1 O Universalismo no pensamento moral de Kant

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O PROBLEMA DA UNIVERSALIZAÇÃO EM
ÉTICA
Chanceler
Dom Jaime Spengler
Reitor
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da Série Filosofia
Agemir Bavaresco - (Editor)
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Érico João Hammes
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Lauro Kopper Filho
Luiz Eduardo Ourique
Luis Humberto de Mello Villwock
Valéria Pinheiro Raymundo
Vera Wannmacher Pereira
Wilson Marchionatti
Série
Filosofia
104
O PROBLEMA DA UNIVERSALIZAÇÃO EM
ÉTICA
Jaime José Rauber
Porto Alegre, 2015
© EDIPUCRS, Editora Fi, 2015.
www.editorafi.org
Diagramação e capa: Lucas Fontella Margoni
Imagem da capa: Caspar David Friedrich
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
RAUBER, Jaime José.
R239p O problema da universalização em ética [recurso eletrônico] / Jaime
José Rauber. – Dados Eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS:
Editora Fi, 2015.
177 p. – (Série Filosofia ; 104)
Modo de acesso: http://www.pucrs.br/edipucrs
Modo de acesso: http://www.editorafi.org
ISBN 978-85-397-0780-5 (EDIPUCRS)
ISBN 978-85-66923-71-1 (Editora Fi)
Disponível em:
http://www.editorafi.org
http://www.edipucrs.com.br
1. Filosofia. 2. Ética. 3. Universalismo. 4. Kant, Immanuel - Crítica e
Interpretação. 5. Habermas, Jürgen – Crítica e Interpretação. I. Título.
CDD-170
Ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de
Tratamento da Informação da BC-PUCRS
Índices para catálogo sistemático:
1.
Ética
170
Aos meus familiares e à Dila.
“É bem mais fácil demonstrar, na obra
de um grande espírito, as falhas e os
erros, que dar de sua obra um
desenvolvimento claro e completo.”
(SCHOPENHAUER)
Lista de Abreviaturas
AG: Argumento da Generalização
CRPr: Crítica da razão prática
CRPu: Crítica da razão pura
FD: Filosofia do Direito
FMC: Fundamentação da metafísica dos costumes
GMS: Grundlegung zur Metaphysik der Sitten
KrV: Kritik der reinen Vernunft
MS: Die Metaphysik der Sitten
PC: Princípio das Consequências
PG: Princípio da Generalização
TAC, I: Teoria de la acción comunicativa, Tomo I
TAC, II: Teoria de la acción comunicativa, Tomo II
TACC: Teoria de la acción comunicativa: complementos y estudios
previos
Sumário
Introdução ................................................................... 13
1 ................................................................................... 17
O Universalismo no pensamento moral de Kant
2 ...................................................................................68
A Ética do discurso de Habermas
3 ................................................................................. 112
O Universal Abstrato e o Universal Concreto
Considerações finais ................................................. 166
Referências ................................................................ 173
Introdução
Com o avanço técnico-científico das diversas
esferas do saber, as discussões em torno do agir moral
humano tornam-se cada vez mais necessárias. Mais do que
nunca, necessita-se de um elemento ou de um princípio que
sirva de fundamento para distinguir-se o agir correto do
incorreto, o agir justo do injusto. A investigação em torno
desse critério ou procedimento do agir moral é a tarefa da
Ética como disciplina filosófica. Essa é também a
importância do presente trabalho dentro do contexto
histórico atual, pois pretende-se tematizar algumas
dificuldades acerca de diferentes propostas éticas que
apresentam a universalização como critério de
fundamentação do agir moral.
A Ética, como disciplina filosófica, foi fundada por
Aristóteles (384-322 a.C.). Na obra Ética a Nicômaco, o autor
procura dar uma resposta ao problema já levantado por
Sócrates e Platão, qual seja: de que maneira deve o homem
viver a sua vida. O pano de fundo da ética aristotélica é a
investigação em torno do fim último do homem, também
denominado de bem supremo ou felicidade (Eudaimonia). Kant
(1724-1804), cerca de dois mil e cem anos depois de
Aristóteles, abandona a ideia do fim último do homem
como elemento determinante do moral. Por introduzir um
novo conceito de dever moral – dever pelo puro dever –,
torna-se um marco na história do pensamento ético. Para
esse autor, o dever não consiste mais na realização de ações
que proporcionem o fim último do homem, denominado
felicidade, mas na realização de ações pelo puro dever de
realizá-las. Abandona-se, assim, o paradigma ético
teleológico, e inova-se o paradigma deontológico. Esse
14
O problema da Universalização em Ética
modelo de pensamento ético não se ocupa mais com a
determinação das virtudes éticas e das regras morais que
devem ser observadas para o alcance de determinados fins,
mas tão somente com o critério de justificação do agir
moral. O paradigma ético deontológico não se ocupa com o
que se deve fazer para se ter uma vida boa ou feliz, mas com o
como se deve agir para que a ação seja correta, justa ou, em
uma palavra, para que a ação seja moral.
Paralelamente a esse novo conceito de dever, Kant
introduz a questão da universalização como um dos aspectos
centrais para a justificação ou validação de normas morais.
Ampla é a bibliografia produzida em torno do imperativo
categórico como princípio de fundamentação racional de
normas. Boa parte dela mostra-se favorável à proposta de
Kant e procura defendê-la de todos os possíveis contraargumentos. Entretanto, vários pensadores percebem
limitações no pensamento ético de Kant e procuram
elaborar uma proposta alternativa, que não caia naqueles
mesmos problemas. Não obstante isso, uma coisa é certa: a
universalização ocupa um aspecto privilegiado em todas as
propostas de inspiração kantiana que tentam apenas
corrigir a proposta do filósofo de Königsberg.
Nesse sentido, o objeto do presente estudo é o
problema da universalização enquanto critério de
fundamentação do agir moral. Entre outras questões,
enfocar-se-á, por um lado, o problema do universal absoluto
ou plano das regras morais, também chamado de rigorismo
ético e, por outro, a questão do universal abstrato, em
oposição ao universal concreto, no sentido hegeliano da
expressão. A partir da reconstrução das propostas éticas de
Kant e Habermas, analisar-se-á se tais propostas se ajustam
ou não à ideia da fundamentação de normas morais
absolutas, válidas sempre, ou se, em ambas as propostas, há
espaço para a reformulação de normas morais ou até,
dependendo das circunstâncias, se há possibilidade de uma
exceção à norma, sem que isso implique imoralidade. A
Jaime José Rauber
15
reconstrução dessas propostas permitirá analisar também se
o imperativo categórico de Kant e o princípio “U”, somado
ao “D”, de Habermas são critérios suficientes para a
fundamentação de normas morais sem que impliquem
fortes contra-argumentos. Essa investigação, que terá como
suporte teórico as propostas de Osvaldo Guariglia e
Marcus Singer, remonta à distinção hegeliana entre universal
concreto e universal abstrato.
Apreciador da crítica feita por Hegel ao universal
abstrato de Kant e atento às limitações das propostas éticas
do tipo kantianas, Cirne Lima propõe um Projeto de Sistema
com o qual pretende superar àquelas limitações. Mediante
uma breve exposição da proposta desse autor, mostrar-se-á
que uma das grandes vantagens dela, em relação às éticas
kantianas, é a postulação da unidade da razão. Ou seja, a
correção ou incorreção das ações depende de um único
princípio, de forma que a distinção entre correção legal e
correção moral desaparece; moralidade e legalidade andam juntas
e como que se completam dentro do todo maior, que é o
sistema. Será, no entanto, que também aí não se encontram
dificuldades quanto à determinação da correção ou
incorreção de ações? Será que o Princípio da Coerência,
que nos é apresentado como princípio universalíssimo do
dever-ser, não é muito genérico para a determinação dos
deveres particulares?
O método que será seguido no desenvolvimento do
presente estudo é o reconstrutivo-analítico. À reconstrução
das diferentes propostas de fundamentação racional de
normas, seguir-se-á a análise da natureza da universalização.
Se o critério de legitimação de normas morais é a
possibilidade de universalização, que tipo de
universalização é proposta? As normas devem ser válidas
no sentido universal absoluto ou é um universal que,
dependendo das circunstâncias, abre espaço para exceções?
A partir dessa discussão, analisar-se-á também se os
critérios de universalização, propostos pelos diferentes
16
O problema da Universalização em Ética
autores, inserem-se em um universal concreto ou se eles se
identificam com a caracterização hegeliana de universal
abstrato.
1
O Universalismo no
pensamento moral de Kant
A proposta kantiana de fundamentação racional de
normas morais é uma das primeiras, senão a primeira, a
enfatizar o aspecto universal da moralidade. O que é válido
para um deve valer igualmente para todos ou não vale
como princípio moral. Entretanto, a preocupação de Kant
não está voltada à elaboração de princípios morais (normas)
que prescrevam o que os homens devem fazer, mas tem
como objeto fixar um princípio que sirva de fundamento
ou, se quisermos, de critério último para o agir moral. Isso
fica claro no prefácio da Grundlegung zur Metaphysik der
Sitten1 (1785), onde o autor escreve2:
A presente fundamentação nada mais é, porém, do
que a busca e a fixação do princípio supremo da
moralidade, o que constitui só por si no seu
1
Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
Devido à dificuldade de tradução e à grande quantidade de traduções
existentes das obras de Kant, apresento, nas notas, as citações também
no original.
2
18
O problema da Universalização em Ética
propósito uma tarefa completa e bem distinta de
qualquer outra investigação moral.3
Dado que o objeto central é a determinação de um
princípio de moralidade válido para todos os seres
racionais, o ponto de partida não pode ser, segundo Kant, a
experiência, isto é, não pode ser nenhum condicionamento
empírico, pois isso impossibilitaria o aspecto da
universalidade da lei moral. Essa ideia já nos fica clara em
sua primeira grande obra denominada Kritik der reinen
Vernunft4 (1781), na qual lemos que os juízos baseados em
princípios da experiência não alcançam necessidade nem
universalidade. Daí o fato de a investigação em torno do
princípio supremo da moralidade ter de seguir o caminho de
uma filosofia formal, também chamada por Kant de filosofia
pura, que se ocupa dos juízos puramente racionais. Do
conhecimento baseado em princípios da experiência ocupase a filosofia material ou empírica. Dado que a experiência não
pode fornecer nenhum princípio seguro, Kant, da mesma
forma que na razão teórica, também deixa de lado esse
campo do saber na razão prática.
A ideia de Kant é, pois, elaborar uma pura filosofia
moral, livre de todo condicionamento empírico.
Que tenha de haver uma tal filosofia, ressalta com
evidência da ideia comum do dever e das leis
morais. Toda a gente tem de confessar que uma lei
que tenha de valer moralmente, isto é, como
“Gegenwärtige Grundlegung ist aber nichts mehr als die Aufsuchung
und Festsetzung des oberstens Prinzips der Moralität, welche allein ein in
seiner Absicht ganzes und von aller anderen sittlichen Untersuchung
abzusonderndes Geschäft ausmacht” (GMS, 1965, p. 8) (FMC, 1986, p.
19).
3
4
Crítica da razão pura.
Jaime José Rauber
19
fundamento de uma obrigação, tem de ter em si
necessidade absoluta.5
Para o autor, os preceitos empiricamente
condicionados podem até ser chamados de regras práticas,
mas nunca poderão valer como leis morais. Nesse sentido,
o princípio da moralidade não pode ser buscado em
elementos fornecidos pela experiência, mas, para valer
como princípio da obrigação, deve ser buscado em
elementos a priori, provenientes exclusivamente da razão
pura.
Kant parte do fato de que os homens já sempre
sabem como deveriam agir, isto é, que eles já sempre têm
consciência do dever moral. Entretanto, entende que,
enquanto não se tiver um princípio que sirva de
fundamento para as ações dos homens, os próprios
costumes ficam sujeitos à perversão e corrupção. Resulta
daí, segundo o autor, a necessidade e a importância de uma
metafísica dos costumes, cuja fonte de conhecimento é a priori e
que, por apoiar-se na razão pura, pode possibilitar a
formulação desse princípio supremo da moralidade. Tal
princípio tem de ser, segundo Kant, formal. Não pode estar
ligado a nenhum condicionamento empírico, pois
inviabilizaria o projeto de busca e fixação do princípio de
caráter universalista, isto é, que valha igualmente para todos
os seres racionais.
Nesse sentido, no decorrer desse capítulo, ocuparme-ei, em um primeiro momento, com a exposição da
investigação kantiana em torno do supremo princípio da
moralidade. Em seguida, apresentarei a crítica de Hegel ao
formalismo kantiano, mostrando que são possíveis duas
“Denn dass es eine solche geben müsse, leuchtet von selbst aus der
gemeinen Idee der Pflicht und der sittlichen Gesetze ein. Jedermann
muss eingestehen, dass ein Gesetz, wenn es moralisch d. i. als Grund
einer Verbindlichkeit gelten soll, absolute Notwendigkeit bei sich
führen müsse” (GMS, 1965, p. 5) (FMC, 1986, p. 15).
5
20
O problema da Universalização em Ética
leituras a esse respeito: por um lado, se se aceita o ponto de
partida de Kant, a crítica de Hegel à pura indeterminação
não é tão sustentável quanto ela, a princípio, parece ser; por
outro, se se nega o ponto de partida daquela proposta,
então Hegel tem razão em afirmar que a ética de Kant
permanece em um puro formalismo e que, por meio dela,
só é possível determinar deveres subjetivos. E, por fim,
tentarei mostrar que, mesmo havendo espaço para a
introdução de princípios conteudísticos (normas), a
proposta de Kant apresenta-se problemática, pois cai no
rigorismo ético, que será caracterizado como universal
absoluto. A exposição da proposta de Kant e da crítica de
Hegel ao puro formalismo são fundamentais para
compreender-se a crítica ao universal abstrato, que será
desenvolvida no terceiro capítulo desse estudo.
1.1 O princípio da moralidade em Kant
A apresentação do princípio da moralidade, ele
mesmo, exige que se exponha o que Kant entende por dever
moral. A tradição filosófica definia o dever moral a partir de
fins previamente postos. Se o fim fosse a vida boa ou a vida
feliz, o dever moral resultaria da análise dos melhores meios
para se chegar a tais fins. No pensamento de Kant, porém,
a definição do dever moral muda radicalmente. Ele
abandona qualquer fim como meta a ser alcançada por
meio da realização de determinadas ações. Sua preocupação
não é mais com o que se deve fazer para alcançar os fins
previamente postos, mas apenas com o como se deve proceder
para agir com mérito moral. Daí a importância da
exposição do conceito de dever que, segundo Kant, contém
em si o de boa vontade.
Jaime José Rauber
21
1.1.1 Boa vontade e dever
Na primeira seção da GMS, Kant apresenta a boa
vontade (guter Wille) como a única coisa que pode ser
considerada como boa em si mesma, algo como bom sem
limites (ohne Einschränkung). Segundo ele, todos os talentos e
qualidades do espírito são, em geral, coisas boas e
desejáveis, mas, se a vontade unida a elas não for boa,
podem tornar-se maus e prejudiciais. Todas as qualidades
do temperamento são favoráveis à boa vontade, mas não
possuem um valor absoluto em si mesmas. As qualidades,
para serem boas e louváveis sem reservas, pressupõem os
princípios da boa vontade.
Para Kant, a boa vontade não é boa por possibilitar o
alcance de determinados fins, isto é, por aquilo que
promove, mas apenas pelo simples querer (Wollen). Ela,
considerada em si mesma, deve ser avaliada em
grau muito mais alto do que tudo o que por seu
intermédio possa ser alcançado em proveito de
qualquer inclinação, ou mesmo, se se quiser, da
soma de todas as inclinações.6
A razão (Vernunft) foi-nos dada, segundo o autor,
como faculdade prática (praktisches Vermögen) que deve
exercer influência sobre a vontade. Sua tarefa, entretanto,
não deve ser a de produzir uma vontade que seja boa como
meio para outra intenção, mas a de produzir uma vontade
boa em si mesma (an sich selbst guten Willen hervorzubringen7).
A vontade será boa em si mesma na medida em que não
“Der gute Wille [...] für sich selbst betrachtet, ohne Vergleich weit
höher zu schätzen als alles, was durch ihn zu Gunsten irgend einer
Neigung, ja wenn man will der Summe aller Neigungen, nur immer zu
stande gebracht werden könnte” (GMS, 1965, p. 11) (FMC, 1986, p.
23).
6
7
GMS, 1965, p. 11-2.
22
O problema da Universalização em Ética
for influenciada por elemento algum exterior a ela mesma.
É nisso que consiste o seu pleno valor. Por ser boa em si
mesma, constitui o bem supremo e a condição de tudo o
mais.
Para desenvolver o conceito de boa vontade
altamente estimável em si mesma, Kant passa também à
exposição do conceito de dever (Pflicht) que, segundo ele,
contém em si o de boa vontade. Para uma melhor
compreensão desse conceito, observemos dois exemplos
do próprio autor. O comerciante que atende lealmente
(ehrlich) seus fregueses age conforme ao dever (pflichtmässig), pois
é um dever ser leal e atender bem seus fregueses, mas não
age por dever (aus Pflicht) na medida em que age motivado
por interesses bem compreendidos. Da mesma forma, uma
pessoa que leva uma vida tranquila e feliz e a conserva, age
conforme ao dever, mas não por dever, pois conservar a vida é
um dever. Ao contrário, quando uma pessoa perdeu o
gosto pela vida e pensa em suicidar-se, mas mesmo assim a
conserva, esta sim, age por dever.8 Conservar a vida quando
esta já não encontra mais nenhuma motivação, conforme o
último caso, é uma ação com pleno valor moral. A primeira
opção por conservar a vida, em contraposição, não
representa uma ação com valor moral intrínseco, pois é
uma ação que não passa da conformidade com o dever. A
conservação da vida, nesse caso, passou a ser uma máxima
movida talvez pelo medo de uma pena futura ou por uma
outra motivação qualquer.
Agir por dever é, pois, agir pela boa vontade sem ser
movido por inclinação (Neigung) alguma; é conservar a vida
por dever e não pelo medo da pena. É realizar uma boa
ação sem ter em vista nenhuma intenção finalística, mas
agir simplesmente pela pura intenção. O valor moral
(moralischer Wert) das ações consiste, portanto, em agir pelo
8
Cf. FMC, 1986, p. 27-8.
Jaime José Rauber
23
puro dever, em agir sem ser movido por inclinações. A
respeito disso, Kant afirma:
Uma ação praticada por dever tem o seu valor
moral, não no propósito que com ela se quer atingir,
mas na máxima que a determina; não depende,
portanto, da realidade do objeto da ação, mas
somente do princípio do querer segundo o qual a ação,
abstraindo de todos os objetos da faculdade de
desejar, foi praticada.9
Os propósitos unidos à prática de determinadas
ações não têm nenhum valor incondicionado e,
consequentemente, nenhum valor moral. O valor moral
reside apenas no princípio da vontade (Prinzip des Wollens), que
fica abstraído dos fins que se possa pretender mediante a
realização de determinada ação. Pascal, referindo-se ao
exemplo citado de Kant, afirma que “o mercador honesto é
moral se é honesto por dever; carece de valor moral se é
honesto por interesse”.10 A pureza da intenção é, pois, o
que constitui o valor moral da ação.
A partir dessas considerações anteriores, Kant
apresenta a sua definição geral do conceito de dever: “Dever é
a necessidade de uma ação por respeito à lei”.11 Segundo o autor,
pelo objeto, enquanto fim da ação a que aspiro, jamais
posso sentir respeito, apenas inclinação. Enquanto efeito,
“Eine Handlung aus Pflicht hat ihren moralicher Wert nicht in der
Absicht, welche dadurch erreicht werden soll, sondern in der Maxime,
nach der sie beschlossen wird, hängt also nicht von der Wirklichkeit des
Gegenstandes der Handlung ab, sondern bloss von dem Prinzip des
Wollens, nach welchem die Handlung unangesehen aller Gegenstände
des Begehrungsvermögens geschehen ist” (GMS, 1965, p. 17-8) (FMC,
1986, p. 30).
9
10
PASCAL, 1996, p. 114.
“Pflicht ist Notwendigkeit einer Handlung aus Achtung fürs Gesetz” (GMS,
1965, p. 18) (FMC, 1986, p. 31).
11
24
O problema da Universalização em Ética
não é uma atividade da vontade e, conforme Kant, só pode
ser objeto de respeito aquilo que está ligado à minha
vontade apenas como princípio e nunca como efeito.
Somente a lei por si mesma pode ser objeto de respeito,
jamais aquilo que serve à minha inclinação. O valor moral
da ação, portanto, não reside no efeito que dela se espera,
mas na pura representação da lei em si mesma, que
determina a vontade independentemente de qualquer
inclinação. Tal lei, que tem de determinar a vontade para
que esta possa ser chamada absolutamente boa e sem
restrições é, segundo Kant, a seguinte: “devo proceder
sempre de maneira que eu possa querer também que a minha
máxima se torne uma lei universal”.12 É, pois, a simples
conformidade a uma lei universal das ações em geral que
pode servir de princípio à boa vontade, e não a
conformidade com regras práticas destinadas a
proporcionar o alcance de fins. Esse princípio, diz o autor,
está perfeitamente de acordo com a comum razão humana (die
gemeine Menschenvernunft), pois, em seus juízos morais, ele
aparece já, sempre, implicitamente, como critério.
Para mostrar a plausibilidade e a eficácia dessa lei
geral prática, Kant apresenta o exemplo da falsa promessa:
posso eu, quando me encontro em apuros, fazer uma
promessa com a intenção de não a cumprir? Segundo o
filósofo de Königsberg, essa questão pode ser analisada sob
dois aspectos, a saber, pela prudência e pelo dever. Pelas
regras da prudência, eu teria que olhar à minha volta para
descobrir que efeitos estão ligados à ação, correndo o risco
de não conseguir prevê-los todos. Nesse sentido, eu seria
desaconselhado a fazer uma falsa promessa em função das
consequências desfavoráveis que ela poderia acarretar-me.
Além disso, uma falsa promessa pode significar grandes
“ich soll niemals anders verfahren als so, dass ich auch wollen könne,
meine Maxime solle ein allgemeines Gesetz werden” (GMS, 1965, p. 20) (FMC,
1986, p. 33).
12
Jaime José Rauber
25
vantagens para mim, mas, por meio de um cálculo, posso
perceber também que a perda da confiança pode ser-me
mais prejudicial do que todo o mal que no momento quero
evitar. Encontro-me, pois, frente a um dilema. Percebe-se,
assim, que os cálculos prudenciais são falíveis e não são
procedimentos adequados para a solução de semelhantes
problemas.
A análise do problema a partir do aspecto da
conformidade com o dever apresenta-se, segundo Kant, de
forma mais simples e segura. Basta perguntar a mim
mesmo se eu ficaria satisfeito se minha máxima (tirar-me de
uma dificuldade por meio de uma falsa promessa) fosse
levada à lei universal. Facilmente perceberia que, se essa
máxima fosse levada ao nível de lei universal, as promessas
como um todo não teriam mais sentido. Ninguém confiaria
mais em promessas e, por conseguinte, na medida em que
minha máxima se transformasse em lei universal, ela
necessariamente se autodestruiria. Eu poderia até querer a
mentira, mas jamais poderia querer transformá-la em lei
universal, sob pena de autodestruição da própria lei. Logo,
o ato de mentir e de fazer falsas promessas constituem
ações imorais, pois suas máximas não podem ser queridas
como leis universais.
Conforme Kant, não há necessidade de muita
sabedoria para saber-se agir moralmente. Cada indivíduo
pode perceber a cada momento e frente a qualquer ação
onde está o dever moral. Basta perguntar a si mesmo se sua
máxima de ação poderia converter-se em lei universal sem
contradição. Se a máxima não puder ser universalizada,
então ela deve ser rejeitada, pois não pode caber como
princípio em uma possível legislação universal (mögliche
allgemeine Gesetzgebung). A razão, diz Kant, exige-me respeito
por uma tal legislação, pois não é influenciada por elemento
algum da sensibilidade. O dever é, nesse sentido, a
necessidade de ações por respeito à lei prática. Tal dever
tem de ser cumprido de forma incondicional. Pois, a pureza
26
O problema da Universalização em Ética
da intenção, no cumprimento do dever, é a condição de
uma vontade boa em si, cujo valor é superior a tudo aquilo
que a inclinação louva.13 O valor moral de uma ação
consiste, portanto, no respeito à lei prática pelo puro dever
de cumpri-la, sem ser movido por inclinação alguma. Daí a
afirmação de Kant de que o conceito de dever contém já em
si o de boa vontade.
1.1.2 O imperativo categórico como critério do agir
moral
O conceito de dever, segundo Kant, embora
derivado do uso comum (gemeiner Gebrauche) da razão
prática, não é um conceito empírico, um conceito que
tenha seu fundamento na experiência. O conceito de dever
tem seu fundamento a priori. A partir da experiência não se
consegue estabelecer exemplos seguros de ações por dever,
senão de ações que estão apenas em conformidade com ele.
Por conseguinte, o valor moral está intimamente ligado às
intenções de agir por puro dever. Ele não reside nas ações
visíveis ou no efeito que delas pode resultar, mas nos
princípios internos da ação que são invisíveis.
Para Kant, é a razão por si mesma,
independentemente de todos os fenômenos, que deve
ordenar como devemos agir. O dever deve ser anterior a
toda experiência e residir apenas na razão, que determina a
vontade por motivos a priori. Pois a grandeza e a força do
dever dependem da necessidade e universalidade da lei
moral, aspectos esses que a experiência sensível não pode
proporcionar. Todo autêntico princípio da moralidade tem
de se fundar apenas na razão pura, pois o dever (lei moral),
que se encontrar livre de estímulos empíricos,
13
Cf. FMC, 1986, p. 35.
Jaime José Rauber
27
tem sobre o coração humano, por intermédio
exclusivo da razão [...], uma influência muito mais
poderosa do que todos os outros móbiles que se
possam ir buscar ao campo empírico.14
De acordo com o autor, o que caracteriza e torna o
conceito de dever altamente estimável é o fato de ele ser
uma exigência da razão pura.
Todos os conceitos morais têm de ter, conforme
Kant, sua origem completamente a priori na razão. Eles não
podem derivar de nenhum conhecimento empírico, pois é
exatamente nesta pureza da origem que residirá sua
dignidade. Só por ser sua origem externa a toda e qualquer
contingência é que eles poderão servir-nos de princípios
práticos supremos. Não é apenas uma questão de
especulação, mas
é também da maior importância prática tirar da
razão pura os seus conceitos e leis, expô-los com
pureza e sem mistura, e mesmo determinar o
âmbito de todo este conhecimento racional prático,
mas puro.15
As leis morais devem valer para todos os seres
racionais e, por isso, elas não podem ser deduzidas da
natureza particular da razão humana, mas do conceito
universal de um ser racional em geral.16 Essa é a tarefa da
“hat auf das menschliche Herz durch den Weg der Vernunft allein
[...] einen so viel mächtigeren Einfluss als alle anderen Triebfedern”
(GMS, 1965, p. 30) (FMC, 1986, p. 45).
14
“von der grössten praktischen Wichtigkeit sei, ihre Begriffe und
Gesetze aus reiner Vernunft zu schöpfen, rein und unvermengt
vorzutragen, ja den Umfang dieser ganzen praktischen oder reinen
Vernunfterkenntnis” (GMS, 1965, p. 31) (FMC, 1986, p. 46).
15
16
Cf. FMC, 1986, p. 46.
28
O problema da Universalização em Ética
pura filosofia (metafísica), da qual Kant se ocupa, enquanto
que a aplicação da moral cabe a outra ciência.17
Conforme Kant, enquanto tudo na natureza age
segundo leis, só um ser racional possui vontade (Willen).
Somente os seres racionais possuem a faculdade de agir
segundo a representação de leis, segundo princípios. Para
derivar ações das leis, é necessária a razão e, assim, diz o
autor, a vontade não é outra coisa do que a razão prática,
ou seja, a faculdade de escolher somente aquilo que a razão
reconhece como praticamente necessário (praktish
notwendig), isto é, como bom. A vontade, porém, nem
sempre é plenamente conforme a razão, pois, por vezes, é
influenciada por inclinações da sensibilidade, por condições
subjetivas que nem sempre coincidem com as objetivas. Só
são necessárias as leis práticas que não forem influenciadas
por nenhuma inclinação. Nesse sentido, como a vontade
nem sempre é boa, ou seja, como nossas escolhas por ações
nem sempre são conformes à razão, a determinação da
vontade objetiva, que é a determinação do agir passível de
ser reconhecido objetivamente como necessário, é a
obrigação (Nötigung). Assim, a vontade só será conforme à
razão se for constrangida por ela mesma e é por isso que as
leis da razão se apresentam à vontade em forma de
imperativos.18
Os imperativos, segundo o autor, exprimem-se pelo
verbo dever (sollen) e dizem como se deve proceder, ou seja,
qual das possibilidades de ação é boa por estar em
conformidade com os princípios objetivos, válidos para
todos os seres racionais. Eles podem ordenar de forma
hipotética (hypothetisch) ou categórica (kategorisch). Os que
Essa outra ciência seria, segundo Kant, a Antropologia. Para ele, é
imprescindível que essa ciência seja precedida por uma metafísica, pois,
senão, seria em vão querer determinar o caráter moral do dever e
fundar os costumes sobre princípios autênticos.
17
18
Cf. FMC, 1986, p. 47-8.
Jaime José Rauber
29
ordenam hipoteticamente exprimem a necessidade de uma
ação como condição para o alcance de determinado fim.
Os que ordenam categoricamente, por sua vez, exprimem a
necessidade de uma ação como fim em si mesma, sem
relação com qualquer outra finalidade. Nesse sentido, a
ação é boa, hipoteticamente, se serve como meio para o
alcance do fim que se pretende e, categoricamente, se ela
não visa a nenhum fim ulterior, apenas à necessidade da
ação por puro dever como fim em si.
A atenção de Kant está voltada especialmente aos
imperativos que ordenam categoricamente, pois, como viuse acima, o dever moral não consiste em alcançar fins, o
que seria proporcionado pela observância de imperativos
hipotéticos, mas em agir tendo como base e motivo da ação
o puro dever. O objetivo central do autor é o de apresentar
e fundamentar uma fórmula que possa suprimir a
deficiência da vontade racional, que não é absolutamente
boa, por estar sujeita às inclinações sensíveis, e que, por
vezes, obedece às paixões e não à razão. Resulta daí a
necessidade de se estabelecer uma lei prática ordenada pela
própria razão, capaz de determinar o que é bom conforme
à razão e não conforme às paixões humanas, movidas pelas
inclinações sensíveis. Daremos ênfase, pois, ao imperativo
que expressa a necessidade objetiva de uma ação por si,
independente de qualquer intenção ou finalidade. Esse
imperativo também é denominado por Kant de imperativo da
moralidade (Imperativ der Sittlichkeit).
Um imperativo categórico, ao contrário dos
hipotéticos19, ordena de forma absoluta e não se baseia em
Kant divide os imperativos hipotéticos em duas classes: eles podem
ser regras da destreza ou conselhos da prudência. As regras da destreza
prescrevem-nos os melhores meios para se obter um determinado
resultado; dados os fins, fica fácil calcular os meios. Já os conselhos da
prudência prescrevem os meios mais seguros para alcançar-se a
felicidade. Contudo, não é tão fácil calcular os meios para se alcançar tal
fim, pois os elementos ligados ao conceito de felicidade são, na sua
19
30
O problema da Universalização em Ética
outra intenção para determinar certo comportamento, mas
ordena-o de maneira imediata. Ele não diz se queres A, deves
B, mas tão somente deves, sem ter em vista qualquer outro
fim, a não ser o da pura obediência à lei. Enquanto os
imperativos hipotéticos ditam regras e conselhos para o
alcance de determinados fins, um imperativo categórico
determina as leis (Gesetze) da moralidade. De fato,
só a lei traz consigo o conceito de uma necessidade
incondicionada, objetiva e consequentemente de
validade geral, e mandamentos são as leis a que tem
de se obedecer, quer dizer que se têm de seguir
mesmo contra a inclinação.20
O imperativo categórico, ao contrário dos
imperativos hipotéticos, não nos é dado pela experiência e,
assim, deve ser buscado totalmente a priori na razão.
Segundo Kant, só ele possui o caráter de lei prática
(praktisches Gesetz), enquanto que os imperativos hipotéticos
podem ser chamados de princípios (práticos) da vontade,
mas não leis. Só o imperativo categórico possui necessidade
em si, que é a necessidade exigida na lei, ao passo que os
outros imperativos possuem necessidade contingente,
orientada para o alcance de determinados fins. Conforme o
autor, os imperativos hipotéticos não permitem saber de
antemão qual é o seu conteúdo, senão apenas quando a
totalidade, empíricos. Não se pode calcular de forma exata os meios,
pois a definição do conceito de felicidade pode variar de pessoa para
pessoa. Além disso, a realização de ações como meios para o alcance da
felicidade depende completamente da contingência, o que pode frustrar
as expectativas ligadas à definição daquele conceito. Daí que os
imperativos da prudência não passam de conselhos da prudência.
“Denn nur das Gesetz führt den Begriff einer unbedingten und zwar
objektiven und mithin allgemein gültigen Notwendigkeit bei sich, und
Gebote sind Gesetze, denen gehorcht, d. i. auch wider Neigung Folge
geleistet werden muss” (GMS, 1965, p. 37) (FMC, 1986, p. 53).
20
Jaime José Rauber
31
condição nos é dada. Em contraposição, quando se pensa
um imperativo categórico, imediatamente pode-se saber o
que ele contém, pois não está ligado a nenhum fim exterior
que o limite. Ele não contém senão a necessidade de que a
máxima de minha ação se conforme à lei e, assim,
nada mais resta senão a universalidade de uma lei
em geral à qual a máxima da ação deve ser
conforme, conformidade essa que só o imperativo
nos representa propriamente como necessária.21
A partir disso, Kant afirma que o imperativo
categórico é um só e que fica expresso na seguinte fórmula:
“Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo
querer que ela se torne lei universal”.22 Este é o critério da
moralidade e o princípio donde devem derivar-se todos os
imperativos do dever.
Kant acrescenta a esta fórmula básica três
formulações subordinadas, que não passam de maneiras
diferentes de representar-se o princípio da moralidade. A
realidade das coisas, ou seja, a natureza propriamente dita é
determinada por leis universais e, a exemplo disso, Kant
afirma que o imperativo do dever também pode ser
expresso da seguinte forma: “Age como se a máxima da tua
ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da
natureza”.23
“so bleibt nichts als die Allgemeinheit eines Gesetzes überhaupt
übrig, welchem die Maxime der Handlung gemäss sein soll, und welche
Gemässheit allein der Imperativ eigentlich als notwendig vorstellt”
(GMS, 1965, p. 42) (FMC, 1986, p. 59).
21
“Handle nur nach derjenigen Maxime, durch die du zugleich wollen kannst, dass
sie ein allgemeines Gesetz werde” (GMS, 1965, p. 42) (FMC, 1986, p. 59).
22
“Handle so, als ob die Maxime deiner Handlung durch deinen Willen zum
allgemeinen Naturgesetze werden sollte” (GMS, 1965, p. 43) (FMC, 1986, p.
59).
23
32
O problema da Universalização em Ética
Uma segunda formulação refere-se à natureza
racional como fim em si mesma (Zweck an sich selbst). Segundo
Kant, não existe na natureza algo que tenha valor absoluto,
um fim em si mesmo, senão o homem. Todas as coisas, e
mesmo os seres irracionais, só têm valor se são para nós.
Todos os objetos das inclinações só têm um valor
condicional; também as inclinações, elas próprias, como
fontes das necessidades, estão longe de ter um valor
absoluto que as torne desejáveis em si mesmas e por isso
Kant recomenda que o desejo de todos os seres racionais
deve ser o de se libertar completamente delas. O homem,
portanto, como fim em si mesmo (Zweck an sich selbst),
jamais deve servir só de meio (Mittel) e, se deve haver um
princípio prático supremo e um imperativo categórico no
que respeita a vontade humana, este deve ter como
fundamento a natureza racional como fim em si.24 Neste
sentido, o imperativo categórico admite outra formulação:
“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa
como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como
fim e nunca simplesmente como meio”.25
Este princípio que caracteriza a humanidade como
fim em si mesma não é, segundo Kant, extraído da
experiência por dois motivos: por causa da sua
universalidade, pois se aplica a todos os seres racionais em
geral; e, porque nele a humanidade se representa, não como
fim subjetivo, mas como fim objetivo. Ora, diz Kant, o
princípio de toda legislação prática reside objetivamente na
regra e na forma da universalidade que a torna capaz de ser
uma lei (primeira subfórmula), e subjetivamente reside no fim.
Dado que o sujeito de todos os fins é todo ser racional
como fim em si mesmo (segunda subfórmula), tem-se,
24
Cf. FMC, 1986, p. 68-9.
“Handle so, dass du die Menschheit, sowohl in deiner Person als in der Person
eines jeden anderen, jederzeit zugleich als Zweck, niemals bloss als Mittel brauchst”
(GMS, 1965, p. 52) (FMC, 1986, p. 69).
25
Jaime José Rauber
33
então, o terceiro princípio prático da vontade que concebe
a vontade de todo ser racional como vontade legisladora
universal.26
Se o homem não pode ser tratado como um
instrumento, ele também não pode ser objeto da legislação
universal imposta pela lei moral, mas deve ele mesmo ser
seu próprio autor. Daí a terceira subfórmula do imperativo
categórico kantiano:
Nunca praticar uma ação senão em acordo com
uma máxima que se saiba poder ser uma lei
universal, quer dizer, só de tal maneira que a vontade
pela sua máxima se possa considerar a si mesma ao mesmo
tempo como legisladora universal.27
As máximas devem conformar-se a esse princípio
para que possam ser reconhecidas como dotadas de valor
moral. O dever, então, é a necessidade da ação segundo o
princípio objetivo dos seres racionais como legisladores
universais.
A vontade humana, concebida como vontade
legisladora universal, faz com que o homem não esteja
submetido a nenhuma lei vinda de fora, mas apenas às leis
resultantes de sua própria autoria. A vontade que se dá a si
mesma a lei é chamada, por Kant, de autônoma (Autonomie
des Willens) e compreende o princípio supremo da
moralidade. Por meio desse princípio, a legislação brota da
própria vontade de cada ser racional e, por ser assim,
somos submetidos a ela, não por alguma coerção, mas pela
autonomia da vontade. O homem, ao dar-se as leis,
simultaneamente submete-se a elas.
26
Cf. FMC, 1986, p. 72.
“Keine Handlung nach einer anderen Maxime zu tun also so, dass es
auch mit ihr bestehen könne, dass sie ein allgemeines Gesetz sei, und
also nur so, dass der Wille durch seine Maxime sich selbst zugleich als allgemein
gesetzgebend betrachten könne” (GMS, 1965, p. 57) (FMC, 1986, p. 76).
27
34
O problema da Universalização em Ética
Nas palavras de Kant, as três maneiras, brevemente
expostas, de apresentar o princípio da moralidade são
apenas outras tantas fórmulas dessa mesma lei, qual seja:
“Age segundo a máxima que possa simultaneamente fazer-se a si
mesma lei universal”.28 Dado que as três maneiras de
representar o princípio da moralidade são equivalentes à
fórmula básica, é possível concentrar-se apenas nela e na
primeira subfórmula para mostrar o dever moral em
situações de conflito moral.29 De acordo com elas, para se
saber se uma máxima de ação é moral ou não, basta
perguntar-se a si mesmo se tal máxima poderia tornar-se lei
universal da natureza sem cair em contradições. Caso esta
possibilidade fique descartada, a ação correspondente é
moralmente reprovada e rejeitada como imoral.
O imperativo categórico é o critério do moral e,
segundo Kant, é o princípio supremo e suficiente para a
determinação do dever em situações de conflito moral.
Senão, vejamos os quatro exemplos apresentados por ele
na FMC. O primeiro deles é o do suicídio: por amor a mim
mesmo, tomo como máxima encurtar minha vida caso ela,
prolongando-se, me ameace mais com desgraças do que
com alegrias. O princípio universal do dever, por sua vez,
ordena que eu me questione se tal máxima de ação pode
tornar-se lei universal.
“Handle nach der Maxime, die sich selbst zugleich zum allgemeinen Gesetze
machen kann” (GMS, 1965, p. 61) (FMC, 1986, p. 80).
28
Essa delimitação também é feita por Otfried Höffe, um dos mais
renomados comentadores contemporâneos de Kant. Para falar do
imperativo categórico como critério do moral em Kant, Höffe utiliza apenas a
fórmula básica e da primeira subfórmula (cf. 1983, p. 184-5). Dado que
o objetivo do presente trabalho não exige um desenvolvimento
pormenorizado de cada uma das formulações apresentadas por Kant,
sigo o paradigma de Höffe e me contento com o que foi dito da
segunda e terceira subfórmulas.
