risco de nova aceleração, com o governo se mostrando incapaz de controlá-la.
100
6
ANÁLISE COMPARATIVA: BRASIL E ARGENTINA
Com base nas políticas econômicas adotadas por Brasil e Argentina desde seus planos de
estabilização, é agora apresentada uma análise comparativa em termos de resultados alcançados
e perspectivas para estas duas economias.
É importante destacar que o Brasil apresentou políticas econômicas distintas nas duas
fases que caracterizaram o Plano Real, tendo, com isso, obtido resultados macroeconômicos
diferentes também. Na primeira fase, caracterizada por taxas de juros altas, abertura comercial,
política fiscal expansionista e âncora cambial, baseada em uma taxa de câmbio valorizada, que
foi o principal instrumento utilizado para controlar a inflação, o país teve como resultados a
deterioração de suas contas externas, com o fraco desempenho da balança comercial e da conta
de rendas, além do aumento da dívida externa e da dívida pública.
Ao produzirem tais desequilíbrios e aumentarem a vulnerabilidade externa do país, estas
políticas econômicas se mostraram insustentáveis, o que fez com que, em 1999, o país sofresse
um ataque especulativo e passasse a adotar um regime de câmbio flutuante, no que ficou
caracterizado como o início da segunda fase do Plano Real. Nesta fase, o governo também
passou a implementar um ajuste fiscal e a adotar uma política de metas inflacionárias, utilizando
como principal instrumento para atingi-las, as altas taxas de juros.
Com esta alteração das políticas econômicas, na segunda fase do Plano Real a inflação
passa a apresentar maior volatilidade devido à adoção do câmbio flutuante, enquanto a relação
dívida pública/ PIB tem seu ritmo de crescimento reduzido, e o país reverte seus déficits
comerciais e de transações correntes, tendo o crescimento das exportações sido o grande motor
desta melhora, puxada pelo câmbio desvalorizado e o cenário externo favorável. Como
101
conseqüência da política de juros altos combinada com um ajuste fiscal baseado em aumento de
carga tributária, a economia apresenta crescimento econômico menor nesta segunda fase.
À luz do quadro 2, portanto, é possível comparar as duas economias em termos dos
resultados produzidos pelas po líticas econômicas adotadas:
Quadro 2a – Quadro Comparativo – Indicadores Macroeconômicos (1994-99)
1994
1995
1996
1997
1998
1999
5,9%
916,5%
10,8% *
20,8%
29,5%
5,2%
32,5%
27,1%
3,4
-0,3%
38.806
4,2%
22,4%
30,7%
20,5%
29,7%
0,3%
31,1%
22,6%
3,4
-2,6%
51.840
2,7%
9,6%
17,8%
19,3%
29,0%
-0,1%
30,1%
23,2%
3,8
-3,0%
60.110
3,3%
5,2%
19,6%
19,9%
29,0%
-1,0%
33,4%
24,8%
3,8
-3,8%
52.173
0,1%
1,7%
27,1%
19,7%
29,9%
0,0%
37,8%
30,7%
4,7
-4,2%
44.556
0,8%
8,9%
16,6%
18,9%
32,2%
3,2%
50,4%
45,0%
5,0
-4,7%
36.342
5,8%
3,7%
4,0%
19,9%
21,9%
1,2%
31,8%
34,0%
5,5
-4,3%
14.551
-2,9%
1,7%
7,8%
17,9%
20,7%
0,7%
34,4%
39,3%
4,8
-2,0%
14.515
5,5%
0,0%
6,2%
18,1%
20,0%
-0,8%
36,4%
42,0%
4,8
-2,5%
18.325
8,1%
0,4%
6,2%
19,4%
20,8%
0,5%
35,4%
44,4%
4,9
-4,1%
22.338
3,9%
0,6%
6,2%
19,9%
21,2%
0,9%
38,2%
49,4%
5,5
-4,8%
24.769
-3,4%
-1,9%
8,9%
18,0%
21,4%
1,2%
43,5%
53,8%
6,5
-4,2%
26.268
BRASIL
PIB (var. a.a.)
