O Terror em Bartolomeu de Las Casas

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O Terror em Bartolomeu de Las Casas
Cultura Renascentista
1. Introdução
Bartolomeu de Las Casas assistiu à dizimação dos índios na sequência da
colonização espanhola. Envolto em polémica, este padre tentou proteger os povos
que caminhavam na direcção da extinção, liderados pelos espanhóis que como
europeus que eram estavam sedentos de ouro e novas oportunidades.
É no uso do terror descritivo que Las Casas faz na sua obra extremamente visual
e na análise da colonização espanhola sob a perspectiva renascentista e humanista
que se centra este trabalho. O objectivo será dar a conhecer o estilo literário do autor
e de certa forma decompor, por via da sua obra Breve Relação da Destruição das
Índias, o processo de colonização espanhola nas Índias.
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O Terror em Bartolomeu de Las Casas
Cultura Renascentista
Enquadramento Histórico
O grande movimento da cultura europeia que foi o Renascimento trouxe consigo
a promoção do Ocidente e a chamada era dos Descobrimentos. Sedentos de um
novo mundo, os pioneiros portugueses e espanhóis perseguiram por mar o sonho de
encontrar novas terras, novos povos e, acima de tudo, grandes riquezas. Com efeito,
os locais que pareciam inalcançáveis por mar, esse terrível obstáculo dos
navegadores, não tardaram a ser conhecidos pelas persistentes armadas, em parte
devido ao desenvolvimento das técnicas de navegação. Os oceanos, tidos como a
casa de terríveis monstros e tempestades, eternamente receados pelos marinheiros,
tornaram-se a grande via de comunicação que aos povos europeus forneceu grande
prosperidade e riqueza.
Foi neste contexto que os espanhóis, liderados por Cristóvão Colombo,
navegador e explorador genovês, descobriram as Índias, em 1492. E por Índias
entenda-se o continente americano, pois Colombo acreditava ter descoberto a Índia,
tendo na verdade aportado às Antilhas e descoberto a América. Este equívoco
geográfico viria a justificar o nome que seria dado aos nativos destas terras recémdescobertas – os “índios”. Não tardou a que os conquistadores espanhóis que se
seguiram quisessem colonizar estas terras que até então, e desde há centenas de
anos, apenas conheciam civilizações indígenas, ditas ‘menores’. Territórios como o
México e o Haiti (conhecido como a Ilha Espanhola) foram facilmente
conquistados, não só pelo poderoso armamento espanhol mas também pelo carácter
dócil e pacífico dos povos que eram controlados.
Das expedições que visavam a colonização espanhola fez parte Bartolomeu de
Las Casas que assistiu ao processo e viria a documentar as atrocidades dos cristãos
sobre os índios. Este homem da religião e do Renascimento terá assistido ao
sofrimento dos povos indígenas que eram assombrados pela carnificina espanhola.
Do decorrer desta experiência, viria a nascer a sua obra Brevíssima Relação da
Destruição das Índias (1552), onde relata de forma crua e chocante os
acontecimentos que presenciou e os testemunhos que recolheu.
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2 . Bartolomeu de Las Casas
Conhecido historicamente como “ o defensor dos índios”, Frei Bartolomeu de
Las Casas (1474-1566), frade e bispo dominicano, denunciou e criticou, através da
sua obra literária, a realidade aterrorizante experienciada pelos índios aquando a
colonização espanhola nos seus territórios. No entanto, consta-se que o autor terá,
nas suas primeiras experiências colonizadoras, concordado com a concepção
convencional de como os índios deveriam ser tratados, participando dos ataques e
escravizando-os nas suas plantações. Inesperadamente, Las Casas alterou o seu
comportamento de forma profunda, adoptando uma postura repreensiva destas
acções. Ter-se-á apercebido que as atitudes adoptadas não correspondiam à religião
que ele fervorosamente seguia, pelo que encontrou na sua transformação espiritual
(foi então que se tornou padre) um novo ponto de vista, defensor dos direitos
humanos.
Para além de outros documentos escritos por este autor, é constituinte desta
denúncia a sua obra Brevíssima Relação da Destruição Das Índias, em que Las
Casas descreve o registo cruel da prática assassina e criminosa que os espanhóis
exerceram sobre os índios sem qualquer motivo palpável, para além da sua maldade
e ganância desmedidas.
Aquela que era a razão dos ataques, a grande ambição por ouro e outra qualquer
riqueza, era disfarçadamente coberta de ideais cristãos que visavam a cristianização
dos povos, acreditando os espanhóis deter a bênção de Deus: “(…) dizem e escrevem
que as vitórias que sobre os inocentes alcançam , devastando-os, todas lhas dá
Deus, crendo que as suas iníquas guerras têm justiça” (Bartolomeu). É aqui que
Bartolomeu de Las Casas mais se impõe, afirmando que não são estes os preceitos
cristãos e relacionando estes actos hediondos e repletos de terror com a salvação que
para os espanhóis estaria longe. Tal era a sua indignação, que Las Casas chega
mesmo a subscrever e a dar razão aos índios nas raras vezes que estes se revoltaram,
conseguindo tirar a vida de uns poucos espanhóis.
A sua persistência ter-lhe-á sido benéfica, na medida em que conseguiu por parte
do governo espanhol algum apoio traduzido em leis que ditavam a protecção dos
índios. No entanto, essas leis de pouco ou nada lhes valeram, visto que os espanhóis
continuaram a sua ditadura.