29
Jaime José Rauber
35
Vê-se então em breve que uma natureza, cuja lei
fosse destruir a vida em virtude do mesmo
sentimento cujo objetivo é suscitar a sua
conservação, se contradiria a si mesma e, portanto,
não existiria como natureza.30
Por conseguinte, tal máxima, é contrária ao
princípio supremo de todo dever (obersten Prinzip aller Pflicht)
e jamais poderia tornar-se lei universal da natureza.
O exemplo da falsa promessa implica resultado
semelhante: em caso de necessidade, tomo como máxima
de ação pedir dinheiro emprestado com a promessa de
devolvê-lo, mas com a intenção de jamais cumpri-la. Essa
máxima de ação jamais poderia ser querida como lei
universal, pois se contradiria a si mesma; a promessa, como
tal, perderia o seu sentido, e ninguém mais confiaria em
promessa alguma.
O terceiro exemplo de Kant mostra que a máxima
de ação de um homem, que dotado de talentos naturais que
podem ser úteis a outros, mas os deixa enferrujar e não os
põe em prática, jamais pode querer ser universalizada.
Mediante a universalização de tal máxima, uma natureza
poderia até subsistir, mas nenhum ser dotado de razão
pode querer que homens deixem de cultivar suas aptidões
por preguiça ou por influência de qualquer outra paixão.
Da mesma forma, a máxima de ação de um homem
que vive na prosperidade, mas por egoísmo deixa de ajudar
aquelas pessoas que vivem na desgraça, jamais poderia ser
querida como lei universal da natureza. Embora seja
possível que o gênero humano subsista a tal lei, não é
possível que esse princípio valha como lei natural, pois uma
“Da sieht man aber bald, dass eine Natur, deren Gesetz es wäre,
durch dieselbe Empfindung, deren Bestimmung es ist, zur Beförderung
des Lebens anzutreiben, das Leben selbst zu zerstören, ihr selbst
widersprechen und also nicht als Natur bestehen würde” (GMS, 1965,
p. 43) (FMC, 1986, p. 60).
30
36
O problema da Universalização em Ética
vontade que decidisse tal coisa estaria em contradição
consigo mesma. Uma vontade movida pela razão jamais
poderia querer que tal máxima se transformasse em lei
universal da natureza.
Segundo Kant, as máximas de ação dos dois
primeiros exemplos não podem nem sequer ser pensadas
como leis universais da natureza sem contradição. Já, nos
dois últimos exemplos, não se encontra essa
impossibilidade interna, mas suas máximas de ação não
podem ser elevadas ao estatuto de leis universais da
natureza, pois uma vontade, que assim as quisesse, se
contradiria a si mesma. Nos dois primeiros casos, as
máximas de ação nem poderiam tornar-se leis universais
sem contradição, e nos exemplos seguintes não deveriam,
pois a universalização de tais máximas estaria em
contradição com a vontade que as quisesse como leis
universais.
A partir desses exemplos de deveres é possível
perceber, segundo Kant, qual é o cânone para o julgamento
moral, a saber: temos que poder querer que nossa máxima
de ação se transforme em lei universal sem implicar
contradições. Agir, tendo por base uma máxima de ação
que, levada à lei, implica contradição, é agir imoralmente.
Agir moralmente é agir segundo máximas de ação que,
levadas à lei universal, não conduzem a contradições. Eis aí
o elemento fundamental da proposta moral de Kant, qual
seja, a universalização. Embora Kant acrescente outras
versões à sua fórmula única, como já exposto acima, a
questão da universalização é definitiva. As máximas de ação
(regras práticas subjetivas) que não se enquadrarem em
uma possível legislação universal, por cair em contradições,
são rejeitadas como imorais.
A existência da lei, que ordena absolutamente por
si, tem de ser, segundo Kant, a priori, independente de todo
e qualquer móbil. Ela não pode derivar da constituição
particular da natureza humana,
Jaime José Rauber
37
pois o dever deve ser a necessidade prática
incondicionada da ação; tem de valer, portanto,
para todos os seres racionais [...], e só por isso pode
ser lei também para toda a vontade humana.31
O dever resultante de inclinações pode valer no
máximo como máxima de ação, ou seja, como princípio
subjetivo do querer, segundo o qual podemos agir por
queda ou tendência. Mas não pode valer como princípio
objetivo ou lei que nos manda agir por puro dever,
independentemente de inclinações ou disposições naturais.
O valor particular de uma vontade absolutamente boa é
constituído, conforme Kant, por um princípio da ação que
é livre de todas as influências contingentes. Nesse sentido,
a lei prática, que manda julgar sempre as ações por
máximas que possam também querer ser elevadas ao
estatuto de leis universais, está ligada totalmente a priori ao
conceito de vontade de um ser racional. Só assim a lei
constitui-se em uma lei necessária para todos os seres
racionais.
Observar o imperativo categórico, portanto, é o
procedimento a ser seguido para o julgar e o agir moral.
Enquanto lei moral, o imperativo categórico é puramente
formal, pois não indica diretamente o conteúdo do dever,
senão apenas o caminho a ser seguido para o agir com
mérito moral. A máxima ou ação moral é aquela que pode
ser universalizada sem cair em contradições. Esse puro
procedimentalismo é duramente criticado por Hegel. Para
este autor, o dever não deve ser definido de forma tão
abstrata, como faz Kant. Não basta dizer que o dever é a
necessidade de ação por puro respeito à lei, mas temos que
“Denn Pflicht soll praktisch-unbedingte Notwendigkeit der
Handlung sein; sie muss also für alle vernünftige Wesen [...] gelten und
allein darum auch für allen menschlichen Willen ein Gesetz sein” (GMS,
1965, p. 47) (FMC, 1986, p. 64).
31
38
O problema da Universalização em Ética
definir concretamente o que é o dever. Essa crítica é o
objeto do estudo que segue.
1.2 A crítica de Hegel ao formalismo kantiano
A crítica ao pensamento ético de Kant já vem
sendo desenvolvida, por Hegel, na Fenomenologia do Espírito e
na Enciclopédia das Ciências Filosóficas. Mas é nos Princípios da
Filosofia do Direito que ela é elaborada de forma mais
sistemática. No parágrafo 135 desta obra, a moral kantiana
é acusada de constituir um vazio formalismo e de que o
imperativo categórico não passa de uma pura indeterminação.
Se se aceita o ponto de partida de Kant, de que os homens
têm consciência do dever moral e já sempre sabem como
deveriam agir, perceberemos que nessa proposta há espaço
para a determinação do conteúdo do dever. Hegel, porém,
é mais exato e percebe que, se se parte da pressuposição de
determinados princípios conteudísticos, sem uma avaliação
objetiva dos mesmos, ações injustas e imorais também
podem ser justificadas. Para o autor, não basta estabelecerse um critério puramente formal, mas é preciso antes dizer
quais são os princípios conteudísticos a partir dos quais se
pode estabelecer os deveres particulares. Mas, para
desenvolver essa argumentação, é fundamental que se
apresente antes a própria crítica.
1.2.1 A objeção
O tema central da Filosofia do Direito é a ideia de
liberdade e sua concretização. No primeiro parágrafo desta
obra, Hegel afirma que “a ciência filosófica do direito tem por
objeto a Ideia do Direito, isto é, o conceito do Direito e sua
Jaime José Rauber
39
realização”32 e, no acréscimo do mesmo parágrafo,
compreendemos que a ideia do direito é a liberdade. Nesse
sentido, o que Hegel faz ao longo desta obra é tratar do
“desdobramento ou das determinações da ideia de
liberdade, princípio nela pressuposto mas demonstrado na
Ciência da lógica e na Enciclopédia”.33
A concretização da ideia de liberdade dá-se, de
forma crescente, em distintos níveis. Isso levou Hegel a
dividir a FD, respectivamente, em partes: Direito Abstrato,
Moralidade e Eticidade. Na primeira parte, Hegel apresenta
a propriedade, o contrato e a injustiça como as formas
concretas e imediatas da realização da ideia de liberdade;
são formas ainda indeterminadas, pois não passaram pelo
processo de mediação social, por meio do qual o conteúdo
do dever vai se determinando. Na segunda parte, o autor
trata das determinações subjetivas da liberdade, ou seja, da
autodeterminação da vontade livre, dos propósitos e
intenções que movem o indivíduo. Na terceira e última
parte, Hegel ocupa-se dos âmbitos em que se dão as
determinações objetivas da ideia de liberdade, ou seja, fala
da família, da sociedade civil e do Estado. Na eticidade, que
é o nível das determinações objetivas, o direito não está
mais na vontade natural (individual), nem na vontade
subjetiva, mas está nas leis e nas instituições, das quais os
indivíduos são membros.
A tese que Hegel procura defender na Filosofia do
Direito é a de que a realização máxima do conceito de direito
(liberdade) somente é possível na esfera da eticidade, onde
se situam instâncias de mediação social. A crítica do autor
consiste na ideia de que a proposta ética de Kant não passa
da esfera da moralidade, isto é, permanece no plano da
As traduções feitas do espanhol para o português e que aparecem
citadas no decorrer do presente trabalho são de inteira responsabilidade
do autor deste estudo.
32
33
WEBER, 1995, p. 757.
40
O problema da Universalização em Ética
subjetividade (formal e a priori). Para Hegel, a proposta de
Kant fica deficitária por não passar ao nível das
determinações objetivas, nas quais a liberdade realmente se
efetiva. Mas, para podermos compreender melhor essa
objeção, precisamos esclarecer alguns aspectos da doutrina
hegeliana do direito.
A moralidade é definida por Hegel como o momento
da autodeterminação da vontade, da reflexão sobre si da
vontade. Ela “consiste em superar a separação da vontade
por si (individual) e em si (universal), afirmando a vontade
como idêntica em e por si”.34 A vontade, que no direito
abstrato é infinita por si, levando à injustiça, necessita
autodeterminar-se, identificar a vontade em si e a vontade
por si. O direito abstrato revela-se insuficiente na medida
em que não ultrapassa as determinações imediatas entre
duas vontades. É um direito constituído por duas vontades
diretamente envolvidas, para as quais não há nenhuma
garantia da realização universal da liberdade. “Pelo direito
abstrato, não é possível impedir a possibilidade de alguém
impor a sua vontade sobre a do outro, reprimindo-a. Daí a
injustiça”.35
Da insuficiência do direito abstrato, que abre
possibilidade de lesão da vontade de outrem, surge a
necessidade da afirmação da subjetividade da vontade que
se revela como direito da vontade subjetiva. Com a
autodeterminação da vontade, torna-se racional a pena, ou
seja, é possível impor a alguém um castigo, sem lesar o
direito, pois o próprio direito já inclui a pena como um
momento racional da realização da liberdade universal.36
Contudo, em um primeiro momento, no nível da
moralidade ou, se quisermos, no nível da subjetividade, o
sujeito só pode ser julgado a respeito de sua
34
MÜLLER, 1997, p. 102.
35
WEBER, 1993, p. 75.
36
Cf. MÜLLER, 1997, p. 102.
Jaime José Rauber
41
autodeterminação, isto é, por aquilo que ele queria
(propósito) e por aquilo que ele sabia, pois é direito da
vontade subjetiva ser responsabilizada somente por aquilo
que queria e sabia. O que a vontade não queria e não sabia
não é reconhecido por ela como seu e, assim, não pode ser
responsabilizada pelo objeto em questão. É um direito da
vontade moral só se responsabilizar por aquilo que estava
em seu propósito.
Não obstante, Hegel reconhece que de uma ação
podem seguir-se sempre mais ou menos consequências não
previstas, de maiores ou menores proporções:
Num incêndio deliberado o fogo pode não chegar a
se declarar ou se estender mais além do que seu
autor havia previsto. Apesar disso, não se pode
falar neste caso de boa ou má sorte, porque ao agir
o homem se entrega à exterioridade. Um velho
refrão diz com justiça que a pedra que sai da mão
pertence ao diabo.37
De quem será, então, a responsabilidade pelas
consequências não previstas? Thadeu Weber alerta para a
existência de uma tensão inerente a cada ação praticada: “O
direito liberal, tomando como ponto de partida o sujeito,
registra uma oposição entre a vontade subjetiva, na forma
de projeto, e as decorrências objetivas, no que diz respeito
à responsabilidade”.38 Esse antagonismo entre a vontade
subjetiva e os efeitos objetivos (necessários e contingentes
ou previstos e não previstos) precisa ser resolvido. Mas,
conforme Weber, “o direito liberal é incapaz de estabelecer
um critério para o agir, que vá além do seu próprio
conteúdo implícito”.39 Citando o exemplo kantiano dos
37
FD, § 119, acrésc.
38
WEBER, 1993, p. 88.
39
Id., p. 89.
42
O problema da Universalização em Ética
dois náufragos, amparados por um pedaço de madeira, que
só suporta um deles, Weber questiona: dado que,
subjetivamente, os dois são igualmente livres, quem deve
morrer? Qual o critério? Na sua interpretação de Hegel,
com a qual concordo,
o direito abstrato e a moralidade são incapazes de
apresentar um critério para tais questões. Só ao
nível da eticidade, na medida em que se deve
considerar o contexto mais amplo, isso é possível.40
Hegel até fala, no nível da moralidade, da intenção
(propósito universalizado) da ação que, de certa forma,
responsabiliza o agente pelo todo e não só pela parte: “a
verdade do singular é o universal”.41 Nesse sentido, dado que
o propósito (parte) pertence ao ser pensante (todo), o
agente também deve responder pelo que não previa. O
agente não deve responder apenas pelos efeitos previstos
(necessários), mas também pelos efeitos não previstos
(contingentes), pois, pelo direito de intenção, a qualidade
universal da ação deve ser sabida e querida pelo agente.42
Contudo, no nível da moralidade, não há nenhuma
instância capaz de mediar o processo de responsabilização,
o que faz com que a responsabilidade pelos efeitos
decorrentes de uma ação permaneça em uma relação
puramente subjetiva. A responsabilização do agente pelas
consequências de sua ação só é possível no nível da
eticidade.
Diferentemente de Hegel, que tenta mostrar que a
ideia de vontade livre só pode ser determinada pela
mediação social, a investigação moral de Kant está voltada
para o estabelecimento de um princípio que sirva de
40
Id., ibid.
41
FD, § 119.
42
Cf. FD, § 120.
Jaime José Rauber
43
fundamento para a determinação da vontade livre. Tal
princípio, diz Kant, tem de ser válido para todos os seres
racionais, independentemente de limites espaço-temporais.
Assim, tem de estar abstraído de todo e qualquer
condicionamento empírico sob pena de impossibilitar, caso
isso não aconteça, o alcance de um dos aspectos que deverá
caracterizar essa proposta, qual seja, a universalidade, tanto de
sua validade como de sua aplicação. O resultado desta
investigação é, como se sabe, uma proposição prática
sintética a priori43, denominada imperativo categórico. Este é,
para Kant, o princípio que serve de fundamento para a
determinação da vontade livre. Com base no imperativo
categórico, é a razão solipsista que determina a vontade
livre, independentemente de qualquer inclinação ou de
qualquer elemento empírico.
Hegel reconhece que a autodeterminação da
vontade é o grande mérito de Kant: “é sem dúvida
essencial pôr em destaque que a autodeterminação da
vontade é a raiz do dever”.44 Entretanto, afirma que a
proposta de Kant é insuficiente por permanecer no plano
formal, sem apresentar conteúdos ao dever. Evidencia-se,
assim, a sua divergência em relação à proposta ética de
Kant.
Para Kant, o valor moral de uma ação consiste no
respeito do dever pelo puro dever, sem ter em conta qualquer
inclinação, isto é, sem ocupar-se de qualquer princípio
conteudístico que possa influenciar na ação como fim a ser
alcançado. O seu objetivo não é estabelecer conteúdos para
o dever, senão fixar o princípio supremo da moralidade que
O princípio da moralidade não pode ser expresso por meio de um
juízo analítico, pois estes não passam de enunciados de elucidação – o
conceito do predicado está contido no de sujeito. Também não pode
ser expresso por meio de uma proposição sintética a posteriori, pois sua
universalidade não é necessária. Ele tem de ser expresso por meio de
uma proposição sintética a priori, cuja universalidade é necessária.
43
44
FD, § 135.
44
O problema da Universalização em Ética
possa servir de fundamento para o agir humano. Mediante
uma análise da razão pura prática, ele chega ao imperativo
categórico. Esse imperativo não passa de uma mera
fórmula, ou seja, de um princípio puramente formal, pois
simplesmente diz que devemos agir de forma que
possamos também querer que nossas máximas de ação
valham como leis universais. Com isso, Kant não
estabelece nenhum conteúdo moral de forma direta, ou
seja, não diz o que é justo e o que é injusto, o que é bom e
o que é mau, mas apenas indica o procedimento a ser
seguido para o agir com mérito moral.
Em Hegel, ao contrário, o dever consiste em agir
conforme o direito e na busca do bem-estar, tanto o próprio
quanto o dos demais.45 O dever moral é determinado
dentro dos diferentes níveis de instituições sociais, isto é, na
família, na sociedade civil e no Estado. Daí a crítica a Kant:
permanecer no mero ponto de vista moral sem
passar ao conceito da eticidade, converte aquele
mérito em um vazio formalismo e a consciência moral
em uma retórica acerca do dever pelo dever
mesmo.46
Para Hegel, a determinação do conteúdo do dever é
fundamental para o agir moral. Sem a determinação do
conteúdo, diz ele, não podemos agir moralmente nem
imoralmente, pois falta-nos o elemento que funciona como
critério para classificar o agir em moral ou imoral. Em uma
palavra, falta à ética kantiana o nível da eticidade.
A moralidade, na medida em que determina a
vontade, é um momento necessário para a realização do
conceito de direito (liberdade). Hegel entende, porém, que o
dever pelo dever, enquanto determinação da vontade subjetiva,
45
Cf. FD, § 134.
46
Id., § 135.
Jaime José Rauber
45
não determina objetivamente o que devemos fazer. O agir,
segundo o autor, exige por si um conteúdo particular e um
fim determinado que ainda não está presente na noção
abstrata de dever.47 Falta à ética kantiana, portanto, a
definição do conteúdo do dever. Ela permanece em um
puro formalismo, pois não determina objetivamente o que
é justo ou injusto, o que é bom ou mau. A não contradição
no processo de universalização da vontade subjetiva,
conforme a exigência do imperativo categórico, é critério
insuficiente para a determinação objetiva desses valores
morais.
Na interpretação de Hegel, o dever kantiano
permanece em uma pura indeterminação.48 Ele só serve para a
autodeterminação da subjetividade da vontade, mas não
como princípio válido para a determinação objetiva do
conteúdo particular de uma ação.
Ao dever mesmo, que enquanto está na
autoconsciência moral constitui o essencial ou o
universal dela, e enquanto se refere apenas a si no
interior de si, só lhe resta a universalidade
abstrata.49
É impossível saber de forma a priori se determinado
ato é moral ou não. O dever objetivo só se sabe dentro de
um contexto, ou seja, dentro de uma instituição social. No
nível da moralidade só é possível a determinação de
deveres subjetivos. É na eticidade, pois, que se dá a
determinação do dever que está para além do dever da
47
Cf. id., § 134.
Conforme Valcárcel (1988, p. 236), o conceito de dever em Kant é tal
que a consciência é indiferente frente a qualquer conteúdo
determinado; cumpre precisamente o dever rejeitando os conteúdos; é
puramente formal.
48
49
FD, §135.
46
O problema da Universalização em Ética
vontade subjetiva. Enquanto que, no nível da moralidade, o
dever constitui um universal abstrato por ser carente de
realidade, na eticidade ele se afirma como universal concreto,
pois se situa dentro de um contexto de mediação social.
A crítica de Hegel à ética kantiana vai mais longe
ainda:
se se parte da determinação do dever como falta de
contradição ou concordância formal consigo mesmo, que
não é outra coisa que o estabelecimento da
indeterminação abstrata, não se pode passar à
determinação de deveres particulares. Tampouco
há nesse princípio algum critério que permita
decidir se um conteúdo particular que se apresenta
ao agente é ou não um dever.50
Conforme Hegel, se se tem uma matéria dada do
exterior, isto é, se se parte de um princípio conteudístico, é
possível a determinação de deveres particulares, mas, como
Kant parte de um princípio formal, é impossível o
estabelecimento desses deveres. Se o princípio tivesse
matéria e essa fosse conservar a vida, por exemplo, facilmente
poder-se-ia derivar dali deveres particulares, como não
matar, não se suicidar e assim por diante. Entretanto, diz
Hegel, de um princípio puramente formal não se pode
deduzir dever algum.
A imoralidade provém da contradição51 existente
entre a realização de ações e os respectivos princípios do
50
Id., Ibid.
O termo contradição não está sendo usado, aqui, no sentido antitético.
A contradição, aqui, representa algo completamente negativo. No
sentido de antítese, ela significa algo positivo, pois a ausência de
contradição significaria a interrupção do processo dialético. Sem
contradição seria impossível a superação (Aufhebung) dos momentos
anteriores (direito abstrato e moralidade) em direção à eticidade. A
eticidade tem como que guardados os momentos mais imediatos e
subjetivos da ideia de liberdade.
51
Jaime José Rauber
47
dever. A ação contrária ao que o dever determina está em
contradição com tal princípio e, por isso, é imoral.
Entretanto, segundo Hegel, em uma determinação abstrata
não pode haver contradição, pois ela só surge se um ato
particular contrariar um princípio conteudístico
previamente estabelecido. O princípio não pode ser uma
abstração vazia de conteúdo, pois desta maneira todo modo de
proceder injusto e imoral poderia ser justificado.52 Sem princípios
conteudísticos é impossível haver contradição e, assim,
todas as ações seriam permitidas. Observemos a
argumentação de Hegel:
Que não haja nenhuma propriedade não contém
por si nenhuma contradição, como tampouco o
encerra o fato de que este povo singular ou esta
família não exista, ou que em geral não viva nenhum
homem. Se, por outro lado, se admite e supõe que a
propriedade e a vida humana devem existir e ser
respeitadas, então cometer um roubo ou
assassinato é uma contradição; uma contradição só
pode surgir com algo que é, com um conteúdo que
subjaz previamente como princípio firme. Somente
com referência a um princípio semelhante, uma
ação é concordante ou contraditória.53
Cabe ressaltar, portanto, que um roubo ou
assassinato só constitui uma ação injusta e imoral em vista
dos respectivos princípios, que poderiam ser: “devemos
respeitar a propriedade alheia” e “devemos respeitar a vida
dos semelhantes”. A ausência de semelhantes princípios
permite a prática de más ações (roubos, assassinatos, saques
etc.), sem que isto implique contradições. Aliás, se não
houvesse princípios conteudísticos, também não haveria
52
Cf. FD, § 135.
53
Id., Ibid.
48
O problema da Universalização em Ética
más ações, porque são eles que determinam o que é bom e
o que é mau, o que é justo ou injusto. Jamais uma pessoa
pode ser responsabilizada por uma má ação qualquer sem a
indicação do princípio correspondente que determina o
dever ser. O autor de um assassinato não poderia ser
condenado por influenciar na liberdade de viver de outrem
se não houvesse um princípio que determinasse o dever ser a
esse respeito, pois não estaria em contradição com nenhum
princípio. A infração implica contradição, e esta é sempre
em relação a um princípio conteudístico, ou não é infração.
Se o princípio diz deves respeitar o outro, então ser desleal é
estar em desacordo com o que está prescrito. Faltar de
lealdade para com o semelhante constitui-se em um ato
injusto, pois é contrário ao dever que me manda agir
lealmente.
Nesse sentido, diz Hegel, a proposição “age de
forma que possas querer que a tua máxima também possa
ser tomada como princípio universal” seria muito boa se já
dispuséssemos de princípios que determinassem o que se
deve fazer.54 Mas, como ela não determina o conteúdo do
dever, não temos nada a observar. A chacina de pessoas só
é crime se houver um princípio conteudístico a partir do
qual se possa caracterizar a ação como tal. Da mesma
forma, os autores da chacina só podem ser
responsabilizados pelo crime tendo-se em vista o princípio
que prescreve o conteúdo do dever ser a esse respeito. É
nesse sentido que o imperativo categórico de Kant é
acusado de permanecer em um vazio formalismo. Esse
princípio, diz Hegel, é uma pura indeterminação, pois não
prescreve os conteúdos do dever.
Com a introdução da eticidade como um nível
superior ao da moralidade, Hegel pretende ter superado
Kant. Ele concorda plenamente com o que Kant fez, mas
afirma que lhe faltou o último passo, faltou-lhe a
54
Cf. FD, § 135, acrésc.
Jaime José Rauber
49
determinação dos conteúdos do dever, que se dá pela
mediação social. “Hegel critica, apenas, o formalismo
enquanto é e deve ficar vazio, ele questiona o a priori que
não é nem jamais será conciliado com o a posteriori”.55 Será,
no entanto, que a ética kantiana realmente permanece em
uma pura indeterminação? Será que a proposta de Kant
não abre espaço algum para a determinação de conteúdos
do dever, merecendo, dessa forma, a acusação do vazio
formalismo?
1.2.2 Formalismo versus universal abstrato
Se se aceita o ponto de partida da proposta kantiana
de fundamentação de normas morais, a crítica de Hegel ao
puro formalismo não é tão forte assim. Kant parte do fato
da razão de que os homens agem moralmente, ou seja, que
eles agem segundo costumes e que, em geral, sabem o que
é certo e o que é errado do ponto de vista moral. Partindo
desse fato, Kant procura simplesmente estabelecer o
princípio supremo da moralidade, que deverá servir de critério
para a justificação do agir humano em geral. O resultado
dessa investigação é o imperativo categórico, que diz: age
apenas de tal forma que possas também querer que a tua
máxima de ação se transforme em lei universal. Esse
princípio, como tal, é puramente formal e não fornece
nenhum conteúdo para o dever moral. Nisso Hegel tem
razão. Se se parte apenas do imperativo categórico, então a
proposta de Kant permanece em um puro formalismo. Ela
não permanece em um puro formalismo se se vai às raízes
e se trazem da historicidade os conteúdos do dever moral.
Essa é a tarefa das máximas que, diferentemente do
imperativo categórico, já não são mais puramente formais.
Somente a partir do engendramento desse conteúdo,
proporcionado pelas máximas, podem-se estabelecer os
55
CIRNE LIMA, 1987, p. 69.
50
O problema da Universalização em Ética
conteúdos para o dever. Se se aceita o fato de que os
homens já sempre se situam dentro de uma comunidade
moral e agem segundo determinados princípios (costumes),
é possível estabelecer-se conteúdos para o dever moral.
O imperativo categórico, como tal, não fornece
nenhum conteúdo moral, e isso não pode ser negado. Ele
indica apenas o procedimento a ser seguido sem evidenciar
o conteúdo do dever. Ele não diz o que se deve fazer, mas
apenas como se deve proceder para agir moralmente. Entretanto,
a proposta moral de Kant não se esgota no imperativo
categórico. As máximas desempenham um papel
fundamental dentro dessa proposta, pois são elas as
responsáveis pelo conteúdo do dever. As máximas são
determinações subjetivas do querer; são princípios práticos
cuja matéria (objeto) põe e persegue fins da vontade
subjetiva. Enquanto válidas apenas para o sujeito, não
passam de regras subjetivas do querer e, por conseguinte,
não valem como regras morais. Mas, quando estão em
conformidade com o imperativo categórico, passam à
validade objetiva, ou seja, valem como leis morais. É certo
que o conteúdo da máxima não pode ser o princípio de
determinação da vontade, pois, se fosse, não poderia
representar-se sob a forma universalmente legisladora, não
poderia converter-se em lei. O conteúdo da máxima deve
adequar-se à forma, isto é, deve estar em conformidade com
o princípio da moralidade, de modo a enunciar o dever.
Pode-se dizer, a partir disso, que a proposta de
Kant não permanece em uma pura ética da intenção.
Consideremos, também, a interpretação de Höffe a esse
respeito:
Kant não é um ético da intenção fundamental no
sentido de que seu princípio da moral, a boa
vontade, designe um mundo de inativa
interioridade, que permanece sem nenhuma
exteriorização dentro do mundo político, social e
pessoal. A vontade não é um além da realidade de
Jaime José Rauber
51
nossa vida, senão antes a razão determinante desta,
enquanto aquela se encontra no sujeito mesmo que
age [...].56
O princípio kantiano, como tal, é formal, mas são
as máximas57 que determinam o conteúdo do dever na
medida em que elas estiverem em conformidade com o
imperativo categórico: “Com a máxima se prepara a partir
do concreto o princípio normativo condutor”.58 As
máximas, a princípio, determinam apenas o conteúdo da lei
subjetiva do querer. Mas, à medida que são passíveis de
universalização, conforme a exigência do princípio da
moralidade, também são elas que determinam o conteúdo
objetivo do querer. A matéria das máximas universalizáveis é
também a matéria das leis morais.59
56
HÖFFE, 1983, p. 187.
É importante termos presente a distinção que Höffe faz entre regras
autoimpostas, como cantar diariamente uma canção, e máximas. As regras
autoimpostas, consideradas em si mesmas, aparecem como moralmente
irrelevantes. “Sem que Kant o diga expressamente, sua ilação de ideias
pressupõe, portanto, duas classes de máximas: as somente subjetivas
(meras máximas) e que por conseguinte não são morais, e as que
coincidem com uma lei prática e por conseguinte válidas ao mesmo
tempo objetiva e subjetivamente, e deste modo são morais” (HÖFFE,
1983, p. 186). Conforme o autor, Kant não refere o imperativo
categórico a regras arbitrárias e moralmente irrelevantes, senão apenas
às máximas de relevância moral.
57
58
HÖFFE, 1983, p. 192.
Esta matéria, porém, como tentarei mostrar mais adiante (item 1.3),
parece-me ser um conteúdo geral, um conteúdo que é abstraído das
circunstâncias empíricas das ações. O imperativo categórico exige que
se abstraia todo conteúdo determinado das máximas de ação, pois, tudo
o que for empiricamente condicionado não pode alcançar
universalidade. Assim, mesmo que na proposta de Kant haja espaço
para conteúdos morais, esse conteúdo é geral, o que permite a defesa
de normas morais de validade universal absoluta. Esse rigorismo, como
acontece em Kant, só é possível mediante a abstração das
circunstâncias empíricas das ações. Entretanto, se não se tem em conta
59
52
O problema da Universalização em Ética
A título de ilustração, tomemos o exemplo do
indivíduo que põe fogo na casa de alguém, por vingança, e
acaba incendiando um quarteirão inteiro. A máxima de
ação, neste caso, é “pôr fogo na casa de alguém para se
vingar de alguma desfeita”. Se se tenta universalizar tal
máxima (é isso que manda o imperativo categórico),
facilmente perceber-se-á que tal máxima, elevada à lei
universal, estaria em contradição com a racionalidade
humana. Com efeito, jamais poderia valer como lei
objetiva, como determinação substancial do dever, pois
colocaria em risco a relação pacífica entre os homens ou,
ao menos, contribuiria para tal. Ora, o imperativo
categórico é a forma à qual a máxima de ação deve ser
submetida. Se a máxima puder ser universalizada sem
contradições, então o seu conteúdo é moralmente bom,
pois se enquadraria em uma possível legislação universal. Se
ela não puder ser universalizada, justamente por cair em
contradições, então o conteúdo dessa máxima não pode
valer como princípio do dever, ou seja, como lei moral. A
determinação do conteúdo do dever, portanto, é mérito das
máximas passíveis de universalização. São elas que
determinam, de forma indireta, o que é moralmente bom e,
por conseguinte, o que pode e deve ser feito em situações
de conflito moral.60
as circunstâncias empíricas das ações, o conteúdo do dever pode
tornar-se inaplicável, pois pode ser incondizente com a realidade dos
conflitos morais. Podem surgir situações em que uma exceção ao dever
seja mais moral do que a sua rigorosa observância.
Marcus G. Singer, em Generalization in Ethics (1961), afirma que a
crítica de Hegel ao formalismo Kantiano é simples. Para este autor,
Hegel ignora que as máximas, que devem ser submetidas ao imperativo
categórico, sejam elas mesmas um princípio determinado (bestimmtes Prinzip)
e que elas já contenham um conteúdo (einen Inhalt). Contra essa objeção,
Singer afirma: “Se alguém tem a intenção de tomar para si determinada
máxima [...], para alcançar determinado fim, então já temos um princípio
determinado, algo que já contém um conteúdo, a que o imperativo
categórico pode ser aplicado” – “Wenn jemand beabsichtigt, sich eine
60
Jaime José Rauber
53
Kant, ao apresentar o imperativo categórico como a
forma à qual as máximas de ação devem ajustar-se, já sempre
pressupõe uma comunidade moral. Ele pressupõe a
existência de uma sociedade instituída, na qual se age
segundo costumes, ou seja, segundo determinados
princípios conteudísticos. A plausibilidade do imperativo
categórico como critério do agir moral já pressupõe, por
exemplo, a existência da propriedade e o dever de se
respeitá-la. Tendo-se a existência da propriedade como
princípio, a aplicação do imperativo categórico como
critério para o agir moral torna-se viável. Pressupondo-se a
propriedade como princípio, fica fácil perceber que tudo
aquilo que ameaça o direito de propriedade, ao ser
universalizado, implica contradição. O roubo de um carro,
por exemplo, é algo que jamais poderia ser universalizado,
pois a universalização da máxima do roubo extinguiria o
direito à propriedade. Na medida em que todos pudessem
roubar tudo e de todos, não haveria mais propriedade
alguma. Assim, tendo-se o princípio, é possível determinar
os deveres particulares que devem regrar a sua observância.
Hegel, porém, não aceita a pressuposição de
princípios segundo os costumes de determinada
comunidade. Pois, dessa forma, ações imorais e injustas
também poderiam ser justificadas. Em uma sociedade em
que o respeito à propriedade não é um dever (costume), o
roubo jamais seria uma prática imoral. Da mesma forma,
em uma sociedade em que a preservação da vida não é um
bestimmte Maxime zu eigen zu machen [...], um einen bestimmten
Zweck zu erreichen, dann haben wir bereits ein bestimmtes Prinzip, etwas,
das bereits einen Inhalt besitzt, auf den der kategorische Imperativ
angewendet werden kann” (SINGER, 1975, p. 291). Nesse sentido,
portanto, a proposta de Kant não permaneceria em uma pura
indeterminação, pois o conteúdo do dever seria determinado pelas
máximas. Isso vem ao encontro do que foi dito até aqui, em oposição a
Hegel, acerca da origem do conteúdo do dever no pensamento ético de
Kant.
54
O problema da Universalização em Ética
princípio do dever, o assassinato também não é uma ação
imoral. Conforme o autor, uma ação é imoral se ela
contradiz algum princípio conteudístico. Como Kant não
diz quais são os princípios do dever, pois seu único princípio
é puramente formal, a prática do roubo, do assassinato, do
suicídio etc. não são atos imorais. São práticas que não
estão em contradição com nenhum princípio. Segundo
Hegel, o princípio expresso pelo imperativo categórico “[...]
seria muito bom se já dispuséssemos de princípios
determinados sobre o que se deve fazer”.61 Como Kant não
diz quais são os princípios do dever, em uma sociedade em
que a discriminação racial é um costume (princípio), jamais
haveria contradição nisso. Aliás, seria estranha a ação que
tentasse evitar a discriminação.
Para Hegel, a determinação dos conteúdos
objetivos do dever acontece pela mediação social. Essa
mediação dá-se na família, na sociedade civil e no Estado.
É dentro desses diferentes níveis de instituições sociais, que
constituem o universal concreto, que se dá a determinação dos
princípios segundo os quais se deve agir. É de dentro da
família, da sociedade civil e do Estado que brotam os
princípios do dever. Kant, ao contrário, permanece em um
universal abstrato, pois já pressupõe que os homens agem
moralmente, ou seja, que os homens agem segundo
determinados princípios. Contudo, se se parte desse
universal abstrato, sem questionar-se se tais princípios são ou
não moralmente bons, o que em Hegel é determinado pela
mediação social, ações imorais ou injustas também podem
ser justificadas. Como o imperativo categórico é puramente
formal e não diz quais são objetivamente os conteúdos do
dever, quaisquer princípios de qualquer sociedade podem
ser justificados, independentemente de serem bons ou não,
de serem justos ou injustos. Aliás, nesse caso, o bom e o
justo são determinados por cada sociedade. Assim, o que é
61
FD, § 135, acrésc.
Jaime José Rauber
55
certo para uma sociedade pode não ser certo para outra.
Dado que a proposta de Kant não propõe uma mediação
entre as diferentes sociedades ou instituições sociais, o que
o imperativo categórico fundamenta são apenas deveres
subjetivos.
De acordo com Hegel, o que falta à ética kantiana é
a mediação. É da mediação que resultam os princípios
objetivos do dever. Sem a mediação só é possível
determinar-se o que é bom ou justo subjetivamente. Dado que
o fato da razão de Kant consiste na pressuposição de
princípios e dado que os princípios, sem mediação, são
subjetivos, o que se consegue estabelecer, com base no
imperativo categórico, são conteúdos normativos
subjetivos. Em uma palavra, se se parte dos princípios de
determinada comunidade moral, recorrendo-se ao
imperativo categórico só se consegue estabelecer o que é
justo para aquela comunidade. O dever moral é aquilo que
não contradiz os princípios daquela comunidade. Assim, o
que a proposta de Kant possibilita são concepções isoladas
do certo e do errado, do moral e do imoral, mas não uma
determinação objetiva do dever.
Para Hegel, a verdade encontra-se no todo. As
comunidades morais isoladas constituem simplesmente
partes dessa totalidade e, como tais, não podem determinar
objetivamente o dever. A totalidade é constituída pelas partes,
mas não se esgota nelas. Ou seja, a totalidade não é
constituída por uma parte ou pela junção das partes, mas
pela superação e conservação (Aufhebung) das mesmas. De
forma semelhante, o dever moral objetivamente válido não
deve esgotar-se nos princípios de uma determinada
comunidade moral, mas nos princípios que contemplam a
totalidade das comunidades morais. O que se encaixa na
totalidade é superado (como particular) e guardado (como
universal). O que não se encaixa nesse grande mosaico é
rejeitado como inválido. Pelo processo de mediação social,
os deveres morais subjetivos são dialeticamente superados
56
O problema da Universalização em Ética
e guardados. É desse processo dialético que resultam os
deveres objetivos.
A crítica de Hegel ao formalismo kantiano é
bastante dura e espero ter conseguido dar o seu destaque
merecido. O autor aceita abertamente o caminho indicado
por Kant para a fundamentação do agir moral, mas
questiona o conteúdo do fato da razão pressuposto por
aquele. Kant parte do fato de que os homens agem de
acordo com princípios e já sempre sabem o que é o certo
ou o errado. O objeto de Kant, então, é estabelecer a
fórmula que, segundo ele, já sempre está implícita nos
juízos do humano senso comum. Hegel não questiona o
imperativo categórico como tal, mas questiona a
pressuposição dos princípios elementares a partir dos quais,
com base no imperativo categórico, os deveres são
estabelecidos. Se se pressupõem tais princípios, diz Hegel,
práticas imorais também podem ser justificadas.
Considerem-se, por exemplo, os princípios de uma
comunidade de ladrões. Para tal comunidade, o roubo, o
homicídio, o assalto, etc. são princípios gerais aceitos.
Pressupondo-os como tais, poderíamos consequentemente
justificar as ações de furtar, matar, assaltar, etc., pois não
entrariam em contradição com os princípios pressupostos.
Mais do que isso, seriam legitimadas por aqueles. O que
Hegel faz, então, é questionar essa pressuposição de
princípios, pois entende que não passam de princípios
subjetivos. Hegel é defensor dos princípios objetivos do
dever e, para ele, a determinação destes dá-se pela mediação,
que acontece nos diferentes níveis de instituições sociais:
família, sociedade civil e Estado. O autor afirma que, se já
tivéssemos tais princípios, então a proposta de Kant estaria
completa. Mas, sem a mediação, que acontece no nível da
eticidade, só é possível determinarem-se deveres subjetivos.
A crítica de Hegel é excelente, pois enfatiza um dos
grandes problemas da proposta kantiana. Mas, aceitando-se
o ponto de partida de Kant, de que os homens agem
Jaime José Rauber
57
moralmente e já sempre sabem o que é certo ou errado, o
que se pretende agora é analisar se a fundamentação de
deveres morais, proposta por Kant, abre espaço ou não
para a contingência.62 Dado que o objetivo de Kant é
estabelecer um critério a priori, será que a historicidade não
é sacrificada em nome da universalidade dos deveres
morais, fundamentados pelo princípio da moralidade de
validade necessária e universal? Será que as circunstâncias
empíricas das ações não são sacrificadas em nome da
universalidade da lei, que é o que o imperativo categórico
exige? Dado que as máximas das ações de mentir, roubar,
matar, saquear, etc. não podem ser queridas como leis
universais, a prática de tais ações é sempre imoral,
independentemente das circunstâncias empíricas da ação?