Inflação (%a.a.)
Taxa de Juros Real (%a.a.)
Taxa de Investimento (% PIB)
Arrecadação Tributária (% PIB)
Result. Fiscal Primário/ PIB
Dívida Pública/ PIB
Dívida Externa/ PIB
Dívida Externa/ Exportações
Transações Correntes/ PIB
Reservas Internac. (US$ milhões)
ARGENTINA
PIB (var. a.a.)
Inflação (%a.a.)
Taxa de Juros Real (%a.a.)
Taxa de Investimento (% PIB)
Arrecadação Tributária (% PIB)
Result. Fiscal Primário1/ PIB
Dívida Pública/ PIB
Dívida Externa/ PIB
Dívida Externa/ Exportações
Transações Correntes/ PIB
Reservas Internac. (US$ milhões)
102
Quadro 2b – Quadro Comparativo – Indicadores Macroeconômicos (2000-05)
2000
2001
2002
2003
2004
2005
4,4%
6,0%
11,5%
19,3%
33,0%
3,5%
49,6%
39,2%
4,3
-4,0%
33.011
1,3%
7,7%
9,6%
19,5%
33,8%
3,6%
52,0%
44,3%
3,9
-4,6%
35.866
1,9%
12,5%
6,6%
18,3%
35,5%
3,9%
57,3%
49,4%
3,8
-1,7%
37.823
0,5%
9,3%
14,0%
17,8%
34,9%
4,3%
56,6%
46,6%
3,2
0,8%
49.296
4,9%
7,6%
8,6%
19,6%
35,9%
4,6%
54,9%
36,5%
2,3
1,9%
52.935
2,3%
5,7%
13,4%
19,9%
37,4%
4,8%
51,2%
23,6%
1,6
1,8%
53.799
-0,8%
-0,8%
9,0%
16,2%
21,7%
1,0%
45,7%
54,5%
5,9
-3,2%
25.148
-4,4%
-1,4%
26,3%
14,2%
21,1%
0,5%
53,7%
61,8%
6,3
-1,2%
14.553
-10,9%
40,9%
0,4%
12,0%
20,3%
0,7%
149,9%
153,6%
6,1
8,5%
10.490
8,8%
3,5%
0,2%
15,1%
23,8%
2,3%
137,9%
127,3%
5,5
6,2%
14.154
9,0%
6,1%
-4,1%
19,2%
26,7%
3,9%
124,9%
111,7%
5,0
2,1%
18.981
9,2%
12,3%
-8,2%
21,4%
27,0%
3,7%
70,2%
63,9%
2,9
2,9%
27.281
BRASIL
PIB (var. a.a.)
Inflação (%a.a.)
Taxa de Juros Real (%a.a.)
Taxa de Investimento (% PIB)
Arrecadação Tributária (% PIB)
Result. Fiscal Primário/ PIB
Dívida Pública/ PIB
Dívida Externa/ PIB
Dívida Externa/ Exportações
Transações Correntes/ PIB
Reservas Internac. (US$ milhões)
ARGENTINA
PIB (var. a.a.)
Inflação (%a.a.)
Taxa de Juros Real (%a.a.)
Taxa de Investimento (% PIB)
Arrecadação Tributária (% PIB)
1
Result. Fiscal Primário / PIB
Dívida Pública/ PIB
Dívida Externa/ PIB
Dívida Externa/ Exportações
Transações Correntes/ PIB
Reservas Internac. (US$ milhões)
Fontes: Banco Central do Brasil, IBGE, IPEAData, IFS/ FMI, INDEC, MECON
* Taxa média mensal a partir de ago/1994, após a implantação do Plano Real.
Cálculo próprio com base em dados da Secretaría de Hacienda.
1
Através do quadro comparativo, é possível verificar que o desempenho do PIB brasileiro
diminuiu com a alteração nas políticas econômicas a partir de 1999, quando o país viveu uma
crise cambial, enquanto a Argentina, após a retração ocorrida entre 1999 e 2002, quando o país é
atingid o pela crise brasileira e em seguida abandona seu regime de currency board, volta a
apresentar acelerado crescimento nos últimos três anos.