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Em suma, este autor assumiu uma posição defensora dos direitos indígenas, à
semelhança de figuras como Padre António Vieira, descrevendo a colonização
usurpadora a que assistiu – a escravatura, a tortura, as violações, a morte, as doenças
que os europeus trouxeram consigo às quais os índios não resistiam, as fugas e as
revoltas dos índios e a frieza dos espanhóis. De sublinhar que tais descrições viriam
a manchar a imagem da Coroa Espanhola, que repetidamente negou a veracidade
destas afirmações, tal foi a influência desta obra.
3. O Terror e a Obra
O horror e a devastação sempre estiveram presentes na história, representando
qualquer época dos homens. E se todos os períodos históricos em si encerram
capítulos de barbáries criminosas e práticas cruéis, o Renascimento não é excepção.
Ao longo da obra de Bartolomeu de Las Casas, estes aspectos sombrios e algo
mórbidos são uma constante. Esta narrativa de terror ao estilo do século XVI que é a
Brevíssima Relação da Destruição das índias, conta com descrições vívidas e
gráficas que despertam no leitor o horror e, mais importante, levantam a questão da
dignidade humana e da religião, conceitos que estavam a ser desenvolvidos sob o
novo pensamento emergente do Renascimento.
Las Casas começa por caracterizar os índios como um povo pacífico, pronto a
acolher e acatar as ordens dos espanhóis: “Todas estas universas e infinitas gentes a
toto género as criou Deus mais simples, sem maldades nem fingimentos,
obedientíssimas, fidelíssimas aos seus naturais senhores e aos cristãos a quem
servem; as mais humildes, as mais pacientes, as mais pacíficas e quedas, sem
desordens nem tumultos (…)”. Desta forma, o autor cria laços de empatia que
partem do leitor para com estes povos, reforçando a maldade dos espanhóis que
exercem o seu poder de forma cruel e gratuita.
Ao longo da obra, Las Casas faz uso dos factos, apoiando-se em números que
reafirmam as suas verdades: “Daremos por conta bem certa e verdadeira que foram
mortos nos ditos quarenta anos, pelas ditas tiranias e infernais obras dos cristãos,
injusta e tiranicamente, mais de doze milhões de almas, contando homens, mulheres
e crianças; e em verdade creio mesmo, sem pensar enganar-me, que serão mais de
quinze milhões”. Tratam-se de evidências impressionastes que vêm denegrir a
imagem dos espanhóis.
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Mas o aspecto mais marcante deste seu estilo tão directo e revelador das práticas
dos colonizadores revela-se na descrição de determinadas situações, contando com o
detalhe e o pormenor mais mórbido para assombrar os leitores: “Entravam pelas
aldeias, não poupando crianças nem velhos, nem sequer mulheres prenhas a quem
rasgavam o ventre e faziam em pedaços, como se dessem com cordeiros metidos em
redis. Faziam apostas sobre quem de um só golpe havia de abrir ao meio um
homem, ou lhe cortaria a cabeça com uma espadeirada ou lhe poria fora as
entranhas”. Terá sido certamente esta abordagem directa do terror, do sangue, das
entranhas, no fundo a síntese do verdadeiro inferno vivido por estes povos, que
seduziu os leitores que se viram movidos pela curiosidade e pelo fascínio por este
universo mórbido e chocante. Talvez pelo terror combinado com a veracidade das
afirmações, esta obra foi um best-seller do seu tempo, sendo o livro mais utilizado
ao longo dos séculos para representar a expansão na América. Foram vários os
autores do Renascimento que viram nestas acções movidas pela ganância um acto
condenável, uma vez que abordavam, da forma mais errada e distante possível, os
novos ideais acerca dos direitos humanos que brotavam naquela era.
Nesta obra podemos denotar ainda o uso da tragédia, o que nos remete para a
tragédia grega da Antiguidade clássica. É uma conotação típica do Renascimento,
uma vez que os grandes clássicos foram recuperados e estudados, de forma a
promover o renascer da Antiguidade que traria consigo novas concepções e
mudanças radicais na cultura europeia.
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4. Conclusão
Não é exagero afirmar que Bartolomeu de Las Casas fez da sua vida uma
luta contra a destruição daquilo que ele considerava ser um verdadeiro paraíso e
dos verdadeiros detentores daquelas terras. Brevíssima Relação de Destruição
das Índias foi um livro bastante traduzido e um verdadeiro sucesso. Constituiu,
pela sua veracidade dos factos, um verdadeiro relatório político do seu tempo
que descreveu um dos maiores genocídios culturais da história. Este foi
sistematicamente renegado pelo poder político espanhol como se fosse tudo
mentira. Contudo, este registo história contém em si factos reais assombrados
por um incomensurável terror e pânico que assombraram os povos indígenas
durante anos e anos.
Este registo aterrorizador que viria a ditar o sucesso da obra, descreveu
com a maior fidelidade a repressão da religião indígena, o ataque cultural aos
índios, o roubo das suas terras…
Concluindo, é através do terror que Bartolomeu de Las Casas nos
demonstra um Renascimento que vai para além da arte. É, sim, um
Renascimento marcado pela expansão ultramarina, pela descoberta, pela busca
de riqueza que os europeus levaram a cabo e, em última instância, pelo
verdadeiro horror que se demonstrou necessário à promoção do Ocidente pelo
novo mundo.
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