O objeto do passo seguinte é, pois, a natureza da
universalidade dos deveres resultantes da aplicação do
princípio kantiano de fundamentação.
1.3 O universalismo absoluto de Kant
Uma das principais características da ética de Kant é
o empenho pela simples fundamentação e não pela
elaboração de normas morais. Isso faz com que esta
proposta seja reconhecidamente procedimentalista. A
preocupação do autor não é com o conteúdo das normas
Se não se aceitasse o ponto de partida de Kant, então também não se
poderia passar à discussão sobre os deveres morais resultantes do
imperativo categórico, pois negar-se-ia a própria possibilidade dos
deveres morais, haja vista que o princípio da moralidade é puramente
formal e não fornece conteúdos para o dever. Como já exposto, os
conteúdos do dever resultam das máximas de ação. Agora, se essa
passagem do plano puramente formal para o plano conteudístico, isto é,
se essa inserção de conteúdos (provenientes das máximas) no princípio
puramente formal, da qual resulta o dever, é logicamente correta ou
não é tema para uma discussão que não se quer desenvolver aqui tendo
em vista o objeto central do presente estudo.
62
58
O problema da Universalização em Ética
morais, mas apenas com a elaboração de um critério de
fundamentação para o agir moral, um critério que permita
distinguir racionalmente ações morais de ações imorais.
Kant parte do pressuposto de que os homens agem
moralmente, ou seja, de que sabem o que é certo ou errado,
o que é justo ou injusto. Entretanto, como o ser humano é
dotado de desejos e paixões, o autor entende que a noção
de justiça e de correção moral fica sujeita à perversão.
Nesse sentido, a tarefa que o ocupa é a “[...] busca e a
fixação do princípio supremo da moralidade [...]”63, que sirva de
critério último para a fundamentação do agir moral.
No desenvolvimento dessa tarefa, Kant segue o
caminho de uma filosofia pura prática, pois entende que o
princípio, para servir de critério para todos os seres
racionais, tem de estar livre de todo e qualquer
condicionamento empírico. A validade objetiva do
princípio decorre da sua necessidade e universalidade. Por
isso ele tem de ser formal e não pode ser determinado por
nenhum elemento contingente. A investigação da razão
pura prática resultou no imperativo categórico, que manda
agir de forma que as máximas subjetivas de ação também
possam valer como leis universais da natureza (fórmula
básica e primeira subfórmula). Isso equivale a dizer que o
homem, ao agir, jamais pode considerar seu semelhante
como simples meio, senão sempre como fim em si mesmo
(segunda subfórmula); e que ele (o homem) seja o autor de
suas próprias leis (terceira subfórmula). No entender de
Kant, é esta autonomia da vontade que garante ao homem
a verdadeira liberdade.64
63
FMC, 1986, p. 19.
A ideia da autolegislação como fonte da liberdade remonta a
Rousseau, mas, segundo Höffe (1986, p. 184), só Kant descobre nessa
ideia o princípio básico de toda a ética, e trata de fundamentá-la. Não
vou me ater a essa ideia, pois não está diretamente ligada ao objeto
central desse estudo.
64
Jaime José Rauber
59
Para mostrar a eficácia do imperativo categórico
como critério para o agir moral, Kant aplicou-o, na FMC, a
quatro exemplos, cada qual relacionado a uma classe
diferente de deveres morais. Com respeito aos deveres
perfeitos: para consigo mesmo, a proibição do suicídio; para
com os demais, a proibição de uma falsa promessa. Com
respeito aos deveres imperfeitos: para consigo mesmo, a
proibição de deixar enferrujar seus talentos e disposições
naturais; para com os demais, a proibição da indiferença
ante a necessidade alheia. Os deveres perfeitos são aqueles
que não permitem exceção alguma, pois suas máximas, ao
serem universalizadas, implicam uma contradição interna.
As máximas dos deveres imperfeitos até não implicam uma
contradição interna ao serem universalizadas, mas, segundo
Kant, elas não podem ser queridas como leis universais da
natureza sem que a vontade, que assim as queira, se
contradiga a si mesma.65
Os exemplos apresentados por Kant são
meramente ilustrativos. Por meio deles, procura mostrar
que o imperativo categórico é critério suficiente para saberse agir moralmente, de forma que não há necessidade de
nenhum princípio paralelo ou subjacente para identificar-se
o dever em situações de conflito moral. As máximas de
ação que não puderem ser universalizadas sem contradições
são moralmente proibidas. As que puderem ser
universalizadas são permitidas, embora não moralmente
ordenadas, o que caracteriza a ética de Kant como uma
proposta negativa. Ou seja, o imperativo categórico proíbe
a execução das ações cujas máximas não são passíveis de
universalização, mas não obriga a realização das ações cujas
máximas podem ser universalizadas. A prática que não
puder ser universalizada é moralmente proibida. O dever
ou a obrigação, em tais casos, é não executar a ação. A
prática que puder também ser universalizada é uma prática
65
Cf. FMC, 1986, p. 62.
60
O problema da Universalização em Ética
permitida. Tal ação pode ser praticada, mas não somos
moralmente obrigados a realizá-la. A obrigação, sim, é não
realizar o contrário daquilo que é permitido. Contudo, diz
Marcus Singer, isso não implica que, por meio do
imperativo categórico, se possa apenas determinar o que
não se deve fazer e não o que se deve fazer. Pois, se uma
ação não for correta, então não devemos realizá-la, mas se
não for correto não realizar determinada ação, então o
dever é realizá-la. Entretanto, se determinada ação não for
incorreta nem for incorreto deixar de realizá-la, então a
questão da obrigação moral não pode nem ser posta.66
O dever moral resultante da conformidade das
máximas com o imperativo categórico é, para Kant, um
dever absoluto, um dever que de forma alguma permite
exceções (Ausnahmen). Podemos até querer abrir alguma
exceção e transgredir o dever, mas tal máxima jamais
poderia tornar-se lei universal. Pois,
se considerássemos tudo partindo de um só ponto
de vista, o da razão, encontraríamos uma
contradição na nossa própria vontade, a saber: que
um certo princípio seja objetivamente necessário
como lei universal e que subjetivamente não deva
valer universalmente, mas permita exceções.67
A ação cuja máxima não pode valer como lei
universal é contrária ao princípio da moralidade. Logo, uma
ação imoral. Em contraposição, a máxima de ação
universalizável sem contradições vale também como lei
moral. Essa lei é absoluta e não permite exceção alguma.
66
Cf. SINGER, 1975, p. 279-80.
“[...] wenn wir alles aus einen und demselben Gesichtspunkte, nämlich der
Vernunft, erwögen, so würden wir einen Widerspruch in unserem eigenen Willen
antreffen, nämlich dass ein gewisses Prinzip objektiv als allgemeines Gesetz
notwendig sei und doch subjektiv nicht allgemein gelten, sondern Ausnahmen
verstatten sollte” (GMS, 1965, p. 46) (FMC, 1986, p. 63).
67
Jaime José Rauber
61
Ela tem de valer necessariamente para a vontade, pois é
fruto da própria autonomia da vontade. Querer uma
exceção à lei é desejar a imoralidade.
Otfried Höffe68 até faz uma distinção entre máxima
e ação individual, afirmando que as ações individuais não
são ordens originárias, mas regras empíricas que não
possuem, para o agir moral, uma validade universal, senão
apenas geral.69 Entretanto, não nega que as máximas, que
se ajustam ao imperativo categórico, tenham de ter validade
universal absoluta. Essa validade plana ou universal
absoluta das normas (leis) morais, resultantes de máximas
de ação universalizáveis, é confirmada no texto Über ein
vermeintes Recht aus Menschenliebe zu Lügen70 (1797). Nele,
Kant mostra que, independentemente das circunstâncias da
ação, jamais se deve mentir. A mentira, universalizada,
conduz à contradição, pois, se todos mentissem, ninguém
mais acreditaria no que o outro dissesse, o que inviabilizaria
a racionalidade das relações dialógicas. Daí que, segundo
Kant, dizer a verdade, em oposição à mentira, é o dever.71
Por maior que seja o prejuízo para o próprio declarante ou
para qualquer outra pessoa, e por melhor que seja a
68
Cf. 1983, p. 194.
69
Ver nota nº 57.
70
Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade.
Dado que a proposta de Kant se caracteriza como uma proposta
negativa ou proibitiva, poder-se-ia argumentar que esse autor não diz
que o dever é dizer a verdade e, sim, que o dever é não mentir. Se o
dever é não mentir, então, em vez de dizer a verdade, poder-se-ia optar
pelo silêncio. Contudo, no exemplo do assassino que quer matar meu
amigo que se esconde na minha casa – exemplo comentado por Kant
em Über ein vermeintes Recht aus Menschenliebe zu Lügen –, a opção pelo
silêncio poderia custar-me a própria vida. Se eu não dissesse nada, o
assassino mataria a mim e, se eu dissesse a verdade, o assassino mataria
o meu amigo. A solução seria mentir, pois só assim eu poderia poupar a
minha vida e tentar poupar também a vida do inocente que se esconde
na minha casa.
71
62
O problema da Universalização em Ética
intenção unida à prática da mentira, o dever é ser verídico
em todas as declarações:
Quem, pois, mente, por mais bondosa que possa ser
sua disposição (intenção – grifo meu – JJR), deve
responder pelas consequências, mesmo perante um
tribunal civil, e por ela se penitenciar, por mais
imprevistas que possam também ser essas
consequências; porque a veracidade é um dever que
tem de considerar-se como a base de todos os
deveres a fundar num contrato e cuja lei, quando se
lhe permite também a mínima exceção, se torna
vacilante e inútil.72
Marcus G. Singer, no capítulo VIII de Generalization
in Ethics73, tenta defender a proposta de Kant das críticas ao
rigorismo ou absolutismo éticos.74 Singer, na obra citada,
distingue princípios de normas morais. Os princípios, diz ele,
“Wer also lügt, so gutmütig er dabei auch gesinnt sein mag, muss die
Folgen davon, selbst vor dem bürgerlichen Gerichtshofe, verantworten
und dafür büssen: so unvorhergesehen sie auch immer sein mögen; weil
Wahrhaftigkeit eine Pflicht ist, die als die Basis aller auf Vertrag zu
gründenden Pflichten angesehn werden muss, deren Gesetz, wenn man
ihr auch nur die geringste Ausnahme einräumt, schwankend und
unnütz gemacht wird” (MS, 1982, p. 639) (KANT, 1995, p. 175-6).
72
Esta obra foi publicada originalmente em inglês (em 1961, a primeira
edição e, em 1971, a segunda) e só mais tarde (1975) a tradução para o
alemão, que é utilizada nesse estudo. Da mesma forma que as citações
feitas do pensamento de Kant, também aqui apresento, nas notas, as
citações, não no original, mas em alemão, com o objetivo específico de
evitar equívocos quanto à minha tradução.
73
Com esse argumento em defesa à crítica do rigorismo e absolutismo
da ética de Kant, Singer não está tentando fundamentar a validade do
imperativo categórico, apenas tenta mostrar que é possível defender a
proposta de Kant daquelas críticas. Em um passo adiante, ele procura
mostrar que universalizar, que é o que manda o imperativo categórico,
não é um critério seguro e suficiente para o agir moral. Essa objeção
será trabalhada no próximo capítulo.
74
Jaime José Rauber
63
têm validade absoluta e valem em todas as circunstâncias.
As normas, por sua vez, não têm validade absoluta, mas,
conforme a especificidade das circunstâncias, admitem
exceções. Na sua interpretação, o imperativo categórico
pode ser entendido tanto como regra moral quanto como
princípio moral:
Um imperativo categórico é simplesmente uma
regra moral, e quando se pensa que um imperativo
categórico não deve ser lesado sob quaisquer
circunstâncias, que ele é obrigatório em todas as
condições, então muda-se o significado do termo;
troca-se, então, um imperativo categórico, no
sentido de regra moral, com o imperativo
categórico, que é um princípio moral.75
Ao comentar a argumentação de Kant de que o
dever é não mentir nunca, independentemente das
circunstâncias, Singer afirma que o texto Über ein vermeintes
Recht aus Menschenliebe zu lügen é um ensaio no qual Kant não
aplica o imperativo categórico: “De fato, Kant não aplica o
imperativo categórico naquele escrito”.76 Contudo, Kant
pode até não ter sido feliz na argumentação do citado
texto, mas parece-me claro que consiste, sim, em uma
aplicação do imperativo categórico, e que as normas morais
que resultam da aplicação desse princípio ordenam de
forma absoluta.
“Ein kategorischer Imperativ ist einfach eine moralische Regel, und
wenn man meint, ein kategorischer Imperativ dürfe unter keinen
Umständen verletzt werden, er sei unter allen beliebigen Bedingungen
verbindlich, dann verändert man die Bedeutung des Terminus; man
verwechselt dann einen kategorischen Imperativ im Sinn einer
moralischen Regel mit dem kategorischen Imperativ, der ein moralisches
Prinzip ist” (SINGER, 1975, p. 264).
75
“Tatsächlich wendet Kant den kategorischen Imperativ in dieser
Schrift überhaupt nicht an” (SINGER, 1975, p. 268).
76
64
O problema da Universalização em Ética
Seguindo-se a lógica interna do pensamento de
Kant, esse rigorismo admite uma explicação. O imperativo
categórico é uma proposição sintética-prática a priori.77 Por
ser assim, sua validade contém necessidade e
universalidade, pois não está ligada a nenhum
condicionamento empírico. O imperativo categórico
é válido porque é universal em sua formalidade. Sua
validade decorre de sua forma, a qual é universal e a
priori. [...] O primeiro princípio dos costumes é
válido por ser formal. Sendo formal é universal.78
De modo semelhante, as normas (leis) morais, para
alcançarem validade universal, têm que ser puramente
formais. A matéria enunciada pela norma não pode estar
empiricamente condicionada, pois comprometeria sua
validade universal. Tudo aquilo que se funda na experiência
não pode valer universalmente. Isso Kant já deixa claro na
CRPu. Assim, quando me encontro prestes a realizar uma
falsa promessa, uma mentira ou um saque, devo abstrair a
máxima de ação da historicidade e perguntar-me se ela
poderia valer como lei objetiva do querer. Se ela não puder
valer como lei universal, por cair em contradições, o oposto
dela é o dever.
Nesse sentido, se essa interpretação não apresentar
problemas, pode-se afirmar que o procedimento indicado
por Kant, para a legitimação de normas morais, consiste em
abstrair as máximas das circunstâncias concretas das ações.
O imperativo categórico exige que se abstraia todo
conteúdo determinado das máximas de ação, pois tudo o
que for empiricamente condicionado não pode alcançar
universalidade. Se, por exemplo, tenho dúvidas sobre a
correção moral ou não da ação de mentir a um assassino
77
Cf. FMC, 1986, p. 56-7.
78
CIRNE LIMA, 1987, p. 67.
Jaime José Rauber
65
para salvar a vida de um inocente, devo perguntar-me
simplesmente se a mentira pode ser universalizada. O
imperativo categórico não manda questionar-me se a
mentira para salvar a vida de um inocente contra a fúria de um
assassino pode ser universalizada e, sim, se a mentira em seu
aspecto mais geral possível, abstraída de toda e qualquer
contingência, pode ser universalizada. Ele não manda
questionar-me se o saque em extrema necessidade de fome pode
ser universalizado e, sim, se o saque, enquanto tal, pode ser
universalizado. Essa abstração faz com que os conteúdos
(matéria) das máximas sejam gerais, desprezando as
circunstâncias empíricas das ações.
As normas morais, resultantes da possibilidade de
adequação de máximas gerais79 ao imperativo categórico,
ordenam de modo absoluto. Se não mentir ou não saquear é o
dever, não devemos mentir ou saquear nunca,
independentemente das circunstâncias das ações, ou seja,
independentemente de se minto para salvar a vida de um
inocente contra a fúria de um assassino, ou se, em caso de
extrema necessidade, roubo para matar a fome. Pois, pela
proposta de Kant, por melhor que seja a intenção ou por
mais necessária que seja a ação, qualquer exceção implica
contradição e, consequentemente, imoralidade.80 Se a
Como fica compreendido no texto, pela expressão máximas gerais
entende-se as máximas abstraídas das circunstâncias concretas das
ações.
79
Na Doutrina do Direito, Kant fala do direito de necessidade (Notrecht):
qual dos dois náufragos deve morrer, dado que o pedaço de madeira
que lhes serve de amparo só suporta um deles? Segundo o autor, em
semelhantes casos o direito carece de critérios, pois são situações de
ações que vão além do seu próprio conteúdo. Nesses casos, o lema
jurídico do autor é: “A necessidade carece de leis” (“Not hat kein
Gebot”) (MS, 1968, p. 343). Entretanto, o dever moral é claro: não se servir
do semelhante como meio ou não ser a causa consciente e voluntária da morte de
outro, independentemente das circunstâncias empíricas da ação. Nesse
sentido, mesmo ao assassino, diz Kant, tenho o dever moral de dizer a
verdade, pois, mediante qualquer mentira estaria me servindo da
80
66
O problema da Universalização em Ética
mentira não pode ser universalizada, o dever é ser verídico
em todas as declarações. Devo dizer a verdade sempre, pois
a mentira, mesmo como uma simples exceção para mim,
jamais poderia ser universalizada.
A obsessão por uma proposta de fundamentação
ética totalmente abstraída da contingência leva Kant a
desconsiderar também as circunstâncias concretas das
máximas de ação. As normas morais, como não mentir, não
fazer falsas promessas, preservar sua própria vida, não roubar, não
saquear, etc., resultam do aspecto geral das máximas.
Adequando-se ao imperativo categórico, as máximas
assumem o estatuto de leis morais, de obrigação irrestrita e
de validade universal. Essa abstração das máximas da
historicidade revela deveres absolutos, que ordenam de
forma plana e não permitem exceção alguma. Contudo,
pode haver situações em que a lesão de uma dessas normas
é mais louvável do que se a seguíssemos rigorosamente. É
mais moral mentir para salvar a vida de um inocente contra um
assassino e roubar para matar a fome em uma situação de extrema
necessidade do que seguir o dever de forma rigorosa, isto é,
sem jamais abrir uma exceção para aquilo que foi definido
como dever, recorrendo-se ao imperativo categórico.
Nesse sentido, a proposta ética de Kant deixa algo a
desejar, pois querer sustentar a determinação de deveres de
validade absoluta pode levar-nos a praticar ações mais
imorais do que se abríssemos uma simples exceção ao
dever moral. Poderiam surgir situações em que, para não
mentir, omitir-nos-íamos da ação de salvar a vida de um
inocente das mãos de um criminoso. Neste caso, a mentira
seria uma ação mais moral do que a omissão de salvar a vida
do inocente. Não se pode dizer, portanto, como acontece
em Kant, que o dever moral tem de ser absoluto, que ele
jamais deve permitir exceções, pois as circunstâncias das
humanidade como meio e não como fim em si mesma. Para ele, dizer a
verdade é um dever absoluto e qualquer exceção implica imoralidade.
Jaime José Rauber
67
ações podem ser tais que uma exceção ao dever pode ser
mais moral do que sua rigorosa observância. Assim, uma
das grandes limitações da proposta de Kant está em
desprezar as circunstâncias empíricas das ações, pois o
matar e o matar em legítima defesa, o mentir e o mentir a um
assassino para salvar a vida de um inocente, o saquear e o saquear
em extrema necessidade de fome, etc. são ações bem distintas,
onde a consideração das circunstâncias é algo fundamental
para a correta determinação do dever moral.
Com essa argumentação, porém, não se pretende
aqui justificar infrações ao dever moral. Muito pelo
contrário. O que se pretende é mostrar a necessidade de se
estabelecer um princípio cuja determinação dos deveres
leve em conta também as circunstâncias empíricas das
ações. Com tal princípio, perceber-se-ia que, em
determinadas circunstâncias, não é errado mentir, roubar
ou matar. É o caso da mentira ao assassino para salvar a
vida de um inocente, ou da mentira ao paciente que se
encontra em estágio terminal, evitando-se, assim,
transtornos de diversas naturezas que poderiam apressar
mais ainda a morte do paciente e uma morte de forma bem
mais sofrida. A mentira, em tais casos, não infringiria o
dever, pois poderia ser justificada pela especificidade das
circunstâncias da ação. Todos os que se encontrassem em
semelhantes circunstâncias poderiam fazer o mesmo.
Contudo, tais ações envolveriam cálculos, o que para Kant
já não seria mais algo moralmente correto. Elas poderiam ser,
no máximo, legalmente corretas, mas jamais poderiam ser
caracterizadas como ações com mérito moral.
2
A Ética do discurso de
Habermas
Diferentemente
de
Kant,
surge
na
contemporaneidade, a partir do fim dos anos 60 e início
dos anos 70, uma nova perspectiva denominada ética do
discurso, que tem na linguagem argumentativa o critério
procedimentalista para a fundamentação racional de
normas morais. Embora a ética do discurso encontre as
suas raízes na teoria moral kantiana, há uma diferença
fundamental entre as duas propostas: em Kant, cada sujeito
em seu foro interno determina o que é e o que não é
(objetivamente) moral; já, para os defensores da ética do
discurso, as questões morais são resolvidas dentro de uma
comunidade de comunicação. A razão monológica ou
solipsista não é mais suficiente para decidir sobre questões
morais, mas é a razão dialógica que vai determinar o que
pode e deve ser feito em situações de conflito moral. A
validade ou não de uma determinada norma é mediada pelo
consenso alcançado entre os sujeitos capazes de linguagem e
ação. A norma que não puder ser universalizada, ou seja, a
norma que não alcançar o assentimento de todos os
possíveis concernidos, em meio a um discurso prático, não
é aceita como válida.
Jaime José Rauber
69
Jürgen Habermas é um dos principais
representantes dessa nova perspectiva.81 Ele identifica a
ética do discurso com os aspectos deontológico, cognitivista,
formalista e universalista da proposta kantiana de
fundamentação moral. A ética do discurso é deontológica, em
oposição às éticas clássicas (teleológicas) que se ocupavam
especificamente das questões da vida boa ou vida feliz. As
éticas deontológicas procuram “[...] justificar ações à luz de
princípios dignos de reconhecer-se”.82 Elas não se
preocupam com questões relativas à aplicação de normas,
mas, antes disso, preocupam-se com questões de
justificação de normas, com problemas relativos à
determinação de ações corretas e justas.
A ética do discurso é cognitivista, em oposição ao
ceticismo ético que refuta a possibilidade de
fundamentação de juízos morais. Representado pelas
abordagens intuicionistas, emotivistas, decisionistas e
outras, o ceticismo ético compreende que só se pode falar
empiricamente sobre a moral, ou seja, que as investigações
éticas, no sentido de uma teoria normativa, são desprovidas
de objeto. A ética do discurso procura mostrar que os
juízos morais “[...] não se limitam a dar expressão às
atitudes afetivas, preferências ou decisões contingentes de
cada falante ou ator”83, mas que as questões prático-morais
podem ser resolvidas com base em razões. O ponto de
partida da ética do discurso é a tese de que os enunciados
normativos podem ser fundamentados.
Ao lado de Habermas, podemos citar Karl O. Apel, que tiveram
como discípulos Wellmer, Böhler, Kullmann e outros. Conforme
Tugendhat (1997, p. 173), foram apresentadas concepções semelhantes
também por F. Kambartel e na assim chamada Escola de Erlangen,
cujos representantes são P. Lorenzen e W. Kamlah e seus discípulos
Mittelstrass, Lorenz, Schwemmer e outros.
81
82
HABERMAS, 1991, p. 100.
83
HABERMAS, 1989, p. 147.
70
O problema da Universalização em Ética
A ética do discurso é universalista, em oposição ao
relativismo ético que supõe que a validade dos juízos
morais só pode ser medida pelos valores culturais ou pela
forma de vida do sujeito que julga. Por meio do princípio de
universalização, ela procura fundamentar juízos morais que
tenham validade universal, isto é, que não expressem as
intuições de uma determinada cultura ou de uma
determinada época. Com isso, a ética do discurso pretende
escapar da chamada falácia etnocêntrica.
Segundo Habermas, a ética do discurso é também
formalista, em oposição às suposições básicas das éticas
materiais que se orientam por questões teleológicas
(felicidade, vida boa, etc.) e privilegiam determinado tipo de
vida ética. Para ele, a ética do discurso não fornece
conteúdos para o dever, não diz o que é moralmente certo
ou errado, o que é bom e o que é mau, mas apenas indica o
procedimento a ser seguido para o julgamento moral; ela
não postula a validade universal de normas morais, mas
apenas propõe o caminho a ser trilhado para a validação de
tais normas.
Nesse sentido, o objetivo central desse capítulo é
analisar se a herança kantiana do caráter procedurísticoformal abarca também o universalismo plano e absoluto
dos deveres morais. Para isso, serão contemplados,
inicialmente, alguns elementos da teoria da ação comunicativa
de Habermas, fundamentais para a compreensão de sua
proposta ético-discursiva, mas que aparecem quase sempre
pressupostos em seus escritos específicos sobre moral. Em
um passo seguinte, serão explicitados os principais
elementos constitutivos da proposta ética de Habermas,
mostrando em que consiste propriamente o conceito de
racionalidade ético-comunicativa. E, por fim, apresentando o
princípio “U” como o princípio da moralidade e sua
fundamentação como condição de validade do princípio
“D” da ética do discurso, teremos os elementos suficientes
para analisar se a proposta de Habermas escapa ou não à
Jaime José Rauber
71
objeção do universalismo plano e absoluto dos deveres
morais, suprafeita a Kant.
2.1 A teoria da ação comunicativa
O projeto de fundamentação racional da ética de
Habermas tem como ponto de partida o desenvolvimento
de sua teoria da ação comunicativa. Grosso modo, o termo ação
comunicativa significa desenvolver uma ação ao se fazer um
proferimento linguístico, ou seja, fazer algo ao se dizer algo.
A possibilidade do desenvolvimento de tal teoria deve-se à
dupla estrutura dos proferimentos linguísticos: uma
comunicação linguística permite, por um lado, que duas ou
mais pessoas entendam-se reciprocamente sobre o que se
fala, e possibilita, por outro, a execução de uma
determinada ação. Com efeito, todo ato de fala enquadra-se
dentro de uma estrutura padrão Mp, onde M designa uma
parte performativa – que, por vezes, não fica
linguisticamente expressa, mas está pelo menos
implicitamente presente em qualquer ato de fala – e p, o
conteúdo proposicional do enunciado.84 Enquanto a
sentença p é estudada pela linguística – os significados das
palavras que a compõe (semântica), por um lado, e a
disposição das palavras dentro da frase e da frase no
discurso (sintaxe), por outro –, uma teoria pragmática da
comunicação estuda a parte performativa, ou seja, estuda a
sentença p enquanto enunciado, enquanto ato linguístico.
“O ato linguístico é literalmente um ato: a parte
performativa permite ao locutor executar, ao mesmo tempo
que fala, a ação a que se refere o elemento performativo.”85
É essa dupla estrutura que permite que uma emissão
O enunciado “Prometo que p” possui uma parte performativa e um
conteúdo proposicional. Ao realizar essa emissão linguística, eu também
estou fazendo algo, ou seja, estou realizando a ação de prometer algo.
84
85
ROUANET, 1989, p. 24.
72
O problema da Universalização em Ética
linguística seja definida como ato linguístico. Nesse caso, a
manifestação linguística não é simplesmente fala, mas
simultaneamente ação, fonte inspiradora do conceito de ação
comunicativa de Habermas, que será explicitado mais adiante.
A teoria da ação comunicativa, desenvolvida por
Habermas, tem como ponto de partida a teoria dos atos de fala
de Austin, na qual este faz uma distinção entre ato
locucionário, ato ilocucionário e ato perlocucionário:
Chama locucionário ao conteúdo das orações
enunciativas (‘p’) ou das orações enunciativas
nominalizadas (‘que p’). Com os atos locucionários o
falante expressa estados de coisas: diz algo. Com os
atos ilocucionários o agente realiza uma ação dizendo
algo. [...] Por último, com os atos perlocucionários o
falante busca causar um efeito sobre seu ouvinte.
Mediante a execução de um ato de fala causa algo
no mundo. Os três atos que Austin distingue
podem, portanto, caracterizar-se da seguinte forma:
dizer algo; fazer dizendo algo; causar algo mediante o
que se faz dizendo algo.86
O interesse de Habermas, porém, não é na
comunicação de um conteúdo proposicional (ato
locucionário), mas nos aspectos dos proferimentos
linguísticos que implicam interações sociais. Tanto o ato de
fala ilocucionário como o ato de fala perlocucionário
constituem interações sociais, pois correspondem à
execução de determinadas ações que envolvem sujeitos
como receptores dos proferimentos linguísticos, ou de
forma mais exata, como interlocutores (no caso de ações
orientadas ao entendimento) ou como vítimas do agente
comunicativo (no caso de ações orientadas ao êxito).
Os atos de fala perlocucionários constituem uma classe
especial de interações, quais sejam, interações estratégicas.
86
TAC, I, 1987, p. 370-1.
Jaime José Rauber
73
A relação social, neste caso, é negativa, pois a força
ilocucionária é utilizada como meio em contextos de ação
teleológica. O falante, que age com vistas voltadas a fins,
procura fazer com que o ouvinte entenda o que está sendo
dito e contraia as obrigações implícitas no ato de fala, sem
deixar transparecer seu propósito perlocucionário.87 Esse
modelo de interação social é de caráter assimétrico, pois a
interação falante-ouvinte é acompanhada de uma ação
estratégica encoberta, que é de interesse exclusivo do
falante. O falante que age estrategicamente faz um uso
parasitário da linguagem, pois o télos próprio da linguagem é o
entendimento. O falante usa a linguagem com perspectivas de
êxito no mundo dos estados de coisas. Os ouvintes, na
medida em que proporcionam o télos imanente ao
proferimento linguístico, tornam-se meras vítimas do
falante, pois não estão cientes da intenção estratégica do
autor do proferimento.
Os atos de fala ilocucionários, ao contrário, constituem
interações simétricas entre os envolvidos; constituem as
interações sociais privilegiadas por Habermas, pois são o
modelo próprio daquilo que ele chama de ação comunicativa:
chamo, pois, de ação comunicativa aquelas
interações mediadas linguisticamente em que todos
os participantes perseguem com seus atos de fala
fins ilocucionários e só fins ilocucionários.88
Por meio deste modelo, falantes e ouvintes
harmonizam entre si seus planos de ação e perseguem
exclusivamente fins ilocucionários, ou seja, agem
unicamente orientados ao entendimento, que é o télos
próprio da linguagem. Por entendimento Habermas
compreende o processo de obtenção de um comum acordo
87
Cf. id., p. 376.
88
Id., p. 378.
74
O problema da Universalização em Ética
sobre pretensões de validade controversas. Com efeito,
todo ato de fala levanta, como veremos, pretensões de
validade que podem ser criticadas. O agir orientado ao
entendimento consiste justamente em tentar alcançar um
comum acordo sobre a pretensão de validade posta em
dúvida. Falantes e ouvintes procurarão convencer uns aos
outros sobre algo a partir da apresentação de bons
argumentos ou boas razões. Diferentemente da ação
estratégica, na ação comunicativa o falante procura deixar
bem claro ao ouvinte qual é a sua intenção, de forma que
possam chegar a um consenso sobre aquilo que é
linguisticamente expresso.
As interações resultantes tanto da ação
comunicativa quanto das ações estratégicas são mediadas
pela linguagem. A diferença, porém, está no télos e no uso
que é feito da linguagem pelas duas classes de ações. A ação
comunicativa é orientada unicamente ao entendimento e,
nesse sentido, consiste em um uso puramente
comunicativo da linguagem. A ação estratégica, por sua
vez, consiste em um uso parasitário da linguagem, pois o
falante não pretende simplesmente entender-se com seus
ouvintes, mas vincula perspectivas de êxito aos seus atos de
fala. Por meio de emissões linguísticas, o falante pretende
alcançar determinados fins no mundo dos estados de
coisas.
Relativamente aos conceitos de ação estratégica e ação
comunicativa, Habermas apresenta uma distinção entre
racionalidade cognitivo-instrumental e racionalidade comunicativa
respectivamente. Ao primeiro conceito de racionalidade
está vinculada uma perspectiva de êxito no mundo dos
estados de coisas existentes (mundo objetivo), possibilitada
pela manipulação do télos imanente da linguagem em atos
linguísticos.89 A linguagem, aqui, é utilizada para alcançar-se
determinados fins não explícitos na proposição enunciada.
89
Cf. id., p. 27.
Jaime José Rauber
75
Ao conceito de racionalidade comunicativa, por sua vez,
está vinculada uma perspectiva de entendimento com todos
os sujeitos capazes de linguagem e ação. Essa forma de
racionalidade refere-se à utilização comunicativa de um
saber proposicional, que visa ao consenso dos diversos
participantes através da força do melhor argumento.
A racionalidade cognitivo-instrumental consiste na
efetuação de uma espécie de cálculo, através do qual são
analisadas as condições a serem observadas pelo agente, a
fim de alcançar fins previamente definidos pelo autor do
proferimento linguístico. De forma estratégica, o agente
utiliza-se da linguagem para a obtenção de determinados
fins que não ficam explícitos ao receptor do proferimento
linguístico. Na medida em que aquele obtém o efeito
esperado, o ouvinte torna-se mera vítima do agente
comunicativo. Mediante a execução do proferimento
linguístico, o falante manipula a linguagem de forma a
atingir os fins implícitos em seu ato de fala. A essa forma
de ação está vinculado o conceito de racionalidade cognitivoinstrumental. O termo racionalidade empregado aqui, porém,
só possui um sentido figurado, pois, para Habermas, a
racionalidade de uma manifestação ou emissão linguística
consiste na capacidade de o sujeito falante apresentar razões
(Gründe) para a sua emissão, quando for o caso.
A racionalidade comunicativa consiste em falantes e
ouvintes assegurarem o contexto comum de suas vidas, isto
é, o mundo da vida que intersubjetivamente partilham.
Segundo este modelo, as manifestações racionais
têm o caráter de ações plenas de sentido e
inteligíveis em seu contexto, com as que o ator se
refere a algo no mundo objetivo.90
90
Id., p. 31.
76
O problema da Universalização em Ética
Os receptores não se tornam vítimas de um
processo sistemático de distorção da comunicação, mas
tornam-se interlocutores de um processo comunicativo
imunizado contra qualquer repressão ou coerção. Os
participantes desse processo comunicativo agem
unicamente orientados ao entendimento, ao alcance de um
comum acordo sobre determinada pretensão de validade
posta em dúvida. A racionalidade, aqui, é medida pelo
sucesso nos processos do entendimento. Esse sucesso é
demarcado pela capacidade de os participantes de uma
argumentação gerarem um consenso, racionalmente
motivado, sobre determinado aspecto, em princípio,
problemático.
Habermas chama de ação comunicativa, portanto, o
processo de obtenção de acordos a partir da apresentação
de bons argumentos. Ele não só exclui da ação comunicativa
os casos de ação estratégica, nos quais o falante utiliza
dissimuladamente os êxitos ilocucionários para alcançar fins
perlocucionários, mas também as manifestações imperativas da
vontade, nas quais o falante recorre, para poder impor sua
pretensão de poder, ao complemento que representam as
sanções. Essas manifestações são atos ilocucionários, pois o
falante declara abertamente seu propósito de influenciar
nas decisões de um interlocutor.91 Nestes casos, não há
uma manipulação linguística, como ocorre nas ações
estratégicas, mas elas não podem ser tematizadas para o
resgate discursivo, pois, em toda tentativa de tematização,
recorrer-se-á ao complemento que representam as sanções.
O ato de fala, nesse caso, é expresso de forma impessoal,
pois, quem o expressa faz referência a uma proposição
normativa. É o caso das normas jurídicas ou institucionais
que, sancionadas, devem ser observadas por questões de
segurança, de ordem, de coerência, etc. Se, por exemplo,
uma enfermeira interpela alguém que está fumando dentro
91
Cf. id., p. 391.
Jaime José Rauber
77
de um hospital e lhe ordena que pare de fumar, não há
espaço, neste caso, para o desenvolvimento da ação
comunicativa por meio do desempenho discursivo. O ato
de fala regulativo pare de fumar, expresso de forma
impessoal, faz referência à norma que proíbe o fumo em
hospitais. Em semelhantes situações, é impossível ao
ouvinte questionar a pretensão de validade do falante para
tentar alcançar um consenso por meio de um discurso
racionalmente motivado. Todas as vezes que a enfermeira
for questionada sobre a sua pretensão de validade, ela
simplesmente apontará para a norma aprovada pelo poder
sancionador correspondente. Em semelhantes casos,
portanto, não há espaço para o desenvolvimento da ação
comunicativa, isto é, do resgate discursivo da pretensão
normativa implícita no ato de fala pare de fumar.
Tendo-se em conta a distinção entre ação
comunicativa e ação estratégica, a respectiva distinção entre
racionalidade comunicativa e racionalidade cognitivo-instrumental,
bem como a consideração sobre as emissões linguísticas
que ficam excluídas do conceito de ação comunicativa,
pode-se agora mostrar o papel que a ação comunicativa
desempenha dentro da proposta moral de Habermas.
2.2 A racionalidade ético-comunicativa
A ética do discurso de Habermas tem suas bases no
mundo da vida (Lebenswelt), que é o horizonte no qual os
agentes comunicativos efetivamente se situam. O mundo
da vida é o âmbito das relações sociais espontâneas, das
emissões linguísticas não tematizadas, da vigência do
entendimento mútuo.
As relações sociais que se dão no mundo vivido
assumem, caracteristicamente, a forma da ação
comunicativa:
um
processo
interativo,
linguisticamente mediatizado, pelo qual os
78
O problema da Universalização em Ética
indivíduos coordenam seus projetos de ação e
organizam suas ligações recíprocas.92
Neste âmbito, os participantes de um processo
comunicativo, em uma situação de fala, estão plenamente
de acordo com as pretensões de validade implícitas no
proferimento linguístico. Ou seja, falantes e ouvintes
encontram-se em uma situação de comum entendimento
sobre a verdade do enunciado, sobre a adequação normativa do
proferimento e sobre a veracidade do falante em relação ao
que este está expressando. Essa situação de entendimento
sobre as pretensões de validade de um jogo de linguagem é
chamado por Habermas de consenso de fundo.93
Além da condição mínima de que, pelo menos, dois
sujeitos linguística e interativamente competentes
entendam o mesmo sobre uma expressão linguística, isto é,
de que ela seja inteligível a ambos (pretensão de inteligibilidade),
um ato de fala orientado ao entendimento levanta, segundo
Habermas, três pretensões universais de validade94, quais
92
ROUANET, 1989, p. 24.
93
Cf. TACC, 1989, p. 98.
Em alguns textos, Habermas fala de três e, noutros, de quatro
pretensões de validade implícitas em um ato de fala. Daí a confusão que
alguns comentadores por vezes fazem, deixando o leitor desnorteado.
Afinal, são três ou quatro as pretensões de validade distinguidas por
Habermas, a partir de uma análise sobre os atos de fala? As duas
respostas estão certas, desde que se façam as devidas distinções. Se se
fala que Habermas distingue três pretensões de validade, então temos
que deixar claro que há uma quarta que aparece pressuposta. A pretensão
de inteligibilidade é pressuposta, pois é condição de possibilidade para que
os atores compreendam o que se está dizendo. Se alguém só fala e
compreende chinês, por exemplo, e o seu suposto oponente só fala e
compreende português, então o entendimento torna-se impossível. O
acordo sobre a pretensão de verdade, correção ou veracidade só é
plausível se proponente e oponente falam a mesma língua. É por isso
que se diz que a pretensão de inteligibilidade é um pressuposto para o
entendimento. Se essa pretensão não estiver satisfeita, também não será
94
Jaime José Rauber
79
sejam, pretensão de verdade, de correção e de veracidade. A
pretensão de verdade consiste na comunicação de um conteúdo
proposicional verdadeiro, e refere-se ao mundo objetivo
enquanto totalidade dos estados de coisas. A pretensão de
correção consiste na manifestação correta com relação a
normas e valores intersubjetivamente reconhecidos, e
refere-se a algo no mundo social comum, enquanto
totalidade das relações interpessoais legitimamente
reguladas. E, por fim, a pretensão de veracidade consiste na
expressão das intenções de modo veraz, e refere-se a algo
no mundo subjetivo enquanto totalidade das vivências
subjetivas.
Tais pretensões de validade são passíveis de críticas.