Pelo quadro é possível verificar ainda que, enquanto a inflação brasileira parece ter se
estabilizado em um dígito – com exceção de 2002, ano de crise, quando a inflação atingiu
103
12,5%a.a. –, a inflação argentina tem dado sinais de aceleração nos últimos anos. O que torna a
situação do país ainda mais preocupante é que, diante desse cenário de pressão inflacionária, a
estratégia utilizada pelo governo tem sido a de impedir reajustes de preços através de
congelamentos e pressões governamentais, que já se mostrou incapaz de evitar processos
inflacionários na história recente de diversos países – Argentina e Brasil inclusive –, aumentando
o risco de uma nova aceleração da inflação, já que os preços defasados terão que ser corrigidos
em algum momento no futuro.
Quando se comparam as taxas de juros reais, fica clara a política argentina de manter suas
taxas em níveis baixos (em 2004 e 2005, inclusive ficaram negativas) a partir de 2001 para
estimular a atividade econômica, o que tem, no entanto, contribuído para aumentar a pressão
inflacionária. O forte aumento dessas taxas em 2001 se deveu à crise que o país vivia e à
necessidade de se tentar conter a fuga de capitais. O Brasil, porém, com exceção do ano de 2001,
apresentou taxas de juros reais mais altas que a Argentina durante todo o período que vai de
1994 a 2005, uma vez que, ao longo do Plano Real, o país adotou política de juros altos, na
primeira fase para atrair capitais estrangeiros e fechar suas contas externas principalmente, e na
segunda, como instrumento de controle da inflação.
O quadro 2 destaca ainda um dos pontos mais críticos das políticas adotadas por Brasil e
Argentina: suas taxas de investimento em níveis baixos. Enquanto no Brasil estas taxas se
alteraram pouco, tendo ficado em média em 19,4% do PIB entre 1994 e 2005 52 , na Argentina,
após terem caído fortemente em 2001 e 2002 – ficando em 14,2% e 12% do PIB respectivamente
–, estas vêm se recuperando desde então, tendo fechado em 21,4% do PIB em 2005 53 . No
entanto, em ambos os casos, estas taxas ainda são muito baixas para garantir um crescimento
52
53
De acordo com dados do IBGE.
Cálculo próprio, de acordo com dados do INDEC.
104
sustentável da economia, sendo que, especialmente no caso da Argentina, que vem apresentando
crescimento econômico acelerado, o baixo nível de investimento é um fator a contribuir para a
pressão inflacionária, uma vez que o país tem crescido calcado principalmente na utilização da
capacidade ociosa da indústria – que foi de 48% em janeiro de 2002 para 69% em dezembro de
200554 –, levando à necessidade de novos investimentos no aumento desta capacidade, sob risco
da indústria não ser capaz de expandir a oferta diante de uma demanda aquecida.
Em termos fiscais, cabe destacar que, apesar de ambos os países terem se baseado em
aumento da tributação para melhorar seus resultados, a carga tributária brasileira é bem maior do
que a argentina, tendo alcançado 37,4% do PIB em 2005, enquanto na Argentina, esta carga
ficou em 27,2% no mesmo ano. Auxiliado por esta alta carga tributária, o Brasil vem
apresentando desde 1999 superávits fiscais primários, como conseqüência também do ajuste
fiscal que vem sendo implementado, enquanto a Argentina apresenta melhora em seus resultados
fiscais a partir de 2002, puxada pela queda nos gastos com juros, esta, por sua vez, provocada
pela moratória da dívida pública externa.
Em relação à dívida pública como percentual do PIB, esta deu um salto em 1999, no caso
do Brasil, devido à maxidesvalorização ocorrida neste ano, tendo reduzido seu ritmo de
crescimento desde então, e até caído em alguns anos, com as medidas de austeridade fiscal que
vêm sendo adotadas, com exceção dos anos de 2002 e 2003, quando esta relação dá um salto
para 57,3% e 56,6% respectivamente, devido ao forte aumento dos juros nestes anos. Enquanto
isso, a Argentina, que tinha uma relação dívida pública/ PIB semelhante à brasileira até 2001, vê
esta relação explodir para 149,9% a partir de 2002, após a forte desvalorização da sua moeda.
