2. A Hanseníase no contexto das doenças negligenciadas Isaias Nery Ferreira No mundo e no Brasil, um grupo de doenças causadas por agentes infecciosos ou parasitas tem se destacado como doenças negligenciadas, também chamadas de doenças em eliminação, são consideradas endêmicas em populações de baixa renda. Neste grupo, destacam-se a hanseníase, dengue, doença de chagas, esquistossomose, leishmaniose, febre amarela, hantavirose, raiva, tracoma, malária e tuberculose. Estas doenças recebem essa denominação por estarem associadas a regiões onde a população vive em condições de pobreza, apresenta precárias condições de vida, por contribuírem para a manutenção do quadro de desigualdades e representarem entrave ao crescimento dos países em desenvolvimento. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que mais de um bilhão de pessoas estejam infectadas por uma ou mais dessas doenças, representando um sexto da população mundial1. Em 2009, a cada dia, morriam no mundo cerca de três mil pessoas, mais de um milhão de mortes por ano, sendo uma das principais causas a falta de ferramentas adequadas para o diagnóstico e tratamento destas doenças2. A carga das doenças negligenciadas é subestimada no Brasil, não obstante, serem responsáveis por elevada morbidade e mortalidade na população, segundo o Ministério da Saúde3. Os financiamentos existentes para pesquisas concernentes às doenças negligenciadas ainda não se reverteram em avanços terapêuticos significativos, como novos fármacos, métodos diagnósticos ou vacinas. O baixo interesse da indústria farmacêutica deve-se ao reduzido lucro, uma vez que a população portadora não possui renda suficiente para seu tratamento1, assim, apenas 1,3% dos medicamentos disponibilizados pela indústria farmacêutica, entre 1975 e 2004, foram destinados para as doenças negligenciadas, mesmo elas representando 12% da carga global de doenças2. Outro fator a considerar é que somente 10% dos recursos mundiais de pesquisa em saúde são direcionados para os problemas específicos dos países em desenvolvimento. Devido a esta realidade, pesquisadores e gestores da saúde trabalharam nos últimos anos alertando sobre a importância de aumentar os recursos em Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para combater as doenças em eliminação. Outros fatores também contribuíram para a ênfase em pesquisas como a sinalização dos indicadores epidemiológicos que mostram o recrudescimento de algumas doenças, a ocorrência de surtos, a impossibilidade de erradicação em curto prazo e a heterogeneidade na oferta regular de serviços de saúde no Brasil no enfrentamento destas doenças. Além disto, a produtivida41 HANSENÍASE – AVANÇOS E DESAFIOS de científica nacional na área de doenças negligenciadas é pequena quando comparada a outras grandes áreas e está concentrada em poucas instituições e grupos de pesquisa4. Através Por meio de parcerias entre laboratórios públicos e privados, o Brasil, via Ministério da Saúde, destacou-se mundialmente na produção de medicamentos para tratamento de doenças negligenciadas. O investimento em laboratórios públicos produtores saltou de R$ 8,8 milhões em 2000 para mais de R$ 54 milhões em 2011. Além disso, desde 2003, o MS orienta grande parte de seus recursos a linhas de pesquisa em áreas relacionadas às doenças negligenciadas. De 2002 a 2010, o MS financiou 518 projetos de pesquisa em doenças negligenciadas, investindo um total de quase R$ 95 milhões3. Em 2006, o Ministério da Saúde lançou o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Doenças Negligenciadas no Brasil, em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia. Foram estabelecidas sete prioridades de atuação que compõem o programa em doenças negligenciadas: dengue, Doença de Chagas, leishmaniose, hanseníase, malária, esquistossomose e tuberculose5. Em 2011, foi criada a Coordenação Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação (CGHDE), objetivando fortalecer a resposta para este grupo de doenças, pois, segundo o Ministério da Saúde, os resultados dos Programas Nacionais foram considerados insuficientes e incompatíveis com a capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS) na resolução dos problemas de saúde da população. Assumindo o compromisso público de eliminar como problema de saúde pública ou reduzir drasticamente a carga dessas doenças, o governo brasileiro lançou o “Plano Integrado de Ações Estratégicas de Eliminação da Hanseníase, Filariose, Esquistossomose e Oncocercose como Problema de Saúde Pública, Tracoma como Causa de Cegueira e Controle das Geohelmintíases”, para o período de 2011 a 2015. Este plano busca sintetizar o compromisso político em atacar o problema das doenças negligenciadas, otimizando os recursos existentes. Nele, o acesso aos serviços de saúde é prioridade, pois indivíduos com maior vulnerabilidade social, além de apresentarem elevados riscos de adoecimento, possuem maior dificuldade de saírem desta condição de pobreza3. Outras estratégias utilizadas pelo governo, como a transferência de renda, segurança alimentar, habitação e saneamento, na saúde, educação e aprimoramento da qualidade dos serviços públicos oferecidos, estão sendo utilizadas para o enfrentamento da questão. Desafios: O desafio no enfrentamento, visando eliminar a hanseníase como problema de saúde pública e em especial também como doença negligenciada, é concentrar o foco nas ações: r incentivar o apoio financeiro em pesquisas e a capacitação técnica de profissionais de saúde da atenção primária e serviços de referência; r incentivar e promover a integração da atenção primária e os serviços de referência; 42 A HANSENÍASE NO CONTEXTO DAS DOENÇAS NEGLIGENCIADAS r estimular a integração dos programas sociais e de saúde visando ao combate à extrema pobreza; r incrementar a divulgação adequada sobre a hanseníase para profissionais de saúde e população; r desmistificar a doença e combater o estigma; r motivar a participação da comunidade e parcerias intersetoriais para o desenvolvimento de ações sustentáveis no combate à pobreza; r promover total apoio e participação de todos em eliminar a pobreza extrema no Brasil. 43 HANSENÍASE – AVANÇOS E DESAFIOS Referências 1 - Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde. Doenças negligenciadas: estratégias do Ministério da Saúde. Rev. Saúde Pública. 2010; 44(1): 200-2. 2 - Pontes F. Doenças Negligenciadas ainda matam um milhão por ano no mundo. Rev. Inov. Em Pauta. 2009 jun.; (6): 69-73. 3 - Brasil. Ministério da Saúde. Plano Integrado de Ações Estratégicas de Eliminação da Hanseníase, Filariose, Esquistossomose e Oncocercose como Problema de Saúde Pública, Tracoma como Causa de Cegueira e Controle das Geohelmintíases – Plano de Ação 2011-2015. Série C - Projetos, Programas e Relatórios. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. 104p. 4 - Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Informativo Decit. Oficina de Prioridades de Pesquisa em Saúde. Brasília: Ed. Esp.; 2008. 5 - Brasil. Portal Saúde. Saúde reforça combate a doenças negligenciadas como a hanseníase e esquistossomose [acesso em 2013 jun. 8]. Disponível em: http://www.brasil. gov.br/noticias/arquivos/2012/02/01/saude-reforca-combate-a-doencas-negligenciadas-como-hanseniase-e-esquistossomose. 44