Enquanto não houver objeção a nenhuma delas, por parte
de nenhum dos interlocutores, o entendimento entre
falante e ouvinte está plenamente satisfeito. Nessas
condições, o mundo da vida, enquanto horizonte de saber
não tematizado, continua sendo o contexto próprio das
relações sociais. O falante obteve êxito com sua intenção
comunicativa, pois o ouvinte compreendeu e aceitou a sua
emissão linguística.
Mais do que compreender o que está sendo dito,
entender significa, para Habermas, aceitar as pretensões de
validade implícitas no ato de fala. Um ouvinte, porém,
pode não acreditar na verdade das afirmações, na
veracidade do locutor ou na manifestação correta com
relação às normas intersubjetivamente reconhecidas:
“Quem rejeita a oferta feita com um ato de fala inteligível,
questiona pelo menos uma dessas pretensões de
validade”.95 Quando isso acontece, falante e ouvinte já não
se encontram mais sob o horizonte do mundo da vida, ou
seja, sob o horizonte das certezas e obviedades
possível o entendimento sobre qualquer uma das outras três pretensões
de validade.
95
TAC, I, 1987, p. 394.
80
O problema da Universalização em Ética
inquestionadas, sob o horizonte do entendimento
plenamente satisfeito. A intenção comunicativa do falante
não ficou plenamente satisfeita, pois o ouvinte não aceitou
pelo menos uma das pretensões de validade implícitas
naquele ato de fala. Surge, assim, a necessidade de se
resgatar a pretensão de validade, temporariamente
suspensa, por meio de um discurso argumentativo96
racionalmente motivado.
No entanto, diz Habermas, mesmo que os atos de
fala orientados ao entendimento estejam sempre ligados a
estas três pretensões de validade e a uma rede complexa de
referências ao mundo, o falante quer que sua emissão seja
entendida preferentemente sob um aspecto de validade
específico. Este aspecto é definido pela parte ilocucionária
do ato de fala.
Quando o falante faz um enunciado, conta algo,
explica algo, expõe algo, prediz algo, ou discute
algo etc., busca um acordo com o ouvinte sobre a
base do reconhecimento de uma pretensão de
verdade. Quando o falante emite uma oração de
vivência, descobre, revela, confessa, manifesta etc.,
algo subjetivo, o acordo só pode produzir-se sobre
a base do reconhecimento de uma pretensão de
veracidade. Quando o falante dá uma ordem ou faz
uma promessa, nomeia ou exorta alguém, compra
algo, se casa com alguém etc., o acordo depende de
que os participantes considerem normativamente
correta a ação.97
Habermas entende por argumentação o “tipo de fala em que os
participantes tematizam as pretensões de validade que se apresentam
duvidosas e tratam de desempenhá-las ou de recusá-las por meio de
argumentos. Uma argumentação contém razões que estão conectadas de
forma sistemática com a pretensão de validade da manifestação ou emissão
problematizadas. A força de uma argumentação mede-se num contexto
dado pela pertinência das razões” (TAC, I, 1987, p. 37).
96
97
Id., p. 395.
Jaime José Rauber
81
Nesse sentido, por meio de um enunciado constatativo,
o falante tem, preferentemente, a pretensão de que sua
afirmação encontre o assentimento de todos os possíveis
concernidos sobre a verdade de sua emissão. Se pelo menos
um dos envolvidos não concordar com a verdade do
enunciado, então é necessário que seja restabelecido o
entendimento98 por meio do discurso argumentativo. Nesse
discurso, falantes procuram convencer seus oponentes da
verdade de suas emissões, mediante a apresentação de
razões (Gründe). Algo semelhante ocorre com a emissão de
enunciados regulativos. Se, pelo menos, um ouvinte discorda da
justeza da norma implícita no ato de fala, os atores já não
se encontram mais no horizonte do mundo da vida, no
horizonte do entendimento plenamente satisfeito. Surge,
assim, a necessidade de se restabelecer o consenso de fundo
por via do discurso racionalmente motivado. Aduzindo
razões, o proponente tenta convencer seu oponente da
adequação da norma implícita no seu ato de fala.
Por último, por meio de enunciados expressivos ou
representativos, os locutores estão alegando implicitamente
que a expressão de seus sentimentos são verazes. Neste caso,
porém, se um dos receptores do proferimento linguístico
põe em questão a veracidade do locutor, não há como se
restabelecer o entendimento por meio do discurso. O dissenso
será superado espontaneamente na medida em que o
locutor provar, pela consistência de seu comportamento,
que de fato estava sendo sincero: “Que alguém pense
sinceramente o que diz é algo a que só se pode dar
“Entendimento (Verständigung) significa a ‘obtenção de um acordo’
(Einigung) entre os participantes na comunicação acerca da validade de
uma emissão; acordo (Einverständnis), o reconhecimento intersubjetivo da
pretensão de validade que o falante vincula a ela” (TAC, II, 1987, p.
171).
98
82
O problema da Universalização em Ética
credibilidade pela consistência de suas ações, não pela
indicação de razões”.99
Conforme Habermas, quanto mais um ato de fala
orientado ao entendimento estiver ligado a apenas uma
pretensão de validade, mais puro ele será. O interesse do
autor é justamente com os casos puros ou idealizados de atos de
fala, pois é a partir deles que ele desenvolve sua teoria
consensual da verdade e sua proposta de fundamentação
racional de normas, isto é, sua ética do discurso.100
Quando, nos atos de fala constatativos e
regulativos, as correspondentes pretensões de validade são
postas em dúvida, falantes e ouvintes já não se encontram
mais sob o horizonte do mundo da vida, mas entram em
uma situação de discurso. Por meio do discurso, procuram
alcançar o consenso, reabilitando o entendimento por ora
abalado.101 Apresentando bons argumentos (razões),
99
HABERMAS, 1989, p. 79.
Habermas alerta para o fato de que, para se obter um acordo, é regra
da ação comunicativa que se reconheça ao menos implicitamente as
outras duas pretensões de validade, além daquela que efetivamente está
em questão, conforme os casos puros de atos de fala: “Um consenso
não é possível quando, por exemplo, um ouvinte aceita a verdade de uma
afirmação, mas põe simultaneamente em dúvida a veracidade do falante
ou a adequação normativa de sua emissão; e o mesmo vale para o caso
em que, por exemplo, um ouvinte aceita a validade normativa de uma
ordem, mas põe em dúvida a seriedade do desejo que se expressa nessa
ordem ou as pressuposições de existência anexas à ação que se lhe
ordena (e com isso a executabilidade da ordem)” (TAC, II, 1987, p.
172). O consenso, portanto, só é possível na medida em que todas as
pretensões de validade estiverem simultaneamente satisfeitas, ou seja,
que o enunciado formulado seja verdadeiro, que ele seja correto
relativamente a um contexto normativo existente e que a intenção
manifesta pelo falante seja sincera.
100
O acordo sobre as pretensões de validade (verdade e correção)
postas em dúvida é, em princípio, possível. A expressão em princípio
significa, segundo Habermas, a seguinte reserva idealizadora: “que a
argumentação seja suficientemente aberta e dure o tempo suficiente”
(TAC, I, 1987, p. 69).
101
Jaime José Rauber
83
proponentes e oponentes procuram entrar em um acordo
sobre as pretensões de validade postas em dúvida. Os
participantes do processo argumentativo procuram resgatar
as pretensões de validade, temporariamente suspensas, por
meio do discurso racionalmente motivado, isto é, por meio
de um discurso no qual a única coação aceita é a do melhor
argumento. Toda coação que provém de fora desse
processo argumentativo deve ser, conforme Habermas,
rigorosamente rejeitada. A única coação válida é a coação sem
coações, exercida pela força do melhor argumento.
Enquanto falantes e ouvintes estiverem em um
comum acordo sobre as pretensões de validade levantadas
em casos puros de atos de fala, movem-se sempre dentro
do horizonte do mundo da vida. Porém, quando um
ouvinte assume uma postura com um não frente a
determinada pretensão de validade, entram no discurso
para tentar chegar a um acordo sobre a pretensão de
validade que se apresenta duvidosa. A tematização é
sempre sobre algo no mundo (objetivo, social ou subjetivo).
O mundo da vida é inacessível à tematização, mas, segundo o
autor, em uma situação de discurso, ele aparece como
contexto formador de horizonte dos processos de entendimento.102
Além desse contexto formador, o mundo da vida é o pano
de fundo a partir do qual falantes e ouvintes podem
entender-se: “As condições de validade das expressões
simbólicas remetem a um saber de fundo, partilhado
intersubjetivamente pela comunidade de comunicação”.103
O mundo da vida, como horizonte de saberes
intersubjetivamente
partilhados,
é
condição
de
possibilidade para a reabilitação do entendimento por meio
da apresentação de razões. Assim, o conceito de mundo da
vida torna-se um conceito complementário ao de ação
comunicativa, pois possibilita aos participantes da
102
Cf. TACC, 1989, p. 494.
103
TAC, I, 1987, p. 31.
84
O problema da Universalização em Ética
comunicação a obtenção de um acordo acerca da validade
de uma emissão.
Considerando que só é possível desempenho
discursivo sobre a pretensão de verdade e a pretensão de
correção normativa, Habermas distingue duas formas de
discurso. A fundamentação ou refutação da pretensão de
verdade de um enunciado constatativo dá-se por meio do
discurso teórico. Quando a pretensão de verdade de um
proponente é posta em dúvida, a reabilitação do
entendimento só é possível mediante um discurso teórico,
que tem os diversos cânons da indução como critério para
vencer a distância entre as observações singulares e as
hipóteses universais de verdade. Em semelhante situação,
proponentes e oponentes procurarão convencer uns aos
outros das verdades de suas afirmações, por meio de uma
argumentação racional.
Procurarão obter um novo consenso por
intermédio da cooperação dos demais participantes
do discurso, sem o recurso à coação ou a qualquer
forma de manipulação do debate, buscando o
entendimento com base no melhor argumento.104
Esse resgate da pretensão de verdade de um
enunciado assertórico, mediante a apresentação de
argumentos pertinentes em um discurso teórico, constitui a
essência da Teoria Consensual da Verdade, de Habermas.
O discurso prático, por sua vez, consiste na
reabilitação do comum entendimento sobre pretensões de
validade normativas. Quando a pretensão de correção é
questionada, entra-se em um discurso prático para se
refutar ou fundamentar a legitimidade do uso da norma
implícita no enunciado regulativo. Da mesma forma que,
no discurso teórico, o processo argumentativo deve ser
104
FREITAG, 1992, p. 243.
Jaime José Rauber
85
conduzido de forma racional, livre de toda e qualquer
coação, de forma que prevaleça apenas a força do melhor
argumento. Há uma suspensão temporária da legitimidade
da norma em questão para que, por meio de um processo
argumentativo, chegue-se ao consenso sobre a sua validade
ou não. Tal consenso consiste em um processo de
universalização do agir. Havendo o reconhecimento
(aceitação) de todos os participantes da comunidade de
comunicação, a máxima subjetiva de ação, para usar a
expressão de Kant, passa a ter validade intersubjetiva, ou,
se quisermos, passa a ter validade universal.105 Esse
processo de resgate discursivo da validade de normas
constitui a essência da Ética do Discurso e a expressão
máxima da racionalidade ético-comunicativa de Habermas.
O entendimento, como télos do agir comunicativo em
discursos práticos e teóricos, só é possível mediante a
pressuposição de uma situação ideal de fala em que falantes e
ouvintes encontram-se sob uma igualdade de direitos.
Habermas chama ideal
[...] a situação de fala em que as comunicações não
só não vêm perturbadas por influxos externos
Habermas faz uma distinção entre o bom e o justo, entre enunciados
valorativos e enunciados estritamente normativos. Para ele, “os valores
culturais, diferentemente das normas de ação, não se apresentam com
uma pretensão de universalidade. Os valores são no máximo candidatos a
interpretações sob as que um círculo de afetados pode, chegado o caso,
descrever um interesse comum e normá-lo. O reconhecimento
intersubjetivo que se forma em torno dos valores culturais não implica
de modo algum uma pretensão de aceitabilidade culturalmente geral ou
mesmo universal” (TAC, I, 1987, p. 39-40). Os valores culturais
encontram-se tão ligados a uma forma de vida particular que não
podem pretender validade normativa no sentido estrito. Só os
enunciados normativos podem pretender validade universal. Os
enunciados valorativos restringem-se às vivências de um determinado
mundo da vida e por isso não podem ser debatidos com perspectivas
de consenso (cf. tb. HABERMAS, 1989, p. 126-7).
105
86
O problema da Universalização em Ética
contingentes, como tampouco por coações que
resultam da própria estrutura da comunicação. [...]
E a estrutura da comunicação deixa de gerar
coações só se para todos os participantes no
discurso está dada uma distribuição simétrica das
oportunidades de eleger e executar atos de fala.106
Esta condição de universal simetria é condição de
possibilidade para alcançar-se um consenso discursivo
racionalmente motivado. Em cada discurso já sempre tem
de estar antecipada contrafaticamente a situação ideal de
fala, como condição de possibilidade de todo consenso
alcançado racionalmente.107 Um consenso racional só pode
ser distinguido de um consenso enganoso por referência à
situação ideal de fala. Se ela não estiver já pressuposta no
discurso (prático ou teórico), o único consenso possível é o
consenso imposto (enganoso).
A situação ideal de fala não é, segundo Habermas,
um fenômeno empírico ou um conceito existente (no sentido
de Hegel), nem uma simples construção ou um princípio
regulador (no sentido de Kant). Ela é “[...] uma suposição
inevitável que reciprocamente nos fazemos nos
discursos”.108 A situação ideal de fala tem de estar
antecipada nos discursos orientados ao entendimento para
que o consenso, faticamente alcançado, possa ser
reconhecido como racional e não como um consenso
imposto. O consenso resultante de um discurso no qual a
situação ideal de fala foi desrespeitada é um consenso
inválido, um consenso não suficientemente fundado.
106
TACC, 1989, p. 153.
107
Cf. id., p. 105.
108
Id., p.155.
Jaime José Rauber
87
2.3 O princípio “U” como princípio moral
Como se sabe, por meio de um proferimento
linguístico, o proponente levanta preferentemente uma
pretensão de validade universal. Com a execução do
proferimento, o proponente está lançando ao ar a tentativa
de objetivação de sua expectativa pessoal. Mediante o sim
de todos os participantes da comunicação, há uma
confirmação da expectativa particular, e esta passa a ter
validade intersubjetiva. Mediante o não de algum dos
ouvintes, a expectativa pessoal do falante não alcança
objetivação, ou seja, não consegue aprovação para passar
da singularidade à universalidade, pois pelo menos um dos
ouvintes não concorda com a expectativa do proponente.
Se o oponente questiona a pretensão de verdade do autor de
um enunciado constatativo, recorre-se ao discurso teórico para
tentar-se alcançar um acordo e restabelecer, assim, o
entendimento que se encontra perturbado. Se a pretensão de
correção normativa do autor de um enunciado regulativo é
questionada, recorre-se ao discurso prático e tenta-se um
acordo sobre a legitimidade da norma implícita naquele ato
de fala.
O restabelecimento do entendimento mútuo sobre
pretensões de validade, por meio do discurso
argumentativo, consiste em um processo de universalização
das expectativas subjetivas. Ora, diz Habermas,
no discurso teórico, a ponte que serve para vencer
a distância entre as observações singulares e as
hipóteses universais é lançada por diversos cânons
da indução. No discurso prático, é preciso um
princípio-ponte correspondente.109
109
HABERMAS, 1989, p. 84.
88
O problema da Universalização em Ética
Nos discursos práticos não se tem um princípio que
assegure a passagem da expectativa normativa singular para
a validade universal da norma.110 Daí a necessidade,
segundo Habermas, de introduzir-se na lógica da
argumentação moral “[...] um princípio moral que,
enquanto regra da argumentação, desempenha um papel
equivalente ao do princípio da indução no Discurso da
ciência empírica”.111 A elaboração de semelhante princípio
fará com que a ética do discurso mantenha o caráter
impessoal e universal dos mandamentos morais válidos da
ética kantiana, aspectos esses priorizados por Habermas.
A universalidade na proposta habermasiana de
fundamentação racional da ética, da mesma forma que, em
Kant, é condição de validade das normas morais, pois as
normas que não encontrarem o assentimento de todos os
possíveis concernidos serão excluídas como inválidas.
Nesse sentido,
o princípio-ponte possibilitador do consenso deve
[...] assegurar que somente sejam aceitas como
válidas as normas que exprimem uma vontade
universal; é preciso que elas se prestem, para usar a
fórmula que Kant repete sempre, a uma lei
universal.112
Habermas, porém, vai mais longe do que Kant ao
compreender que a exigência de universalização não é
condição suficiente para a validação de normas morais, pois
poderíamos universalizar e, consequentemente, legitimar
normas de ação imorais agindo corretamente, isto é,
A validade universal de uma norma é consequência do
reconhecimento intersubjetivo da correspondente pretensão normativa,
pela via do discurso prático racionalmente motivado.
110
111
HABERMAS, 1989, p. 84.
112
Id., ibid.
Jaime José Rauber
89
analisando solipsisticamente (ou em um grupo restrito de
pessoas) quais máximas de ação poderiam ser
universalizadas. Se a universalização fosse o único critério
para a validação de normas morais, então normas
inaceitáveis também poderiam ser legitimadas. Este risco é
evitado pela ética do discurso na medida em que ela
transfere o procedimento de validação de normas morais,
do sujeito solipsista, para a comunidade do discurso de
todos os sujeitos capazes de linguagem e ação.
Com efeito, a ideia fundamental da ética do discurso
exprime-se pelo princípio do discurso “D”, que diz: “Só
podem reclamar validez as normas que encontrem (ou
possam encontrar) o assentimento de todos os concernidos
enquanto participantes de um Discurso prático”.113
Segundo este princípio, a legitimação de normas morais
não depende da análise de um ou de alguns indivíduos
sobre a possibilidade de universalização da norma subjetiva
de ação (máxima), mas do assentimento de todos os possíveis
concernidos. A validade de uma norma não é estabelecida por
meio de um procedimento monológico, em que o ator
solipsisticamente analisa e avalia quais máximas podem ter
validade universal, mas por um procedimento dialógico de
formação imparcial do juízo em meio a um discurso prático.
Ao invés de prescrever a todos os demais como
válida uma máxima que eu quero que seja uma lei
universal, tenho que apresentar minha máxima a
todos os demais para o exame discursivo de sua
pretensão de universalidade. O peso desloca-se
daquilo que cada (indivíduo) pode querer sem
contradição como lei universal para aquilo que
todos querem de comum acordo reconhecer como
norma universal.114
113
Id., p. 116.
114
MCCARTHY apud HABERMAS, 1989, p. 88.
90
O problema da Universalização em Ética
A imparcialidade, para Habermas, implica o
assentimento universal e não o assentimento de alguns ou de
um determinado grupo de indivíduos. Restringir a validade
de uma norma a determinado grupo de indivíduos é
condição insuficiente, pois poder-se-ia conferir essa mesma
forma a mandamentos imorais – determinada norma
poderia ser válida para um grupo, mas não para outro. A
exigência seria demasiado restritiva, pois normas não
morais poderiam ser tomadas por objeto de um discurso
prático e submetidas ao teste de universalização
(relativamente ao círculo dos concernidos).115 Os interesses
pessoais daquele grupo poderiam estar tranquilamente
satisfeitos, mas não os interesses de todas as outras formas
de vida, o que, conforme a proposta de Habermas, invalida
as correspondentes normas morais.
Nos discursos práticos, proponentes e oponentes
têm de levar em conta não só os interesses próprios, mas
também os interesses de todos os possíveis concernidos
que não se encontram presentes no contexto real do
discurso. O Eu e o Tu argumentantes têm de levar em
conta o Ele, que representa todos os argumentantes
potenciais, de forma que a norma consensuada possa ser
universalmente válida. Uma norma só é válida se qualquer
indivíduo potencial, que tomasse o lugar dos argumentantes
reais, pudesse perceber seus interesses plenamente
satisfeitos e, consequentemente, aceitar tal norma como
válida. A condição de validade de uma norma é, pois, o
potencial assentimento de todos os indivíduos, tanto dos que
se encontram efetivamente no discurso como dos que não
se encontram nessa situação real de argumentação.116
115
Cf. HABERMAS, 1989, p. 85.
Ao grupo dos argumentantes potenciais, Karl O. Apel chamou
comunidade ideal de comunicação; ao grupo dos argumentantes reais,
comunidade real de comunicação (cf. APEL, 1994, p. 190). Assim, no
contexto do discurso prático, a comunidade ideal de comunicação tem
116
Jaime José Rauber
91
Nesse sentido, como regra de argumentação para
qualquer discurso que pretender legitimar normas morais,
Habermas introduz o princípio de universalização “U”, que
diz:
Toda norma válida tem que preencher a condição
de que as consequências e efeitos colaterais, que
previsivelmente resultem de sua observância
universal, para a satisfação dos interesses de todo
indivíduo, possam ser aceitos sem coação por todos
os concernidos.117
Este é o princípio que deverá servir de ponte, em
discursos práticos, para vencer a distância entre as
pretensões normativas subjetivas e a validade universal das
mesmas.
No âmbito do discurso prático, o consenso
encontra-se perturbado e precisa ser restabelecido a partir
de uma reflexão argumentativa sobre a norma controversa:
Ao entrarem numa argumentação moral os
participantes prosseguem seu agir comunicativo
numa atitude reflexiva com o objetivo de restaurar
um consenso perturbado. As argumentações
morais servem, pois, para dirimir consensualmente
os conflitos da ação.118
Conforme o autor, a reabilitação do consenso,
porém, só é possível se o discurso for conduzido segundo o
princípio moral acima exposto. Daí que o princípio “U”,
de estar antecipada contrafaticamente pela comunidade real de
comunicação. Isso vale também para o discurso teórico, que visa ao
entendimento consensual sobre enunciados constatativos.
HABERMAS, 1989, p.147. Formulações semelhantes também
aparecem nas páginas 86 e 116.
117
118
HABERMAS, 1989, p.87.
92
O problema da Universalização em Ética
enquanto regra da argumentação moral, é o princípio
possibilitador do consenso. Qualquer argumentação que
pretender validar normas morais tem de ter o princípio da
universalização como regra. Ele é o critério para validação
de normas, pois a norma que não puder alcançar o
assentimento de todos os possíveis concernidos é rejeitada
como inválida.
O princípio “U” exclui, como não suscetíveis de
consenso, todas as normas que encarnam interesses
particulares, isto é, interesses não suscetíveis de
universalização. Não basta, segundo Habermas, que alguns
indivíduos examinem e decidam sobre a entrada em vigor
de uma norma relativamente às consequências e efeitos
colaterais do seguimento geral da mesma, mas é necessário
um acordo consensual sobre a norma controversa. A
pretensão normativa que não alcançar o assentimento de
todos não pode ser aceita como válida, pois não preenche
os requisitos exigidos por “D” e “U”.
Com a introdução de “U”, como regra de
argumentação em discursos práticos, Habermas afirma que
o sucesso da ética do discurso depende da fundamentação
com validade do princípio-ponte “U”. A questão da
fundamentação do princípio da universalização torna-se,
assim, uma das questões centrais da proposta habermasiana
de fundamentação racional de normas morais. Cláudio
Dalbosco retrata muito bem a importância desse aspecto:
pode-se dizer, sem exagero de linguagem, que toda
a possibilidade de sucesso da ética do discurso,
enquanto proposta de tematização da moral,
concentra-se em torno da fundamentação do
princípio da universalização. Se a ética do discurso
fracassa neste ponto, compromete toda sua
proposta.119
119
DALBOSCO, 1996, p. 86.
Jaime José Rauber
93
A princípio, a possibilidade de fundamentação de
um princípio de universalização parece inacessível, pois,
conforme Habermas, não foram poucas as tentativas de
cognitivistas éticos que se empenharam nessa tarefa sem
sucesso. Por outro lado, para acentuar ainda mais a
aparente impossibilidade de fundamentação de um
princípio de universalização, o cognitivista ético defronta-se
com o argumento desenvolvido, por Hans Albert, no
Tratado da razão crítica (1968). Mediante o chamado trilema de
Münchhausen, H. Albert procura mostrar que toda tentativa
de fundamentação, e isso vale também para princípios
morais,
[...] consiste em ter de escolher entre três
alternativas igualmente inaceitáveis, a saber, ou
admitir um regresso infinito, ou romper
arbitrariamente a cadeia da derivação ou,
finalmente, proceder em círculos.120
Para Habermas, porém, o citado trilema não atinge
nem o princípio da indução dos discursos teóricos nem o
princípio da universalização dos discursos práticos, pois
pressupõe um conceito semântico de fundamentação, que não é
caso. O trilema só é aplicável a relações dedutivas entre
proposições, isto é, a relações proposicionais que implicam
conclusões lógicas. Conforme Habermas, os princípios da
indução e universalização só foram introduzidos como
regras da argumentação para vencer o hiato lógico em
relações não dedutivas, ou seja, para vencer a distância
entre
observações
singulares
e
sua
verdade
intersubjetivamente
reconhecida,
entre
pretensões
normativas subjetivas e a validade universal das referidas
normas. Por isso, diz Habermas, “não se deve esperar para
120
HABERMAS, 1989, p. 101.
94
O problema da Universalização em Ética
esses princípios-ponte eles próprios uma fundamentação
dedutiva, que é a única admitida no trilema de
Münchhausen”.121
A possibilidade de fundamentação do princípio da
universalização renasce com o pensamento de Apel. Nas
palavras de Habermas,
[...] cabe sobretudo a K. O. Apel o mérito de haver
desobstruído a dimensão entrementes soterrada da
fundamentação não dedutiva das normas éticas
básicas. Apel renova o modo de fundamentação
transcendental com os meios fornecidos pela
pragmática linguística.122
Utilizando-se
do
conceito
de
contradição
performativa123, Apel mostra a inconsistência da tese do
falibilista, qual seja, a da impossibilidade da fundamentação
de princípios morais. Vejamos o argumento.
O falibilista, que contesta a possibilidade da
fundamentação de princípios morais, é gentilmente
convidado, pelo cognitivista ético, a apresentar razões para
sustentar a sua pretensão de verdade. Ao apresentar razões,
o falibilista engaja-se na argumentação com a qual faz
pressuposições que são inevitáveis em qualquer jogo
argumentativo voltado ao exame crítico, cujo conteúdo
proposicional (das pressuposições) contradiz o próprio
enunciado asserido pelo falibilista. A afirmação ‘toda
tentativa de fundamentar princípios universalmente válidos é
desprovida de sentido’ é negada pelo conteúdo proposicional
das pressuposições do jogo argumentativo. O falibilista, ao
121
Id., p. 101-2.
122
Id., p. 102.
A contradição performativa, usada por Apel, “[...] surge quando um ato
de fala constatativo ‘Cp’ se baseia em pressuposições não contingentes
cujo conteúdo proposicional contradiz o enunciado asserido ‘p’”
(HABERMAS, 1989, p. 102).
123
Jaime José Rauber
95
apresentar sua objeção ao cognitivista ético, pressupõe
inevitavelmente a validade de um conjunto mínimo de
regras lógicas que não podem ser negadas por ele, caso
esteja argumentando seriamente. Tal constatação contradiz
a própria tese da impossibilidade de fundamentarem-se
princípios morais universalmente válidos. Esse tipo de
contradição chama-se contradição performativa e deve ser
evitada em qualquer argumentação que pretende validade.
Para Apel, a situação da argumentação é irretrocedível.
Com efeito, todo aquele que quiser negar a possibilidade de
fundamentação de princípios morais engaja-se em uma
argumentação ou fica reduzido ao estado de planta,
situação na qual nada é negado. Se não quiser ficar
reduzido ao estado de planta, o falibilista tem de entrar no
jogo argumentativo. Ao argumentar, ele pressupõe uma
lógica mínima que compreende aquelas regras que não
podem ser negadas sem cometer-se uma autocontradição.
Segundo Habermas, a regra da contradição
performativa a ser evitada, apresentada por Apel, não é
aplicável somente a atos de fala e argumentos isolados, mas
é aplicável ao discurso argumentativo como um todo. Este
é o ponto de partida da fundamentação do princípio “U”,
que deve funcionar como regra da argumentação em
discursos práticos. “A fundamentação exigida do princípio
moral proposto poderia, por conseguinte, assumir a forma
de que toda argumentação, não importa o contexto em que
é levada a cabo, se baseia em pressuposições pragmáticas,
de cujo conteúdo proposicional pode-se derivar o princípio
de universalização ‘U’”.124 Habermas abandona a tentativa
tradicionalista de fundamentação dedutiva de últimos
princípios e volta-se para a explicação de pressuposições
incontornáveis, das quais afirma derivar o princípio “U”. A
fundamentação de “U” é, pois, uma fundamentação
124
Id., p. 104.
96
O problema da Universalização em Ética
pragmático-transcendental e não uma fundamentação
lógico-dedutiva.
Habermas, seguindo o cânon aristotélico, distingue
três planos de pressupostos argumentativos, os quais se
representam pelas regras formuladas originalmente por R.
Alexy, a saber:
a) Plano lógico-semântico
(1.1) A nenhum falante é lícito contradizer-se;
(1.2) Todo falante que aplicar um predicado F a um
objeto a tem que estar disposto a aplicar F a
qualquer outro objeto que se assemelhe a a sob
todos os aspectos relevantes;
(1.3) Não é lícito aos diferentes falantes usar a
mesma expressão em sentidos diferentes.125
b) Plano dialético dos procedimentos
(2.1) A todo falante só é lícito afirmar aquilo em
que ele próprio acredita;
(2.2) Quem atacar um enunciado ou norma que não
for objeto da discussão tem que indicar uma razão
para isso.126
c) Plano retórico dos processos
(3.1) É lícito a todo sujeito capaz de falar e agir
participar de Discursos;
(3.2) a. É lícito a qualquer um problematizar
qualquer asserção;
b. É lícito a qualquer um introduzir qualquer
asserção no Discurso;
125
Id., p. 110.
126
Id., p. 111.
Jaime José Rauber
97
c. É lícito a qualquer um manifestar suas atitudes,
desejos e necessidades;
(3.3) Não é lícito impedir falante algum, por uma
coerção exercida dentro ou fora do Discurso, de
valer-se de seus direitos estabelecidos em [c.1] e
[c.2].127
As regras do plano lógico-semântico regulam as condições
de sentido das argumentações. As regras do plano dialético dos
procedimentos têm por objeto regular as condições de sinceridade
dos argumentantes. Ambos os planos não fornecem
nenhum ponto de partida apropriado para a
fundamentação de “U”, que deve funcionar como regra da
argumentação moral. Contudo, tanto as condições de sentido
como as condições de sinceridade têm de estar satisfeitas para
que uma argumentação tenha validade. Se uma dessas
condições não estiver satisfeita, a argumentação não pode
ser caracterizada como um discurso sério, como uma
argumentação que pretende validade.
É no plano retórico dos processos que Habermas
encontra o ponto de partida apropriado para a
fundamentação de “U”, recorrendo ao argumento
pragmático-transcendental de Apel. Nesse plano situam-se
as regras que determinam os requisitos de participação dos
falantes em um discurso prático. Elas asseguram, a todos os
sujeitos que disponham de capacidade argumentativa, o
direito de acesso ao Discurso (3.1), o direito da igualdade
de chances (3.2) e a exigência de condições de
comunicação que assegurem os direitos anteriores (3.3). É
dessas pressuposições argumentativas procedimentais que
Habermas deriva o princípio de universalização “U”:128
127
Id., p. 112.
Dado que o princípio “U” deve funcionar como regra de
argumentação em discursos práticos, ele só poderia ser derivado do
plano dos pressupostos argumentativos procedimentais. Os outros dois
planos de pressupostos também têm de estar satisfeitos para que a
128
98
O problema da Universalização em Ética
Se todos os que entram em argumentações têm que
fazer, entre outras coisas, pressuposições cujo
conteúdo pode ser apresentado sob a forma das
regras do Discurso (3.1) a (3.3); e se, além disso
compreendemos as normas justificadas como
regrando matérias sociais no interesse comum de
todas as pessoas possivelmente concernidas, então
todos os que empreendem seriamente a tentativa
de resgatar discursivamente pretensões de validade
normativas aceitam intuitivamente condições de
procedimento que equivalem a um reconhecimento
implícito de ‘U’129.
Nesse sentido, quem quiser negar a validade de “U”
cai em contradição performativa. Pois, ao entrar no
discurso para negar a validade do princípio “U”, o falibilista
teria que negar, além de outros, os pressupostos
argumentativos procedimentais (terceiro plano), o que
invalidaria a sua participação no discurso.130
O princípio “U”, portanto, é fundamentado “[...]
por via da derivação pragmático-transcendental a partir de
pressuposições argumentativas [...]”.131 Como condições de
possibilidade do próprio discurso, os pressupostos
argumentativos são irretrocedíveis. Eles não resultam de
meras convenções, mas quem se põe a argumentar de
forma racional já as aceitou implicitamente. Negá-las
implica cair em contradição performativa, pois sempre que
argumentação tenha validade, mas o princípio “U” é derivado
especificamente das pressuposições procedimentais.
129
HABERMAS, 1989, p. 115-6.
Conforme Rouanet (1989, p. 35), mediante a fundamentação do
princípio da universalização, a partir dos pressupostos da
argumentação, Habermas superou Kant que, com todo o seu rigor
teórico, limitou-se a dizer que o imperativo categórico se fundava em
um fato da razão.
130
131
HABERMAS, 1989, p. 116.
Jaime José Rauber
99
argumentamos moralmente estamos apoiados neste saber
intuitivo. Com efeito, o critério a ser seguido em
procedimentos discursivos de fundamentação é evitar a
autocontradição performativa, ou seja, no dizer de Apel,
com o que concorda Habermas,
aquilo que não posso contestar sem cometer uma
autocontradição atual e, ao mesmo tempo, não
posso fundamentar dedutivamente sem uma petitio
principii
lógico-formal
pertence
àquelas
pressuposições pragmático-transcendentais da
argumentação, que é preciso ter reconhecido desde
sempre, caso o jogo de linguagem da argumentação
deva conservar seu sentido.132
A fundamentação do princípio “U”, demonstrada
pelo recurso ao argumento pragmático-transcendental de
Apel, completa a proposta habermasiana de legitimação de
normas morais. Enquanto “D” exprime a ideia
fundamental de uma teoria moral, mas não pertence à
lógica do discurso prático, o princípio “U” funciona como
regra da argumentação moral. Ele é o único princípio moral
da proposta de Habermas e consiste em um critério de
validação intersubjetiva de normas morais. Os sujeitos têm
de sustentar suas pretensões de validade normativas de
forma que obtenham o reconhecimento de todos os
possíveis concernidos. Mais do que isto, diz Habermas,
uma norma controversa só pode encontrar o assentimento
de todos se o discurso prático for dirigido segundo o
princípio “U”. Somente mediante esse reconhecimento
mútuo é que a pretensão normativa subjetiva passa a valer
como norma moral universal.
Com essa rápida exposição dos elementos
constitutivos da proposta de Habermas, podemos agora
analisar se a herança kantiana, de fornecer uma proposta
132
APEL apud HABERMAS, 1989, p. 104.
100
O problema da Universalização em Ética
ética puramente procedurística, implica também normas
morais de universalidade absoluta ou, se elas, dependendo
das circunstâncias, são passíveis de reformulação. Se essa
última hipótese for sustentável, a proposta de Habermas
representa um avanço em relação à proposta de Kant, pois,
para este último, as normas morais validadas pelo princípio
da moralidade não permitem exceção alguma. Uma vez
válida, a norma é válida para sempre e todas as vezes que se
queira reformulá-la, com base no imperativo categórico,
chegar-se-á sempre ao mesmo resultado.
2.4 Habermas e o puro procedimentalismo
O princípio “U” deve ser distinguido, segundo
Habermas, de quaisquer princípios ou normas
conteudísticas e do conteúdo normativo das pressuposições
da argumentação. Ele é puramente formal, pois indica
apenas o procedimento a ser seguido para a legitimação de
normas morais universalmente válidas. O objetivo de
Habermas, da mesma forma que o de Kant, está voltado
apenas à validação de normas morais, e não à elaboração
ou vigência social de normas. Isso fica bastante claro em
uma de suas discussões com Tugendhat: “Quando se
confunde a dimensão da validade das normas, sobre as
quais os proponentes e os oponentes podem disputar com
base em razões, com a validez social das normas que estão
de fato em vigor, a validez deôntica é privada de seu
sentido autônomo”.133 Na argumentação contra Tugendhat,
Habermas afirma que este não consegue manter de pé tal
distinção, pois, em vez do jogo argumentativo, reserva as
condições de validade a uma análise semântica; em vez da
intersubjetividade, proporcionada pela prática discursiva, o
processo da justificação de normas fica reduzido a um
133
HABERMAS, 1989, p. 95.
Jaime José Rauber
101
processo de comunicação contingente e desligado de toda
referência à validade.134
No texto Atingem as objeções de Hegel a Kant também a
ética do discurso?, Habermas, tomando para si a crítica de
Hegel ao puro formalismo kantiano, afirma que nem ele
nem Kant merecem tal acusação. Pois entendem que a
tarefa do teórico moral não é a de elaborar normas morais,
senão apenas a de indicar o procedimento a ser seguido
para legitimá-las. Os princípios morais não fornecem
normas conteudísticas, mas tratam da questão “[...] de se
todos podemos querer que uma determinada norma pode
cobrar nas circunstâncias dadas uma obrigatoriedade
geral”.135 Kant apresentou o imperativo categórico como
princípio de fundamentação do julgar e agir moral.
Habermas formulou o princípio “U” como princípio de
legitimação de normas morais. Ambos os princípios são
fornecidos de forma a priori e, como tais, não fornecem
nenhum conteúdo moral, mas têm por objeto apenas
indicar o procedimento a ser seguido para o agir moral.
Se se toma a crítica de Hegel de forma literal,
perceber-se-á que ela não é tão forte quanto a princípio ela
parece ser, pois é possível mostrar que em ambas as
propostas há espaço para a introdução de princípios
conteudísticos (normas). Ou seja, é possível mostrar que
ambas as propostas não permanecem apenas no como se deve
proceder, mas, por meio dos procedimentos indicados, é
possível saber o que se deve fazer para agir com mérito moral.
Em Kant, como vimos no capítulo anterior, quando em
uma situação concreta nos encontramos frente a um dilema
moral, basta perguntar-se a si mesmo se aquela máxima de
ação pode ser universalizada sem contradições. Se isso for
possível, a máxima passa a assumir também o estatuto de
norma moral objetiva, fundamentada solipsisticamente. Em
134
Cf. id., ibid.
135
HABERMAS, 1991, p. 115.
102
O problema da Universalização em Ética
Habermas, diferentemente de Kant, a fundamentação de
normas morais dá-se dentro de uma comunidade de
comunicação. As normas provêm do mundo da vida, que é o
âmbito real no qual os sujeitos efetivamente se situam.
Neste âmbito encontram-se pretensões normativas
subjetivas repletas de conteúdo que, passando pelo crivo de
“U”, obtêm reconhecimento intersubjetivo e, assim,
passam também à validade objetiva. Essa passagem de
normas conteudísticas subjetivas para normas objetivas,
cuja validade é garantida pelos respectivos princípios de
universalização – imperativo categórico em Kant e
princípio de universalização em Habermas –, invalidaria a
objeção hegeliana do vazio formalismo.
Contudo, a crítica de Hegel não se restringe apenas
ao aspecto puramente formal do único princípio da proposta
de Kant nem supostamente apenas ao aspecto formal do
princípio “U” de Habermas. Entretanto, não quero aterme, aqui, às diferenças entre o pensamento de Hegel e as
éticas do tipo kantianas, mas pode-se dizer com segurança
que a proposta de sistema de Hegel é muito mais ampla e
abrangente que as propostas de Kant e de Habermas, pois,
para aquele, a verdade é o todo. Voltarei a essa ideia no
último capítulo, onde falarei sobre o Projeto de Sistema de
Cirne Lima, com o qual o autor pretende corrigir o erro do
necessitarismo do sistema hegeliano.
Habermas, da mesma forma que Kant, afirma que o
teórico moral não deve ocupar-se com os conteúdos das
normas morais nem com a aplicação social das mesmas.
Para ele, o trabalho do filósofo deve ser apenas o de
proporcionar o procedimento a ser seguido para a
legitimação de normas morais. Mas será que a
despreocupação com os conteúdos morais não leva essa
proposta ao mesmo problema da proposta de Kant? A
indicação de um puro procedimentalismo não a leva
também ao problema da validade universal absoluta de
normas morais?