Em 2004 esta relação novamente despenca, para 70,2%, com o fim da renegociação da dívida em
moratória, porém, ainda permanecendo em um nível mais alto do que o registrado no Brasil.
54
De acordo com dados do INDEC.
105
Em termos de endividamento externo, no entanto, os dois países possuem indicadores
bastante distintos, com o Brasil apresentando um endividamento mais baixo se comparado ao da
Argentina, que aumentou muito sua vulnerabilidade externa devido ao alto endividamento ao
longo do período de vigência do currency board, conforme já discutido. Esta relação dívida
externa/ PIB cai drasticamente em 2005 devido à renegociação da dívida em moratória, porém,
permanecendo ainda quase o triplo da relação existente no Brasil, o que mostra a maior
vulnerabilidade da Argentina a choques externos em comparação com o Brasil.
A relação dívida externa/ exportações é outro indicador a mostrar a maior vulnerabilidade
externa da Argentina, dado que esta relação sempre esteve mais alta do que a apresentada pelo
Brasil. Vale destacar a queda na vulnerabilidade dos dois países em 2005, puxada principalmente
pela redução de suas dívidas externas. O indicador transações correntes/ PIB, por sua vez, mostra
que ambos os país vinham apresentando déficits em conta corrente até 2001, quando,
estimulados pelo aumento de suas exportações, passam a apresentar melhora neste indicador.
No quadro é possível verificar ainda que o Brasil possui um estoque de divisas
significativamente maior do que a Argentina, com este tendo vindo se recompondo desde a crise
de 1999, que o fez cair a US$33 bilhões em 2000. A Argentina, por sua vez, sofreu uma forte
queda em suas reservas em 2002, quando estas caíram para US$10,5 bilhões, porém, vem
apresentando recomposição destas, principalmente com a política de compra de dólares pelo
Banco Central para manter o peso desvalorizado. No entanto, mesmo com essa política, o nível
de reservas do país ainda era a metade do brasileiro em 2005.
Com base na análise destes indicadores, conclui-se que as políticas econômicas adotadas
pela Argentina resultaram em um país mais vulnerável externamente do que o Brasil, mesmo
106
após o abandono do regime de currency board, que foi o maior responsável pelo aumento dessa
vulnerabilidade.
Apesar de os dois países se basearem em âncoras cambiais durante os primeiros anos de
seus planos de estabilização, o regime brasileiro era menos rígido em termos monetários e
cambiais, o que permitiu que a economia brasileira não se fragilizasse tanto quanto a argentina,
ao dispor de mais instrumentos para responder às crises externas dos anos 90 . Além disso, as
políticas econômicas que vêm sendo adotadas pelo Brasil, principalmente no que se refere ao
ajuste fiscal, tem maiores chances de serem bem sucedidas no objetivo de promover um
crescimento econômico de longo prazo 55 . No entanto, caso a qualidade deste ajuste não seja
melhorada, ou seja, caso não haja um corte nos gastos públicos com custeio, a obtenção de
superávits primários nos próximos anos ficará comprometida, assim como o próprio ajuste, uma
vez que o aumento da car ga tributária tem um limite tolerado pela sociedade.
A Argentina, por outro lado, ainda não conseguiu implementar um ajuste fiscal, apesar de
ter melhorado seus resultados fiscais nos dois últimos anos, puxados principalmente pela queda
nos gastos com juros devido à moratória. O país, porém, possui como vantagem sobre o Brasil na
questão fiscal, a realização de uma reforma previdenciária que criou um sistema privado de
capitalização e possibilitou a redução dos gastos previdenciários em termos reais 56 , em 24%
entre 1999 e 2005, enquanto no Brasil estas despesas cresceram 76% acima da inflação no
mesmo período 57 , aumentando sua participação no PIB de 6,0% para 7,5%.