Jaime José Rauber
103
Osvaldo Guariglia, em Moralidad: ética universalista y
sujeto moral, afirma que
[...] o exame dos procedimentos puramente
formais, de Kant a Habermas, leva a um resultado
negativo: não é possível determinar por meio do
procedimento exclusivamente formal a correção ou
incorreção moral de uma norma”.136
O caráter puramente formal do princípio de
universalização não pode fundamentar norma alguma, pois
só estabelece o alcance universal de determinada ação geral.
Da mesma forma que o princípio de não contradição não
garante a verdade das proposições que se ajustam a ele –
pois uma proposição pode ser não contraditória e falsa –, a
universalidade formal não garante o aspecto moral da
norma, pois uma norma pode ser formalmente correta, mas
imoral.137
A exemplo das propostas de Kant, Habermas e
Singer (proposta esta que será brevemente esboçada no
capítulo terceiro), Guariglia também se ocupa com a tarefa
de elaborar um critério que sirva de fundamento para o agir
humano. Esse critério é o princípio de universalização, que
Guariglia considera como “[...] um esquema lógico-prático
sobre o qual se apoiam, como sobre uma garantia última,
os juízos morais particulares”.138 Adotando a definição de
princípio, apresentada por Singer, o autor afirma que o
princípio da universalização é pressuposto por todo juízo moral
genuíno. Além disso, afirma ser uma característica essencial
do raciocínio moral, pois é pressuposto em toda tentativa
de se dar uma razão para um juízo moral. Assim, diz
Guariglia, somente mediante a análise dos nossos juízos
136
GUARIGLIA, 1996, p. 156.
137
Cf. id., p. 155-6.
138
Id., p. 22.
104
O problema da Universalização em Ética
morais cotidianos, verificando o princípio que todos eles
pressupõem e sobre o qual se sustentam, pode-se provar a
existência de um tal princípio.139
Mediante a apresentação de um exemplo de juízo
moral, que deve representar os nossos juízos morais
habituais, Guariglia fornece a seguinte formulação para o
princípio de universalização:
[U] Se F, com a propriedade b, não deve fr (ou não
fr) a G ou H, com as propriedades c ou d nas
circunstâncias x, então G, com a propriedade b, não
deve fr (ou não fr) a F ou H, com as propriedades c
ou d nas circunstâncias x ou similares a x em todos
os aspectos relevantes.140
Segundo o autor, os elementos “F, G, H” são
variáveis de pessoas; “b, c, d” são variáveis de propriedades
gerais que delimitam classes ou conjuntos de pessoas; “não
deve” equivale à proibição da ação específica em questão; “não
fr” é uma variável de omissões que afetam indivíduos
distintos do agente; e “x”, uma variável para circunstâncias
que afetam incidentalmente a ação.141
De acordo com Guariglia, a correta aplicação do
princípio de universalização depende de um conjunto de regras
adicionais, de caráter semântico e pragmático. Para o autor,
as regras que devem legitimar a substituição das variáveis
do princípio de universalização são sempre pressupostas
por aquele princípio. Sem elas, o funcionamento do
princípio de universalização, isto é, sua correta aplicação a
normas ou ações específicas tornar-se-ia duvidosa.
Entretanto, não vou me ater ao detalhamento dessas regras,
pois por ora não é esse o objetivo.
139
Cf. id., p. 23.
140
Id., p. 26 e 153.
141
Cf. id., p. 26-8.
Jaime José Rauber
105
Segundo Guariglia, o caráter formal lógicosemântico do princípio de universalização não pode
fornecer nenhuma fundamentação para normas, pois só
estabelece o alcance universal de determinada ação geral.
Conforme o autor, pode haver normas que, mesmo sendo
formalmente corretas, são imorais. Observemos os
seguintes princípios substanciais:
(I) Ninguém deve forçar outra pessoa a realizar um
ato contra sua vontade para benefício do agente.142
(II) Uma pessoa qualquer tem licença para forçar
outra pessoa qualquer a realizar um ato contra sua
vontade para benefício próprio.143
Conforme Guariglia, são exemplos opostos
contraditórios, de forma que, se um é válido, o outro é
necessariamente inválido. Mesmo sendo excludentes,
ambos os princípios satisfazem as condições de simetria e
reciprocidade exigidos pelo princípio de universalização.
Tanto (I) como (II) são normas materiais formalmente
corretas, mas é evidente que (II) é imoral. É certo que sob a
perspectiva da terceira pessoa, quem julga moralmente, só
pode aceitar (I) como princípio universal, mas isso não é
determinado pelo princípio de universalização. A escolha
entre dois princípios materiais como (I) e (II) requer,
segundo Guariglia, critérios que não sejam meramente
formais.144 O princípio da universalização, que é puramente
formal, desempenha nas questões práticas uma função
semelhante à do princípio de não contradição nas
argumentações teóricas. Este último garante a falsidade dos
argumentos que o infringem, mas não garante a verdade
142
Id., p. 58.
143
Id., p. 59.
144
Cf. id., p. 59-61.
106
O problema da Universalização em Ética
daqueles argumentos que o satisfazem. Da mesma forma,
diz o autor, o princípio da universalização determina a
incorreção das normas que desrespeitam as relações de
simetria, mas não garante a correção daquelas que o
satisfazem. Tal é o caso do princípio (II) supracitado, pois
ele é formalmente correto, mas evidentemente imoral.145
Percebe-se, assim, segundo Guariglia, que não se
deve propor princípios puramente formais nem postular de
forma lisa ou plana princípios substantivos da moralidade,
pois ambos os aspectos precisam andar juntos. Para ele, o
grande erro de Habermas consiste em aceitar, como ponto
de partida, a completa disjunção entre uma ética formal e
uma ética do bem. No seu entender, uma boa proposta
ética não se pode sustentar exclusivamente em regras de
procedimento, mas deve possuir também princípios
materiais. Daí o seu empenho em desenvolver uma via
alternativa ao puro formalismo (pragmático de Habermas e
semântico de Hare) e ao puro construtivismo (de John
Rawls):
A meu juízo, é possível reunir um certo
procedimentalismo dialógico, por um lado, com a
postulação de princípios substantivos de justiça
como conteúdos universais, por outro, que são
aqueles princípios que todo participante racional se
vê constrangido a admitir, ao enfrentar-se com uma
alternativa
que
envolve
postulados
contraditórios.146
O objetivo de Guariglia, portanto, não está
satisfeito com o estabelecimento do princípio meramente
formal de universalização, mas, paralelamente a este,
procura estabelecer também princípios materiais. No nosso
145
Cf. id., p. 60 e 156.
146
Id., p. 147.
Jaime José Rauber
107
modo de entender, a intenção é boa, mas sua proposta
ainda não está suficientemente clara. Não vou aprofundar a
discussão sobre essa proposta, pois o objetivo era apenas o
de mostrar a crítica que Guariglia faz às propostas que
apresentam princípios puramente formais como critérios de
fundamentação do agir moral.
Além da crítica de Guariglia, entendo que, se
concordarmos com Habermas de que a preocupação do
teórico moral deve ser apenas com o procedimento de
fundamentação e não com as normas elas mesmas, teremos
que nos contentar com um paradigma que se assemelha à
proposta kantiana de fundamentação. É esse o risco que
Habermas corre ao afirmar que sua proposta é puramente
procedurística (formal), uma proposta que não trabalha
com as normas morais elas mesmas, senão que apenas
procura indicar o procedimento a ser seguido para legitimálas. A proposta de fundamentação de normas
universalmente válidas precisa ter em conta, não só o
conteúdo proposicional das normas, mas também a relação
desse com a historicidade. Caso contrário, as normas
legitimadas revelam-se absolutas, o que em determinadas
circunstâncias pode justificar a realização de ações
inadmissíveis.
Entretanto, a suspeita levantada não se confirma, na
proposta de Habermas, da mesma maneira como acontece
na proposta de Kant. Pois, por um lado, o próprio
princípio “U” pressupõe que o discurso prático verse sobre
pretensões normativas (conteúdos), provenientes do mundo
da vida, do contexto concreto dos interesses dos
participantes da comunicação. Os conteúdos não são
abstraídos (separados) da realidade empírica para, a partir
daí, serem submetidos ao teste da universalização. Na
minha interpretação, isso acontece em Kant, mas não na
proposta de Habermas, pois o discurso prático é sobre
pretensões normativas subjetivas que revelam sempre
interesses fáticos. Satisfeitos os interesses de todos os
108
O problema da Universalização em Ética
possíveis concernidos com base em razões, aquele
conteúdo normativo subjetivo passa a valer objetivamente
como norma moral, embora esteja constantemente sujeita à
tematização147, o que revela contingência nessa proposta
ética. Por outro lado, as razões (Gründe) apresentadas para
refutar ou fundamentar-se determinada pretensão de
validade normativa provêm do contexto concreto dos
agentes da roda do discurso. Isso tudo mostra que a
proposta de Habermas não permanece em um mero
formalismo, pois tanto as pretensões normativas quanto as
razões (Gründe) apresentadas na roda do discurso revelam
conteúdo empírico.
A questão que, no entanto, de imediato surge é:
dado que os princípios “U” e “D” são princípios
puramente formais, princípios que não trabalham com
conteúdos normativos, o que são essas razões (Gründe)?
Como é que as boas razões podem ser o fundamento do
consenso sobre normas controversas, se os únicos
princípios apresentados por Habermas são os princípios
“U” e “D”? Dado que “U” e “D” são meramente
procedimentais, qual é o fundamento, ou seja, qual é o
critério para se distinguir razões válidas de razões não válidas?
A hipótese mais provável é a de que Habermas faz uso de
um terceiro princípio, que ele não identifica, mas que não é
nem o princípio “U” nem o princípio “D”.
Segundo Cirne Lima, se a proposta de Habermas se
sustentar apenas nos princípios “U” e “D”, ela fica frágil e
não funciona. A modo de ilustração, observemos o
seguinte exemplo. Para se saber se a máxima ser padeiro148 é
Dizer que uma norma está constantemente sujeita à tematização
significa que ela não é absoluta. Sendo o objeto do discurso, a norma
pode ser ou refutada, mediante a apresentação de boas razões, ou
reafirmada, o que vai garantindo a solidez da sua validade.
147
Esse exemplo foi citado por Cirne Lima durante suas aulas no
Programa de Pós-Graduação da PUCRS (1998/I e II) e ajusta-se ao
148
Jaime José Rauber
109
moral ou não, devo apresentá-la à roda do discurso e tentar
universalizá-la. Se universalizarmos ser padeiro, veremos que
isso não funciona, pois alguns têm que ser professores,
outros médicos, outros engenheiros, outros construtores
civis e assim por diante. Se se aplicam apenas o “U” e o
“D”, concluir-se-á que ser padeiro é algo imoral, pois é uma
máxima que não pode ser universalizada; se universalizada,
leva a uma implosão. Percebe-se, assim, diz Cirne Lima,
que não é nem o princípio “U” nem o princípio “D” nem
ambos juntos que determinam a correção da máxima de ser
padeiro. Segundo o autor, para determinar a correção moral
daquela máxima, tanto Habermas quanto Apel apelam para
um terceiro princípio, que ele chama de princípio “G”.
Mediante a aplicação de “U” e “D” não é possível
determinar se ser padeiro é algo moral ou não. A correção da
ação de ser padeiro é medida pela apresentação de razões
(Gründe). Pela mera aplicação de “U” e “D” teria de se
concluir que ser padeiro é algo moralmente incorreto, pois é
algo que não pode ser universalizado. Assim, diz Cirne
Lima, Apel e Habermas engendram um terceiro princípio
que eles não dizem qual é, mas que é fundamental para o
correto funcionamento de suas propostas éticas. A
correção ou incorreção da ação de ser padeiro não encontra
seu fundamento apenas em “U” e em “D”, mas também
nas razões (Gründe), que ele chama de princípio “G”.
Considerando-se que as pretensões normativas e as
razões resultam do contexto concreto (mundo da vida) dos
participantes da comunicação, percebe-se que a proposta
de Habermas não permanece em um puro formalismo. Se a
proposta de Habermas não trabalhasse com conteúdos da
historicidade, as normas morais legitimadas pelo processo
argumentativo não admitiriam exceção alguma. O que fosse
consensualmente normado, jamais poderia ser violado,
grupo de exemplos de universal concreto, sobre os quais farei uma breve
consideração no terceiro capítulo, item 3.2.
110
O problema da Universalização em Ética
independentemente das circunstâncias específicas das
ações. A aceitação contrafática das consequências e efeitos
colaterais de determinada pretensão normativa seria uma
tomada de posição absoluta. Independentemente das
circunstâncias contingentes das ações, a norma
consensuada jamais poderia ser posta em questão. O
consenso sobre determinada pretensão normativa subjetiva
implicaria uma norma moral objetiva, de validade universal
absoluta.
Assim, no mínimo, encontra-se uma ambiguidade
na proposta de Habermas. Por um lado, a afirmação de que
sua proposta é puramente procedurística. Por outro, a
constatação de que a argumentação moral é sempre sobre
conteúdos empíricos e que as razões (Gründe) apresentadas
são a maior prova dessa historicidade. Se o discurso prático
não fosse sobre conteúdos relacionados à realidade
empírica, as normas resultantes do consenso seriam
absolutas, normas que, independentemente das
circunstâncias, teriam que valer sempre e ser rigorosamente
seguidas. Se essa proposta não trabalhasse com conteúdos
normativos ligados à historicidade, estaria condenada ao
fracasso, pois cairia em um rigorismo. Razão nenhuma seria
capaz de justificar uma exceção à norma consensuada
dentro da comunidade de comunicação. Querer uma
exceção seria desejar a imoralidade. Com efeito, o
rigorismo ético, como já se disse, é insustentável, pois
podem surgir situações em que uma exceção à norma é
mais moral do que se a seguíssemos rigorosamente.
Somente mediante a consideração das condições e
circunstâncias empíricas, pode-se classificar a ação como
certa ou errada. A proposta de fundamentação de normas,
que despreza a contingência, torna-se frágil e,
consequentemente, impotente em relação às situações
concretas de conflito moral.
Pela proposta de Habermas, uma exceção à norma
é perfeitamente possível. Ela, porém, tem de ser uma
Jaime José Rauber
111
exceção justificada. Para ser justificada, ela tem de ser tal
que poderia obter o assentimento de todos os possíveis
concernidos em uma situação de discurso. No entanto, se
todos concordassem com a exceção, ela já não seria mais
uma mera exceção, mas passaria a valer como norma, pois
qualquer pessoa que se encontrasse em circunstâncias
semelhantes a do indivíduo que quer a exceção poderia agir
da mesma maneira. Tal norma, porém, não tem um sentido
de obrigação e sim de permissão. Qualquer pessoa que se
encontrar em semelhante situação teria o direito de agir da
mesma maneira. Nesse sentido, se em determinada situação
de emergência – cujos efeitos e consequências colaterais
não puderam ser considerados contrafaticamente devido à
especificidade do conflito moral –, alguém achar que é mais
coerente não agir conforme à norma consensuada em meio
ao discurso prático, este deve possuir também razões
suficientemente fortes para convencer a todos de que
aquela era a melhor forma de agir. Essa exceção à norma
passa a ser uma exceção justificada pela especificidade do
contexto empírico da ação, o que contribui para provar que
a proposta de Habermas não é puramente formal, mas que
ela também trabalha com a situação histórico-concreta na
qual a norma é aplicada.
3
O Universal Abstrato e o
Universal Concreto
O que se tentou fazer até aqui foi mostrar o
caminho que Kant e Habermas seguiram para fundamentar
normas que devem regrar o agir moral. Embora sigam
caminhos diferentes, ambos apresentam a universalização
como critério para a validade normativa do agir moral. Em
Kant, o critério de universalização é o imperativo
categórico. Cada indivíduo, em seu foro interno, tem
condições de saber o que é e o que não é moral, o que
pode e o que não pode fazer para agir com mérito moral. A
bússola para se saber o que é certo e o que é errado é o
imperativo categórico. As leis subjetivas do querer que
puderem também valer como leis objetivas do querer, sem
contradição interna e sem que a vontade, que quer sua
máxima como lei universal, se contradiga a si mesma, são
leis moralmente válidas. As máximas que não puderem
também valer como leis, por caírem em contradições ao
serem submetidas ao teste de universalização, são rejeitadas
como inválidas.
Em Habermas, o procedimento de legitimação de
normas morais não é mais monológico, como acontece na
proposta de Kant. A distinção do agir moral e do agir
imoral acontece dentro da roda do discurso. A norma que
não alcançar o assentimento de todos os possíveis
concernidos em meio a um discurso prático é rejeitada
Jaime José Rauber
113
como inválida. O critério a ser seguido é o princípio “U”,
ou seja, universaliza-se a norma, e ela tem de poder ser
aceita por todos sem o uso de qualquer tipo de coação que
fuja à do melhor argumento. Nas condições de um discurso
racionalmente motivado, a pretensão normativa subjetiva
só será aceita como lei moral se os interesses de todos
estiverem igualmente satisfeitos. O consenso só será
alcançado se cada um puder concordar com a validade
universal da norma em questão.
O problema central, que agora se quer retomar,
porém, é: universalizar a máxima de ação ou a pretensão
normativa subjetiva, da forma como Kant e Habermas
fazem, é critério suficiente para se saber o que é e o que
não é moral? Será que o imperativo categórico e o princípio
de universalização “U”, que é uma versão melhorada
daquele, são critérios absolutamente seguros para
fundamentar o agir moral? A universalização das máximas e
das pretensões normativas subjetivas, como critério do agir
moral, não pode levar também a concluir absurdos?
Marcus George Singer, em Generalization in Ethics,
elabora uma proposta ética semelhante à de Kant, mas
procura corrigir a insuficiência do imperativo categórico
como critério do agir moral. Para ele, a possibilidade de
universalização sem contradição das máximas de ação não é
critério seguro para se determinar o que é moralmente
correto, pois há ações que não podem ser universalizadas,
mas nem por isso deixam de ser morais. Antes, porém, de
apresentar a argumentação, ela mesma, apresento
brevemente a proposta de Singer, pois, para esse autor, as
condições de aplicação do seu critério de fundamentação
moral (que é o Argumento da Generalização) são as mesmas
condições que devem ser observadas para superar-se a
deficiência do imperativo categórico kantiano.
Entretanto, nem Kant, nem Habermas, nem Singer
escapam à objeção neoplatônica do universal abstrato, que
está sendo retomada por Cirne Lima. Cirne Lima aceita a
114
O problema da Universalização em Ética
objeção de Singer ao imperativo categórico, mas, muito
mais do que as éticas do tipo kantianas, propõe uma ética
que não pode ser pensada independentemente das outras
áreas do conhecimento. A ética, proposta por ele, faz parte
da ideia de sistema e, como tal, é regida pelo mesmo
princípio do dever-ser que perpassa também as outras
ciências, como a Lógica, a Física, a Biologia, o Direito, a
Sociologia e assim por diante. A ética não pode ser pensada
independentemente das outras ciências, mas tem que ser
pensada como uma parte que é parte do todo e que, por isso,
não pode desvincular-se do todo maior, que consiste no
Projeto de Sistema. Essa ideia será trabalhada na última parte
deste capítulo.
3.1 A Teoria da Generalização de Singer
A proposta de Singer, semelhantemente à de Kant,
tem como ponto de partida a concepção de que
todos nós temos convicções morais, convicções do
que é certo e do que é errado. Se não as tivéssemos,
também não teríamos problemas morais. Pois,
problemas morais resultam de nossas convicções
morais – do fato de que elas às vezes são
inadequadas, muitas vezes vagas e frequentemente
contraditórias.149
Kant parte do fato de que os homens agem
moralmente, ou seja, de que eles já agem segundo
determinados princípios e, assim, têm consciência do dever
“Wir alle haben moralische Überzeugungen, Überzeugungen davon,
was richtig und was nicht richtig ist. Hätten wir sie nicht, so hätten wir
auch keine moralischen Probleme. Denn moralische Probleme
entstehen aus unseren moralischen Überzeugungen – aus der Tatsache,
dass sie manchmal inadäquat, oft vage und häufig widersprüchlich
sind” (SINGER, 1975, p. 28).
149
Jaime José Rauber
115
moral. O que ele procura fazer, então, é apenas elaborar
um critério de justificação ou, se quisermos, um princípio
de fundamentação para aquilo que o humano senso comum já
sabe. De forma análoga, o que Singer pretende é apenas
fundamentar nossas convicções morais, procurando esclarecer a
razão pela qual determinadas ações são tidas como certas e
outras como erradas ou, então, o que faz com que as ações
consideradas certas sejam certas e as ações consideradas
erradas sejam erradas.
Para solucionar os dilemas morais, Singer toma
como modelo uma questão com a qual, segundo ele,
certamente todos nós já estamos familiarizados, qual seja:
“O que aconteceria se cada um fizesse isso?”.150 Essa
questão, diz o autor, é uma preparação para a ideia que a
segue: “Se cada um fizesse isso, as consequências seriam
devastadoras”.151 Conforme Singer, essa constatação
negativa, que segue a questão inicial, em muitas das nossas
situações cotidianas, serve como fundamento para se deixar
de realizar determinada ação ou para se agir de outra
maneira de forma a evitar consequências indesejáveis
previsíveis. Em uma eleição, por exemplo, se alguém
tivesse a intenção de não votar, poderíamos apresentar o
seguinte questionamento: o que aconteceria se ninguém
votasse? Se ninguém votasse, além de outras consequências
indesejáveis, no mínimo o sistema democrático ficaria
abalado. A partir disso, poder-se-ia concluir que todos os
que têm direito ao voto devem votar e que é errado deixar
de votar.
Nesse exemplo é empregado um tipo de
argumentação que Singer chama de Argumento da
Generalização (Argument der Verallgemeinerung): “Se cada um
“Was würde passsieren, wenn das jeder täte?” (SINGER, 1975, p.
23).
150
“Wenn das jeder täte, wären die Folgen verheerend” (SINGER,
1975, p. 23).
151
116
O problema da Universalização em Ética
fizesse isso, as consequências seriam devastadoras (ou
indesejáveis); por isso, ninguém deve agir assim”.152 Esse
tipo de raciocínio, bastante comum em nossas discussões
morais cotidianas, é o que está no centro das investigações
de Singer. Para ele, generalizar é fundamental para se saber o
que é moralmente correto, mas, por outro lado, entende
que a simples universalização das máximas de ação, como
manda o imperativo categórico de Kant, não é critério
suficiente para se saber o que é e o que não é moral.
Universalizar ou generalizar, sem determinados cuidados,
pode levar a absurdos. O Argumento da Generalização, porém,
não é o único princípio da proposta de Singer. Dentre
outros, que complementam o seu sistema moral, está o
Princípio da Generalização (Prinzip der Verallgemeinerung),
que é um princípio moral necessário, pois legitima a
passagem do particular para o universal, do não cada um para
ninguém ou de alguns para todos. Vejamos, então, em que
consiste esse princípio, que é um elemento essencial da
estrutura lógica (logische Struktur) do Argumento da
Generalização.
3.1.1 O Princípio da Generalização
Para Singer, o caráter de uma ação depende das
circunstâncias em que ela é realizada. Só podemos
classificar uma ação como certa ou errada, considerando o
contexto, as condições e as circunstâncias em que ela é
realizada.153 Segundo o autor, sabe-se, por exemplo, que em
determinadas circunstâncias tem-se o direito de romper
uma promessa, de mentir ou de tirar algo de alguém, sem
“Wenn das jeder täte, wären die Folgen verheerend (oder nicht
wünschenswert); daher sollte niemand das tun” (SINGER, 1975, p. 24).
152
“Ob wir richtig oder nicht richtig handeln, hängt von der Situation
oder dem Kontext der Handlung ab oder von den Bedingungen und
Umständen, unter denen wir handeln” (SINGER, 1975, p. 34).
153
Jaime José Rauber
117
antes obter a permissão para tanto. O fundamento comum
para a realização de tais ações é: “Isso depende das
circunstâncias” (das hängt von den Umständen ab). Se uma ação
pode ser certa em um determinado contexto e em outro
não, ela também pode ser certa para uma pessoa e não para
outra, pressuposto que elas ajam em situações distintas.
Em todo caso, porém, uma ação considerada certa para A,
em semelhantes condições, também tem que ser
considerada certa para B. Da mesma forma, a ação de A
também tem que ser considerada certa para C, D, E, etc., se
as circunstâncias, nas quais a ação é realizada, não forem
essencialmente diferentes. A partir disso, Singer apresenta
uma primeira formulação do Princípio da Generalização: “O
que é certo para um, tem que ser certo também para
qualquer outro que se encontre em iguais ou semelhantes
circunstâncias”.154 Essa ênfase dada ao aspecto circunstâncias
é, no meu modo de entender, algo que diferencia bastante a
proposta de Singer da proposta de Kant. Pela proposta de
Kant conclui-se que o que é certo (ou errado) para um
também tem de ser certo para qualquer outro,
independentemente das circunstâncias. Já a proposta de Singer
diz que o que é correto (ou incorreto) para um indivíduo
também tem de ser certo (ou errado) para qualquer outro,
desde que se encontre em iguais ou semelhantes
circunstâncias.
A formulação acima, porém, pode levar a
interpretações ambíguas, pois a ideia de circunstâncias
(Umstände) não está bem especificada. Essa expressão,
conforme Singer, pode ser entendida de duas formas: por
um lado, as circunstâncias de uma ação podem ser
determinadas sem referência ao agente e, por outro, com
referência ao agente. Se usarmos a expressão circunstâncias
“Was für den einen richtig ist, muss unter gleichen oder ähnlichen
Umständen auch für jeden anderen richtig sein” (SINGER, 1975, p.
34).
154
118
O problema da Universalização em Ética
no primeiro sentido, então é errado dizer que o que é certo
para um tem de ser certo também para qualquer outro que
se encontre em semelhantes circunstâncias. Não seria
obrigação de um cego ou de um homem sem pernas, por
exemplo, pular na água para salvar alguém que se esteja
afogando, o que, ao contrário, pode ser a obrigação de um
bom nadador. Da mesma forma, sabe-se que para um
cirurgião experiente pode ser correto realizar uma operação
delicada em uma situação crítica; para um estudante de
medicina ou para um incompetente, ao contrário, é
incorreto realizar o mesmo, independentemente de quão
boas sejam suas intenções. A determinação do que é certo
para alguém depende, portanto, não só das condições
exteriores (äusseren Bedingungen), mas também das qualidades
ou condições pessoais de cada indivíduo.155
Isso mostra, segundo Singer, a necessidade de se
acrescentar à formulação do princípio o aspecto pessoas com
semelhantes pressuposições individuais e em semelhantes
circunstâncias, de forma a evitar interpretações ambíguas no
que diz respeito ao termo circunstâncias. O PG assume,
então, a seguinte formulação: “O que é certo para um
também tem que ser certo para qualquer outro com semelhantes
pressuposições individuais e em semelhantes circunstâncias”.156
Com base nesse princípio, afirma Singer, não podemos
sustentar determinada ação como certa para A e julgá-la
errada para B, sem a apresentação das condições que
assegurem uma fundamental diferença entre os dois
indivíduos. Se alguém julga uma ação como certa para si,
também a julga implicitamente como certa para cada
pessoa, cujas qualidades e condições não se distinguem em
aspectos essenciais das suas.
155
Cf. id., p. 35-6.
“Was für einen richtig ist, muss auch für jeden anderen mit ähnlichen
individuellen Voraussetzungen und unter ähnlichen Umständen richtig sein”
(SINGER, 1975, p. 35).
156
Jaime José Rauber
119
Essa ideia, segundo Singer, não precisa estender-se
muito para encontrar suas primeiras objeções. As objeções
de C. D. Broad contra o pensamento de Sidgwick poderiam
ser aplicadas também, como o próprio Singer reconhece, ao
seu pensamento: pode-se tranquilamente insistir na ideia de
que o que é correto para um também tem de ser correto
para qualquer outro, pressuposto que se encontre em
semelhantes circunstâncias. Mas o que significa isso? Como
se pode decidir, em situações isoladas, se as disposições e
condições dos envolvidos são semelhantes ou não?
Quando de fato se pode dizer que duas pessoas são
semelhantes entre si? Não basta dizer que pessoas com
semelhantes pressuposições individuais e em semelhantes circunstâncias
são pessoas cujas disposições e circunstâncias não se diferenciam
entre si em determinados aspectos essenciais, pois poder-se-ia
perguntar: o que são e quais aspectos são essenciais?157 Não
vou ater-me, aqui, às análises de Singer na tentativa de
solucionar esses problemas, mas quero antecipar que sua
proposta pretende dar conta dessas supostas objeções.
O PG implica que,
[...] se é correto para A fazer x, então é correto para
cada semelhante a A em semelhantes circunstâncias
fazer x (ou uma ação da espécie de x). De outra
forma, o juízo de que A deve fazer x implica que
qualquer outro semelhante a A deve fazer x (ou
uma ação da espécie de x) em semelhantes
circunstâncias.158
157
Cf. id., 1975, p. 39.
“[...] das Prinzip, dass für jeden mit ähnlichen individuellen
Voraussetzungen und unter ähnlichen Umständen richtig sein muss,
was für einen richtig ist, impliziert, dass, wenn es für A richtig ist, x zu
tun, es für jeden, der A ähnlich ist, unter ähnlichen Umständen richtig
ist, x zu tun (oder eine Handlung von der Art wie x). Um es anders zu
sagen, das Urteil, dass A x tun sollte, impliziert, dass jeder, der A
ähnlich ist, unter ähnlichen Umständen x tun sollte (oder eine
Handlung von der Art wie x)” (SINGER, 1975, p. 60).
158
120
O problema da Universalização em Ética
À primeira vista, parece ser incompatível com esse
princípio que existam ações que sejam corretas somente
para uma determinada pessoa. Essa incompatibilidade,
porém, não existe. Segundo Singer, pode ser que uma
determinada ação, em determinadas circunstâncias, seja
correta para A e para mais ninguém. Nesse caso, A
constitui isoladamente uma classe, pois ninguém possui
semelhantes pressuposições individuais e se encontra em
semelhantes circunstâncias para realizar d ou uma ação
semelhante a d. Mas, se B fosse semelhante a A, em
determinados aspectos essenciais para tal, então seria
correto também para B realizar d. Nesse caso, B pertenceria
à mesma classe de A, e o que fosse certo (ou errado) para
A também teria de ser certo (ou errado) para B.
Para demonstrar que podem existir ações que são
corretas para apenas uma pessoa, Singer cita o exemplo do
matrimônio. Enquanto não se pode dizer que para o Sr.
Jones é errado manter relações sexuais com a Sra. Jones, é a
rigor incorreto para qualquer outro. Tem-se aqui uma ação
que é correta para apenas uma pessoa. Mas isso, segundo
Singer, não contradiz o PG. O princípio não diz que
ninguém deve realizar determinada ação e, sim, que
ninguém deve realizar a ação em questão sem apresentar
fundamentos ou boas justificativas para tal. As relações
sexuais do Sr. com a Sra. Jones são justificadas pelo fato de
ele ser casado com ela. Se ele não fosse casado, as
condições não estariam justificadas, e qualquer outro que
fosse casado com a Sra. Jones poderia justificar suas
relações sexuais mantidas com ela. Em semelhantes
circunstâncias, cada um tem o direito de realizar tal ação –
cada um está autorizado a ter relações sexuais com sua
própria mulher, mas não com a mulher de outro.159
159
Cf. id., p. 55.
Jaime José Rauber
121
As razões apresentadas para justificar uma exceção,
ou para mostrar o porquê de uma ação ser correta para A e
errada para B, têm que ser de caráter geral ou universal. Eu
não posso querer, por exemplo, reclamar algo como certo
para mim só por possuir um nome que nenhuma outra
pessoa possui ou por morar em uma casa cujas
particularidades (localização, cor da casa, número de
janelas, etc.) a diferenciam de qualquer outra casa. Todos
poderiam, pois, alegar o mesmo, o que implica uma
contradição. Se eu reclamar uma exceção por eu ser eu, então
todos poderiam alegar o mesmo, e cada um seria uma
exceção. Mas, se cada um fosse uma exceção, a rigor não
existiria exceção alguma. Nesse sentido, o que é certo para
A não pode ser errado para B se não houver uma relevante
diferença nas suas disposições ou circunstâncias. De outra
forma, o que é certo para a pessoa A só pode ser errado
para a pessoa B se encontrarmos uma diferença, nas suas
disposições e circunstâncias, digna de reconhecer-se, isto é,
que essa diferença possa ser aceita por todos. O valor
moral (correto/incorreto) definido para A deve ser válido
para qualquer outra pessoa que se encontre nas mesmas
circunstâncias e com qualidades pessoais semelhantes às de
A.
Com a aplicação do PG ao exemplo do matrimônio
e a exemplos semelhantes, Singer afirma podermos concluir
que o PG não é vago, inútil ou inaplicável. A tese que ele
procura defender é a de que o PG está contido em cada
juízo moral ou que esse pressupõe aquele (o PG). De
acordo com o autor, o PG é um aspecto essencial da
argumentação moral, pois é pressuposto em cada tentativa
de fundamentação de um juízo moral. As razões
apresentadas em casos especiais fixam, ao mesmo tempo, a
aplicação do princípio, pois delimitam o âmbito da
qualificação pessoas com semelhantes pressuposições individuais e em
semelhantes circunstâncias. Disso se segue, diz Singer, “que não
pode haver juízo moral específico independente de razões e
122
O problema da Universalização em Ética
não pode haver fundamentação moral independente do
Princípio da Generalização”.160
Apresentado o PG, far-se-á a exposição do
Argumento da Generalização e do seu aclaramento a partir da
sua aplicação a casos concretos. O PG apenas diz que o
que é válido para um também tem de ser válido para todas
as pessoas similares e que se encontrem em similares
circunstâncias; mas, isolado, é insuficiente para a
elaboração e fixação de normas morais. Na proposta de
Singer, as normas morais encontram seu fundamento no
AG, onde o PG está implícito.
3.1.2 O Argumento da Generalização como critério do
moral
O Argumento da Generalização de Singer tem a
seguinte formulação geral:161 “Se as consequências de que
cada um faça x fossem indesejáveis, então ninguém deve
fazer x”. Essa fórmula geral é deduzida da seguinte
anatomia:
(I) Se as consequências de que A faça x fossem
indesejáveis, então A não deve fazer x [Princípio
das Consequências – PC].162
(II) Se as consequências de que cada um faça x
fossem indesejáveis, então não qualquer um (não
“Daraus folgt, dass es kein spezifisch moralisches Urteil unabhängig
von Gründen und keine moralische Begründung unabhängig von
Prinzip der Verallgemeinerung geben kann” (SINGER, 1975, p. 57).
160
Singer apresenta várias formulações ao AG, mas, no meu entender,
esta é a mais inclusiva e, como veremos, é a que o autor formula como
resultante da anatomia do Argumento da Generalização – Anatomie des
Arguments der Verallgemeinerung.
161
Prinzip der Folgen: “(I) Wenn die Folgen davon, dass A x tut, nicht
wünschenswert wären, sollte A x nicht tun” (SINGER, 1975, p. 88).
162
Jaime José Rauber
123
todos) deve(m) fazer x [Generalização do Princípio
das Consequências – GC].163
(III) Se não qualquer um (não todos) deve(m) fazer
x, então ninguém deve fazer x. [Fórmula
alternativa:] Se é incorreto para um qualquer fazer
x, então é incorreto para todos fazer x. [Princípio
da Generalização – PG].164
Segundo Singer, o PC é um princípio moral
necessário (ein notwendiges ethisches oder moralisches Prinzip).165
A ele corresponde manifestamente a frase “se as
consequências de que A não faça x fossem indesejáveis,
então A deve fazer x”. Todavia, de forma alguma lhe
corresponde a frase “se as consequências de que A faça x
fossem desejáveis, então A deve fazer x”, pois essa
formulação poderia justificar alguma das versões do
utilitarismo, o que colocaria em risco a validade do seu
pensamento. O segundo passo da anatomia do AG nada
mais é do que a generalização do PC. O terceiro consiste
no acréscimo do PG. Os três passos são fundamentais para
a formulação do AG, mas, segundo Singer, sua fórmula
geral resulta expressamente de (II) e (III): “Se as
Verallgemeinerung des Prinzips der Folgen: “(II) Wenn die Folgen davon,
dass jeder x täte, nicht wünschenswert wären, dann sollte nicht jeder x
tun” (SINGER, 1975, p. 90).
163
Prinzip der Verallgemeinerung: “(III) Wenn nicht jeder x tun sollte, dann
sollte niemand x tun. Das kann natürlich auch in einer alternativen
Formulierung gesagt werden: Wenn es für jeden nicht richtig ist, x zu
tun, dann ist es auch für irgendeinen beliebigen nicht richtig, x zu tun”
(SINGER, 1975, p. 91).
164
Conforme Guariglia (1996, p. 118), depois de fortes críticas, Singer
reconsiderou o status do Princípio das Consequências. Enquanto no
livro Generalização in Ethics (1961) o PC era considerado um princípio
moral necessário no mesmo nível que o PG, em outros artigos (1977 e
1984) ele admite que se trata apenas de um princípio prudencial
subsidiário do PG.
165
124
O problema da Universalização em Ética
consequências que cada um faça x fossem indesejáveis,
então ninguém tem o direito de fazer x”.166
Sobre essa dedução, Singer faz, entre outras, a
seguinte observação: na premissa (II) o termo cada um tem
que
ser
compreendido
coletivamente
e
não
distributivamente; já na premissa (III), o termo qualquer um
tem que ser compreendido distributivamente e não
coletivamente. Ou seja, na premissa (II) a expressão cada um
refere-se a todas as pessoas no sentido universal e, na
premissa (III), a expressão qualquer um refere-se a qualquer
pessoa do conjunto de pessoas semelhantes e não a todas
as pessoas no sentido universal da palavra. Qualquer um,
aqui, contempla a aplicação do PG, que sustenta a validade
dos mesmos direitos e deveres para todas as pessoas
semelhantes em semelhantes circunstâncias, condição essa que
Singer denomina universalidade reduzida (eingeschränkter
Allgemeinheit).
Para Singer, o AG é o princípio fundamental da
moral. Sua aplicação a situações concretas permite
distinguir se determinada ação é moralmente correta ou
não. O AG não pode, porém, ser aplicado a todos os casos,
pois há situações em que a sua aplicação leva a absurdos.
Embora, segundo Singer, a humanidade provavelmente
padeceria de frio, se cada um passasse a produzir alimentos
e, certamente, morreria de fome, se cada um passasse a
fabricar roupas ou a construir casas, não se pode concluir
dali que ninguém deva produzir alimentos ou construir
casas.167 O problema fundamental relacionado ao AG está,
portanto, em determinar as condições em que o Argumento
é aplicável.
“Das Argument der Verallgemeinerung (Wenn die Folgen davon,
dass jeder x täte, nicht wünschenswert wären, hat niemand das Recht, x
zu tun) folgt klar aus PV (Prinzip der Verallgemeinerung - grifo meu - JJR)
und VF (Verallgemeinerung des Prinzips der Folgen - grifo meu - JJR)”
(SINGER, 1975, p.91).
166
167
Cf. id., p. 24.
Jaime José Rauber
125
Dizer que o argumento é válido em determinadas
condições significa que em tais condições a frase
“se cada um fizesse isso, as consequências seriam
indesejáveis” fornece boas razões para se concluir
que agir desse modo não é correto.168
Outra ideia que precisa ser esclarecida é a passagem
do particular ao universal, ou seja, do não cada um para
ninguém ou de alguns para todos. Essa conclusão parece estar
errada, pois aparentemente é o mesmo que concluir que
todos fumam pelo fato de que alguns fumam. É certo que
o AG implica uma inferência (Folgerung) de não cada um tem o
direito para ninguém tem o direito, mas, segundo Singer, ela não
é necessariamente falsa. Em questões morais, essa dedução
possui um qualificativo distinto dos raciocínios lógicodedutivos, pois é mediada pelo PG. Se se aceita o PG, antes
exposto, então não é errado argumentar que o que é certo
para uma pessoa também tem que ser certo para qualquer
outra que tenha semelhantes pressuposições individuais e se encontre
em semelhantes circunstâncias.
É importante ressaltar, porém, que a expressão
qualquer outra não tem a conotação de todas as pessoas, no
sentido absoluto, mas refere-se a todas as pessoas similares
e que se encontrem em similares circunstâncias àquela para
a qual a ação foi definida como certa. A partir do PG,
pode-se dizer que é semelhante ao fumante todo aquele que
fuma. Logo, o que é certo (ou errado) para um fumante
também é certo (ou errado) para cada fumante que se
encontre em semelhantes circunstâncias, mas não para
“Zu sagen, dass das Argument unter bestimmten Bedingungen gültig
sei, heisst, dass unter diesen Bedingungen der Satz, wenn das jeder täte,
seien die Folgen nicht wünschenswert, einen guten Grund abgibt für
die Schlussfolgerung, dass es nicht richtig ist, in dieser Weise zu
handeln” (SINGER, 1975, p. 86).