55
Em relação a esta discussão é importante destacar que um dos pré-requisitos para garantir um crescimento
sustentável é a implementação de um ajuste fiscal de longo prazo, que deverá reduzir a vulnerabilidade do país e
evitar nova aceleração inflacionária. Este ajuste deve ser de boa qualidade, se baseando no corte de despesas com o
custeio da máquina administrativa e otimização dos gastos públicos, e na redução da carga tributária para estimular
a atividade econômica.
56
57
Cálculo próprio, com base em dados do INDEC e Secretaría de Hacienda/ MECON.
Cálculo próprio, com base em dados do IPEAData e Secretaria do Tesouro Nacional.
107
A falta desse ajuste fiscal na Argentina que permita o equilíbrio das contas públicas,
continua a dificultar a melhora dos fundamentos macroeconômicos do país. O governo não acena
com um comprometimento com metas para a melhoria das contas fiscais, o que deve fazer com
que a dívida pública volte a aumentar como proporção do PIB, após a redução ocorrida com a
renegociação da dívida pública externa em 2004.
As perspectivas para o Brasil em relação à questão fiscal, porém, não são boas, a
continuarem as características do ajuste que vem sendo feito, baseado em aumento da carga
tributária, que já se encontra próxima ao limite do tolerável pela sociedade, e aumento dos gastos
públicos, o que leva a uma expectativa de queda nos superávits fiscais. Com isso, a trajetória de
queda dos juros se reverteria devido ao aumento do risco percebido em relação ao país, inibindo
os investimentos e comprometendo o crescimento da economia.
Por outro lado, a valorização recente da moeda brasileira lança a discussão acerca de suas
conseqüências sobre a balança comercial, cujo desempenho deve piorar, com o desestímulo às
exportações e estímulo às importações. Além disso, esta sobrevalorização da moeda também
contribui para inibir investimentos, ao tornar os importados mais competitivos, retraindo a
produção nacional. No entanto, o país deve passar por um processo de desvalorização no médio
prazo, uma vez que não se espera que as condições externas favoráveis permaneçam nos
próximos anos. O bom crescimento econômico mundial deve arrefecer, levando a uma queda nos
preços das commodities vendidas pelo Brasil, prejudicando sua balança comercial e levando a
uma desvalorização do câmbio.
As políticas adotadas por ambos os países, adicionalmente, têm se mostrado incapazes de
estimular os investimentos, pré-condição para um crescimento econômico sustentável. Mesmo a
108
economia argentina, que vem apresentando um crescimento nesta taxa, deve apresentar um freio
neste aumento caso prossiga com seu processo de aceleração inflacionária.
Em resumo, o Brasil vem adotando políticas distintas das da Argentina, e que, com base
nos resultados obtid os, têm se mostrado mais corretas, com taxas de juros reais altas e câmbio
valorizado, buscando controlar a demanda e conter a inflação, além da implementação de um
ajuste fiscal. A continuar com estas políticas, e mesmo com a redução gradual das taxas de juros
que vem ocorrendo, o país não deve apresentar risco de uma aceleração inflacionária, inclusive
devido à importância dada ao controle desta através do estabelecimento de metas para a inflação.
109
7
CONCLUSÃO
Este trabalho buscou apresentar as diferenças entre as políticas econômicas adotadas por
Brasil e Argentina após seus planos de estabilização e os resultados que estas produziram ao
longo dos anos, buscando identificar quais seriam as melhores políticas a serem adotadas na
busca de um crescimento econô mico de longo prazo.
O Brasil, que no início do Plano Real se baseou em políticas de juros altos, abertura
comercial, política fiscal expansionista e âncora cambial, produziu como resultados a
deterioração de suas contas externas e o aumento da dívida externa e da dívida pública. Com a
alteração de suas políticas econômicas a partir de 1999, estas passaram a se basear em um regime
de câmbio flutuante, implementação de um ajuste fiscal e adoção de metas inflacionárias.