168
126
O problema da Universalização em Ética
qualquer pessoa, no sentido universal, independentemente
de ser fumante ou não.
Da mesma forma que a expressão qualquer outra não
tem conotação de todos, em um sentido absoluto, a
aplicação do AG também não é válida para todo e qualquer
caso. Retomemos o exemplo da produção de alimentos. Se
as consequências de que cada um (todos) produzisse(m)
alimentos fossem indesejáveis, pois não haveria ninguém
para cuidar da saúde, construir casas, fabricar roupas, etc.,
então, pelo paradigma do AG, deveria resultar que ninguém
deve produzir alimentos. O que se segue desse raciocínio é
obviamente um absurdo, pois, se ninguém produzisse
alimentos, a humanidade morreria de fome. Seria esse um
bom exemplo para se refutar o AG? Singer diz que não e
apresenta razões para isso.
O AG não é válido, segundo Singer, para um
argumento que pode ser invertido (umkehrbar). Tal acontece
nos casos em que as consequências de cada um fazer x
fossem indesejáveis, enquanto que as consequências de
ninguém fazer x fossem da mesma forma indesejáveis. O
exemplo da produção de alimentos ou fabricação de roupas
é passível de inversão.
[...] um argumento com a formulação “se as
consequências de cada um fazer x fossem
indesejáveis, então ninguém deve fazer x” só é
válido se não for o caso de as consequências do
fato de ninguém fazer x fossem da mesma forma
indesejáveis.169
Se o argumento pode ser invertido, então a
aplicação do AG não é válida.
“[...] ein Argument der Form ‘Da die Folgen davon, dass jeder x tut,
nicht wünschenswert wären, sollte niemand x tun’, ist nur gültig, wenn
es nicht der Fall ist, dass die Folgen davon, dass niemand x tut, auch
nicht wünschenswert wären” (SINGER, 1975, p. 98).
169
Jaime José Rauber
127
Conforme Singer, o AG só é aplicável a argumentos
de conotação moral. Produzir alimentos, fabricar roupas e
construir casas, diferentemente de roubar, matar ou
quebrar uma promessa, são ações moralmente indiferentes.
A indiferença moral, porém, se deve à invertibilidade de
tais ações. Mas o que faz com que elas sejam invertíveis,
mediante a aplicação do AG e, consequentemente,
moralmente indiferentes? Segundo Singer, a razão pela qual
tais ações são invertíveis está no fato de que a descrição
produção de alimentos, fabricação de roupas e construção de casas é
indeterminada do ponto de vista moral. Para que elas
pudessem ser determináveis, elas teriam de ser apresentadas
dentro de um determinado contexto. A expressão produzir
alimentos, por exemplo, da forma como ela está aí é muito
geral para se dizer se ela é uma ação certa ou não. Poder-seia dizer que isso depende do contexto: em determinadas
circunstâncias, é certo produzir alimentos, em outras
não.170
Se quisermos que a produção de alimentos seja
moralmente determinável, então precisamos, conforme o
autor, apresentar mais detalhes sobre essa expressão e
torná-la menos geral. Se a ação for apresentada dentro de
um contexto e for bem detalhada, a questão de, se ela é
correta ou não, pode ser respondida, e o AG pode ser
aplicado a ela, sem cair em um raciocínio invertível. Fora de
um contexto específico, não podemos dizer que cada um
deva produzir alimentos, nem que ninguém deva produzir
alimentos.171
Singer propõe que imaginemos uma situação na
qual alguém, com uma doença contagiosa, é empregado na
produção de alimentos. Nesse caso, as circunstâncias nas
quais os alimentos são produzidos possibilitam que outras
pessoas possam ser contagiadas a partir dos alimentos
170
Cf. id., p. 102-3.
171
Cf. id., p.105.
128
O problema da Universalização em Ética
produzidos por aquele. Se a ação produzir alimentos recebe a
especificação de que ela é realizada em tais circunstâncias,
então ela é moralmente determinável. Se cada pessoa, que
tivesse tal doença, trabalhasse na produção de alimentos, as
consequências seriam devastadoras, enquanto que as
consequências de forma alguma seriam indesejáveis, se
nenhuma pessoa dessas (que tivesse tal doença) trabalhasse
na produção de alimentos. Disso se segue que ninguém
com tal doença contagiosa tem o direito de produzir
alimentos, ou seja, não é correto em tais condições
produzir alimentos.172
Com essa argumentação percebe-se, porém, que o
AG não é um critério ou princípio moral seguro. Para
Singer, o AG só é aplicável a ações moralmente
determináveis. Moralmente determináveis são as ações que
não são invertíveis. Para superar a invertibilidade de
determinado exemplo, ele afirma que precisamos
apresentar mais especificações sobre o caso. Entretanto, se
80% da população não tivessem nenhuma doença
contagiosa e todos esses quisessem se empenhar na
produção de alimentos, pelo AG não teríamos como saber
que o correto é apenas uma parte dessa população produzir
alimentos e a outra parte se ocupar com outras funções.
Pois, se todos os 80% se ocupassem com a produção de
alimentos, as consequências ainda continuariam
indesejáveis. Elas deixariam de ser indesejáveis na medida
em que houvesse um determinado equilíbrio entre a
necessidade e a demanda em todas as funções
imprescindíveis para o bem-estar da humanidade. Assim,
mesmo com determinadas especificações, entendo que
A aplicação do AG a este exemplo pressupõe que nem todos
estejam com a doença. Se todos já estivessem com a doença, não
haveria problemas de que alguém, com a doença, trabalhasse na
produção de alimentos, pois as consequências não seriam devastadoras,
e a questão de se tais pessoas poderiam ou não produzir alimentos nem
seria colocada (cf. SINGER, 1975, p. 106-7).
172
Jaime José Rauber
129
ainda não temos como saber, recorrendo ao AG, o que é
certo e o que é errado. Em uma palavra, foram
apresentadas mais especificações acerca da produção de
alimentos, e o AG pode agora ser aplicado sem implicar um
argumento invertível. Entretanto, ainda não temos como
saber quantos indivíduos, da população que não está com a
doença, podem produzir alimentos.
Além dos argumentos invertíveis, Singer também
afirma que é inválida toda aplicação do AG a casos em que
o argumento resulta repetível: “Cada aplicação do
Argumento da Generalização, que for repetível, é inválida.
Pois cada aplicação do argumento, que for repetível, é
também simultaneamente invertível”.173 São repetíveis os
casos em que o argumento pode ser constantemente
retomado. Se cada um jantasse às 18h, por exemplo, não
haveria ninguém que desempenhasse determinadas funções
que precisam ser desempenhadas naquele horário. Pelo
paradigma do AG, poderíamos argumentar, então, que
ninguém tem o direito de jantar às 18h. Contudo, se
argumentarmos que ninguém tem o direito de jantar às 18h,
também poderíamos argumentar que ninguém tem o
direito de jantar às 19h ou às 20h15 ou às 21h43. Dessa
possibilidade de retomada do argumento resulta que
ninguém deveria jantar, independentemente do horário. Da
mesma forma, alguém poderia reclamar para si o direito de
não pagar impostos por ser portador do nome John Smith,
com a justificação de que, se todo portador do nome John
Smith não pagar impostos, as consequências de forma
alguma seriam indesejáveis. Contudo, todas as pessoas
poderiam reclamar o mesmo direito, apontando para o seu
próprio nome ou para qualquer outra particularidade. Cada
pessoa seria uma exceção, e ninguém estaria obrigado a
“Jede Anwendung des Arguments der Verallgemeinerung, die
iterierbar ist, ist ungültig. Denn jede Anwendung des Arguments, die
iterierbar ist, ist gleichzeitig auch umkehrbar” (SINGER, 1975, p. 108).
173
130
O problema da Universalização em Ética
pagar impostos. Por conseguinte, diz Singer, a aplicação do
AG não é válida para argumentos repetíveis, pois
poderíamos justificar uma ação que seria indesejável se cada
pessoa agisse assim.
De acordo com Singer, o AG é o princípio
fundamental da moral (das fundamentale Prinzip der Moral). Ao
fazer uma distinção entre princípios e regras morais, o
autor afirma que aqueles (os princípios) são o fundamento
para a validação de normas morais. Para o autor, os
princípios morais estão contidos em toda tentativa de
justificação e fixação de regras morais. Como princípios,
são o fundamento e a ponte para todo juízo moral válido.
Independentemente das circunstâncias das ações, em cada
situação moral, os princípios são válidos e invariáveis ou
não seriam princípios. As regras morais, ao contrário, não
são tão amplas assim, pois não valem para todas as
circunstâncias e, consequentemente, não podem ser
absolutas. Para Singer, as regras morais simplesmente
determinam o que em geral é certo ou errado, embora elas
não sejam explicitamente formuladas com essa restrição. A
regra não mentir, por exemplo, não diz de forma alguma que
é sempre errado mentir; é errado em geral. Dizer que uma
determinada espécie de ação é errada em geral equivale a
dizer que cada ação dessas é errada, pois, para o contrário,
deve haver uma razão. Se, por outro lado, dissermos que
determinado tipo de ação é sempre errado, isso significa
que ações dessa espécie são erradas sob todas e quaisquer
circunstâncias e que não pode haver razão para o contrário.
As regras morais, na proposta de Singer, encontram
o seu fundamento no AG. A regra que não puder ser
inferida a partir da aplicação desse argumento também não
pode ser justificada. O AG é o procedimento a ser seguido
para se justificar uma norma moral válida. A título de
ilustração, consideremos a regra de que não se deve mentir.
Qual o fundamento para a validade dessa regra? Segundo
Singer, o que justifica essa regra não está no fato de a
Jaime José Rauber
131
maioria das pessoas desaprovar a mentira, mas no
raciocínio do que aconteceria se cada um mentisse. Se cada
um mentisse, as consequências seriam assoladoras; dizer a
verdade passaria a ser exceção e, assim, as relações
dialógicas não fariam mais sentido, pois nenhum homem
acreditaria no que o outro dissesse. Disso se segue que, em
geral, não é certo mentir e que ninguém tem o direito de
mentir, sem que tenha razões para tal. Isso implica
evidentemente que pode haver exceções à regra. Como
podemos saber, no entanto, que as razões apresentadas são
suficientemente fortes, para se ter o direito à exceção?
Novamente entra em cena o AG: se as circunstâncias de
uma ação são tais que nessas ou em semelhantes
circunstâncias de forma alguma fosse indesejável que cada
um agisse assim, então a ação de forma alguma é errada.174
Nesse sentido, se ficou suficientemente mostrado
que as regras morais podem ser deduzidas do AG, seria
contraditório, diz Singer, afirmar que sempre, e não
somente em geral, é errado mentir, porque as razões das
quais depende a regra são as mesmas razões que, em
determinadas circunstâncias, bastam para se eximir dela.175
Não obstante, diferentemente do princípio kantiano, deve
estar claro que o AG não fundamenta regras morais válidas
sempre, isto é, em todas e quaisquer circunstâncias, mas
fundamenta regras morais válidas em geral. Se o dever é não
mentir, isso não significa que não se deve mentir nunca, mas
não se deve mentir em geral, pois podem surgir
174
Cf. id., p. 154.
“Wenn sich moralische Regeln aus dem Argument der
Verallgemeinerung ableiten lassen, wie ich behauptet habe, wäre es
widersprüchlich zu behaupten, dass es immer und nicht nur im
allgemeinen falsch wäre zu lügen, denn die Gründe, auf denen die
Regel beruht, sind genau die gleichen Gründe, die unter bestimmten
Umständen ausreichen, sich über sie hinwegzusetzen” (SINGER, 1975,
p. 155).
175
132
O problema da Universalização em Ética
circunstâncias nas quais é mais moral mentir do que dizer a
verdade.
Como se sabe (ver cap. 1, item 1.3), Singer tenta
defender a proposta de Kant das críticas ao absolutismo ou
rigorismo das regras morais. Penso que é perfeitamente
possível uma argumentação dessa natureza, mas, nestes
casos, já se está corrigindo a proposta de Kant, pois o
absolutismo das leis morais fica explícito tanto na
Grundlegung zur Metaphysik der Sitten (1785) como na Kritik
der praktischen Vernunft (1788). No texto Über ein vermeintes
Recht aus Menschenliebe zu lügen (1797), onde Kant, contra as
objeções de Benjamin Constant, tenta justificar por que
jamais se deve mentir, o absolutismo é apenas reafirmado.
Singer, ao defender uma proposta em que a generalização
tem de se dar a partir das circunstâncias empíricas das
ações, é mais exato que Kant e mostra, desde o princípio, a
necessidade de se refutar o absolutismo das regras morais.
Mas, com essa rápida exposição da proposta moral de
Singer, o que interessa, aqui, não é a sua defesa da proposta
de Kant e, sim, a crítica que ele faz ao imperativo
categórico.
3.2 O universal abstrato: a objeção de Singer ao
imperativo categórico
A proposta de Singer se assemelha em vários
aspectos à proposta ética de Kant. Nas palavras do autor,
uma das semelhanças está no fato de que tanto o AG como
o imperativo categórico implicam uma generalização
(universalização), ou seja, para definir o que é moralmente
correto, ambos os princípios partem da consideração do
que aconteceria se todos agissem de determinada forma.
Pelo imperativo categórico, se a máxima não puder
também valer como lei universal, por cair em contradição
interna ou por autodestruir-se, então a ação correspondente
é imoral. Da mesma forma, pelo AG, se as consequências,
Jaime José Rauber
133
de que cada um realize determinada ação, forem
indesejáveis, então a ação é moralmente proibida.
Uma outra semelhança, apontada pelo autor, está
no fato de ambos os princípios conterem o PG e
fornecerem critérios para a sua aplicação.176 Contudo,
mesmo que o AG e o imperativo categórico sejam
semelhantes em tais aspectos, Singer afirma que eles são
também bastante distintos, pois o imperativo categórico
refere-se ao querer (Willen) e à máxima de uma ação, o que
não acontece no AG.
O critério kantiano é “nós temos que poder querer
que a máxima de nossa ação deva ser uma lei
universal [...]”. O “cânon” que o AG oferece pode
talvez ser formulado assim: “As consequências, de
que cada um aja de determinada forma, não podem
ser tais que elas sejam indesejáveis”.177
Por sua proposta ser semelhante ao pensamento
ético de Kant, Singer procura defender o imperativo
categórico de um conjunto de críticas que poderiam
também ser aplicadas ao AG. Essas críticas são divididas
em dois grupos de objeções, quais sejam: a) de que possa
haver exemplos de máximas e ações que podem ser
universalizadas, mas nem por isso são corretas; b) de que
possa haver exemplos de máximas ou ações que não
podem ser universalizadas, mas que nem por isso são
incorretas.178 A importância dessa investigação está no fato
176
Cf. id., p.30.
“Kants Kriterium ist ‘wir müssen wollen können, dass eine Maxime
unserer Handlung ein allgemeines Gesetz werden sollte [...]’. Der
‘Kanon’, den das Argument der Verallgemeinerung bietet, kann
vielleicht so formuliert werden: ‘Die Folgen davon, dass jeder in einer
bestimmten Weise handelt, dürfen nicht derart sein, dass sie nicht
wünschenswert wären’” (SINGER, 1975, p. 30).
177
178
Cf. id., p. 278.
134
O problema da Universalização em Ética
de que, se for possível sustentar, com exemplos, uma
dessas objeções, o imperativo categórico não poderá mais
ser sustentado como critério seguro para o agir moral, e o
AG estará sujeito ao mesmo fracasso. Citando objeções de
diferentes autores, Singer as refuta a partir da sua leitura do
princípio kantiano de fundamentação e, paralelamente,
também a partir do seu AG. Não vou ater-me a essa
argumentação, pois o objetivo aqui é outro. Passo a
apresentar, então, a crítica que Singer faz ao imperativo
categórico e como ele pretende solucionar o problema,
dado que o AG é bastante semelhante àquele princípio.
De acordo com Singer,
a única diferença importante entre ambos os
princípios é que a aplicação do AG já pressupõe
que as consequências seriam indesejáveis se cada
um agisse de determinada forma, enquanto a
aplicação do imperativo categórico não faz isso.179
Nesse sentido, diz o autor, deve ser evidente que as
objeções contra o AG são também objeções contra o
imperativo categórico e que as condições de aplicação do
AG também são condições de aplicação do imperativo
categórico. Conforme Singer, a relação entre ambos os
princípios é tal que, se o imperativo categórico for um
princípio moral válido, então, o AG também é, mas isso
não pode ser invertido (“Das lässt sich jedoch nicht
umkehren”).180 Ou seja, para o autor, se o AG for um
princípio moral válido, isso não significa que o imperativo
categórico também tem de ser necessariamente válido.
“Der einzig wichtige Unterschied zwischen ihnen ist der, dass die
Anwendung des Arguments der Verallgemeinerung schon voraussetzt,
dass die Konsequenzen nicht wünschenswert wären, wenn jeder in
einer bestimmten Weise handeln würde, während die Anwendung des
kategorischen Imperativs das nicht tut” (SINGER, 1975, p. 337).
179
180
Cf. id., p. 337.
Jaime José Rauber
135
O imperativo categórico, da forma como Kant o
apresenta, não é um critério seguro para o agir moral. O
seu conteúdo diz que devemos poder querer que as
máximas de nossas ações também valham como leis
universais. A universalização da máxima, portanto, é o
procedimento a ser seguido para se saber se a ação, que lhe
corresponde, é moral ou não. A máxima de ação que não
puder valer também como lei universal, por cair em
contradição interna, é rejeitada como imoral, e aquela que
puder ser universalizada representa a correção moral da
respectiva ação. Contudo, segundo Singer, há determinadas
máximas de ação cuja correção ou incorreção moral não
pode ser fundamentada a partir do imperativo categórico
ou, então, se se tenta fazer isso, pode-se cair em absurdos.
A título de ilustração, consideremos alguns exemplos.
Tomemos como máxima produzir alimentos.181 Se
universalizarmos produzir alimentos, veremos que na prática
as consequências seriam indesejáveis, pois, se todos
produzissem alimentos, a população provavelmente
morreria de frio.182 Assim, pela aplicação do imperativo
categórico, resulta que produzir alimentos é algo imoral e que
ninguém tem o direito de realizar tal ação, pois é algo que
Produzir alimentos é, a princípio, uma ação e alguém poderia
argumentar que isso nem pode ser tomado como máxima. Singer,
porém, interpretando Kant, afirma que não faz diferença se se aplica o
imperativo categórico diretamente a ações ou a máximas, pois toda
ação contém implícito um fim (Zweck), que constitui a máxima da ação.
Para o autor, Kant “defende a tese de que, sempre que um indivíduo
age, ele age segundo uma máxima, no sentido de que ele age de acordo
com um determinado fim ou para alcançar um determinado fim” [“Er
vertritt also die These, dass, wann immer jemand handelt, er nach einer
Maxime handelt, in dem Sinn, dass er mit einem bestimmten Zweck
handelt oder um einen bestimmten Zweck zu erreichen”] (SINGER,
1975, p. 284). Nesse sentido, pode-se dizer que produzir alimentos
constitui uma máxima de ação e que, para se saber se ela é moral ou
não, deve ser submetida ao teste da universalização.
181
182
Cf. SINGER, 1975, p. 24.
136
O problema da Universalização em Ética
não pode ser universalizado. Algo semelhante ocorre com a
máxima construir casas ou fabricar roupas. Se
universalizássemos tais ações e todos passassem ou a
construir casas ou a fabricar roupas, perceberíamos que a
população provavelmente morreria de fome, pois não
haveria ninguém que se empenhasse na produção de
alimentos. Logo, pela aplicação rigorosa do imperativo
categórico teria de se concluir que construir casas ou
fabricar roupas são ações imorais, pois não podem ser
queridas como leis universais. Se universalizadas, a
humanidade provavelmente extinguir-se-ía.
Consideremos também a máxima ser professor.183
Como podemos saber se essa máxima de ação é algo
moralmente bom ou não? De acordo com o imperativo
categórico, para ser moralmente boa, a máxima tem de
poder valer também como lei universal. A pergunta que se
faz, então, é: ser professor é algo que pode ser
universalizado? Se universalizarmos ser professor, ou seja, se
todos se tornarem professores, veremos que não haverá
mais aluno e, assim, não haverá professor. Por outro lado,
se todos se tornarem professores, não haverá mais ninguém
que produza o trigo, que faça o pão, que construa casas,
que fabrique roupas, que cuide da saúde e assim por diante.
Nesse sentido, se se segue rigorosamente o imperativo
categórico, tem que se concluir que ser professor é algo
imoral. Por tratar-se de uma ação que não pode ser
universalizada, ninguém tem o direito de ser professor.
Consideremos, ainda, um outro conjunto de
máximas. Se universalizássemos jantar às 18h, não haveria
ninguém para desempenhar determinadas funções que
O exemplo da universalização da máxima ser professor foi várias vezes
citado por Cirne Lima durante suas aulas no Programa de PósGraduação da PUCRS (1998/I e II). Com esse exemplo, o autor
procura retomar a objeção de Singer e mostrar que o imperativo
categórico, da forma como ele foi apresentado por Kant, não funciona
como critério seguro para a fundamentação do agir moral.
183
Jaime José Rauber
137
precisam ser desempenhadas naquele horário; se
universalizássemos a máxima de almoçar no restaurante x,
certamente viveríamos uma situação de fome generalizada;
se universalizássemos a máxima de tomar o ônibus do primeiro
horário para ir ao trabalho, talvez viveríamos uma situação de
guerra, ou de feriado, pois só algumas pessoas chegariam
aos seus postos de trabalho.184 Assim, dada a
impossibilidade ou a inviabilidade da universalização de tais
máximas, pela aplicação do imperativo categórico concluise que representam ações imorais. Ou seja, tendo-se o
imperativo categórico como critério, tem de se concluir que
ninguém tem o direito de jantar às 18h, de tomar o ônibus
do primeiro horário para ir ao trabalho ou de almoçar no
restaurante x, pois são máximas que não podem ser
universalizadas. Se universalizadas, implodem.
Mediante a apresentação desses exemplos185 –
poderíamos apresentar uma infinidade de outros exemplos
–, percebe-se a fragilidade do imperativo categórico como
As máximas jantar às 18h e almoçar no restaurante x são comentadas por
Singer. O exemplo da máxima de tomar o ônibus do primeiro horário para ir
ao trabalho foi apresentado pelo Prof. Ernst Tugendhat, contra o
imperativo categórico, no decorrer da disciplina Ética e Justificação,
ministrada ao Programa de Pós-Graduação da PUCRS (1998/II).
184
Há uma diferença fundamental entre os exemplos aqui apresentados
e os exemplos apresentados por Kant. Os apresentados por Kant são
exemplos típicos da conceituação hegeliana de universal abstrato, pois são
exemplos em que a parte é separada do todo; as funções de produzir
alimentos, ser professor, fabricar roupas, etc., são separadas de todas as
outras funções e abstraídas do contexto histórico-concreto. Já os
exemplos da forma como eles foram apresentados acima são exemplos
de universal concreto. Na prática, isto é, a partir do contexto históricoconcreto é possível perceber que a universalização da função de
produzir alimentos, ser professor, fabricar roupas, etc., implica
absurdos. Se se abstraem tais máximas do contexto histórico-concreto,
então representam ações moralmente neutras, mas se consideradas a
partir do universal concreto, então são máximas que podem e devem ser
moralmente determinadas.
185
138
O problema da Universalização em Ética
critério do agir moral. Produzir alimentos, construir casas,
fabricar roupas e ser professor são, em geral, ações boas186 e
deveriam poder ser fundamentadas como tais pelo
imperativo categórico. Para se saber se a ação é
moralmente boa ou não, o imperativo categórico manda
universalizar. Se universalizarmos tais ações, veremos que
as consequências são inaceitáveis: Sem a produção de
alimentos, a humanidade morreria de fome; sem a
construção de casas ou fabricação de roupas, a humanidade
morreria de frio; sem professores, não teríamos mais
engenheiros, arquitetos, advogados, médicos, dentistas, etc.,
que desempenham funções que são imprescindíveis para o
bem da humanidade. Logo, o que se deve concluir a partir
da aplicação do princípio kantiano é que ninguém deve
produzir alimentos, ou construir casas, ou fabricar roupas,
ou ser professor, pois são ações que não são passíveis de
universalização. Se universalizadas, implicam problemas de
sobrevivência humana.
Com o outro grupo de exemplos não ocorre o
mesmo problema, pois a humanidade não se extinguiria
com a proibição de jantar às 18h, de tomar o ônibus do
primeiro horário para ir ao trabalho ou de almoçar no
restaurante x. Entretanto, o mesmo argumento pode ser
retomado para horários diferentes de jantar e de tomar o
ônibus para ir ao trabalho, e para restaurantes diferentes.
Mas, se o argumento pode ser sempre retomado, então
conclui-se que ninguém tem o direito de jantar ou de tomar
o ônibus para ir ao trabalho, independentemente do
horário, e que ninguém tem o direito de almoçar em
restaurante algum. Percebe-se assim, portanto, os absurdos
que podem resultar da rigorosa aplicação do imperativo
Ao usar a expressão ações boas, refiro-me às ações moralmente
permitidas. Kant, ao falar da moralidade de ações, não usa o termo ações
boas ou ações más, mas fala de ações permitidas e ações não permitidas.
Compreendo, porém, que a ação permitida é moralmente boa e que a ação
não permitida é moralmente má.
186
Jaime José Rauber
139
categórico. Os exemplos apresentados devem ser
suficientes para mostrar a deficiência do princípio kantiano
como critério de fundamentação do agir moral.187
O princípio “U” de Habermas também consiste em
um critério de universalização das pretensões normativas
subjetivas. A norma que não alcançar o assentimento de
todos como uma lei universal, em meio a um discurso
prático, não é aceita como válida e, como tal, é imoral. Na
proposta desse autor, porém, não se encontra a mesma
deficiência da proposta de Kant. Pois, dado que produzir
alimentos, construir casas, ser professor, etc., são, em geral, ações
boas, todos poderiam concordar com a universalização de
tais ações, mas não é uma universalização plana, rala ou
absoluta como é a de Kant. Na roda do discurso perceberse-ia que nem todos poderiam apenas produzir alimentos
ou ser apenas professores. Se todos desempenhassem a
mesma função, a humanidade provavelmente extinguir-seia. A extinção do gênero humano seria uma boa razão para o
comum entendimento sobre o desempenho de funções
diferentes que a de se produzirem apenas alimentos ou a de
todos serem professores. Isso reafirma a tese, já defendida,
de que o universal, em Habermas, não é um universal
absoluto como o de Kant. Entretanto, como já se disse
(cap. II, item 2.4), Habermas faz uso de um terceiro
princípio, que Cirne Lima chama de princípio “G”. Isso se
confirma quando se percebe que são as razões (Gründe) que
determinam a correção da ação de produzir alimentos,
construir casas, ser professor, etc. Se se recorre apenas a
“U” e a “D”, que são princípios meramente
É importante salientar que o que entra em contradição nos exemplos
de produzir alimentos, ser professor, almoçar no restaurante x, etc. não são as
formas e sim os conteúdos. Se se consideram tais exemplos a partir do
universal abstrato, então são ações moralmente neutras, mas se se tomam
os mesmos exemplos a partir do universal concreto, então são ações que
podem e devem ser moralmente avaliadas.
187
140
O problema da Universalização em Ética
procedimentais, não se tem como distinguir razões válidas
de razões não válidas.
Marcus Singer procura defender a proposta de Kant
apontando os casos em que a aplicação do imperativo
categórico não é válida. Ele afirma que as observações
apresentadas acerca da aplicação do AG valem também
para aquele princípio. Da mesma forma que o AG, também
o imperativo categórico está sujeito à condição da
universalidade reduzida (eingeschränkter Allgemeinheit).188 Ou seja,
a passagem do particular para o universal, de um qualquer para
todos ou ninguém, só é legítima se se aplicar o PG: o que é
correto (ou incorreto) para A, também tem que ser certo
(ou errado) para qualquer pessoa semelhante e que se
encontre em semelhantes circunstâncias às de A. Dado que
o imperativo categórico está sujeito à mesma condição do
AG, Singer afirma que nos casos em que o argumento é
invertível (umkehrbar), da mesma forma que nos casos em que
ele é repetível (iterierbar), a aplicação do imperativo categórico
é inválida. Para ser válida, a aplicação daquele princípio não
pode ser feita a argumentos invertíveis, nem a argumentos
repetíveis. Por conseguinte,
o imperativo categórico é invertível, com respeito a
determinada máxima ou ação, se nem aquela
máxima nem o seu contrário (seu oposto) pode ser
querido como lei universal – se nem ‘cada um deve
fazer x’ nem ‘ninguém deve fazer x’ pode ser
querido como lei universal. E o imperativo
categórico é, com respeito a x, perfeitamente inaplicável
se tanto ‘cada um deve fazer x’ como ‘ninguém
Singer denomina universalidade reduzida (eingeschränkter Allgemeinheit) a
condição da igualdade de direitos e deveres para todos os similares em
similares circunstâncias.
188
Jaime José Rauber
deve fazer x’
universal.189
141
pode ser querido como lei
Dos exemplos supra-apresentados, os primeiros
quatro são invertíveis. Ou seja: as consequências de que
todos produzam alimentos são tão indesejáveis quanto ao
fato de ninguém produzir alimentos; as consequências de
que cada um construa casas são tão indesejáveis quanto ao
fato de ninguém construir casas; as consequências de que
todos se dediquem à fabricação de roupas são tão
indesejáveis quanto ao fato de ninguém fabricar roupas; e,
por último, as consequências da universalização da máxima
de ser professor são tão indesejáveis quanto ao fato de
ninguém ser professor. Tanto a universalização quanto a
absoluta abstenção da realização de qualquer uma dessas
ações implica absurdos. Por isso, diz Singer, o imperativo
categórico, para ser válido, não pode ser aplicado a
exemplos invertíveis.
O último grupo de exemplos apresentados são
máximas cuja aplicação do imperativo categórico resulta em
argumentos repetíveis, isto é, em argumentos que podem ser
sempre retomados. Ou seja: Se eu concluo que ninguém
deve jantar às 18h, pois se todos jantassem nesse mesmo
horário as consequências seriam indesejáveis, então
também posso concluir o mesmo para a máxima de jantar
às 18h35, ou de jantar às 19h51, etc.; se eu concluo que
ninguém deve almoçar no restaurante x, pois, se todos
almoçassem neste mesmo restaurante, as consequências
“So ist der kategorische Imperativ hinsichtlich einer bestimmten
Maxime oder Handlung umkehbar, wenn weder jene Maxime noch ihr
Gegenteil (ihr Gegensatz) als ein allgemeines Gesetz gewollt werden
kann - wenn man weder ‘jeder sollte x tun’, noch ‘niemand sollte x tun’
als allgemeines Gesetz wollen kann. Und der kategorische Imperativ ist
in bezug auf x vollkommen unanwendbar, wenn man sowohl ‘jeder sollte x
tun’ als auch ‘niemand sollte x tun’ als allgemeines Gesetz wollen
kann” (SINGER, 1975, p. 338).
189
142
O problema da Universalização em Ética
seriam indesejáveis, então posso afirmar o mesmo para a
máxima de almoçar no restaurante a, b, c, etc.; se eu
concluir que ninguém deve tomar o ônibus do primeiro
horário para ir ao trabalho, então também devo concluir o
mesmo para o segundo horário, para o terceiro horário de
ônibus e assim por diante. Pela possibilidade de retomada
dos argumentos, teria de se concluir que ninguém tem o
direito de jantar ou de tomar o ônibus, independentemente
do horário, pois não poderíamos querer nenhum dos casos
como lei universal. De forma semelhante, teria de se
concluir que ninguém deve almoçar em restaurante algum,
por não podermos universalizar a máxima de almoçar em
um determinado restaurante. A aplicação do imperativo
categórico a argumentos repetíveis, portanto, leva a
absurdos. Por isso, diz Singer, para ser válido, o critério
kantiano não deve ser aplicado a esse tipo de ações ou
máximas.
Por meio dos exemplos apresentados, deve estar
claro que o imperativo categórico, da forma como ele foi
apresentado por Kant, não é um critério seguro para o agir
moral. Singer, por meio da teoria da generalização, como eu a
denominei, elaborou uma proposta semelhante à de Kant,
mas sempre atento aos absurdos que poderiam ser
concluídos da aplicação tanto do imperativo categórico
como do AG. A conclusão de Singer é a de que, da mesma
forma que para o AG, “[...] uma aplicação do imperativo
categórico, para ser válida, não pode ser nem repetível nem
invertível”.190 Entretanto, no meu modo de entender, se o
AG e o imperativo categórico não podem ser aplicados a
casos repetíveis e invertíveis, então não são critérios
últimos para a fundamentação do agir moral, pois a
aplicação dos mesmos não é válida sempre e para qualquer
“[...] dass eine Anwendung des kategorischen Imperativs, um gültig
zu sein, weder iterierbar noch umkehrbar sein darf” (SINGER, 1975, p.
338).
190
Jaime José Rauber
143
caso. Os princípios, como o próprio Singer afirma,
diferentemente das normas morais, têm de ser válidos
sempre. Como o AG e o imperativo categórico, para serem
válidos, não podem ser aplicados a exemplos repetíveis e
invertíveis, mostra-se a ineficiência desses princípios como
critérios de fundamentação do agir moral. Pois, há casos
em que, com base nesses princípios, que devem
fundamentar o agir moral, não se consegue saber se a ação
em questão é moralmente correta ou não. Assim, os
mesmos exemplos apresentados por Singer para mostrar a
deficiência do imperativo categórico podem ser usados para
mostrar a deficiência do AG, pois não pode ser empregado,
como critério válido, em todos os casos. Pelo menos nos
casos repetíveis ou invertíveis, por recomendação do
próprio autor, o AG não deve ser aplicado.
É certo que Singer deixa bem claro que o AG não é
o único princípio do seu sistema de filosofia moral (System der
Moralphilosophie), pois contém implícitos o PG e o PC, mas
é o critério a ser seguido para a fundamentação do agir
moral. Por ser tal, o AG deveria ser a bússola para nos
orientar em todas as situações de conflito moral. Todas as
vezes que quiséssemos saber se determinada ação é moral
ou não, deveríamos poder recorrer a ele, mas viu-se que
isso não pode ser feito em casos como produzir alimentos,
construir casas, ser professor, etc. Para reforçar essa observação,
no prefácio à edição alemã, escrito catorze anos após à
publicação original de sua obra, o próprio Singer afirma
que já não sabe mais se o AG é um critério seguro para a
solução de todos os problemas morais: “Eu já não estou
mais tão seguro, se o AG é, em cada plano, um meio
adequado para solucionar problemas morais e para aclarar
dúvidas e discussões morais”.191
“Ich bin nicht mehr so sicher, ob das Argument der
Verallgemeinerung auf jeder Ebene ein adäquates Mittel ist, moralische
Probleme zu lösen und moralische Zweifel und Auseinandersetzungen
zu klären” (SINGER, 1975, p. 10).
191
144
O problema da Universalização em Ética
Nesse sentido, a proposta de Singer, da mesma
forma que a de Kant, também deixa algo a desejar. Além de
o AG não ser aplicável a todos os casos de conflito moral,
Singer se envolve em um emaranhado de problemas que ele
procura resolver, mas, ao tentar resolvê-los, vai tornando
sua proposta bastante ambígua. São muitas as
peculiaridades que precisam ser consideradas e estar
satisfeitas para que o Argumento da Generalização realmente
funcione como critério para distinguir-se a correção ou
incorreção moral de ações. Uma proposta bem distinta da
de Singer, mas que também procura superar o problema
apontado no princípio kantiano de fundamentação, é a
proposta de Cirne Lima.
3.3 O Universal Concreto: coerência como princípio
do dever moral
3.3.1 Filosofia como Projeto de Sistema
Diferentemente de Kant, Habermas e Singer, Cirne
Lima retoma o modelo neoplatônico de fazer Filosofia.
Para ele, a Filosofia não pode ser dividida em subsistemas,
como costumam fazer os que se denominam pósmodernos, e se ocupar apenas dos princípios primeiros de
cada uma dessas ciências particulares, como a Lógica, a
Física, a Astronomia, a Biologia, a Ética, a Política, a
Estética, etc. Para os antigos, essas ciências particulares
faziam parte da grande e abrangente ciência chamada
Filosofia. Com Aristóteles, porém, o tema central da
Filosofia Primeira passa a ser a questão dos primeiros
princípios do ser e do pensar, princípios estes que são o
fundamento racional de todas aquelas ciências particulares.
Tem-se aí o início da ideia dos múltiplos sistemas que, no
princípio, faziam parte da grande ciência chamada Filosofia.
Cirne Lima compara a sua concepção de Filosofia a
um grande jogo de quebra-cabeça. No jogo de quebra-
Jaime José Rauber
145
cabeça, diz ele, temos que encaixar cada peça com as peças
vizinhas de forma que, no final do jogo, se tenha uma
imagem completa, isto é, “um todo coerente, sem buracos
e sem rupturas”.192 Segundo o autor, em um grande jogo de
quebra-cabeça é possível que se consiga montar apenas
pedaços da grande imagem final, cada pedaço com sua
figura própria, mas sem a composição final da figura. Se o
jogo for jogado até o fim e não faltar nenhuma peça, todas
as peças estarão, então, devidamente encaixadas e a imagem
global estará completa, ou seja, teremos um todo coerente, sem
buracos e sem rupturas. Compor essa imagem final é, então, o
papel da Filosofia:
Fazer Filosofia hoje é como montar um grande
quebra-cabeça. As ciências, como a Física, a
Química, a Astronomia, a Biologia, a Arqueologia,
a História, a Psicologia, a Sociologia etc., são
recortes parciais do grande quebra-cabeça que é a
Filosofia, a Ciência Universalíssima. Cada uma das
ciências particulares monta o seu pedaço particular,
ou seja, cada uma delas trata de algumas figuras.
Nenhuma delas se preocupa e se encarrega da
composição total do grande mosaico, que é a
Filosofia, a razão, o sentido do universo. As
ciências particulares trabalham, sim, na montagem
do grande jogo de quebra-cabeça, mas cada uma
delas se limita a um pequeno pedaço. Fazer
Filosofia significa jogar o jogo até o fim, isto é,
montar todas as peças, de sorte que se possa ver a
imagem global.193
Contudo, diz o autor, como o filósofo não dispõe
de todas as peças, pois o futuro ainda não chegou, o
universo ainda está em curso e a História não acabou, o
192
Cf. CIRNE LIMA, 1996a, p. 12.
193
Id., p. 13.
146
O problema da Universalização em Ética
mosaico final estará sempre incompleto. Essa é a grande
diferença entre o jogo de quebra-cabeça e a Filosofia. Não
obstante isso, argumenta ele, é preciso montar o jogo com
as peças existentes, pois o mosaico final da Filosofia “[...] é
o sentido universal do universo em que vivemos, o sentido
último de nossa vida”.194 Daí o subtítulo dessa parte do
capítulo ser Filosofia como Projeto de Sistema e não Filosofia como
Sistema, pois esse último remete a um sistema pronto e
acabado, onde tudo está predeterminado. Ao contrário de
Espinoza e especialmente de Hegel, que a princípio não
quer, mas acaba caindo no mesmo necessitarismo
sistêmico, o autor procura propor um sistema aberto195, um
sistema em que há espaço para a contingência. O seu
objetivo é justamente corrigir o erro do sistema hegeliano,
pois nele tudo é predeterminado pelo ardil da razão. Se tudo
está predeterminado, de nada adianta falar-se em liberdade
e responsabilidade. Mediante a eliminação da contingência
o sistema torna-se necessitarista, e é isso que o autor neohegeliano está tentando corrigir em relação ao pensamento
de Hegel.
Para Cirne Lima, a Filosofia é a grande ciência que
contém dentro de si todas as ciências particulares. A
explicação do mundo (explicatio mundi, como diziam os
antigos) não deve ser feita de forma fragmentada, onde
cada ciência particular se ocupa apenas de sua área do
saber, como se não houvesse nenhuma ligação de uma para
com a outra. As ciências particulares desenvolvem tarefas
fundamentais, mas não devem ser pensadas como sistemas
isolados, com fundamentos e princípios últimos próprios,
194
Id., ibid.
Uma das grandes preocupações de Cirne Lima consiste em
privilegiar a contingência dentro do sistema. Pois, para ele, “quem nega
a contingência, por princípio, tem que negar também o livre-arbítrio, a
responsabilidade, a Justiça, o Direito, o Estado Democrático” (1996a, p.
211).
195
Jaime José Rauber
147
cada uma independente da outra como se fossem saberes
que não admitem uma síntese. A síntese, diz o autor, consiste
em uma Grande Teoria Unificada, cujos princípios primeiroúltimos valem também para as ciências particulares. Para
ele, os princípios primeiro-últimos da Grande Teoria são
também os princípios tanto da Física, como da Biologia, da
Psicologia, da Sociologia, da História e, em uma palavra, de
todas as ciências particulares, pois todas elas fazem parte da
ciência universalíssima, que é a Filosofia.
De acordo com o autor, a grande síntese é possível e,
mais do que isso, entende que a tarefa da Filosofia consiste
justamente em tentar descobrir quais são as leis que valem
para tudo ou, se quisermos, para todas as coisas. Se
continuarmos a trabalhar com subsistemas, afirma ele,
continuaremos a não fazer Filosofia. Esse é o objeto de sua
denúncia:
É meio vergonhoso, mas devemos admitir que
muitos filósofos hoje abandonaram a ideia da
Grande Síntese e se contentam com subsistemas
parciais; isso significa, porém, que deixaram de
fazer verdadeira Filosofia.196
Em vez da Razão, una, única e com letra maiúscula,
afirma o autor, a característica central do pensamento pósmoderno são as múltiplas razões, no plural e com letra
minúscula. Segundo ele, para os pós-modernos, a Razão,
una e única ou, então, a Grande Síntese, defendida pelos
neoplatônicos, não é mais possível. A Razão, escrita com
letra maiúscula, está morta. O que existe e deve existir são
as múltiplas razões.
Conforme Cirne Lima, para o pensamento pós-moderno
não existe um sistema uno e único, que abrange a tudo e a
todas as coisas. Cada ciência constitui um subsistema
196
Id., p. 14.
148
O problema da Universalização em Ética
próprio, com princípios próprios e com razões próprias. Os
princípios de determinado subsistema não valem para outro
e, assim, cada subsistema é independente um do outro, de
forma que não haja um único princípio válido
universalmente. A razão pós-moderna, afirma ele, não nega
apenas a existência de princípios que sejam
universalíssimos, que interliguem os diversos subsistemas,
mas também nega a existência de proposições que sejam
universalmente válidas. Ao mostrar que quem nega a
existência de proposições universalmente válidas repõe o
próprio conteúdo negado – pois quem afirma que tais
proposições inexistem, afirma que pelo menos essa
proposição é universalmente válida e, assim, ao dizer se
desdiz – o autor tenta mostrar que, da mesma forma que
proposições universais são possíveis, leis ou princípios
universalíssimos também são, em princípio, possíveis.
Nesse sentido, postulada a possibilidade da
existência da razão una, única e universalíssima, o autor se
debruça sobre a seguinte questão: descobrir qual é ou quais
são os princípios universalíssimos, que sejam válidos
sempre e que interliguem os diversos subsistemas. Essa
investigação constitui o seu projeto de sistema exposto
inicialmente no artigo Dialética e Evolução (1995) e, depois,
de forma um pouco mais detalhada, na obra Dialética para
principiantes (1996).
3.3.2 O Princípio da Coerência como critério do agir
moral
O projeto de sistema proposto por Cirne Lima,
semelhantemente ao sistema hegeliano, é dividido em três
partes, quais sejam: Lógica, Natureza e Espírito. Todas
essas partes são regidas por três princípios que, segundo o
autor, determinam e ordenam tanto o pensamento analítico
como o pensamento dialético, a saber: Princípio de Identidade,
Princípio da Diferença e Princípio da Coerência. Para o autor,
Jaime José Rauber
149
cada princípio corresponde, respectivamente, a um dos
momentos do movimento dialético, que são tese, antítese e
síntese. Cada princípio é composto por subprincípios e,
esses, igualmente válidos para todas as partes do sistema.
Senão vejamos o seguinte quadro197:
Princípios
da Lógica
1. IDENTIDADE:
1.1. Identidade simples A
1.2. Identidade iterativa A A A
Princípios
da Natureza
Indivíduo
Iteração,
replicação,
reprodução
Espécie
1.3. Identidade reflexa A=A
2. DIFERENÇA:
2.1. Diferença de contraditórios (não existente)
A e Não A
2.2. Diferença de contrários A e Emergência do
B
novo, mutação
por acaso
3. COERÊNCIA:
3.1. Anulação de um dos polos Morte, seleção
natural
3.2. Elaboração das devidas
Adaptação
distinções
3.3. História da Dialética
História da
Evolução
Princípios
do Espírito198
Pessoa
Educação
Cultura
(não existente)
Crítica,
criatividade
Seleção cultural

Imperativo Moral
=
Princípio da
Coerência
Universal
Os elementos da Lógica e da Natureza, apresentados no quadro, têm
como fonte: CIRNE LIMA, 1996a, p. 157.
197
Tanto em Dialética e Evolução como em Dialética para principiantes,
Cirne Lima não apresenta a diagramação dos elementos que
correspondem aos princípios e subprincípios da terceira parte do
Sistema, que é o Espírito. Entretanto, os elementos dessa terceira parte
foram apresentados por ele durante as suas aulas, ministradas ao
Programa de Pós-Graduação da PUCRS (1998/ I e II). É essa a
diagramação que apresento aqui.
198
150
O problema da Universalização em Ética
A partir do esquema acima, deve estar claro que
nesta proposta de sistema o Princípio da Identidade, o
Princípio da Diferença e o Princípio da Coerência valem
tanto para a Lógica como para a Natureza e para o
Espírito. São esses os três princípios, correspondentes ao
movimento triádico de tese, antítese e síntese, que perpassam
todo o sistema de Cirne Lima. Não quero entrar em maiores
detalhes sobre cada um deles, mas quero ater-me ao
terceiro princípio da terceira parte dessa proposta, ou seja,
ao Princípio da Coerência, na parte denominada Espírito, pois é
ali que se encontra o aspecto com o qual venho me
ocupando durante todo o trabalho, a saber, o princípio ou
critério do agir moral em diferentes propostas de
fundamentação ética.
Kant apresenta o imperativo categórico como
critério da moralidade. Habermas apresenta o Princípio
“U”, acrescentado ao Princípio “D”, como critério
procedimentalista para o agir moral. Marcus G. Singer
apresenta o Argumento da Generalização como princípio
último do agir moral. E, para ser bastante breve, Cirne
Lima apresenta o Princípio da Coerência como critério de
correção ou incorreção do agir humano. Mas o que é e em
que consiste tal princípio?
O Princípio da Coerência é também chamado, por
seu autor, de Princípio de Não Contradição ou Princípio da
Contradição a Ser Evitada. O Princípio de Não Contradição é
inicialmente formulado no livro Gama da Metafísica de
Aristóteles e constantemente retomado, por analíticos, para
dizer que fazer dialética, isto é, negar o Princípio da Não
Contradição é bobagem. O próprio Aristóteles já dizia isso
contra seu velho mestre Platão. Trabalhar com polos
opostos, trabalhar com tese e antítese, dizer e desdizer,
afirmam os analíticos, é irracional, leva a contradições e por
isso deve ser abandonado como método filosófico.
Entretanto, Cirne Lima diz que não, que fazer dialética não
é algo irracional. Mais do que isto, toma a dialética como
Jaime José Rauber
151
método privilegiado de fazer Filosofia, embora procure
constantemente aproximar dialética e analítica. Segundo o
autor, muitos pensadores ainda continuam sem saber como
conciliar dialética com o Princípio de Não Contradição.
Dialéticos e analíticos, diz ele, jamais se entenderam, e
apresenta duas razões para as divergências. Por um lado,
não se entendem por usarem expressões terminológicas
diferentes: “[...] quando os Dialéticos dizem Contradição eles
querem dizer aquilo que os Analíticos chamam de
Contrariedade; quando os Dialéticos falam de Contraditórios,
querem dizer Contrários”.199 Por outro lado, por
empregarem diferentes estruturas sintáticas em suas
linguagens: enquanto os analíticos trabalham com
proposições em que o sujeito e o predicado ficam sempre
expressos, os dialéticos trabalham com proposições em que
o sujeito nem sempre fica expresso. Não tendo o sujeito e,
consequentemente, o quantificador expressos, os analíticos
não conseguem distinguir entre contrários e contraditórios. Daí
a confusão e a dificuldade de se entenderem com os
dialéticos.200
O Princípio da Coerência, proposto por Cirne
Lima, resulta do Princípio de Não Contradição201 de
Aristóteles, cuja formulação é: “É impossível predicar e não
predicar o mesmo do mesmo sob o mesmo aspecto e ao
mesmo tempo”.202 Para facilitar a compreensão, sigo a
sugestão do autor e transcrevo-o da seguinte forma: é
199
CIRNE LIMA, 1996a, p. 122.
Para um melhor detalhamento sobre essa questão, ver Dialética para
principiantes, p. 93-121.
200
Aristóteles, no livro Gama da Metafísica, apresenta duas formulações
para o Princípio de Não Contradição. Na primeira, o princípio é
apresentado como regra lógica e, na segunda, como regra ontológica. O
Princípio da Coerência é resultado das considerações acerca do
Princípio de Não Contradição enquanto regra lógica do pensar e falar.
201
202
CIRNE LIMA, 1996b, p. 60.
152
O problema da Universalização em Ética
impossível predicar e não predicar o mesmo predicado do
mesmo sujeito sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo.
Assim, de acordo com o princípio aristotélico, quem diz e
desdiz algo do mesmo sujeito sob o mesmo aspecto, sem
fazer as devidas distinções, está fazendo um discurso
irracional. Dizer P e não P sob os mesmos aspectos, sem
fazer as devidas distinções, é dizer bobagens, ou seja, é
dizer coisas sem sentido, coisas sem fundamento. Em
síntese, é isso que diz o Princípio de Não Contradição.
Cirne Lima afirma, porém, que o Princípio de Não
Contradição, da forma como ele foi elaborado por
Aristóteles, contém um erro e precisa ser reformulado. O
argumento é o que segue. Dizer que é impossível afirmar P e
não P do mesmo sujeito sob o mesmo aspecto e ao mesmo
tempo não é um juízo correto. Não é impossível dizer
“João é careca e não careca” sob o mesmo aspecto e ao
mesmo tempo. A maior prova dessa possibilidade é o fato
de se poder escrever isso e também poder dizer o mesmo
em alto e bom tom. Nesse sentido, diz o autor, percebe-se
que o operador modal é impossível (adynaton) é muito forte,
pois contradições no pensar e falar são, em princípio,
possíveis. É tranquilamente possível dizer P e não P.
Entretanto, quem diz P e não P ao mesmo tempo e sob o
mesmo aspecto está dizendo bobagens, está fazendo um
discurso irracional. Dado que dizer e desdizer é um
discurso irracional, discursos dessa natureza devem ser
evitados. Assim, afirma o autor, o operador modal é
impossível, tem de ser substituído pelo operador modal não se
deve203, que é um operador mais fraco que aquele. Pois não
é impossível dizer P e não P, mas não se deve dizer P e não
P, ou seja, não é coerente dizer P e não P. Daí o Princípio
Este é o lugar em que Cirne Lima afirma fazer a passagem de
proposições descritivas para proposições normativas, sem incorrer na
falácia naturalista. A fundamentação do dever-ser é, para o autor, em
princípio, a mesma do Princípio de Não Contradição, quando
corretamente formulado (isto é, com o operador deôntico).
203
Jaime José Rauber
153
da Coerência: não se deve predicar e não predicar o mesmo
predicado do mesmo sujeito sob o mesmo aspecto e ao
mesmo tempo. Essa formulação aponta para a Lógica, mas,
como se verá, o Princípio da Contradição a Ser Evitada
deve valer também para a Natureza e para o Espírito, que
são as outras duas partes do Sistema.
O Princípio da Coerência é, segundo o autor neohegeliano, um princípio deôntico. O operador modal
tradicional é impossível é substituído pelo operador modal
deôntico não se deve. Enquanto o princípio aristotélico só é
válido para sistemas lógicos formalizados, pois em sistemas
não formalizados as contradições são efetivamente
possíveis, o Princípio de Não Contradição em seu sentido
mais fraco é universalissimamente válido.
O Princípio de Não Contradição neste segundo
sentido, agora universalíssimo e ilimitado, expressa
não uma impossibilidade lógica, um não-poderexistir, mas tão somente um não-dever-ser.204
Segundo o autor, o referido princípio vale tanto
para a Lógica como para a Natureza e para o Espírito. O
exemplo apresentado dizer P e não P remonta à Lógica, mas
o mesmo Princípio da Contradição a Ser Evitada, agora
deôntico, vale igualmente para as três partes do sistema.
Conforme o autor, o Princípio da Coerência supera
a disjunção entre a razão prática e a razão teórica do
pensamento de Kant e dos neokantianos. O imperativo
categórico de Kant vale para a razão prática, mas não para a
razão teórica e muito menos para a Natureza. O princípio
“U” de Habermas, além da razão prática, vale também na
Lógica, mas não perpassa a Natureza. Propondo o
Princípio da Coerência, que deve valer tanto para a Lógica
(razão teórica) como para a Natureza e para o Espírito (razão
204
Id., p. 65.
154
O problema da Universalização em Ética
prática), o neo-hegeliano afirma que é isto o que diferencia a
sua proposta da dos neokantianos, mas que, fora isso, a sua
proposta ética entra em congruência com o que Apel e
Habermas estão propondo.205
Nas palavras do neo-hegeliano, “o Primeiro
Princípio do Dever-Ser é, desde o começo do sistema, o
Princípio da Contradição a Ser Evitada, ou, com outro
nome, o Princípio da Coerência”.206 O fundamento de tal
princípio é o mesmo do Princípio de Não Contradição de
Aristóteles. Para o estagirita, quem quiser negar o Princípio
de Não Contradição cai em contradição, pois, ao negá-lo, o
pressupõe novamente ou fica reduzido ao estado de planta.
O próprio ato de fala, pelo qual se nega o Princípio de Não
Contradição, pressupõe o princípio mencionado. A única
forma de se negar aquele Princípio é ficar completamente
calado, isto é, nunca mais dizer nada, pois quem fala e
argumenta sempre repõe o Princípio de Não Contradição
que quer negar. “O silêncio total é a única alternativa para
quem nega o princípio básico de toda fala.”207 Nesse
sentido, como apenas houve um enfraquecimento do
operador modal tradicional, a fundamentação do Princípio
de Não Contradição, apresentada por Aristóteles, vale
também para o Princípio da Coerência.
De acordo com o autor, o discurso dialético é desde
o início – desde a Lógica, passando pela Natureza, até o
Espírito – regido por um dever-ser. Não é só na Lógica que
devem ser evitadas as contradições. Também na Natureza o
dever-ser impõe-se espontaneamente, pois, no processo
evolutivo, os seres simples vão se tornando cada vez mais
complexos, e eles devem se adaptar. Os que não se
adaptam são o não coerente, o não dever ser. Esses são
espontaneamente eliminados da Natureza: “Morte e
205Cf.
CIRNE LIMA, 1996a, p. 182.
206
Id., p. 180.
207
Id., p. 134.
Jaime José Rauber
155
Seleção Natural são os nomes usados pelos biólogos para
expressar aquilo que nós, em Lógica, chamamos princípio
da Coerência”.208
Da mesma forma que a Lógica, afirma o autor, a
Natureza também obedece a leis. Entretanto, argumenta
ele, não são leis tão duras, isto é, não são leis que
determinam todas as coisas até o último pormenor. Mesmo
obedecendo a leis, há espaço na Natureza para variações
individuais. As coisas da Natureza não estão duramente
predeterminadas. Elas obedecem a um dever-ser e, assim,
sempre há espaço para a contingência, sempre há espaço
para a emergência do novo.
É claro que o dever-ser aqui não pode ser tomado no
sentido estritamente humano de ética e de lei
moral, mas apenas como lei da natureza que
determina, sim, mas não determina tão fortemente
como as leis da Lógica Formal e da Matemática, a
saber, até o último pormenor.209
A emergência do novo é resultado da contingência,
isto é, do acaso. O acaso é, segundo o neo-hegeliano, um
elemento importante e, mais do que isso, imprescindível,
pois sem ele não haveria movimento, não haveria dialética,
não haveria reconstrução da totalidade na qual vivemos
concretamente. “[...] sem o acaso, a Natureza seria apenas a
explicação necessária (explicatio) daquilo que foi implicado
(implicatum) na semente inicial.”210 Sem o acaso tudo estaria
predeterminado. A partir de uma teoria necessitarista da
natureza, tanto a historicidade como a liberdade do homem
estariam comprometidas. O livre-arbítrio, ou livre escolha
entre alternativas que sejam igualmente possíveis, ficaria
208
Id., p. 180.
209
Id., p. 161.
210
Id., p. 163.
156
O problema da Universalização em Ética
por princípio impossibilitado. Da mesma forma que uma
teoria da evolução tem o acaso como elemento constitutivo,
para o autor o acaso também é pressuposto fundamental
para a correta construção da Ética e da Política. Sua tese é a
de que a Ética tem suas bases em uma teoria da evolução e que
ela tira seus conteúdos também da contingência.
Posto isso tudo, a pergunta que se faz então é: qual
é o princípio que deve servir de critério para o agir moral
humano? Qual é a formulação do Primeiro Princípio do DeverSer que deve servir de bússola para saber-se agir
corretamente? Nas palavras do próprio autor,
exatamente aquela do Imperativo Categórico de
Kant, ou do Princípio “U” de Apel e de Habermas.
Com relação a estes a diferença específica deste
projeto é que o Princípio da Coerência [...] perpassa
todo o Sistema de Filosofia desde o começo da
Lógica até o fim, até o Absoluto.211
Para que determinada ação seja correta, diz o autor,
ela tem de se inserir e ser coerente com o todo maior, que é
o universal concreto. O dever-ser é aquilo que se encaixa e é
coerente com o seu meio. O carburador, por exemplo, é
uma parte do todo, que é o motor. Toma-se, então, o
carburador e tenta-se ver se ele se encaixa no todo. Se ele
se encaixar, então é um dever-ser, pois é coerente com o bom
funcionamento daquele todo maior, que é o universal concreto.
O mesmo, afirma o autor, acontece na Ética. Toma-se, por
exemplo, a ação de mentir, de roubar, de produzir
alimentos, etc., e tenta-se ver se cada uma delas se encaixa
no universal concreto. Se sim, então são ações que podem ser
realizadas, pois fazem parte do todo coerente. As ações que
influenciam negativamente no universal concreto são ações
incorretas, ações que não devem ser realizadas. As ações
211
Id., p. 181.
Jaime José Rauber
157
que não se encaixam para a construção do Grande Mosaico do
Sentido do Mundo são incoerentes e, por isso, moralmente
proibidas.
Entretanto, o Princípio da Coerência, da forma
como ele foi apresentado por Cirne Lima, é muito genérico
e, por ser assim, não é critério seguro para a determinação
do dever moral humano. A afirmação de que a formulação
do primeiro princípio da Ética é exatamente aquela do
Imperativo Categórico de Kant ou do Princípio “U” de Apel e
Habermas, com a diferença específica de que o Princípio da
Coerência perpassa todo o Sistema de Filosofia212, significa
que essa proposta carece de uma formulação própria do
critério a ser seguido para o agir moral. O Princípio da
Coerência apenas diz que faz parte do dever-ser aquilo que é
coerente. Mas, afinal, o que é o coerente? Como se deve
proceder para descobrir-se o que é objetivamente coerente?
Qual é o caminho que deve ser seguido para se descobrir
qual ação faz parte e qual ação não faz parte do dever-ser
moral? O caminho para a justificação de ações indicado por
Kant e Singer é monológico. O indicado por Habermas é
dialógico. E, para Cirne Lima, qual é o procedimento mais
apropriado para se determinar o que é objetivamente
coerente: a investigação solipsística? A roda do discurso?
Ou ambos os procedimentos conduzem a resultados
seguros?
Por outro lado, se não houver um maior
detalhamento do Princípio da Coerência como critério do
agir moral, pode-se justificar também ações imorais. Poderse-ia argumentar, por exemplo, que na fabricação de
produtos ou na produção de alimentos é justificada a
prática da exploração ou da escravidão, pois, da mesma
forma que o chefe de serviço, o patrão ou o Senhor, devem
existir também o explorado e o escravo. Sob este ponto de
vista, patrão e explorado, Senhor e escravo são funções que
212
Cf. id., ibid.
158
O problema da Universalização em Ética
fazem parte do sistema, pois é dessa relação que resulta a
fabricação de produtos e a produção de alimentos. Assim,
poder-se-ia argumentar que a existência da exploração e
escravidão é algo coerente e que são ações que fazem parte
do dever-ser.
Se se amplia a exigência de coerência, que é o que o
autor recomenda, a exploração e a escravidão são
desmascaradas como algo incoerente com o todo maior, que
neste caso é o bem-estar e a dignidade de todas as pessoas
humanas. Se se analisam a exploração e a escravidão dentro
desse todo maior, perceber-se-á que são práticas
incoerentes e que são rejeitadas como incorretas pelo
Princípio da Coerência Universal. Entretanto, o problema antes
posto reaparece: dado que a análise da coerência ou não da
ação tem de ser feita do todo maior e não do todo
fragmentado, como ela é realizada? Qual é o procedimento
a ser seguido para se determinar o que é coerente e o que é
incoerente? Nesse sentido, falta à proposta de Cirne Lima
uma especificação maior acerca do critério de
fundamentação do agir moral humano. Se o Princípio da
Coerência é o princípio universalíssimo do dever-ser, falta um
redirecionamento maior do citado princípio para a Ética, de
forma que ele realmente possa desempenhar o papel de
critério de fundamentação do dever-ser moral.
3.3.3 O Universal Abstrato e o Universal Concreto
Para Cirne Lima, a grande dificuldade da proposta
ética de Kant, e de todas as propostas neokantianas, está
em fazer a passagem do universal para o particular, do
imperativo categórico para a decisão individual do homem,
do princípio universal, que é vazio, para o particular que
possui conteúdos.213 Habermas procura resolver o
problema kantiano mostrando que o princípio “U” tem de
213
Cf. CIRNE LIMA, 1996a, p. 182.
Jaime José Rauber
159
ser exercido dentro da roda do discurso, que é a situação
concreta do mundo da vida. De dentro desse horizonte
surgem os interesses conteudísticos que devem ser
submetidos ao teste de universalização. Os interesses que
puderem ser universalizados são morais e os que não
puderem ser universalizados são imorais. Entretanto, diz
Cirne Lima, a junção do princípio “U”, que é formal e
vazio, com a situação real do discurso não fica bem
resolvida.
A questão que se coloca então é: qual é a razão da
dificuldade da passagem do universal para o particular e do
particular para o universal? Qual é o problema? Por que é
tão difícil trabalhar com um princípio universal formal
como critério de fundamentação dos interesses, que são
concretos e conteudísticos? Segundo o autor, a passagem
do universal para o particular e do particular para o
universal é um problema que surge sempre que se segue
um sistema dualista. Em um sistema monista, diz ele, não
há uma oposição não conciliada entre formal/abstrato e
concreto, entre particular e universal. “O sistema monista
consiste justamente na conciliação destes polos opostos.
[...] O Individual e o Particular são apenas recortes que se
faz dentro do Universal”.214 Essa concepção de universal,
porém, remonta ao que Hegel chama de universal concreto.
Em oposição ao universal concreto, Hegel distingue o universal
abstrato, que é o universal característico dos sistemas
dualistas. Os dualistas nunca falam de dois universais. O
universal, para eles, é um só. Entretanto, do ponto de vista
hegeliano, falam sempre do universal abstrato, do universal
que é comum a vários particulares, do universal que está
sempre em contraposição ao particular. O universal concreto,
por sua vez, consiste na totalidade do conceito.215 Em tal
modelo, o particular não nega o universal, mas é algo que
214
Id., p. 183.
215
Essa expressão provém do pensamento hegeliano.
160
O problema da Universalização em Ética
lhe pertence. O universal concreto é “[...] um universal que em
vez de estar separado do particular é a realidade mesma do
particular em sua rica concretude”.216
A partir de Kant, a universalidade tornou-se um
aspecto privilegiado quando se trata de fundamentação ou
justificação moral. Só é moral aquilo que pode ser
universalizado. Isso é quase que uma unanimidade entre as
propostas éticas contemporâneas. Além da razão prática,
também na razão teórica de Apel e Habermas a universalidade
tornou-se o critério de verdade, ou seja, só é verdadeiro
aquilo que pode ser intersubjetivamente reconhecido como
tal. Nesse sentido, afirma Cirne Lima, a tarefa com a qual
os pensadores dualistas vêm se ocupando consiste em
formular princípios que sirvam de elo de ligação entre o
universal e o particular. Entretanto, argumenta ele, como
tratam o universal e o particular como dois polos distintos
que jamais admitem uma síntese, encontram uma enorme
dificuldade em fazer a junção entre esses dois polos. Para
que a ação ou máxima subjetiva possa ser moral, os
dualistas afirmam que ela tem de poder ser universalizada.
Essa universalização, no entanto, consiste em um universal
abstrato, pois não compreende a totalidade, não compreende
a síntese entre o geral e o particular, mas tem por objeto o
comum a vários particulares. Daí a dificuldade, segundo o
autor, de fazerem a passagem do universal para o particular
e do particular para o universal. Os dualistas tratam de
polos opostos sem jamais conciliá-los.217
216
MORA, 1994, p. 3602.
Embora os exemplos apresentados por Singer sejam exemplos de
universal concreto, a sua proposta de fundamentação do agir moral
identifica-se com o paradigma dualista do universal abstrato, pois não
procura fazer uma síntese entre o geral e o particular. Da mesma forma
que Kant, Habermas e Guariglia, também Singer trabalha com polos
opostos sem jamais conciliá-los. Para esses autores, o particular está
sempre em oposição ao universal e não há o momento da conciliação
entre ambos.
217
Jaime José Rauber
161
Conforme o neo-hegeliano, os representantes de
sistemas monistas não encontram a mesma dificuldade em
fazer a passagem do particular para o universal, pois já
sempre trabalham com um particular que faz parte do todo,
que faz parte do universal. Enquanto para os dualistas o
universal consiste sempre em um recorte do todo maior, para
os monistas, o universal é sempre o universal concreto, o
universal que contém em si também o particular. De acordo
com o pensamento de Hegel, Kant permanece em um
universal abstrato, pois não considera a totalidade do conceito.
Pela proposta de Kant, a parte é sempre separada do todo e
aí tenta-se a universalização. Se tomarmos a mentira isolada
do seu contexto maior, por exemplo, veremos que ela
jamais deve ser realizada, pois não pode ser universalizada.
Se a mentira fosse transformada em lei universal, ninguém
confiaria mais no que outro dissesse. Logo, com Kant
conclui-se que o dever moral é não mentir nunca.
Entretanto, se se toma a mentira ao assassino para salvar a vida
de um inocente, ver-se-á que neste contexto, nesse todo
maior, que compreende o universal concreto, a mentira seria
justificada e, mais do que isto, tornar-se-ia um dever, pois,
nesse caso, a omissão ao salvamento do inocente seria mais
imoral do que aquela mentira. É o universal concreto que
determina que naquelas circunstâncias específicas a mentira
não é algo incorreto. A mentira é, em geral, algo incorreto,
algo que não deve ser realizado. No entanto, não se pode
determinar a correção de ações a partir de um universal
abstrato, como faz Kant, pois pode-se estar justificando a
realização de ações imorais. O universal concreto é
fundamental para a correta determinação do dever moral.
Sem a consideração do contexto e das circunstâncias
empíricas das ações, corre-se o risco constante da
justificação de absurdos.
Cirne Lima, da mesma forma que Hegel, também
trabalha com o universal concreto, que é o universal por coerência.
No universal proposto por ele, a parte tem de se inserir no
162
O problema da Universalização em Ética
todo. A ação para ser moral tem de ser coerente com o seu
meio. Toma-se, por exemplo, a ação de ser professor. Ser
professor é algo que se insere no todo maior que é o universal
concreto? Se sim, então ser professor é um dever-ser, algo
coerente, uma ação que pode ser realizada. A partir do
universal concreto percebe-se, porém, que nem todos
podem ser professores. Alguns têm de produzir alimentos,
outros têm de construir casas, outros têm de fabricar
roupas, outros têm de ser médicos e assim por diante. Cada
uma dessas funções cabe no todo maior, cada uma delas é
um dever-ser, só que não podem ser universalizadas
abstratamente. Conforme o autor, somente a partir do
universal concreto pode-se saber se uma ação é boa ou não.
Boa é aquela ação que contribui para a constituição do todo
coerente, do todo equilibrado sem sobras nem carências.
Marcus Singer, ao apresentar o AG como critério
de fundamentação do agir moral, já havia percebido que as
máximas não podem ser universalizadas de forma abstrata e
plana, pois podem levar a uma implosão. Se
universalizarmos ser professor, produzir alimentos, fabricar
roupas, almoçar no restaurante x, jantar no horário y, etc.,
veremos que, na prática, as consequências seriam
extremamente indesejáveis. Singer não trabalha com um
universal concreto no sentido hegeliano do conceito. Não
obstante isso, em sua proposta de fundamentação do agir
moral as consequências e as circunstâncias concretas das
ações estão sempre contempladas. Algo semelhante
acontece na proposta de Habermas, pois na roda do
discurso as consequências e os efeitos colaterais das normas
provenientes do mundo da vida são sempre tematizados,
seja direta ou indiretamente.
A proposta de Kant, por sua vez, trabalha com um
universal puramente abstrato. Por ser assim, mediante o
emprego do imperativo categórico, conclui-se que ninguém
deve ser professor, produzir alimentos, construir casas, etc.,
pois são ações que não podem ser universalizadas. Se
Jaime José Rauber
163
universalizadas, implodem. Logo, são ações imorais e
ninguém deve realizá-las. Essa é a conclusão a que se chega
com a aplicação consequente do imperativo categórico.
Mas dizer que ninguém deve ser professor, produzir
alimentos, construir casas, etc. não é um absurdo? Penso
que não deve haver dúvidas quanto à resposta afirmativa a
essa questão. Não obstante isso, algum defensor de Kant
poderia argumentar que se trata de ações que não têm nada
a ver com a moralidade. Entretanto, tal defensor estará
referindo-se sempre a um universal abstrato, pois, se se insere
aquelas máximas dentro do contexto histórico-concreto,
perceber-se-á que elas têm a ver, sim, com o dever moral. A
título de ilustração, poder-se-ia perguntar: se a população
começasse a morrer de frio e fome por não haver mais
ninguém que fabrique roupas e produza alimentos, em uma
situação em que tudo é favorável ao desenvolvimento
dessas atividades, será que isso não tem nada a ver com a
moralidade? Se a população começasse a morrer por falta
de médicos, em uma situação em que tudo é favorável ao
ensino e à prática da medicina, será que isso não tem nada a
ver com o dever moral? Penso que sim, pois, se se tomam
as ações inseridas no contexto histórico, que é o universal
concreto, então são passíveis de avaliação moral. Da
mesma forma que a ação de mentir, matar ou roubar, ser
professor, ser médico, fabricar roupas, produzir alimentos,
etc. são ações que devem ser moralmente avaliadas. Mas
isso só é possível se se trabalha com um universal concreto.
Em se tratando da correção ou incorreção de ações,
parece-me oportuno fazer ainda um comentário acerca da
distinção kantiana entre moralidade e legalidade. Essa
distinção é, na minha opinião, um dos grandes erros do
pensamento de Kant e de todos os autores que o seguem
neste aspecto. Separar a Ética do Direito, a moralidade da
legalidade é algo de difícil aceitação, pois sempre se estará
frente a duas respostas: uma ação pode ser correta ou
incorreta do ponto de vista moral e correta ou incorreta do
164
O problema da Universalização em Ética
ponto de vista legal. Habermas, da mesma forma que Kant,
introduz explicitamente essa distinção, pois transforma o
princípio “D” da Ética no princípio da democracia no Direito e a
regra de argumentação, isto é, o princípio “U” da Ética, é
abandonado no Direito. Singer, na obra Generalization in
Ethics, não fala de uma distinção entre moralidade e legalidade,
mas propõe o AG como um princípio equivalente ao
imperativo categórico de Kant, o que leva a crer que o AG
é um princípio válido apenas para a Ética e não válido
também para o Direito.
A grande dificuldade da distinção entre moralidade e
legalidade está na possibilidade de se obterem duas respostas
acerca do mesmo problema. Há países em que o aborto
livre, por exemplo, é moralmente condenado, mas
legalmente permitido, o que leva as pessoas a um dilema,
pois são ao mesmo tempo sujeitos éticos e membros do
Direito.218 Entretanto, quando falo em uma conciliação
entre moralidade e legalidade, não estou querendo defender
um positivismo jurídico. Por positivismo jurídico entendo a ideia
de que o moral é aquilo que está prescrito na lei positiva.
Nesse sentido, não procuro defender, aqui, a tese de que o
moralmente correto é aquilo que está escrito nas Leis do
Estado, pois nem tudo aquilo que está na Constituição
pode ser considerado sempre como certo e justo. No
entanto, penso que a moralidade não deveria ser, em
princípio, algo distinto da legalidade. O princípio de
fundamentação das leis positivas teria de ser o mesmo ou
ser, pelo menos, um prolongamento do princípio de
fundamentação das normas morais. Só assim é possível que
haja moralidade na legalidade, Ética no Direito sem se
defender um positivismo jurídico.
A condenação moral do aborto livre tem como fundamento crenças
religiosas ou outros princípios quaisquer, mas não é resultado de uma
fundamentação ética universal, pois essa por enquanto só existe
abstratamente, ou seja, só existe enquanto objeto de discussão.
218
Jaime José Rauber
165
Na proposta de Cirne Lima, o problema em
questão parece ficar resolvido. Como o princípio do deverser é único e universalíssimo, moralidade e legalidade, em
princípio, andam juntas. O correto e o incorreto é
determinado pelo Princípio da Coerência, que, segundo o
autor, é o princípio tanto da Ética como do Direito, da
Lógica, da Biologia, da Física e, em uma palavra, de todas
as ciências particulares, pois não passam de subsistemas e,
assim, obedecem ao mesmo princípio do dever-ser que é
apresentado como universalíssimo. A máxima ou ação que se
encaixa no todo maior e contribui positivamente para a
constituição do grande mosaico do sentido do mundo faz parte do
dever-ser e por isso é correta. O que não for compatível e
não for coerente para a construção daquele grande mosaico
está em contradição com ele e por isso é incorreto. Nesse
sentido, de acordo com o pensamento desse autor, o
Princípio da Coerência é o princípio tanto da legalidade
como da moralidade. Em qualquer situação e para qualquer
ação, o Princípio da Coerência é o princípio do dever-ser, o
princípio a partir do qual devemos determinar o que é
correto e o que é errado. Entretanto, como já se disse
acima, a grande dificuldade dessa proposta está em não
indicar o procedimento a ser seguido para se determinar o
que é e o que não é coerente. Com base em exposições
orais e rodas de discussão, o autor critica o solipsismo da
proposta de Kant e concorda mais com a proposta da roda
do discurso de Apel e Habermas. Entretanto, afirma que o
discurso deve ser conduzido ao discurso institucionalizado que,
segundo ele, se dá na família, sociedade civil e Estado.
Contudo, enquanto não se tiver essa ideia bem detalhada e
por escrito, que é o que objetiva o pensamento de um
autor, penso que a crítica supraexposta é cabível.
Considerações finais
A reconstrução dessas diferentes propostas de
fundamentação do julgar e agir moral mostra que o universal
ou a universalização é um elemento comum a todas elas.
Diferentes são os enfoques dados a esse elemento, mas
pode-se dizer, sem exagero de linguagem, que o universal é o
critério de correção ou incorreção em todas as propostas
analisadas. Desde que foi introduzido por Kant, esse
elemento vem recebendo um destaque cada vez maior e, na
atualidade, o termo universal praticamente co-habita o
terreno da Ética quando se fala em critério de
fundamentação do agir moral.
Na proposta de Kant, apresentada no primeiro
capítulo, o critério de fundamentação do agir moral é a
possibilidade de universalização das máximas de ação. As
máximas que puderem ser universalizadas, por meio de um
exercício solipsístico, sem contradições, valem também
como leis morais. Dado que são leis, valem universalmente,
isto é, devem reger as ações de todos os homens. Com
Hegel, porém, percebemos que com base no imperativo
categórico, sem a mediação dos conteúdos gerais e
elementares do dever, só é possível estabelecerem-se
deveres subjetivos, pois ficam restritos ao conjunto de
indivíduos que age segundo os mesmos costumes, segundo
os mesmos princípios. Para o grupo de pessoas que age
segundo outros costumes, aqueles deveres fundamentados
pelo imperativo categórico podem não ser válidos. Segundo
Hegel, o que falta em Kant, então, é a determinação dos
princípios objetivos do dever. Somente a partir desses
princípios pode-se determinar também deveres objetivos,
Jaime José Rauber
167
recorrendo-se àquele princípio formal apresentado por
Kant.
Em um passo seguinte, deixa-se a crítica de Hegel
de lado e analisa-se a natureza dos deveres fundamentados
pelo imperativo categórico. O resultado a que se chega
mostra que a obsessão de Kant pela universalidade da lei
moral leva-o também a desconsiderar as circunstâncias
empíricas das ações. Nesse sentido, os deveres resultantes
da aplicação do imperativo categórico são deveres
absolutos,
que
devem
ser
válidos
sempre,
independentemente das circunstâncias contingentes das
ações.
A ética do discurso de Habermas, exposta no
capítulo segundo, também deposita o fundamento do agir
moral na possibilidade de universalização das pretensões
normativas subjetivas. Diferentemente de Kant, o teste de
universalização do agir ou da pretensão normativa subjetiva
acontece na roda do discurso. Para ser moralmente válida, a
norma ou ação tem de poder ser aceita como lei por todos
os possíveis concernidos. Se a pretensão normativa
subjetiva não for aceita por todos, então é rejeitada como
imoral. Nesse caso, a pretensão subjetiva não alcançou a
universalidade necessária que a caracterizaria como moral.
Diferentemente de Kant, essa tentativa de universalização é
feita na roda do discurso onde todos os sujeitos capazes de
linguagem e ação devem fazer parte. Os que não estão
presentes na roda real do discurso devem ser considerados
por aqueles argumentantes reais, constituindo, assim, a
comunidade ideal de comunicação. O teste da universalização das
máximas ou pretensões normativas subjetivas não ocorre
mais solipsisticamente, como propõe Kant, mas é feito
intersubjetivamente.
A grande diferença entre o procedimento de
universalização proposto por Habermas, em relação a
Kant, está no fato de que as normas resultantes do
princípio “U”, somado ao “D”, não são absolutas ou
168
O problema da Universalização em Ética
válidas sempre, independentemente das circunstâncias das
ações. Muito pelo contrário, desde que se tenham boas
razões (Gründe), as normas morais, que já passaram pelo
teste de universalização, estão sempre sujeitas à
reformulação. Mas a questão que foi levantada é: o que são
essas razões (Gründe)? Habermas não diz o que são.
Entretanto, são elas que fundamentam a validade de
normas morais nos discursos práticos. Isso leva a crer que o
autor faz uso de um terceiro princípio, que Cirne Lima
chama de princípio “G” (Gründe). Habermas, em sua
proposta, jamais falou da existência de um terceiro
princípio. Contudo, se as razões não são nem “U” nem “D”,
mas são o fundamento para a validação das normas que se
encontram controversas, certamente trata-se de um outro
princípio.
Marcus Singer apresenta uma proposta bastante
semelhante à de Kant. Também para ele a generalização –
ou, em termos kantianos, a universalização – é o critério
para se saber quais máximas ou ações são morais. As ações
que implicam consequências indesejáveis, ao serem
universalizadas, são moralmente proibidas e não devem ser
realizadas por ninguém. O mesmo acontece com as
máximas. As máximas que implicarem consequências
indesejáveis, ao serem elevadas a leis universais,
representam normas imorais e não devem ser seguidas por
ninguém. Aqui, porém, o dever moral não é absoluto,
como acontece em Kant. Se não matar é o dever, isso não
significa que o dever é matar jamais, independentemente de
quais sejam as circunstâncias das ações. A consideração das
circunstâncias no processo de determinação do dever moral
é um dos elementos de destaque da proposta de Singer. Se
universalizássemos a máxima de matar ou mentir, por
exemplo, perceberíamos que as consequências seriam
indesejáveis. Resulta dali que o dever é não matar e não
mentir. Entretanto, as circunstâncias podem ser tais que
matar ou mentir de forma alguma constituem ações
Jaime José Rauber
169
imorais. Pense-se no exemplo do matar como único meio
para salvar a sua própria vida das mãos de um criminoso,
ou no mentir a um assassino para salvar a vida de um
inocente, etc. Matar ou mentir, em tais circunstâncias, não
constituem ações imorais, pois, se cada um que se
encontrasse nas mesmas circunstâncias realizasse tais ações,
de forma alguma as consequências seriam indesejáveis.