A economia argentina, por sua vez, dura nte o Plano de Conversibilidade, foi
caracterizada pela pouca preocupação com a questão fiscal e por uma política monetária com
pouca flexibilidade para responder a choques externos, com a adoção do regime de currency
board, além de ter tornado o país mais dependente do setor externo, com a liquidez interna
dependendo da entrada e saída de divisas, fazendo com que este fluxo tivesse forte impacto no
desempenho econômico do país, ao influenciar a demanda e o mercado de crédito.
O forte financiamento externo contribuiu ainda mais para aumentar a vulnerabilidade do
país, uma vez que havia muita liquidez internacional nos primeiros anos de implantação do
plano. Enquanto este fluxo de capitais estrangeiros esteve favorável, o país conseguiu crescer e
não apresentou problemas de sustentabilidade de seu regime, porém, quando este cenário se
reverte, a partir do final dos anos 90, o país não consegue sustentar o regime de currency board,
e este é abandonado no início de 2002.
110
As políticas adotadas por estes países, apesar de possuírem alguma semelhança durante
os primeiros anos da estabilização, passam a se diferenciar a partir de 1999, quando o Brasil
muda o rumo de suas políticas, que vinham se mostrando insustentáveis, enquanto a Argentina
mantém as suas, mesmo após o abandono do regime de currency board.
Após análise comparativa dos principais resultados produzidos pelas políticas
econômicas dos dois países, conclui-se que as políticas adotadas pelo Brasil possuem maiores
chances de promover um crescimento de longo prazo, principalmente devido ao ajuste fiscal que
o governo vem buscando implementar nos últimos anos, através do estabelecimento de metas
para o superávit primário, enquanto a Argentina, apesar da melhora de seus resultados fiscais,
não parece buscar um compromisso formal de melhoria das contas públicas, o que pode
comprometer a continuidade desses resultados.
Apesar disso, o ajuste fiscal que o Brasil vem promovendo tem se baseado em aumento
tanto da carga tributária quanto dos gastos, o que caracteriza um ajuste de má qualidade. Caso a
qualidade deste ajuste não melhore, o risco é de que tal ajuste se torne inviável, uma vez que há
um limite tolerável pela sociedade para o aumento da carga tributária, enquanto este limite não
existe para o aumento dos gastos públicos.
Outra vantagem da política econômica brasileira sobre a argentina se refere à estabilidade
de preços. O Brasil, através de um regime de metas de inflação, tem mostrado comprometimento
com o cumprimento dessas metas, e a inflação tem se mostrado controlada nos últimos anos,
enquanto na Argentina tem havido um aumento da pressão inflacionária, que vem se acentuando
desde 2005, e que em 2006 parece ganhar ainda mais força com as políticas adotadas pelo país
visando a estimular o crescimento, com taxas de juros reais baixas, câmbio artificialmente
desvalorizado – cuja política de intervenção pressiona a base monetária – e aumento dos gastos
públicos, em detrimento do controle inflacionário, que vem sendo tratado com medidas não
111
monetárias. Portanto, apesar das políticas adotadas estarem possibilitando um crescimento
econômico acelerado do país, impulsionado ainda pela recuperação em relação à forte crise
vivida em 2001 e 2002, a iminência de uma aceleração inflacionária pode provocar queda na
renda real da população e retração do crescimento econômico.
Cabe destacar ainda, que nenhum dos dois países tem se mostrado capaz de elevar as
taxas de investimento a níveis suficientes para que estas garantam um crescimento sustentável da
economia, uma vez que estas taxas permanecem na ordem de 20% ao longo dos últimos anos,
nível que tem se mostrado insuficiente para estimular a atividade industrial nestes países.
A principal questão que se coloca para estes dois países, portanto, é a necessidade de um
ajuste fiscal de qualidade, que permitirá a queda dos juros e a melhora dos fundamentos
macroeconômicos, sem o qual estes não conseguirão promover um crescimento sustentável e de
longo prazo, com o estímulo aos investimentos.
112
8.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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