Assim, de acordo com o pensamento do autor, todas as
pessoas que se encontrarem em tais circunstâncias e em
semelhantes condições têm o direito de matar ou mentir.
Singer percebe, porém, que o Argumento da
Generalização, se levado à risca, pode levar à justificação de
absurdos. Se universalizarmos produzir alimentos e todos
passassem a realizar tal ação, as consequências seriam
indesejáveis, pois não haveria ninguém que construísse
casas e fabricasse roupas, o que poderia levar a humanidade
a morrer de frio. Pela aplicação do AG teria de se concluir,
então, que ninguém tem o direito de produzir alimentos, o
que é um absurdo. O mesmo problema, o autor percebeu
no imperativo categórico de Kant. Ser professor, por
exemplo, é em princípio algo correto, mas, se
universalizarmos tal máxima, perceberemos que a
humanidade se extinguirá. Logo, se por um lado ser professor
é algo correto, por outro percebe-se que é algo que não
pode ser universalizado, o que mostra a deficiência da
universalização plana como critério do agir moral.
A partir dessa constatação, Singer estabeleceu
restrições para a aplicação dos critérios de universalidade
como critérios do agir moral: para ser válido, diz o autor,
tanto o AG como o imperativo categórico não podem ser
aplicados a argumentos que são repetíveis e invertíveis.
Entretanto, no meu modo de entender, se os princípios que
devem reger o agir humano, para serem válidos, não
podem ser aplicados a todas as espécies de ações, então não
são critérios suficientes para orientar o agir humano, pois
há casos em que não podem ser aplicados como critérios de
170
O problema da Universalização em Ética
distinção da correção ou incorreção de ações. Não obstante
isso, com base nas restrições apresentadas por Singer, pelo
menos uma coisa é certa: o imperativo categórico, da forma
como ele foi apresentado por Kant, é deficiente e precisa
ser reformulado.
Cirne Lima, retomando o modelo neoplatônico de
filosofia, propõe o Princípio da Coerência como critério do
agir moral. Também chamado de Princípio de Não
Contradição ou Princípio de Contradição a Ser Evitada,
para o autor, esse princípio é um princípio universalíssimo
do dever-ser, que vale tanto para a Lógica como para a
Natureza e para o Espírito. Para esse modelo de filosofia, a
verdade é o todo e, assim, diz o autor, a ação, para ser correta,
tem de ser coerente, tem de se encaixar no todo maior sem
entrar em contradições. Também aqui o universal é o critério
de distinção da correção ou incorreção do agir humano.
Entretanto, é um universal diferente do proposto por Kant,
Habermas e Singer. Estes propõem um universal abstrato ou
universal por subsunção, isto é, a ação ou máxima que puder
ser universalizada é correta e pode ser realizada. Aquela que
não puder ser universalizada é incorreta, e sua realização é
moralmente proibida. Cirne Lima, ao contrário, propõe um
universal concreto, um universal por inserção, ou seja, aquela
máxima ou ação que não entra em contradição com o todo
maior é correta e pode ser realizada.
Entretanto, a grande dificuldade dessa proposta está
na determinação do que é e do que não é coerente. O
princípio universalíssimo do dever-ser não diz
concretamente como se deve proceder para distinguir-se
objetivamente o que faz e o que não faz parte do dever-ser
moral. A afirmação de que, fora o fato de o princípio
universalíssimo do dever-ser perpassar todo o sistema, a
formulação do primeiro princípio de uma Ética geral é exatamente
aquela do imperativo categórico de Kant ou do princípio “U” de Apel
e Habermas mostra a carência da formulação de um
princípio específico do dever-ser moral. Tal princípio não
Jaime José Rauber
171
tem de ser, se não for o caso, essencialmente diferente
daquele princípio universalíssimo do dever ser, mas tem de poder,
pelo menos, indicar o procedimento a ser seguido para a
determinação objetiva do que é e do que não é moralmente
coerente. Pois, afinal, qual é o caminho a ser seguido para
se distinguir a ação correta da ação incorreta? É o
solipsístico de Kant, o discursivo de Habermas ou ambos
conduzem ao mesmo resultado? Falta ao Princípio da
Coerência, portanto, um maior detalhamento enquanto
critério último da correção de ações, pois, da forma como
ele foi apresentado, por escrito, é muito genérico e não
desempenha o papel de fundamento seguro para o agir
moral.
Segundo exposições orais do autor, o caminho a ser
seguido não é o monológico de Kant, mas o do discurso de
Habermas219,
embora
defenda
um
discurso
institucionalizado. O discurso proposto por ele não é tão
aberto quanto o de Habermas, pois deve ser conduzido
sempre ao discurso institucionalizado que se dá na família,
na sociedade civil e no Estado. Essa ideia, porém, precisa
ainda ser objetivada, pois, enquanto ela não for apresentada
por escrito, permanece no anonimato e na subjetividade, o
que dificulta a consideração da mesma para uma discussão
objetiva.
O que se procurou fazer no decorrer desse estudo,
portanto, não foi apresentar algo totalmente novo ou uma
nova proposta de fundamentação ética, mas discutir, a
partir da reconstrução de propostas éticas universalistas,
problemas relativos aos diferentes princípios de
universalização como critérios de fundamentação do agir
moral humano. Aponto e discuto problemas em todas as
propostas brevemente reconstruídas. Não obstante isso,
Diferentemente de Habermas, o discurso proposto por Apel é
sempre um discurso elitizado, que acontece nas rodas acadêmicas,
congressos, encontros, etc.
219
172
O problema da Universalização em Ética
penso que uma proposta ética universalista, em oposição ao
relativismo ético, é fundamental desde que paralelamente
sejam respeitados os valores culturais, algo que deve ser
distinguido do justo e do injusto, do moral e do imoral. O
valorativo é diferente do normativo, e nisso concordo com
Habermas, só o normativo pode ser objeto de
universalização.
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Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.
Obras da Série Filosofia da EDIPUCRS
TÍTULO
AUTOR
ANO
Nº
EDIÇÃO
MÍDIA
FÉ E RAZÃO NO
PENSAMENTO
MEDIEVAL*
O ARGUMENTO
ONTOLÓGIO DE SANTO
ANSELMO*
O ATEÍSMO
ANTROPOLÓGICO DE
LUDWIG FEUERBACH*
O CONCEITO DE
LIBERDADE NO
LEVIATÃ DE HOBBES*
ESCRITA E LINGUAGEM
EM PLATÃO*
SOBRE A
CONTRADIÇÃO*
O SAGRADO EM
RUDOLF OTTO*
SOBRE A
FUNDAMENTAÇÃO*
URBANO
ZILLES
1996
1
2º
IMPRESSO
SERGIO R.
STREFLING
1997
2
1º
IMPRESSO
DRAITON
GONZAGA DE
SOUZA
SERGIO
WOLLMAN
1994
3
2º
IMPRESSO
1994
4
1º
IMPRESSO
JAYME PAVIANI
1993
5
1º
IMPRESSO
CARLOS CIRNELIMA
BRUNO
ODÉLIO BIRCK
MANFREDO
ARAUJO DE
OLIVEIRA
JULIO CESAR
PEREIRA
LUIS ALBERTO
DE BONI
URBANO
ZILLES
1996
6
2º
IMPRESSO
1993
7
1º
IMPRESSO
1997
8
1º
IMPRESSO
1993
9
1º
IMPRESSO
1994
10
1º
IMPRESSO
2001
11
3º
IMPRESSO
JAIME
ZITKOSKI
1994
12
1º
IMPRESSO
ALBERTO
OLIVA
SERGIO
CALDAS
JOVINO PIZZI
1999
13
1º
IMPRESSO
1994
14
1º
IMPRESSO
1994
15
1º
IMPRESSO
HANS-GEORG
FLICKINGER
JOSÉ A. F.
MEISTER
EDVINO
RABUSKE
1994
16
1º
IMPRESSO
1994
17
1º
IMPRESSO
1994
18
1º
IMPRESSO
ÚRSULA ROSA
DA SILVA
1994
19
1º
IMPRESSO
EPISTEMOLOGIA E
LIBERALISMO*
BIBLIOGRAFIA SOBRE
FILOSOFIA MEDIEVAL*
O RACIONAL E O
MÍSTICO EM
WITTGENSTEIN*
O MÉTODO
FENOMENOLÓGICO DE
HUSSERL*
CONHECIMENTO E
LIBERDADE*
A TEORIA DA HISTÓRIA
EM ORTEGA Y GASSET*
ÉTICA DO DISCURSO*
A TEORIA DA AUTOORGANIZAÇÃO*
AMOR X
CONHECIMENTO*
FILOSOFIA DA
LINGUAGEM E
RELIGIÃO*
A LINGUAGEM MUDA E
O PENSAMENTO
FALANTE*
A RELAÇÃO AO OUTRO
EM HUSSERL E
LEVINAS*
TEORIA DO
CONHECIMENTO*
DIÁLOGO E DIALÉTICA
EM PLATÃO*
LÓGICA E LINGUAGEM
NA IDADE MÉDIA*
PROBLEMÁTICA DO
CULTURALISMO*
PARA UMA CRÍTICA
INTERNA AO SISTEMA
DE HEGEL*
CRÍTICA DA RAZÃO E
MÍMESIS NO
PENSAMENTO DE T.W.
ADORNO*
O HOMEM DIANTE DO
UNIVERSO*
A INFINITUDE DO
MUNDO*
INDIVIDUALISMO E
VERDADE EM
DESCARTES*
CIÊNCIA E MUDANÇA
CONCEITUAL*
GABRIEL MARCEL E O
EXISTENCIALISMO*
FUNDAMENTALISMO*
O REINO E O
SACERDÓCIO*
POPPER: AS AVENTURAS
DA RACIONALIDADE*
EPICURO: O FILÓSOFO
DA ALEGRIA*
EDUCAÇÃO E
RACIONALIDADE*
EPISTEMOLOGIA
AMBIENTAL
IDADE MÉDIA: ÉTICA E
POLÍTICA*
INDAGAÇÃO SOBRE A
IMORTALIDADE DA
ALMA EM PLATÃO*
APROXIMAÇÕES SOBRE
HERMENÊUTICA 1º
REIMPRESSÃO*
MARCELO LUIZ
PELIZZOLI
1994
20
1º
IMPRESSO
URBANO
ZILLES
SERGIO A.
SARDI
LUIS ALBERTO
DE BONI
ANTÔNIO PAIM
2006
21
5º
IMPRESSO
1995
22
1º
IMPRESSO
1995
23
1º
IMPRESSO
1995
24
1º
IMPRESSO
EDUARDO
LUFT
1995
25
1º
IMPRESSO
MARCIA TIBURI
1995
26
1º
IMPRESSO
DOM DADEUS
GRINGS
WOLFGANG
NEUSER
EDUARDO ELY
MENDES
RIBEIRO
LUIZ CARLOS
BOMBASSARO
URBANO
ZILLES
LUIS ALBERTO
DE BONI
JOSÉ ANTÔNIO
DE CAMARGO
R.
JULIO CESAR
PEREIRA
REINHOLDO
ALOYSIO
ULLMANN
NADJA
HERRMANN
GERALDO
MARIO ROHDE
LUIS ALBERTO
DE BONI
MARGARIDA
NICHELE
PAULO
ERNILDO
STEIN
1995
27
1º
IMPRESSO
1995
28
1º
IMPRESSO
1995
29
1º
IMPRESSO
1995
30
1º
IMPRESSO
1995
31
1º
IMPRESSO
1996
32
1º
IMPRESSO
1995
33
1º
IMPRESSO
1995
34
1º
IMPRESSO
2010
35
4º
IMPRESSO
1996
36
1º
IMPRESSO
2005
37
2º
IMPRESSO
1996
38
1º
IMPRESSO
1996
39
1º
IMPRESSO
2010
40
2º
IMPRESSO
A CRISE DA
HUMANIDADE
EUROPEIA E A
FILOSOFIA
O CONHECIMENTO
ABSTRATIVO EM DUNS
SCOTO*
MAQUIAVEL*
URBANO
ZILLES
2013
41
4º
IMPRESSO
CESAR RIBAS
CEZAR
1996
42
1º
IMPRESSO
JOSÉ NEDEL
1996
43
1º
IMPRESSO
ESTÉTICA MÍNIMA*
JAYME PAVIANI
2003
44
2º
IMPRESSO
O ESTOICISMO
ROMANO*
REINHOLDO
ALOYSIO
ULLMANN
INGRID
FINGER
MARIO J.
FREIBERGER
CARLOS CIRNELIMA
LUCIANO
MARQUES DE
JESUS
RICARDO TIMM
DE SOUZA
MANFREDO
ARAUJO DE
OLIVEIRA
LUIZ VICENTE
VIEIRA
PAULO
RICARDO
MARTINES
LUIZ ROHDEN
1996
45
1º
IMPRESSO
1996
46
1º
IMPRESSO
1996
47
1º
IMPRESSO
1997
48
2º
IMPRESSO
1997
49
1º
IMPRESSO
1997
50
1º
IMPRESSO
1997
51
1º
IMPRESSO
1997
52
1º
IMPRESSO
1997
53
1º
IMPRESSO
1997
54
1º
IMPRESSO
ALBERTO
OLIVA
LUIS ALBERTO
DE BONI
ERNILDO
STEIN
1997
55
1º
IMPRESSO
1997
56
1º
IMPRESSO
1997
57
1º
IMPRESSO
JOSÉ ANTÔNIO
DE CAMARGO
R.
ANTONIO R.
DOS SANTOS
ERNILDO
STEIN
URBANO
ZILLES
1997
58
1º
IMPRESSO
1997
59
1º
IMPRESSO
1997
60
1º
IMPRESSO
1997
61
1º
IMPRESSO
METÁFORA E
SIGNIFICAÇÃO*
AÇÃO E TEMPO NA
BHAGAVAD-GITA*
DIALÉTICA PARA
PRINCIPIANTES*
A QUESTÃO DE DEUS
NA FILOSOFIA DE
DESCARTES*
TOTALIDADE E
DESAGRAGAÇÃO*
TÓPICOS SOBRE
DIALÉTICA*
A DEMOCRACIA EM
ROUSSEAU*
O “ARGUMENTO
ÚNICO” NO
PROSLOGION*
O PODER DA
LINGUAGEM*
CIÊNCIA E IDEOLOGIA*
GUILHERME DE
OCKHAM*
A CAMINHO DE UMA
FUNDAMENTAÇÃO PÓSMETAFÍSICA*
O REINO DE DEUS E O
REINO DOS HOMENS*
REPENSANDO A
FILOSOFIA*
ANAMNESE*
O PROBLEMA DO
CONHECIMENTO DE
DEUS*
MARX E A LIBERDADE*
CORPO INVISÍVEL*
O PROBLEMA DOS
FUTUROS
CONTINGENTES*
EPISTEMOLOGIA DA
ECONOMIA*
DESENCANTANDO A
ONTOLOGIA*
O MUNDO DOS FATOS E
A ESTRUTURA DA
LINGUAGEM*
CATÃO, O VELHO OU
DIÁLOGO SOBRE A
VELHICE*
A CAMUFLAGEM DO
SAGRADO E O MUNDO
MODERNO*
A DINÂMICA DO
TRABALHO ABSTRATO
NA SOCIEDADE
MODERNA*
O ESPÍRITO COMO
HERANÇA*
RUSSERL ON THE
FOUDATIONS OF
LOGIC*
O HOMEM E A
FILOSOFIA
ÉTICA, DIREITO E
JUSTIÇA*
DO LIBERALISMO AO
NEOLIBERALISMO*
FORMAS DO DIZER*
OS PRINCÍPIOS DA
FILOSOFIA DE SÃO
TOMÁS DE AQUIMO*
ÉTICA E GENÉTICA*
A ESCRAVIDÃO EM
ARISTÓTELES*
O FIM ÚLTIMO DO
HOMEM*
FILÓSOFOS PRÉSOCRÁTICOS:
PRIMEIROS MESTRES DA
AVELINO DA
ROSA OLIVEIRA
SONIA MARIA
MACIEL
FERNANDO PIO
DE ALMEIDA
FLECK
GABRIEL
ZANOTTI
MARCELO
FABRI
MARCONI
OLIVEIRA DA
SILVA
MARCO TULIO
CICERO
1997
62
1º
IMPRESSO
1997
63
1º
IMPRESSO
1997
64
1º
IMPRESSO
1997
65
1º
IMPRESSO
1997
66
1º
IMPRESSO
1997
67
1º
IMPRESSO
1998
68
1º
IMPRESSO
CLEIDE
CRISTINA
ROHDEN
MARCOS
KAMMER
1998
69
1º
IMPRESSO
1998
70
1º
IMPRESSO
MARIA
CRISTINA
POLLI FELIPPI
CLAUDIO DE
ALMEIDA
1998
71
1º
IMPRESSO
1998
72
1º
IMPRESSO
JOSÉ MAURÍCIO
DE CARVALHO
JOSÉ NEDEL
2007
73
2º
IMPRESSO
2000
74
2º
IMPRESSO
FRANCISCO
URIBAM
XAVIER DE
HOL
JAYME PAVIANI
2004
75
3º
IMPRESSO
1998
76
1º
IMPRESSO
DOM ODILAO
MOURA
1998
77
1º
IMPRESSO
LUIS ALBERTO
DE BONI
NEDILSO
BRUGNERA
IDALGO JOSE
SANGALLI
MIGUEL
SPINELLI
1998
78
1º
IMPRESSO
1998
79
1º
IMPRESSO
1998
80
1º
IMPRESSO
2012
81
3º
IMPRESSO
FILOSOFIA E DA
CIÊNCIA GREGA
O TEMPO E A MÁQUINA
DO TEMPO*
PAULO FREIRE: ENTRE
O GREGO E O SEMITA*
HISTÓRIA E
METAFÍSICA EM
HEGEL*
FILOSOFIA DA
CULTURA*
AVICENA*
ÉTICA E FILOSOFIA
POLÍTICA: Hegel e o
Formalismo Kantiano*
LUDWIG
WITTGENSTEIN*
A IMORTALIDADE DA
ALMA NO FÉDON DE
PLATÃO*
A DOUTRINA DOS
ATRIBUTOS DIVINOS
NO GUIA DOS
PERPLEXOS
SANTO AGOSTINHO*
SUJEITO, ÉTICA E
HISTÓRIA: LEVINAS, O
TRAUMATISMO
INFINITO*
VALIDADE EM
EDUCAÇÃO*
CIÊNCIA E SOCIEDADE*
A EMERGÊNCIA DO
INDIVIDUALISMO
MODERNO NO
PENSAMENTO*
A METAFÍSICA NO
TRACTATUS DE PRIMO
PRINCIPIO DE DUNS
ESCOTO*
ENTRE O ESTADO
LIBERAL E A
DEMOCRACIA DIRETA*
O TOPOS ÉTICO DA
PSICANÁLISE*
RICARDO TIMM
DE SOUZA
BENEDITO
ELISEU LEITE
CINTRA
MARIA DE
LOURDES
BORGES
JOSÉ MAURÍCIO
DE CARVALHO
JAMIL IBRAHIM
ISKANDAR
THADEU
WEBER
1998
82
1º
IMPRESSO
1998
83
1º
IMPRESSO
1998
84
1º
IMPRESSO
1999
85
1º
IMPRESSO
1999
86
1º
IMPRESSO
2009
87
2º
IMPRESSO
LÉIA
SCHACHER
ABRAMOVICH
BENTO SILVA
SANTOS O.S.B.
1999
88
1º
IMPRESSO
1999
89
1º
IMPRESSO
TADEU
MAZZOLA
VERZA
1999
90
1º
IMPRESSO
MARCOS
ROBERTO
NUNES
RICARDO TIMM
DE SOUZA
1999
91
1º
IMPRESSO
1999
92
1º
IMPRESSO
NADJA
HERRMANN
ALBERTO
OLIVA
PAULO CÉSAR
NODARI
1999
93
1º
IMPRESSO
1999
94
1º
IMPRESSO
1999
95
1º
IMPRESSO
RODRIGO
GUERIZOLI
1999
96
1º
IMPRESSO
LUIS CARLOS
TOMAZELLI
1999
97
1º
IMPRESSO
ANTONIO M. R.
TEIXEIRA
1999
98
1º
IMPRESSO
THÁNATOS: DA
POSSIBILIDADE DE UM
CONCEITO DE MORTE*
TRACTATUS ETHICOPOLITICUS*
FILOSOFIA E
PSICANÁLISE*
CETICISMO OU SENSO
COMUM?*
VERDADE,
RACIONALIDADE E
RELATIVISMO EM H.
PUTNAM*
O PROBLEMA DA
UNIVERSALIZAÇÃO EM
ÉTICA*
RICOEUR E A
FORMAÇÃO DO SUJEITO
TEMAS SOBRE KANT*
O LIVRO DAS CAUSAS*
A TEORIA ÉTICOPOLITICA DE JOHN
RAWLS*
ROUSSEAU E RAWLS
FILOSOFIA MEDIEVAL*
A UNIVERSIDADE
MEDIEVAL*
A CIÊNCIA E A
ORGANIZAÇÃO DOS
SABERES NA IDADE
MÉDIA*
ENTRE SÓCRATES E
CRISTO*
DIFERENÇA E
METAFÍSICA*
ÉTICA E COMPREENSÃO
DO OUTRO*
OS SENTIDOS
INTERNOS EM IBN SINA
(AVICENA)
ALEXANDRE
COSTA
1999
99
1º
IMPRESSO
NYTHAMAR
FERNANDES
DE OLIVEIRA
JORGE
ANTONIO
TORRES
MACHADO
MARIO A. L.
GUERREIRO
RICARDO
NAVIA
1999
100
1º
IMPRESSO
1999
101
1º
IMPRESSO
1999
102
1º
IMPRESSO
1999
103
1º
IMPRESSO
JAIME JOSÉ
RAUBER
2015
104
1º
E-BOOK
ABRAHÃO
COSTA
ANDRADE
ÂNGELO
VITÓRIO CENCI
JAN GERARD
JOSEPH TER
REEGEN
JOSÉ NEDEL
2000
105
1º
IMPRESSO
2000
106
1º
IMPRESSO
2000
107
1º
IMPRESSO
2000
108
1º
IMPRESSO
NEIVA AFONSO
OLIVEIRA
LUIS ALBERTO
DE BONI
REINHOLDO
ALOYSIO
ULLMANN
LUIS ALBERTO
DE BONI
2000
109
1º
IMPRESSO
2005
110
2º
IMPRESSO
2000
111
1º
IMPRESSO
2000
112
1º
IMPRESSO
ALVARO LUIZ
MONTENEGRO
VALLS
ERNILDO
STEIN
RICARDO BINS
DI NAPOLI
MIGUEL ATTIE
FILHO
2000
113
1º
IMPRESSO
2000
114
1º
IMPRESSO
2000
115
1º
IMPRESSO
2000
116
1º
IMPRESSO
HERMENÊUTICA
FILOSÓFICA*
GLOBALIZAÇÃO E
HUMANISMO LATINO
DA REPRESENTAÇÃO
AO SENTIDO
SENTIDO E
ALTERIDADE*
OS SENTIDOS DA
JUSTIÇA EM
ARISTÓTELES*
MERLEAU-PONTY:
ACERCA DA
EXPRESSÃO*
O MOVIMENTO DA
ALMA*
AGOSTINHO:
BUSCADOR INQUIETO
DA VERDADE
O PROBLEMA DOS
UNIVERSAIS*
RELIGIÃO E
CAPITALISMO
HISTÓRIA DA
FILOSOFIA E
TRADIÇÕES CULTURAIS
DO ELOGIO À
VERDADE
FENOMENOLOGIA
HOJE*
O PENSAMENTO SOCIAL
DE SANTO ANTÔNIO
AS RAÍZES MEDIEVAIS
DO PENSAMENTO
MODERNO
FILOSOFIA E MÉTODO
EM PLATÃO*
DIÁLOGO EM LETÍCIA
PLOTINO: UM ESTUDO
DAS ENÉADAS
HERMENÊUTICA E
DIALÉTICA*
LEVINAS: A
RECONSTRUÇÃO DA
SUBJETIVIDADE
LUIZ ROHDEN
2000
117
1º
IMPRESSO
ARNO DAL RI
JUNIOR
ALOISIO
RUEDELL
RICARDO TIMM
DE SOUZA
DENIS
COITINHO
SILVEIRA
MARCOS JOSÉ
MÜLLER
2000
118
1º
IMPRESSO
2000
119
1º
IMPRESSO
2000
120
1º
IMPRESSO
1998
121
1º
IMPRESSO
2001
122
1º
IMPRESSO
MARIANA
PALOZZI
SÉRVULO DA
CUN
JOSÉ ZACARIAS
DE SOUZA
2001
123
1º
IMPRESSO
2015
124
1º
E-BOOK
PEDRO LEITE
JUNIOR
ROSALVO
SCHÜTZ
JOSÉ MAURÍCIO
DE CARVALHO
2001
125
1º
IMPRESSO
2001
126
1º
IMPRESSO
2001
127
1º
IMPRESSO
DION DAVI
MACEDO
RICARDO TIMM
DE SOUZA
JOSÉ CAMARGO
RODRIGUES E
SOUZA
ALESSANDRO
GHISALBERTI
2001
128
1º
IMPRESSO
2001
129
1º
IMPRESSO
2001
130
1º
IMPRESSO
2001
131
1º
IMPRESSO
JAYME PAVIANI
2001
132
1º
IMPRESSO
ERNST
TUGENDHAT
REINHOLDO
ALOYSIO
ULLMANN
CUSTODIO LUIS
SILVA DE
ALMEIDA
MARCELO LUIZ
PELIZZOLI
2002
133
1º
IMPRESSO
2002
134
2º
IMPRESSO
2002
135
1º
IMPRESSO
2002
136
1º
IMPRESSO
KANT E HABERMAS: A
REFORMULAÇÃO
DISCURSIVA DA MORAL
KANTIANA*
O MUNDO DA
CONSCIÊNCIA
O PROBLEMA DO MAL
NA POLÊMICA DA
ANTIMANIQUÉIA DE
AGOSTINHO
A HERMENÊUTICA
FRANCESA: PAUL
RICOEUR
INVESTIGAÇÕES
LÓGICAS*
ÉTICA E FELICIDADE:
UM ESTUDO DO FILEBO
DE PLATÃO
GLOBALIZAÇÃO E
JUSTIÇA GLOBALISIERUNG UND
GERECHTIGKEIT
LIBERDADE OU
IGUALDADE
HELENIZAÇÃO E
RECRIAÇÃO DE
SENTIDOS
IGREJA E PODER
FRANCISCO DE VITORIA
E OS DIREITOS DOS
ÍNDIOS AMERICANOS
A DOUTA IGNORÂNCIA
- NICOLAU DE CUSA
FENOMENOLOGIA
HOJE II: SIGNIFICADO E
LINGUAGEM
O EU E A DIFERENÇA:
HUSSERL E
HEIDEGGER*
PRÁXIS E
RESPONSABILIDADE
INTRODUÇÃO AO
PENSAMENTO DE
MARTIN HEIDEGGER*
EM NOME DA
LIBERDADE
ENSINAR - DEIXAR
APRENDER
DELAMAR
DUTRA
VOLPATO
2002
137
1º
IMPRESSO
LUIZ HEBECHE
2002
138
1º
IMPRESSO
MARCOS
ROBERTO
NUNES COSTA
2002
139
1º
IMPRESSO
CONSTANÇA
MARCONDES
CESAR
GOTTLOB
FREGE
SONIA MARIA
MACIEL
2002
140
1º
IMPRESSO
2002
141
1º
IMPRESSO
2002
142
1º
IMPRESSO
DRAITON
GONZAGA DE
SOUZA
2002
143
1º
IMPRESSO
MARIO A. L.
GUERREIRO
MIGUEL
SPINELLI
2002
144
1º
IMPRESSO
2002
145
1º
IMPRESSO
SERGIO R.
STREFLING
RAFAEL RUIZ
2002
146
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IMPRESSO
2002
147
1º
IMPRESSO
REINHOLDO
ALOYSIO
ULLMANN
NYTHAMAR
FERNANDES
DE OLIVEIRA
MARCELO LUIZ
PELIZZOLI
2002
148
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IMPRESSO
2002
149
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IMPRESSO
2002
150
1º
IMPRESSO
WOLFDIETRICH
SCHMIEDKOWARZIK
ERNILDO
STEIN
2002
151
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2011
152
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IMPRESSO
HANS-GEORG
FLICKINGER
JAYME PAVIANI
2003
153
1º
IMPRESSO
2003
154
1º
IMPRESSO
O QUE É JUSTIÇA?*
JUSTIÇA E POLÍTICA
A METAFÍSICA DO
CONCEITO
SOBRE A
RESPONSABILIDADE
ÉTICAS EM DIÁLOGO*
LA PRESENCIA DE LA
FILOSOFÍA EN LA
UNIVERSIDAD
DE ABELARDO A
LUTERO*
UNIVERSALISMO E
DIREITOS HUMANOS
A ÉTICA DA
ALTERIDADE EM
EMMANUEL LEVINAS
LINGUAGEM E
SIGNIFICADO: O
PROJETO FILOSÓFICO
DE D. DAVIDSON
ÉTICA E GENÉTICA II
LEITURAS DE PLATÃO
OS MOVIMENTOS
SOCIAIS E O ESPAÇO
AUTÔNOMO DO
"POLÍTICO"
SER-NO-MUNDO E
CONSCIÊNCIA-DE-SI
RAZÕES PLURAIS
PROBLEMAS E TEORIAS
DA ÉTICA
CONTEMPORÂNEA
A RECEPÇÃO DO
PENSAMENTO GRECOROMANO ÁRABE E
JUDAICO
A ÉTICA MEDIEVAL
FACE AOS DESAFIOS DA
CONTEMPORANEIDADE
JOAQUIM DE FIORI:
TRINDADE E NOVA ERA
OTFRIED
HÖFFE
DRAITON
GONZAGA DE
SOUZA
ALFREDO DE
OLIVEIRA
MORAES
ZELJKO
LOPARIC
RICARDO TIMM
DE SOUZA
VICENTE
DURÁN CASAS
2003
155
1º
IMPRESSO
2003
156
1º
IMPRESSO
2003
157
1º
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2003
158
1º
IMPRESSO
2003
159
1º
IMPRESSO
2003
160
1º
IMPRESSO
LUIS ALBERTO
DE BONI
WOLFGANG
KERSTING
NÉLIO VIEIRA
DE MELO
2003
161
1º
IMPRESSO
2003
162
1º
IMPRESSO
2003
163
1º
IMPRESSO
MARIA
CRISTINA DE
TÁVORA SPARA
2003
164
1º
IMPRESSO
BERNARDO
ERDTMANN
LUC BRISSON
2003
165
1º
IMPRESSO
2003
166
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IMPRESSO
LUIZ VICENTE
VIEIRA
2004
167
1º
IMPRESSO
LÍVIO
OSVALDO
ARENHART
RICARDO TIMM
DE SOUZA
JOSÉ MAURÍCIO
DE CARVALHO
2004
168
1º
IMPRESSO
2004
169
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IMPRESSO
2004
170
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IMPRESSO
ROBERTO
HOFMEISTER
PICH
2004
171
1º
IMPRESSO
LUIS ALBERTO
DE BONI
2004
172
1º
IMPRESSO
NOELI DUTRA
ROSSATTO
2004
173
1º
IMPRESSO
FILOSOFIA E
SOCIEDADE PÓSMODERNA
CRER E COMPREENDER
DIREITO E ETICIDADE
OS DIREITOS SOCIAIS
BÁSICOS
ENTRE KANT E HEGEL
CIORAN: A FILOSOFIA
EM CHAMAS
MUNDO VIVIDO
OS MERCADORES, O
TEMPLO E A FILOSOFIA:
MARX E A
RELIGIOSIDADE
ÉTICA, CRISE E
PERSPECTIVAS
FILOSOFIA E
LITERATURA
CRÍTICA E TEORIAS DA
CRISE
PROPRIEDADE E
DEMOCRACIA LIBERAL
GLOBALIZAÇÃO E
JUSTIÇA II
FIDES RATIO
AUCTORITAS: O
ESFORÇO DIALÉTICO
NO MONOLOGION
LIBERDADE E
LIBERALISMO
CRÍTICA DA RELIGIÃO E
SISTEMA EM KANT
DO JUÍZO
TELEOLÓGICO COMO
PROPEDÊUTICA À
TEOLOGIA MORAL EM
KANT
A FRAGILIDADE DA
RAZÃO: 1ª REIMPRESSÃO
RACIONAL OU SOCIAL?
ÉTICA E ESTÉTICA: A
RELAÇÃO QUASE
ESQUECIDA*
SÁVIO CARLOS
DASEN
SCOPINHO
URBANO
ZILLES
WALTER
JAESCHKE
MARIA CLARA
DIAS
JOÃOSINHO
BECKENKAMP
ROSÁRIO
ROSSANO
PECORARO
ERNILDO
STEIN
MAURO
CASTELO
BRANCO DE
MOURA
PERGENTINO S.
PIVATTO
RICARDO TIMM
DE SOUZA
BENTO ITAMAR
BORGES
NEIVA AFONSO
OLIVEIRA
DRAITON
GONZAGA DE
SOUZA
MANOEL LUÍS
CARDOSO
VASCONCELL
2004
174
1º
IMPRESSO
2004
175
1º
IMPRESSO
2004
176
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2004
177
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2004
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2004
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2004
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2004
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2004
182
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IMPRESSO
2004
183
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IMPRESSO
2004
184
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IMPRESSO
2004
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IMPRESSO
2005
186
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IMPRESSO
2005
187
1º
IMPRESSO
WOLFGANG
KERSTING
JAIR ANTÔNIO
KRASSUSKI
CARLOS
ADRIANO
FERRAZ
2005
188
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IMPRESSO
2005
189
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IMPRESSO
2005
190
1º
IMPRESSO
EVILÁZIO
FRANCISCO
BORGES TEIX
ALBERTO
OLIVA
NADJA
HERRMANN
2013
191
1º
IMPRESSO
2005
192
1º
IMPRESSO
2005
193
1º
IMPRESSO
AMOR E SEXO NA
GRÉCIA ANTIGA*
OS INDÍCIOS DE DEUS
NO HOMEM
ÉTICA E ÉTICAS
APLICADAS A
RECONFIGURAÇÃO DO
ÂMBITO MORAL
ENTRE HISTÓRIA E
IMAGINÁRIO
EXPOSIÇÃO SOBRE A
SUBSTÂNCIA DO ORBE
CIDADANIA E
DEMOCRACIA
DELIBERATIVA
FENOMENOLOGIA E
CULTURA: HUSSERL,
LEVINAS E A
MOTIVAÇÃO ÉTICA DO
PENSAR
DA RAZÃO PRÁTICA AO
KANT TARDIO
ESTUDOS DE FILOSOFIA
MEDIEVAL: autores e
temas portugueses*
FENOMENOLOGIA
HOJE III: BIOÉTICA,
BIOTECNOLOGIA,
BIOPOLÍTICA
ALTERIDADE E ÉTICA:
obra comemorativa dos 100
anos de nascimento de E.
Levinas
AGOSTINHO:
CONHECIMENTO,
LINGUAGEM E ÉTICA
JUSTIÇA GLOBAL E
DEMOCRACIA:
homenagem a John Rawls
HEGELIANISMO,
REPUBLICANISMO E
MODERNIDADE
PROJETOS DE
FILOSOFIA
NIETZSCHE: SUJEITO
MORAL E CULTURA
CRISTÃ
REINHOLDO
ALOYSIO
ULLMANN
JORGE
ANTONIO
TORRES
MACHADO
JOVINO PIZZI
2007
194
2º
IMPRESSO
2006
195
1º
IMPRESSO
2006
196
1º
IMPRESSO
GREGORIO
PIAIA
ROSALIE
HELENA DE
SOUZA PEREIR
CATHERINE
AUDARD
2006
197
1º
IMPRESSO
2006
198
1º
IMPRESSO
2006
199
1º
IMPRESSO
MARCELO
FABRI
2007
200
1º
IMPRESSO
JOSÉ N. HECK
2007
201
1º
IMPRESSO
JOSÉ
FRANCISCO
MEIRINHOS
RICARDO TIMM
DE SOUZA
2008
202
1º
IMPRESSO
2008
203
1º
IMPRESSO
RICARDO TIMM
DE SOUZA
2008
204
1º
IMPRESSO
ROBERTO
HOFMEISTER
PICH
DRAITON
GONZAGA DE
SOUZA
DOUGLAS
MOGGACH
2008
205
1º
IMPRESSO
2009
206
1º
IMPRESSO
2010
207
1º
IMPRESSO
AGEMIR
BAVARESCO
ADILSON
FELICIO
FEILER
2011
208
1º
E-BOOK
2011
209
1º
E-BOOK
O PARADOXO DA
ANÁLISE: UMA
ABORDAGEM
EPISTEMOLÓGICA
PROJETOS DE
FILOSOFIA II
CONSTITUCIONALISMO
E MÉTODO DIALÉTICO
DEMOCRACIA E
INDIVIDUALISMO: A
IGUALDADE COMO
PRINCÍPIO
ORGANIZADOR
EPISTEMOLOGIA
SOCIAL: DIMENSÃO
SOCIAL DO
CONHECIMENTO
LEVINAS E A
ANCESTRALIDADE DO
MAL: POR UMA CRÍTICA
DA VIOLÊNCIA
BIOPOLÍTICA
INTRODUÇÃO À
FILOSOFIA MODERNA E
CONTEMPORÂNEA:
ORIENTAÇÃO SOBRE
SEUS MÉTODOS
SUJEITO E LIBERDADE.
INVESTIGAÇÕES A
PARTIR DO IDEALISMO
ALEMÃO
ÉTICA, LINGUAGEM E
ANTROPOLOGIA:
PERSPECTIVAS
MODERNAS E
CONTEMPORÂNEAS
PROJETOS DE
FILOSOFIA III
O CONCEITO DE
TRABALHO NA
FILOSOFIA DE HEGEL E
ALGUNS ASPECTOS DE
SUA RECEPÇÃO EM
MARX
SANTO AGOSTINHO:
REFLEXÕES E ESTUDOS
LUIS
FERNANDO
MUNARETTI DA
ROSA
TIEGÜE VIEIRA
RODRIGUES
SHIRLENE
MARQUES
VELASCO
WALTER
VALDEVINO
OLIVEIRA
SILVA
2011
210
1º
E-BOOK
2012
211
1º
E-BOOK
2012
212
1º
E-BOOK
2012
213
1º
E-BOOK
FELIPE DE
MATOS
MÜLLER
2012
214
1º
E-BOOK
RICARDO TIMM
DE SOUZA
2012
215
1º
IMPRESSO/EBOOK
CHISTIAN
GERHART IBER
2012
216
1º
E-BOOK
KONRAD
CHRISTOPH,
AGEMIR
BAVARESCO E
PAULO
ROBERTO
KONZEN
JULIANO
SANTOS DO
CARMO E
ROBINSON DOS
SANTOS
FRANCISCO
JOZIVAN
GUEDES DE
LIMA
MÁRCIO
EGÍDIO
SCHÄFER
2012
217
1º
E-BOOK
2012
218
1º
E-BOOK
2013
219
1º
E-BOOK
2013
220
1º
E-BOOK
PEDRO
GILBERTO DA
2014
221
1º
E-BOOK
UMA INTRODUÇÃO AO
CONTEXTUALISMO NA
EPISTEMOLOGIA
CONTEMPORÂNEA
A FUNDAMENTAÇÃO
ÉTICA DO ESTADO
SOCIOAMBIENTAL
Homenagem aos 40 anos do
Programa de Pós-Graduação
em Filosofia da PUCRS, 1974
- 2014
Los aportes del itinerario
intelectual de Kant a Hegel
Comunicaciones del I
Congreso GermanoLatinoamericano sobre la
Filosofía de
HegelComunicaciones del I
Congreso GermanoLatinoamericano sobre la
Filosofía de Hegel
O QUE NÓS
CONHECEMOS?
ENSAIOS EM
EPISTEMOLOGIA
INDIVIDUAL E SOCIAL
* Livros ESGOTADOS
SILVA LEITE
JUNIOR E
LUCAS DUARTE
SILVA
TIEGUE VIEIRA
RODRIGUE
2013
222
1º
E-BOOK
ORCI PAULINO
BRETANHA
TEIXEIRA
AGEMIR
BAVARESCO et
al.
2014
223
1º
E-BOOK
2014
224
1º
E-BOOK
Héctor Ferreiro,
Thomas Sören
Hoffmann e
Agemir Bavaresco
2014
225
1º
E-BOOK
226
1º
E-BOOK
FELIPE DE
MATOS
MÜLLER E
ALEXANDRE
MEYER LUZ
2015
227
2º
E-BOOK
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